Essa vontade extrema de não deixar ir o tempo e contornar o desaparecimento é o que impõe a fome em dizer, amealhar nas frases um sentido a todo custo disso que passa fulgurante aos nossos sentidos e some logo ali. Luzes acedem e apagam no limite das possibilidades, e mesmo assim, desesperadamente, as pessoas insistem dizer, querer narrar o que, na verdade, viveu no âmbito da alma. Contar, firmar padrões quase comuns a quantos, contudo fugazes imitações daquilo que veio e logo desapareceu no firmamento das horas, pedaços de momentos, fagulhas de sentimentos, cicatrizes, tatuagens da fama de seres e objetos, multidões doutros fatores, no entanto agora só imagináveis, talvez.
Disto, a insistência dos monumentos, das datas festivas, dos
amores gastos dos romances históricos, das fachadas, dos mercados, os slogans,
as feiras, estátuas, solenidades, até o fastio nos templos, nas ruas, nos
bosques, tradições, cantares... Querer narrar dalgum jeito o vazio do que antes
foi e agora ausente de tudo e de todos de uma hora a outra. Só então chegam as
falas desde sempre, ainda nas cavernas, então.
Esse hábito por demais invade o senso das criaturas e, quais
códigos secretos, daí vieram as falas, as escritas, os livros, jornais, revistas,
dramas, cinema, televisão, numa insistência esquisita de vencer o silêncio e
jogar ao limbo os sóis que existiram e deixaram aqui suas marcas no sótão dos
acontecimentos trazidos à saudade, às melodias, aos céus das consciências
individuais.
De tanto ser tal e qual, vagamos soltos nesse mar de pensamentos,
espécies de sobreviventes sombrios das luzes que brilharam quantas vezes e criaram
tantos sonhos e desejos feitos de carne a nos carregar nos próprios ombros do
Mistério que hoje somos. As palavras, pois, ser-se-iam versões do passado que,
nalgum lugar, seguirá existindo enquanto houve as recordações transformadas em
letras, suspiros vivos da certeza do Ser.
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