Em meio aos atos sacros da pequena capela da fazenda, sob a responsabilidade de minha avó e suas assistentes, outras pessoas se movimentavam para compor a cena alusiva aos sacrifícios de Jesus em sua paixão. Homens feitos se vestiam de gibões de vaqueiro, feitos de couro curtido, com caretas de gado a lhes cobrir o rosto, chocalhos pendurados nos ombros e armados de chiqueiradores. Com isso, passavam a montar guarda permanente em volta do território escolhido para o Sítio do Judas. Ali ficavam, fixados ao solo da bagaceira, galhos de árvores arranjados com frutas, rapaduras, bananeiras e outras prendas. Próximos à beira do caminho usual, as pessoas que circulavam nas imediações se viam na condição de se livrar da agressividade desses feitores, donos postiços daquele pedaço de chão.
As máscaras escondiam a identidade verdadeira dos que desempenhavam o papel de vilão, cobertos pela impunidade, a causar temor à criançada e aos adultos que se aventurassem a roubar o sítio como parte da trama.
Chegada a noite, os folguedos prosseguiam, envolvendo ações típicas daquele povo rude. Outro aspecto também me ficou retido nas malhas dessas recordações, quando conheci o jogo que implicava na prática de enterrarem um galo no centro de grande círculo, deixando de fora tão só a cabeça da ave. Os participantes, de olhos vendados, depois de girados sucessivas vezes, recebiam uma longa vara e com ela passavam a bater a esmo, procurando executar o bicho indefeso. Quem acertasse o alvo, ganhava prêmios e ovação dos espectadores postados em volta, numa algazarra que invadia a noite e contagiava a escuridão.
Da idade entre três e quatro anos, me conformei pouco tempo presenciando aquilo tudo. Em pânico, sobrou-me de único caminho retornar para casa acompanhado de pessoa adulta nem um pouco satisfeita de perder a festa, dado se tratar de coisa rara naquele afastado mundo.
Deitado, insone, acompanhava de ouvidos fixos, bem longe, as pancadas tétricas contra o solo, sob os gritos desesperados do galo, entremeados da farra alucinada dos circunstantes, barulho intenso a se manter até tarde da noite, trazendo clima sombrio a envolver o meu espírito. Afloravam diversas interrogações quanto à razão daquilo, o porquê do sacrifício. Uma dose qualquer de crueza marcava-me o sentido desses costumes primitivos, refletida nos modos comunitários que, mesmo agora, meio século depois, inquietam nas entranhas perguntas vagas a propósito de nossa natureza humana, afeita a gestos vulgares da mais fria violência adotada na forma de instrumento de poder.
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