Em épocas próprias de colheita da carne, se promovia uma chamada geral aos vaqueiros da redondeza para pegar os bichos nascidos e vividos naquelas matas abertas, bois que nunca conheceram currais e que só mostravam a silhueta agreste no escuro das noites, ariscos, caprichosos. Eram esses os bois mandingueiros, no falar do caboclo; dotados de manha, astutos, agressivos, imprevisíveis, só viriam a pulso custear a vida econômica dos homens cá de fora.
No terreiro das fazendas, se formavam as turmas de vaqueiros afamados, provenientes dos distantes lugares daqueles sertões, vestidos de couro dos pés à cabeça; chapéus de barbicachos coloridos, perneiras, esporas, luvas, peitoral, chicote; experientes, hábeis, zelados pelos senhores das terras e viventes quais jóias raras. Vaqueiros não raro também mandingueiros, rezadores, e que sabiam como poucos correr de noite junto das almas dos companheiros mortos, trazendo nos bornais as figas do outro mundo, afeitos no trato de antigos vaqueiros tombados na luta dos rebanhos afamados.
O boi tinha de vir, custasse o que custasse, vivo ou morto, mas tinha de vir; por vezes sangrado no fragor das corridas, emparelhado com os cavalos possantes. Rolava ao solo diante da força do homem, tempera da honra, no compromisso fiel da anônima batalha.
Ao vaqueiro se requeria as cicatrizes dos estragos noutras jornadas, credenciais em forma de pele marcada, sinais das refregas, um olho vazado, faces latanhadas, mãos retorcidas, ossos partidos.
Nessa faina, os vaqueiros persistiam semanas a fio. Alguns não mais retornariam; outros se perdiam e ficavam esquecidos mais tempo; extraviam montarias; viravam visagem.
As legendas dos bois eirados, ou mandingueiros, ainda agora permanecem no imaginário dos Inhamuns, quando pessoas se orgulham de registrar os feitos de vaqueiros notáveis de antanho, lembranças do Ciclo do Couro na história da primeira metade do século XX.
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