terça-feira, 8 de abril de 2014

Era no dois de julho

Primeiro de julho de 1971. Viajáramos de Crato para Ouro Preto, eu e Tiago Araripe, a fim de conhecer o Festival de Inverno daquele ano, realizado em meio às incertezas políticas do governo Médici. Pela primeira vez ultrapassava o rio São Francisco, porquanto conhecia apenas interior e algumas capitais das bandas de cá.

Duas da tarde e pegamos o ônibus da Pernambucana, itinerário por cima da Serra do Araripe, chegando a Juazeiro da Bahia no dia seguinte ainda com escuro. Daí bem cedo, tomamos outro ônibus, da São Luiz, que nos levaria até Salvador, onde eu iria morar, a partir do mês de agosto próximo, durante sete anos. Pedira remoção no Banco do Brasil, isso influenciado pelos livros de Jorge Amado, canções de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Maria Bethânia, além das amizades que fizera com grupo de baianos que morara em Crato quando de uma experiência de teatro sob os auspícios da Secretaria de Cultura, nos fins da década anterior.

Por volta das quatro da tarde, instalados no Hotel São José, na Avenida Sete, por indicação de Fani Norões, amiga de minha mãe, nos organizamos e saímos ao primeiro passeio, e qual surpresa nos aguardava naquela noite soteropolitana.

Logo que descemos a escada do prédio, nos deparamos com enorme e feliz multidão mobilizada numa portentosa homenagem a Castro Alves, a transplantar os restos mortais do Poeta desde o Cemitério São João Batista, no bairro de Brotas, ao monumento da Praça Castro Alves, na confluência da Rua Chile com a Avenida Sete, centro de Salvador.

Naquela data, dois de julho, no ano de 1823, se travara, nos cerros do Recôncavo Baiano, o mais ferrenho combate das lutas da Independência, eternizado pelo Vate em célebre poema (Ode a Dois de Julho). 

Jamais avistara tamanho civismo, colégios, guarnições militares, ordens religiosas, representações esportivas, autoridades, outras instituições e população em geral, nas calçadas, jardins, praças, lojas, edifícios. Assistíramos a demonstração inesquecível de reconhecimento público ao gênio literário Antônio Frederico de Castro Alves, nascido a 14 de março de 1847, em Curralinho (hoje Castro Alves, na Bahia), que findou ainda jovem.

Sonho vivo de gente, luzes, bandeiras, cores, instrumentos musicais festivos, fanfarras de bandas marciais em cadência surpreendente, inimaginável; fardamentos, carros alusivos, coreografias, grupos típicos, trajes, danças, ornamentos esfuziantes. Só depois conheceria melhor o espírito reverente daquele povo rico de cultura, raízes exponenciais da nacionalidade, preservador de valores originais, símbolos e cores fortes de sua gente. 

Dormiríamos de alma leve com tanta suntuosidade e bom gosto. 

Poucos dias passados, viajaríamos a Minas e ao Rio, onde encontramos outras oportunidades de conhecer de perto fontes vivas da civilização brasileira sob a qual resistem condições libertárias testificadas na obra imortal do Poeta dos Escravos.

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