Morar nos matos às vezes sujeita a reações imprevistas, quanto mais nesse calorão sertanejo de torrar o juízo de roceiros e passarinhos, pleno sol de novembro, na preparação do campo e espera de sonhadas chuvas.
Bom, mas o que se deu se deu com Alarico, pai de família, sete filhos e força nos braços. Caboclo destemido. Tronco largo. Nascido e vivido no fole dos riscos grosseiros do ambiente rude, perigoso. Quase nunca adoecia, máquina feroz de semear, colher e alimentar a população.
A primeira crise veio numa tarde depois de noite inteira na dança com o samba de latada na casa de João Preto, dessas festas do sábado. Desvairou de uma hora a outra, sem pedir licença ou bater cartão.
De indício, o mal pareceu coisa simples, menor. É que ele achou de se imaginar, veja só, no lugar de gente comum, um mero caroço de milho, sintoma grave de quem resolve endoidar varrido e fechar a cancela do brejo da sanidade.
Não viesse na sua direção qualquer galinha ou pato ou pinto que fosse; que bicho aparecesse, ele destampava correndo, desandado, na busca de esconderijo, tremendo, com medo da devoração incontinenti no papo desses animais pequenos. Fugia ligeiro, igual curinga de baralho em noite de lua nova nas mãos de freguês esperto.
Nisso de notar seu agregado tonto, o patrão, homem bom, cuidou de consultar, na cidade, um doutor de cabeça, que pegou a examinar os reflexos tardios do sertanejo antes forte, agora alienado de vez.
- Uhhh! Vai ter de virar interno alguns meses, na casa de saúde – prognosticou reticente o psiquiatra. – Logo há de voltar ao trabalho e cuidar de esquecer essas coisas desandadas.
Depois mais, o tempo passou seguindo estrada feito gente. Alarico pensava pouco, nem sei se pensar pensava no tipo de pensar das outras pessoas. Ficava desconfiado pelos cantos, de cigarro brabo transido nos beiços ressequidos, mordendo desolado o lasca-peito, amofinando pelo bico, dia a dia.
Lá numa dessas horas de fevereiro ou março, quando os perfumes da brisa indicavam marmeleiro florando noutras folhas e os açudes cresciam bonito, o matuto quis saber de falar com o doutor e pedir de volta sua querida liberdade antiga.
- Sim, senhor. Então agora reconhece que virou de novo gente sadia, não é? – indagou o médico do arisco paciente. – Pois diga mesmo isso de verdade, seu moço?
- Duvida não, doutô. Que coisa besta querer eu ser grão de milho. Nada a ver com aquilo tudo lá detrás. Sou homem vivo, bicho grande, e tem mais, quero voltar a casa do sítio.
Feliz da vida, o médico tratou ligeiro de assinar a alta do paciente e despachá-lo com o endereço da fazenda.
Nessa hora, o roceiro se levantou, deu uns passos, saiu de mansinho pela porta do gabinete. Ainda quis segurar o trinco da porta, e devolveu meio corpo à sala, a dizer num devagar apreensivo:
- Sim, doutô. Eu sei bem que não sou mais um caroço de milho. Sei, sim. Mas... o senhor já se lembrou de mandar avisar a notícia pras galinhas lá de casa? – rosto aflito, isso uns olhos de Alarico preocupado clamavam a resposta afirmativa do atônico profissional da medicina.
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