domingo, 2 de fevereiro de 2025

Ciganos


Avistei o primeiro bando de ciganos quando ainda vivia na fazenda do meu avô, em Lavras da Mangabeira. Um universo de bichos e tralhas com eles viajava mundos afora. Paravam onde lhes dessem arrancho, o mínimo de confiança a que pudessem montar acampamento.

Ali no Tatu permaneceriam algum tempo, semanas, na bagaceira do engenho defronte à casa grande, vasto pátio que dominava o centro dos acontecimentos da propriedade. Cumpririam à risca as intransigentes determinações do meu avô de não bulir na roças, nem nos terreiros das casas, à procura de roubar bichos ou objetos, pois sua fama era essa, de exímios espertos com as coisas alheias. Uma raça bizarra, cheia de costumes exóticos, a partir da linguagem utilizada, dotada de termos desconhecidos, entonação cantada; as mulheres, de longos vestidos de panos estampados e cores berrantes; os homens, com calças folgadas e camisas de cortes e desenhos noutros moldes, diferentes do uso sertanejo. Tipos humanos de características nórdicas, alvos alourados, olhos claros. As mulheres adotavam cabelos longos e pentes, laços e tranças nos cabelos.

Arrastavam consigo animais de carga e montaria, caprinos, ovinos, tachos, malas, baús, peças decorativas, adereços, múltiplos produtos para negócios que insistiam efetivar juntos dos que deles se aproximassem. Compra, venda, troca; o que melhor lhes rendesse.

A origem dos ciganos remonta o infinito das eras. Conhecidos por senhores das estradas, procederiam do Antigo Egito, da Índia, ou da Mesopotâmia, sem merecerem, da pesquisa histórica distante, a precisão exata de onde surgiram. Devido à língua que adotam, entretanto, prevalece a versão de que provêm das populações do noroeste do subcontinente indiano, regiões do Punjab e do Rajastão. Obrigados a emigrar, buscariam o Ocidente; África e Europa. No século XV, diante das perseguições contra judeus e muçulmanos, também foram discriminados. Chegaram a considerá-los malditos filhos de Caim.

Em Crato, acompanhei de perto, nos finais da década de 60, a agitação de um acampamento cigano instalado próximo à Estação Ferroviária, quando demorariam alguns meses sob os olhares cautelosos das autoridades locais. Moradores em barracas de pano ao estilo dos circos, exercitavam dia e noite a arte de fabricar tachos de cobre polidos com fórmulas químicas desconhecidas, em tamanhos variados, os quais vendiam aos circunstantes, numa profusão de outras atividades, leituras de mão, baralhos estranhos, rezas, sortilégios, simpatias, danças, cantigas, conversas misteriosas e falas cifradas que praticavam no grupo. Aquele panorama dava ares das feiras esquisitas do que se assiste nos filmes das histórias orientais e suas praças e mercados persas.

Depois, nas minhas andanças pelo interior da Bahia, notei presenças ciganas em regiões próximas a Salvador e pelo sertão de Jequié. Porém, nos últimos dez anos, quase nunca mais soube notícias desse povo nômade e aventureiro que marcou legendas durante os séculos da colonização na América, contudo senhores individuais de uma cultura sólida e peculiar.

(Illustração: https://brasilescola.uol.com.br/historiag/ciganos.htm).

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