A literatura dos interiores distantes traz em si um charme especial de quem sofre sozinho em meio às coisas que acontecem longe, no dia-a-dia do código interno da vida sob sete chaves, na alma calada, indagadora, febril, viajante nas encostas dos relevos imaginários, em sobrevoos de largas praias, no seio do coração, paixão crua de viver isolado e amar ainda assim sozinho.
E nisso o poeta vira doutor de ciência inatingível pelos
dedos da fria realidade. Peregrino de estradas desertas, examina cada urze e
cada pedra às margens. Mergulha nos prados da alma, abre portas de castelos
infinitos, abraça o próprio peito e consigo as multidões, mártir da mesma
ausência que confronta barreiras e o tempo, suas brisas abissais de madrugadas insondáveis.
Criar do nada, sentir o pulsar das veias e decodificar
palavras guardadas em gavetas bolorentas, atirar às futuras gerações punhados
de sementes douradas. O poeta e o território dos homens, missionário das
grandes navegações do furor dos indivíduos tempestuosos, espécie de cobaia no
seu estado mais puro de ausências.
Raimundo Elesbão de Oliveira nos conta tudo isso em versos dotados
de afirmações interrogativas de momentos agitados do ser. Suas aventuras
espirituais as deixou gravadas em forma de notícia-tradução aos pósteros que só
hoje revelam passos que deu na memória de uma época que se foi, a outras
gerações, em formato de livro.
Artistas sonham. Amam. Artistas
nutrem ideias, utopias, realidades tangíveis. Não lhes cabe produzir bombas,
metralhadoras, aviões de combate, tanques, fome, divisões.
Hoje, ao seu tempo, a literatura
propicia trabalhar a ciência nos seus níveis tantos, rumo ao potencial da
infinita criação, transformando-os em seres válidos, amigos, irmãos entre humanos,
a fim de construir sociedade nova, sem ganância ou competição exacerbada, livre
dos atuais derramamentos inúteis de sangue. Tudo perpassa o senso do estético e
disponibiliza constante mudanças de inspiração. E sentar e transferir ao papel
valores dignos, naturais, democráticos, das possibilidades em partilhar o amor
com as outras criaturas, dando exemplo de clareza no que pese a luta insana
cotidiana. A arte qual mágica de sonhos realizáveis pela força vital, a pleno
dispor da fértil natureza, meios efetivos, abertos ao público em profusão de
cores, distribuições, suportes.
Seus filhos e netos sentem a responsabilidade disso para com
alguém inspirado, que foi o avô e pai consciente, a registrar contrito os
refolhos grandiosos da paisagem íntima em palavras, gestos de interpretação,
testemunhos inalienáveis do que presenciou no dedilhar das eras contínuas.
Transferem com isso o compromisso de personalidade eminente para o seu meio, a
cidade de Araripe, no Cariri cearense, com atitudes clássicas e visão avançada,
chance única dos que viveram naquele contexto e não mais existem a não ser nas
descrições esmeradas de Raimundo Elesbão, a deter a escritura de seu posto de
observação, a corrosão da imperenidade dos séculos impacientes.
Falassem as pedras e restariam
semelhante angústia de autores e suas palavras prenhes de poemas e extrema
verdade.
Eis por tudo isso o que este livro (“A vida e o verso”,
lançado no dia 24 de outubro de 2009, em Araripe CE) quer guardar, o melhor
perfume notado de um senhor a um só tempo mestre, tabelião, conselheiro, filho,
esposo, pai, avô, amigo, autor, em comunidade interiorana do sertão do
Nordeste, escondida nos socavões da Serra do Araripe, cheia de tipos
inesquecíveis, dignidade provinciana e inspiração à flor da pele, nos tantos
mistérios de realidade multiforme. Estes versos lhes falarão disso com carinho
e continuidade, esperança de que outros reavaliem o penhor do sonho de tempos
ricos em paz e solidariedade brejeira.
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