sexta-feira, 10 de maio de 2024

A ouvir a si mesmo


Às vezes saio correndo atrás das ideias quais se viessem a desaparecer logo ali na próxima esquina, e mesmo assim elas desaparecem furtivamente quais nunca houvessem existido. Espécie esquisita de seres que dão de cara comigo, ficando assustados quando quero romper as cascas que os envolvem, e somem tais vagalumes largados à imensidão das noites. Isso já remonta as cordas invisíveis de tudo que ocorre aos meus momentos; e parecem fluir das máquinas de um poder impossível que existe nalgum lugar aonde quero chegar um dia. Mas que existem, existem, sendo só saber disto insuficiente a provar do quanto fico aguardando resolver a qualquer ocasião. Nisso, nós, aqui, seus meros expectadores, efetivamos diferentes oferendas mil, fascículos do que vêm e vão, serviçais do Destino sob o manto das miragens sucessivas. Andamos entre dois espaços, também agora inexistentes, o passado e o futuro; pelejamos conosco próprios, à busca das portas que venham sustentar de vez o fio invisível das horas que passam bruscamente e, na voragem, nos esquecem.

Tudo, porém, diante de nossos mesmos olhos acesos, que apenas fitam as garras do espaço, instrumentos do aparelho digestivo dos instantes ora cativos; pessoas, laços de sonhos em forma de minúsculos autores de histórias inesperadas, furtivas, fugidias. Contamos os únicos trocados do soldo que recebemos, pisamos cascalhos inextrincáveis dos ontens ausentes e adormecemos aos acordes das melodias que tocam no silêncio da alma, entre o céu e a terra; duendes nas florestas do mistério, dedilhamos leves harpas imaginárias e solfejamos as notas do Infinito ao nosso ver e resistir.

Quantas vezes aguardamos supremas revelações que fossem, no entanto reviramos nos lençóis as horas de madrugadas inteiras, nos desejos que sustêm a fome dos apegos e da saudade. São gritos fortes, distantes, que ecoam pelas quebradas do firmamento. Vultos silenciosos tecem ali segredos, na crosta da consciência, e somem feitos quem desde longe ainda sobrevivesse aos caprichos da sorte. Semideuses doutras dimensões, chegam e saem pelas mesmas frestas de onde vieram; criaturas lendárias, símbolos das lembranças do que consigo sumirá na mais pura inexistência, e ainda assim permanecem afeitos à memória dos que viverem outro tanto. Afinal só o Tempo nasce, sendo ele o motivo de tudo quanto haverá de absoluto hoje e sempre.

Nenhum comentário:

Postar um comentário