Ainda pequenos e eles revelaram igual vocação para a vida religiosa.
Filhos de pais pobres, os dois irmãos venceriam com ardor a oposição firme da família e buscariam o convívio dos monges, nas encostas íngremes em que se destacava dos penhascos, de acesso quase impossível, o secular monastério da província chinesa onde habitavam.
Empenhados que chegaram,
prosseguiram afeitos ao serviço contemplativo, ora ordenhando as cabras,
cumprindo tarefas na lavoura, nos jardins, na limpeza das celas, petição de
esmolas, viagens, cuidando de canteiros, videiras, orações, meditação, cozinha,
banheiros, etc.
Exímios instrumentistas, cantavam
e tocavam nas cerimônias fúnebres e nos dias de festa; sempre alegres,
dispostos, amigos.
Naquele lugar de tradições,
conservadas sob sete chaves em armário vetusto, existiam algumas peças de rara
porcelana, patrimônio só entregues ao zelo dos noviços de maior confiança.
Lá um dia, o mestre superior houve de empreender distante
missão, largando por algumas semanas a rotina comunitária.
Ao irmão mais moço coube, nesse
período, a manutenção das louças, quando, pesados seus esforços, escapuliu-lhe
dos dedos fina tigela originária de perdidas
dinastias e presente do Imperador aos primeiros devotos.
Gelado, sem cor, arrastando
magoados temores, o discípulo correr à procura do irmão mais velho e contou-lhe
aos prantos o infausto sucedido. Este levou o caso ao chefe do templo, que
debulhou extensas admoestações e ameaças.
Passados alguns dias, o superior
retorna ao mosteiro. Logo no dia seguinte, antes mesmo de entrevistá-lo o chefe
do tempo, compareceu à sua presença o irmão do noviço que quebrara a preciosa
tigela, para indagar:
- Mestre, toda pessoa que vem a
este mundo passa, ou não, pelo fenômeno da morte?
- Morre, sim, qualquer de nós. O
próprio Buda vivo cumpriu dita experiência – respondeu.
- Certo, compreendo – seguiu o
noviço: - E as coisas, mestre, entes esses que habitam as outras existências,
animais, vegetais, minerais, objetos inanimados, também descrevem o itinerário
da morte?
O mestre, percuciente, fixou os
olhos absortos no vazio distante e, depois de poucos momentos, definitivo
retornou:
- Sim, sim! Toda existência
temporal cumpre as três fases limites de nascer, viver e, um dia, desaparecer
nas sombras inescrutáveis da ausência de qualquer forma.
- Por isso, diante do
desaparecimento das gentes, bichos ou coisas, cabe-nos, sem revolta ou
constrangimento, aceitar o que acontece nas surpresas desta vida, assim podemos
concluir? – prosseguiu.
- É a pura verdade pensar do
jeito que disseste.
Bem nessa hora adrede preparada
pelo futuro monge, sorrindo maroto, ele abriu as bordas do hábito e apresentou
ao superior os cacos desfalecidos da antiga tigela que transportava às
escondidas junto do corpo, daí afastando-se reverencioso.
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