Venha comigo. Vamos juntos erguer a barra do horizonte e vislumbrar algumas imagens resistentes a esquecer. Parei, ouvi ruídos e flagrei circulando sorrateiras nesse espaço que habita a fronteira de mim com a memória, algumas ideias do mundo divisório, transcendental, filhas infinitas do ativo das horas e do ritmo trepidante lá no sótão pegajoso das pausas que pulsam sem parar, limite de coisas e inexistências.
Essas nuvens tradicionais de palavras conhecidas, sentimentos
às vezes impetuosos, impacientes poças d’água espalhadas ao longo do caminho,
deslizavam ligeiras em propulsão acelerada sob pés indecisos desta sombra que
passa numa velocidade selvagem, cativa de atitudes ferinas, a conduzir fragmentos
ao final de vários dias, causando reviravoltas no céu, algazarra festiva de
andorinhas alegres, inconsequente bando afogueado de colegiais no intervalo das
vidas.
Formas de juventude eterna, momentânea. Tudo possibilidades juvenis,
sonhos afinados com o vento, feira livre de escorregadias ilusões, lógica perene
de turmas de formação e contextos impostos por saltimbancos autoritários, na
cena que se abre ao expectador sequioso de nós próprios, riscos, papéis, recordações,
arquivos jogados fora, lama fermentada de velhos aniversários e alucinada
comemoração.
Com isso, a vontade farejava encontros novos, cruzamento genético
de letras e sentido, forçando com bravura o pulmão do parágrafo e gerando blocos
consistentes de valores, na alma dos calendários, marcas doridas, atos contidos
de luzes, cicatrizes, aventuras, pontos assustados no azul do firmamento, corpos
suados de notas musicais e pinceladas agressivas, sonhos absurdos, sementes plantadas
em outra dimensão, calada, quieta de querer, dentro das dobras dos corações celerados.
Energia que circulava toda a pele do momento, tatuagem de cascas de árvore estóica,
vítima do imprevisível carrasco pontiagudo, fagulhado, passado de folhas secas na
cascata das eras, tintas e sons assoberbados de dúvida ao impacto da emoção cristalina.
Com passos calculados, cuidadosos, de fera na busca do
alimento, ações sincopadas, o espectro arrisca estender mãos no oco do imediato
e lota de influência cada aspecto no seguinte do imaginário, e avança clandestino
pela greta entre as moléculas da ânsia, corredor vazio diante da sequência dos
acontecimentos, película dirigida autor genial, mestre do inesquecível e sábio todo
imortal.
De pronto, cresce nos olhos clínicos um tato suficiente a florir
de esperança fumegante o desejo, na areia da permissão, ainda que, consigo,
traga germes de interdição, todavia, consistente qual meteoro enlavecido na
farra vertiginosa da transformação dos impulsos em matéria prima, metamorfose
de açúcar em sal, mel em pólen.
Houvesse circunstância favorável, abrir-se-ia a cortina num
volteio de brisa, aos acordes do silêncio adormecido na leveza do mistério. Então,
luvas crispadas, nervosas, romperiam a vitrine da memória, e poemas e prosas jorrariam
em traços e sílabas, silvos e gemidos, inundando a antessala do furor, lívidos
atores do espetáculo do alvorecer, e pediriam à orquestra que jugulasse a noite
com fanfarras maravilhosas. Entretanto, o pano só se renderia aos metais,
largando desenhos conclusivos no ar platinado, sonoro, carrancudo, da presença
do senhor e soberano do inevitável tudo Isso.
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