Quando criança, eu ficava horas a contemplar as nuvens no céu do Sertão. Mil personagens deslizavam no azul formando cenas que se desmanchavam numa sequência interminável. Viajava nas asas do vento e presenciava histórias imaginárias que as nuvens ali descortinavam, eu e minha solidão afeitos a contemplá-las. Notava sem conta o instinto da visão interior no formato que fazia dos acontecimentos dentro da gente. Lá depois que vim considerar esse laboratório escondido que move a literatura, suas histórias, avaliações e camadas, dada a força poderosa que ativa a percepção e dilui pensamentos em forma de palavras, ideias, gestos, variações, tudo, enfim. Abstratos mistérios, expressões, nasce disso os segmentos que expandem a gente na produção do que se vive horas a fio nesse corredor da Eternidade. Nós, protótipos das consciências em elaboração.
Qual sonho vivo assim o é fluir pelas horas tais nuvens a
percorrer o firmamento do tempo que transportamos nas mãos. Uma a uma gotas, gestos
da correnteza viva que percorre nossos pensamentos e sentimentos, vão se
agregado de modo a criar significados nos aspectos vários dessa vida externa,
unida à interna em nós ao que conceituamos horas e horas, que resolveram
classificar de existência.
Pedaços de um todo invisível, presenciamos as reações desse
todo através do que somos, espécies de instrumentos de compreensão, moageira da
mais intensa função. Trabalhamos os fragmentos dessas horas que vemos e que
deixam marcas profundas ou superficiais na elaboração da presença. Tangedores,
pois, dessas manadas de tantas nuvens que circulam o céu da atualidade, com
restos largados ao passado e o desejo incontido de continuar para sempre nos
laços do vento, desfazemos aparências em ilusões. Expectadores e atores dos
dramas, aguardamos o fruto de nós próprios, na medida que necessitamos
prosseguir, conquanto alternativa não existe de puro desaparecimento, a não ser
comungar as visões e assistir enfáticos os olhos de alguém que precisamos
conhecer e distinguir dos seres que passam em um mundo que apenas some a todo
momento pelos ares do Infinito.
(Ilustração: Shamanicarts (reprodução).
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