terça-feira, 2 de maio de 2023

Caprichos do passado


Ó alma, não cunhe moedas com o ouro das palavras. O buscador é aquele que vai a própria mina de ouro.
Rumi

Por vezes me pego a considerar o movimento incessante das palavras dentro do pensamento, as surpresas das lembranças, os recintos da mente que parecem ter sua própria geografia cravada nesse mistério que transportamos. Surpreende a constância de como chegam os resquícios das horas lá de longe no passado distante ou recente, demonstrando que a gente é sujeito esquecer, porém há um ente vivo que dança livre entre as sombras das memórias. Vez em quando resgata lenços de recordações que jamais regressariam não fosse a tal persistência desse eu que, talvez até sem ter o que fazer, fica escarafunchando essas tais latas do lixo que sobrou nalgum lugar da gente ali por dentro.

Quero mesmo crer ter vida própria esse ente fortuito que surge de repente com seus filmes nas telas da imaginação e sacode andrajos envelhecidos, carcomidos, bem ali à minha frente. Vejo pessoas, repassam sentimentos quiçá nem realizados hajam sido, folhas soltas de livros abandonados naquelas estantes empoeiradas, ora inexistentes que fosse.

Isso que acontece de paralelo ao momento presente. Quisesse bem nem existissem nunca mais, entretanto voltam pegajosos, vingativos, insistentes, pois. Claro que sei ser nada fácil de enfrentar o barco desses afiados piratas do meu firmamento. Hora negocio, busco uma chance de neutralidade, porém sei que o assunto é comigo, porquanto fora o protagonista dos dramas que ocasionei, das vacilações escondidas debaixo de tapetes rotos, contudo peças do armarinho de atitudes, omissões e compromissos adiados, lançados na fornalha aquecida do Tempo.

Essa função tardia do que sou agora risca na alma um alerta quanto aos dias vindouros, porquanto pretendo admitir sermos réus e juízes da Natureza, de modo igual aos horizontes a que seguirmos, no intuito de, no momento exato, receber de Deus o perdão e a Salvação. Esses registros gravados a ferro e fogo na nossa consciência farão, decerto, o arredondamento do que de fiel transportar em nós, no nosso ser íntimo, de coração, memória, sonhos, virtudes, a formular o painel claro da nossa individualidade, fruto original do que seremos, autores e herdeiros da Luz que em nós se fará.

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