domingo, 13 de setembro de 2015

Amor ou interesse

Escutem essa história que ouvi recentemente de um amigo a propósito do seu genitor casado pela segunda vez. 

Depois de haver cruzado as dificuldades naturais do tempo, com a prole já criada, viúvo, isolado no meio deste mundo ocupado na corrida do ouro e da sobrevivência, eis que a idade e as cicatrizes passaram a pedir nova experiência amorosa, companhia de gente. Quando parecia desencantado na procura dessa pessoa, apareceu o anjo de candura que lhe amenizaria a solteirice. Contribuiria, com certeza, na alegria das derradeiras ilusões, a escorrerem os dois juntos pelas biqueiras impiedosas dos calendários. 

Daí, resolveu logo ajuntar seu nome e seus bens aos da mulata cheirosa e que dele se engraçou. Arrotearam o papel, nos registros do cartório, sina de partilhar cama e herança, ainda que isso pesasse nos ombros e na opinião de quase todos os filhos, cinco ou seis, não lembro bem.

Mas tomou gosto e casou, sim, em segundas núpcias qual se diz. Festa, passeios, vizinhanças, amizades fartas e esperanças reacesas.

Impiedoso, porém, o tempo seguia no curso cadenciado e constante. Depois de década e pouco, lá o amigo encontrava o pai assim meio triste pelos cantos, sozinho, amargurado, falando devagar. Senhor das agruras, contudo andando firme, calado ou desconfiado.

Preocupado, o bom filho resolve assuntar sinceridade e buscar o amigo querido a fim de detonar pergunta que guardava desde lá detrás, começos da relação do pai sessentão com a madrasta:

- Sim, meu pai. Quero saber um detalhe de sua história. Seja sincero, como sempre foi, e responda de verdade, o que sua mulher sente pelo senhor é amor ou interesse? 

Nessa hora, o pai levantou a vista, observou o filho sentado à sua frente a interrogar tão sério. E resolveu falar o segredo que guardava a sete chaves. Fez da fraqueza força, pigarreou e, sem titubear, explicou:

- Acho que o que ela sente deve ser amor... Só pode ser amor, pois em mim não demonstra o menor interesse - e baixou a cabeça, escondendo sorriso amarelo que insistia ocupar as rugas da sua face madura.

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