terça-feira, 1 de setembro de 2015

Leite mugido

Noutro dia, me deparei contando a respeito das madrugadas frias de julho, nas férias do meio do ano, época de íamos ao Tatu, meus pais e os filhos. Demorávamos algum pouco na mesma casa onde passara parte da infância, no sítio em que vivêramos perto de dez anos. Já morávamos em Crato desde 1953, e minha mãe, então, coordenava ações administrativas; mandava Lourdes na frente, de trem até Lavras e a pé no restante do caminho, isto para limpar as dependências do lugar, dando mínimas condições de utilidade à choupana que ficava fechada todo ano, que meu pai construíra com tanto carinho bem nos inícios do casamento. Vasculhava por dentro e por fora; deixava tudo um brinco; queimava chifres de boi nos cômodos, a fim de espantar as cobras do telhado; deixava o lugar no ponto de receber os antigos donos qual na fase anterior das nossas vidas.

Eram semanas de rara satisfação, inclusive levámos alguns amigos cratenses e somávamos os costumes do passado com as emoções do presente, articulando as primeiras aventuras da adolescência depois das experiências na cidade. 

Algumas instituições novas apareciam, sem, no entanto, nos esquecer das histórias de antigamente. Um desses comportamentos restava por conta do tempo de criança quando logo de manhãzinha íamos, bem agasalhados, beber leite no curral, cada um levando copo onde constava canela em pó e açúcar, ingredientes que diminuíam o gosto forte do leito bovino; a espuma que ficava sobre a boca parecia ligeiro bigode branco. Às vezes acrescentavam também alguma colher de conhaque de alcatrão, segundo os adultos para reforçar o sangue. Era leite mugido, colhido pelo tirador logo do peito das vacas, que ingeríamos ainda quente, na temperatura dos animais. 

O prazer daquelas manhãs vive nas lembranças de hoje, a tonalizar lá de longe com as cores de período simples as vivências originais das outras realidades. Depois, abriam a porteira do curral, afastando grossas madeiras de dentro dos furos laterais das pranchas ao lado da cerca, que, uma a uma, liberavam o gado rumo à manga no São Luiz, área do sítio de matas conservadas ao pasto dos bichos. Junto das vacas seguiam as ovelhas. Eis instantâneo do universo rural da época de nossa infância que guardo com carinho nos pousos distantes da memória. 

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