quinta-feira, 24 de setembro de 2015

O Amigo da Onça

Ele viveu em Crato ali pelos anos 60 e 70, cujo apelido casava bem na sua fisionomia de traços assemelhados aos do personagem Amigo da Onça, da revista O Cruzeiro, um dos apegos da mídia naqueles idos. O desenhista Péricles criara o tipo numa seção de fãs incondicionais, que, de comum, abriam a publicação já a partir daquela página. Nosso Amigo da Onça cratense, no entanto, demorava seu tempo nas imediações da Praça Siqueira Campos, a lavar carros, fazer biscates, escutar as conversações dos motoristas de praça; pessoa calada, discreta, sempre ligada no cumprimento das funções que desempenhava. O papel principal dele seria, talvez, testemunhar o quanto possuía na fisionomia a equivalência daqueles traços do personagem tão querido da hora, e que chegava toda semana de avião, das bandas do Rio de Janeiro, nas folhas da apreciada revista. Quem desfrutou o bucolismo da cidade daquela fase jamais irá esquecer Amigo da Onça, protótipo imediato da criação imortal de Péricles, qual dizia o subtítulo da própria ilustração. 

Bom, depois alguns anos, num desvão da sorte, Péricles deixara de habitar este chão
da Terra. Amigo da Onça também sumiria nas quebradas do tempo, e agora aqui recordo os dois, e conto o motivo da alcunha, originário de história tradicional do Sertão, que ocorrera entre dois caçadores, que agora venho narrar: 

Um deles contava suas peripécias da floresta de quando se deparara com onça pintada de não ter tamanho.

- Eu, sem esperar, e ela cruzou na minha frente. Quase pronto, dei de garra da espingarda, mas o nervoso foi maior e atrapalhou o tiro.

- E a onça, compadre, quer que fez na hora, ficou olhando quieta, desconfiada?

- Não, não. Veio em cima de mim com unhas e dentes amolados. Mas fui mais ligeiro; desgarrei mato adentro, naquele pega-não-pega.

- E ela, compadre, que é veloz que nem o vendo, e nada conseguiu de vantajoso?

- Saltei uma grota, cai do outro lado por cima de uma de jurema braba, e fui largando bornal e lazarina, que ficaram enganchados nos espinhos e garrancheira. Sentia de perto o calor, o resfolegado da bicha junto do meu pescoço.

- Nenhum sobroço, sopapo, arranhão, coisa nenhuma, compadre?

- Não. Nada, Livrava o corpo e fugia desesperado. Havia de escapar. Nisso, comecei a rezar com força pra Nossa Senhora.

- Então, compadre, vinha perto, ou ainda longe, o animal?

- Que é isso, compadre.?! Só pune a favor dela. Diga mesmo, você é meu amigo, ou amigo da onça?!

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