quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Água deu, água levou

Dentre as histórias que minha mãe contava, do tempo quando aprendia com sua avó o jeito de viver que aplicaria no decorrer de sua própria história, existem diversos provérbios os quais, à medida em recordava, pedia para os anotar e contar aos outros, ou escrevia, como quero fazer nesta oportunidade.

São brocardos populares cheios da sabedoria decantada dos tempos, alguns leves, engraçados; outros, no entanto, dotados de extremo rigor, como este que alerta sobre a malandragem dos varões para com as mulheres, num aviso de causar dó aos marmanjos irresponsáveis no trato com o sentimento alheio: Não confie em homem nem quando ele está dormindo. Os olhos estão fechados e as pestanas estão bulindo.

Nos cuidados financeiros necessários ao bem-viver social, há observações por demais pertinentes no que tange à relação com o dia de amanhã, tornada previdência útil a ordem capitalista de poupar a riqueza, sempre importante e válida: Cada qual faça por ter na bolsa quatro vinténs; no céu só entra que Deus quer, na Terra só vale quem tem. Ditado logo seguido de outro também versado nesse teor financeiro: Economize para ter e, quando tiver, economize se quiser.

Em filosofia prática e boa de exercitar, a memória acesa de minha mãe, em sua carga de experiências, trazia à boca palavras gravadas que servem de lição. E recordava dizeres do uso de seu pai, Antônio Bezerra Monteiro, exímio tocador de banjo nos festejos de Crato e nos brejos do pé da Serra. Dele me pediu que anotasse um dos chistes que gostava de dizer: Sou da lei da raposa, quando o Sol se põe ainda faço muita coisa. Ao contrário de outros, da lei da cotia, a quem, quando o Sol se põe, acabou-se o dia.

Vez por outra, ao deparar situações ocasionais, me vêm ao pensamento esses aforismos tradicionais, soltos na cabeça e preenchendo vazios de reflexão, a servir de alternativa no agir com o mínimo de senso. Nessas ocasiões, a voz de minha mãe parece dizer, ali perto, essas falas tiradas do baú das eras: Boa romaria faz quem na sua casa está em paz. De grão em grão a galinha enche o papo. Pelos santos se beijam os altares. Devagar se vai ao longe. Nem tudo o que reluz é ouro. Quem quer vai, quem não quer manda. Deus ajuda quem cedo madruga.

Nisso, as expressões matemáticas da vida surgem na forma de histórias pitorescas e moralistas, do tipo da que agora transcrevo em palavras textuais que dela ouvi.

Um português veio ao Brasil e aqui montou uma vacaria, passando a vender o leite que produzia misturado com a metade água. Algum tempo depois, retornava a Portugal, levando um macaquinho para mostrar ao povo de lá que ainda não conhecia o animal. Entre seus pertences, no navio em que viajava, transportava um saco cheio das moedas, fruto do apurado com a venda do leite. No decorrer da viagem, sem que notasse, o macaquinho deu de mão do saco e passou a jogar uma moeda no mar e devolver outra para o saco, até deixar só a metade das moedas. ‘Água deu, água levou’, assim pensou o homem quando viu o que sobrou da traquinagem do justiceiro simão.

Assim, de modo espontâneo, na didática da verdade, vem à tona o discurso informal das pessoas, restando aos que escutam usufruir o que a oralidade tão bem demonstra aos que querem ver.

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