Transcorriam os finais da década de 60 e o mundo vivia período atípico em forma de modificações nas idéias, a revirar o pensamento dos jovens, numa escalada que correspondia aos excessos da política americana para o Sudeste da Ásia, em países quais Vietnam, Laos, Cambodja e Tailândia, aonde guerras multiplicavam às reações estudantis nas principais universidades da Europa e das Américas.
Enquanto isso, artistas populares
repercutiam seus instintos rebeldes contra o neocolonialismo das invasões
russas na África, plena Guerra Fria, nos centros ricos do poder econômico, no
meio desses povos subdesenvolvidos.
A Geração Beat ganhara adeptos
com experiências psicodélicas, adotando a maconha e o LSD nas diversas formas
de manifestações e criando linguagens rebeldes nos estilos literários, musicais,
coreográficos, cinematográficos, teatrais. A moda integrava outras visões e
desnudava a mulher das roupas tradicionais, impondo cores intensas e cortes
inesperados.
Algo acontecia saído da Grã
Bretanha. The Beatles e The Roling Stones levavam às platéias ao delírio.
Cabelos grandes. Guitarras estridentes. Depois a morte feria ídolos mártires de overdoses. Palcos
feéricos. Altares de sacrifício. Amores. Paz. Largas interrogações.
Surgia o cinema de autor. Os
festivais de protesto. Woodstock. Hippies nas estradas. O tropicalismo renovava
a música popular brasileira. Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa, Tom Zé,
Maria Bethânia, Capinam, Torquato Neto, Rogério Duprat, Rogério Duarte, Os
Mutantes e vários outros nomes, reviravam as estruturas tradicionais da arte
nacional.
Coisas mil aconteciam, prenúncios
intensos da Era de Aquarius, no dizer das tribos espalhadas nos acampamentos,
praias e montanhas, shows das praças, repressões nas esquinas. Sonhos.
Pesadelos. Cheiro de pólvora. Perfume de flores, fuzis e baionetas.
No quadro dessas lembranças indeléveis que escorrem das
paredes cinzas, nas noites insones do passado, as imagens acesas de um filme, Blow-Up;
em português, Depois daquele beijo, de Michelangelo Antonioni, que
sacolejou as cabeças enfumaçadas. No elenco, Vanessa Redgrave, Sarah Miles,
David Hammings, John Castle, Jane Birkin, em produção anglo-italiana de 1966.
A trama de suspense contava história de um fotógrafo de
moda que registra, em parque londrino, cenas amorosas de casal desconhecido e
na revelação das imagens testemunha um homicídio. Proposto a desvendar o
delito, percorrer trilhas inesperadas e bizarras, quando nota o jeito
indiferente da sociedade face aos valores essenciais à vida. Ninguém parece
preocupado com as provas que consegue, acabando envolvido no absurdo da
realidade em volta.
Ganhadora da Palma de Ouro, no Festival de Cannes, a
película criava linguagem cinematográfica prenhe de simbolismo quase hermético
e indicava momentos questionadores das atitudes no apego a ídolos pops e
posições existenciais indiferentes que prevaleciam na época.
O filme fez adaptação livre de um conto do argentino Julio
Cortázar (Las babas del diablo) e exerceu forte influência também no
campo da fotografia de moda.
(Ilustração: Blow-Up, de Michelangelo Antonioni).
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