quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Acalma o meu coração

Esta força exterior e superior a nossas forças, a quem tantos pedimos durante as aflições, e a ela nos dirigimos e imploramos na grande mudança de hábitos desta vida. Ao que tantos, no transcorrer das existências e gerações, dedicam seu tempo por meio das crenças, nos rituais das horas e envolvimento com o mistério, este a quem pedimos de superar os limites aqui do Chão.

Por mais sejam prepotentes, avassaladores, os humanos baixam a cabeça diante do impossível. Naqueles instantes de contrição, revivem as lembranças dos antepassados e oram a seu modo de agora. Quais infiéis arrependidos, confrangem almas sob o peso dos destinos ocasionais, e erguem olhos aos Céus num gesto de humildade por vezes tardia. 

Almas contritas, pedem a Deus que lhes resgatem do que fizeram de aberrações face à liberdade e anseiam desarvoradamente um jeito de transformar os resultados que houveram plantaram. O arrependimento nunca, pois, será fora de hora. A presença de novas esperanças cresce nos horizontes, numa vontade férrea de nascer de novo e usufruir a sorte dos eleitos.

Eis a razão fundamental das religiões e dos sonhos, perspectiva de regressar a construir, desde sempre, as chances perdidas nos eitos da ilusão. E oram, e renunciam, imploram... Desses gestos nasce o fervor de crescer espiritualmente. Pois ninguém aceita o desânimo de só viver e em seguida desaparecer. Há o senso de preservação particular dos que pensam, bichos racionais, os humanos.

E resistir sem luta significaria desistir. Resistir na inteligência, na memória, que representa a faceta honrosa da natureza humana. Daí a busca incessante pelos princípios da sobrevivência além da morte de quantas seitas religiosas. A disposição em nortear os valores morais sob tais conotações e vivências. Preservar o conceito da Lei do Retorno, a quem merece o que receber. Por isso, valor essencial de evitar a desistência e o desespero, a consciência reclama evolução nos conceitos individuais. Sustentar a perseverança dos amores, e distinguir entre sofrer e amar.

domingo, 28 de outubro de 2018

O silêncio do tempo

Das grandes ansiedades humanas, por demais enigmáticas, uma delas é desvendar o futuro. Ao movimento constante de esferas harmoniosas, o tempo transcorre inevitavelmente força descomunal, silenciosa, energia de proporções inigualáveis, e pulsa em tudo, desde as estações do ano ao canto melodioso dos pássaros nas matas. Por vezes em síncopes inevitáveis, surpreende expectativas e acontecimentos, e reverte histórias, condições e valores sólidos. O Tempo, este senhor da Razão, ente respeitado de qualquer cultura, deus poderoso, pastor e dono das prendas e marés, que pare e devora as próprias crias; Cronos, dos gregos; o Sol, a percorrer os céus; Shiva, dos hindus.

Enquanto que recebe e devolve as ações dos indivíduos, exerce seu papel principal no reino da Criação, mecanismo de ação e reação, da Justiça e da Fortuna. Assim, espectadores privilegiados das maquinações do Tempo, dotados de visão e percepção, os humanos tão só transitam diante dos antigos passos, tais atores secundários e obedientes, parceiros desse pai que, da calma aparente dos bastidores, rege dali o tropel cadenciado das horas.

Nisso, resta atender aos ditames do mecanismo ao qual pertencemos, figuras da paisagem, mesmo dotados do furor das imaginações e do desejo, na febre dos frágeis domínios. Poucas interpretações chegam a compreender verdadeiramente o mistério desse autor maravilhoso que a tudo contém. Saberes muitos e os instintos da investigação olham de lado sua presença que significa o propulsor das existências e dos seres. Apenas um solene e suave deslizar de eras, sujeitos e objetos, perpassa o cenário numa espécie de luz que alumia e apaga, a fluir intermitente nas frações, durante o que anotamos  qualidades do que ele deixa existir a cada momento.  

Tempo de que somos parcela e nem disso percebemos com uma total clareza, dele dependentes e repasto; escravos e senhores; moléculas e fragmentos. Luz das almas, pois, o Tempo, de que somos visão e audição, na paz do silêncio contundente e da condição sob que vemo-nos submetidos bem de longe, a ele reverenciamos através das nuvens que cumprem os desígnios da sorte nos painéis do Infinito. 

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Uma transação solitária

Outro dia, pouco tempo antes, via um filme, Gravidade, que trouxera algumas cogitações do quanto é único o viver pessoal de que muitos buscam fugir através das ilusões. Resultados dessa tentativa, quanto muito, restam as ausências absolutas, posteriores de irreais alternativas. Correm, correm; escondem, se escondem; transitam por lugares afastados de senso; mergulham mares profundos de perdição e amargura; e calam solenes diante do mistério das muralhas da solidão, um, dois tempos além. 

Isso porque de todo somos ímpares face ao destino do ser. Alguns até adotam a alegria estéril qual motivo de conduzir o barco nas ondas de imprevisíveis. Dançam a valsa do adeus na forma obtusa que lhes aponta o instinto e sobrevivem aos furores das horas apenas de fantasias. A tanto chegam que significam jornadas escorregadias nos trilhos e nas dúvidas. Humanos seres, sons abafados dessa humanidade. Nós, a que viemos, aonde vamos?

Bom, uns fazem de conta nem ser consigo. Escodem a cabeça nos areais desses desertos de fama, corpanzis largados fora, olhos presos na escuridão das matas, porém há de se enxergar, menos tempo do que pensam, a força do desconhecido, porquanto detemos o dever de conhecer a todo custo, que isto aqui viemos: Descobrir razões de existir e desvendar o segredo da presença cósmica onde habitamos, olhos ruídos e almas impacientes. 

Lá no filme, protagonizado por Sandra Bullock, atriz considerável, em viagem nos céus de uma nave, juntamente com outros tripulantes, certa feita perde a companhia e deparar, na impossibilidade física, a técnica de um dia ter de chegar de volta à Terra e ser feliz. Lindas imagens. Cores estonteantes. Roteiro elaborado nos longos contatos por vezes impossíveis. 

De perto parecido ao drama desse lugar de cada um, naves vagando nos hemisférios humanos, jamais sustentados sob as convicções definitivas da matéria, nos diálogos frutos da coragem e do amor em que, de certo, seremos reconhecidos na paz deste sentimento puro que nos botou aqui.  

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Instinto de superação

O que chamam de vontade ou querer. Essa característica dos humanos que faz deles animais privilegiados, conquanto dispõem do recurso derradeiro da inconformação; reagir de forma pessoal na hora do desespero. Isso na personalidade equilibra o desejo com a satisfação, a fome com o apetite, ansiedade e angústia...

Raras ocasiões, raríssimas, o indivíduo aceita de bom grado a falência dos órgãos da alma, ainda que demasiadamente reduzido ao padrão comum da derrota haja de permitir o limite das possibilidades a que qualificam de morte e morrer. Porém a força de percepção franqueia novas descobertas no Infinito. São elas as religiões, portas abertas à esperança de viver sem interrupção nos páramos celestiais. 

Fossem dominar o querer na sua potencialidade máxima e ver-se-iam face a face consigo próprios, autores e criação de tudo quanto existe, poder da existência de que comungam todos, sacerdotes e mendigos, luminares e aprendizes. Dotados, portanto, dos motes da imaginação, peregrinam de olhos postos na ciência de Deus e alimentam a participação nos mistérios da Criação. Por isso, a força descomunal da presença do Ser nas criaturas, parcelas humanas que arrastamos conosco nas trajetórias do Cosmos. 

Quer qual instrumento de busca e descoberta, razão e emoção, luzes acesas na consciência e poder transformador do nada em absoluto. Máquinas de superar o tempo, abrem aos poucos o furor da Eternidade dentro de si e desvela o fator principal de sobrevivência diante dos maiores obstáculos. No senso nervoso da natureza, habita o deserto da solidão, no entanto na certeza da revelação de outros valores, estes definitivos e puros, autores do sistema da destinação no além do conhecido.

A força do querer, matriz da humana existência, portal da Eternidade. Luzes da sombras donde vêm, sobem o tabernáculo da matéria e, mais dia menos dia, encontram a sublimidade a que se destinam.

domingo, 21 de outubro de 2018

Os sequelados

Espécies de zumbis soltos nas ruas e nos becos, eles vagam pelas mesmas paisagens dos doces charmes de belos filmes estrangeiros que viram nas telas da vontade. Também denominados de tipos populares, atravessaram os mercados, as feiras, os guetos, e agora trocam pernas e poucas palavras nos encontros fortuitos do pelotão vacilante que foram. Andam de olhos vagos, peles amarelecidas nos desgastes da idade, engelhados debaixo das antigas tatuagens que já nem falam dos bichos surreais, símbolos, astros, palavras e frases das outras horas, dos ídolos que foram, artistas de desconhecidos, cenas e sonhos. Eles, que param à sombra das poucas árvores que existem nas praças, largados aos bancos solitários, mero cadastro de reserva jamais convocado e nunca levado em conta. 

Isto enquanto as cidades movimentam seus dias estafantes. Repartições, afazeres das oficinas, lojas, hospitais, salas de aula, fábricas, bancos, sustentos vários, esses veteranos agarram seus derradeiros raios de sol e restam contar do moafo que foram nas vidas abandonadas à própria sina. Tantas vezes consumidos em mesas de bar, jogos de azar, debates, discursões vazias, bancas de revista, festas, vídeos de televisão, baratos e farras. Entretanto corriam dias e horas, vistas presas só nas glórias vãs de entulhos, lixões e lágrimas; deixaram assim transcorrer os aniversários das eras sob o efeito de bebidas, drogas, fúteis prazeres. E agora...

Personagens, pois, ambulantes sem bandeira ou calendário, dispersos nesse tudo que passa à velocidade do vento, comtemplam as migalhas do que teriam sido lutassem nos campos de batalha de amores, fancarias e saudades. Cabelos grisalhos, calvos, às vezes, faces barbadas, solenes, tais homens dos antigamente olham dentro do futuro sem saber nem quando haverá o balanço do mistério e possam regressar a novas aventuras errantes. 

No céu das almas, vadios, lentos, lerdos, sem planos ou metas, os sequelados da raça indagam absortos que fizemos, fazemos, faremos da força que circula as veias e clama a luz da Consciência. Obtusos pincéis das nuvens cotidianas, lá adiante, talvez, viram sobejos das ilusões em que pediam paz e a deixavam no abandono de quartos escuros, vícios e adiamentos. 

Há que haver memória nos que combinaram escrever. Nas epopeias, nas lendas, em lousas de cavernas e nos fosseis, essa verdade do que teremos sido será realidade um dia, e haverá em tudo melhor aproveitamento perante os tribunais da Eternidade. 

(Ilustração: Inferno, de Botticelli). 

terça-feira, 16 de outubro de 2018

Vidas sucessivas

A razão externa do homem pensa que só esse olho externo existe e agarra-se a ele, pois diz que não existe outra visão.                                                                                                             Jacob Boehme

Sob a ótica do Budismo, o que reencarna é o que o homem fez do seu passado, e disso carece de libertação no intuito de obter a Salvação, desde quando, então, se tornará coautor das obras divinas ao chegar ao grau absoluto da Pureza espiritual. És, portanto, aquilo que de ti fizeste no passado, ou seja, o carma, na denominação budista. Conquanto o que regressa ao mundo físico será esse carma, ou dependência, ou apego à paixão dos sentidos, os vínculos carnais de antes.

Face aos mecanismos da Evolução, desde que desvendes o caminho direto à Purificação, destarte evitarás ter de retornar ao Chão e aqui permanecer durante quantas vezes necessárias sejam no objetivo de revelar em Si a verdadeira e eterna natureza de que vem dotado. Nisto o conceito de Jesus de sermos Deuses e ainda não o sabermos. 

Apenas que, no decorrer da história terrena, o indivíduo obterá a consciência e a consequente Libertação. A matéria significará, tão só, instrumento de aperfeiçoar a essência do que já somos ora dotados. Há, com isso, que vencer o espelho externo e mergulhar no universo interno, a matriz e transcendência do Ser. Perante esse laboratório real que exercitamos, de transformar chumbo em ouro espiritual, resta aos humanos o princípio da auto revelação a que viemos, e vencer, percurso natural das existências enquanto presas na matéria.

A luta, no processo de admitir tais considerações, varia de pessoa a pessoa, vez os diferentes níveis de aprimoramento onde estivermos, ao que Jacob Boehme também observa: O homem sente o desejo de Deus (de outra visão) mas o demônio para onde o homem se virou, coloca um véu e encobre essa outra visão desviando sua atenção para a pompa do mundo (e o homem morde a isca e deleita sua má imaginação nisso), para o homem não a ver e não ser despertado para ela. 

No transcorrer das reencarnações, novas chances de conhecer e agir sob tais valores oferecem meios e vontade latente aos seres, neste processo de permanente conhecimento intuitivo. 

(Ilustração: Arte vedanta).

domingo, 14 de outubro de 2018

A dança cósmica


Os dias, passos firmes do Tempo. Há uma lua no céu. A Lua, senhora das estações. Também no íntimo das criaturas, esta presença do movimento das marés em nós mesmos. A todo segundo, os pulsares, quasares, astros em atividades no Cosmos, bem no âmago dos sentimentos, nesse andar de Deus no senso das pisadas dEle na existência dos ritmos, na melodia do espaço infinito a mergulhar nos segredos inesgotáveis. 

Dotados das lembranças que não apagarão jamais, andam os comboios à margem do rio das mutações. Eles, os testemunhos das histórias guardadas a sete chaves na terra da consciência, aventureiros da sobrevivência nesses universos paralelos da fertilidade. Dois a dois, os animais transportam a herança da Eternidade em nós. Enquanto correm as nuvens no firmamento, desliza o fio das tradições escondidas no âmago dos indivíduos.

Buscar noutras estradas a fortuna da felicidade que carregam no coração à busca da concretude, são sedentos de absoluto. Gritos de ecos que somem no vazio dos segundos, vivem as questões nascidas da ilusão. Por vezes até quem foge sem, no entanto, saber aonde. Amantes da certeza de que algo esperam nas dobras dos caminhos, sorriem enquanto guardam consigo o senso da oportunidade que virá à frente. 

Resta, pois, a menor dúvida de que alguém sofre de solidão antes de avaliar a liberdade que mora lá no centro do Sol. O poder da Criação que troca a essência no sentido da força, ela que a tudo coordena e alimenta. Viver essa plenitude da humana libertação das prisões de quanto tudo pede crescimento, e grandeza em nós. Sustentar a certeza de conhecer a luz deste ser que somos, que reclama de nossa atenção a todo instante, e nos convida a olhar nos próprios olhos, e desvendar o quanto de firmeza impera no universo daqui de dentro da luminosidade. 

(Ilustração: Colagem, Emerson Monteiro).

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Ninguém é ruim por inteiro

Não tenho amigo, não tenho inimigo. Todos são meus professores.
                                                             Emmanuel (Chico Xavier)

Dentre os tantos que conheço, há uns que, por mais que queiram ser ruim, ainda lhes sobra algo de bom que predomina. Esforços fazem, sem dúvidas, na intenção de atingir seus objetivos. Mas os danos que ocasionam sempre deixam lições, ensinos valiosos, a quem recebe, porquanto precisa criar marra, no dizer do povo, e aprender a conviver nos conflitos, vencer desafios, intempéries, sacanagens, e crescer. No mínimo exercitar o princípio da humildade, da paciência, do perdão, das boas crenças. A semelhança de quantos outros, no meio desses também nós sujeito sermos parecidos; o mundo vive cheio de bons professores que exigem da disposição dos alunos de aprender lições diárias (quem sabe?) rigorosas.

Das práticas da natureza, os meios oferecem alternativas de novos conhecimentos a todo instante. Desde simples fenômenos dos reinos existentes, somos submetidos às leis coercitivas. Cada passo representa a chance do bom aprendizado. Instrumentos de evolução, nada passa ao largo nessas oportunidades de conquistas; doutras, de decepções, contudo livros abertos ao dispor dos viventes, formigas ou tartarugas. 

Destarte, sucessivas ocasiões oferecem as formas ideais do desenvolvimento. Vêm contrariedades, e com elas os instantes inigualáveis de examinar com carinho onde pegaram os caprichos individuais, a credulidade excessiva, o orgulho, e daí limpar os campos da virtude toda vez que um pouco mais. Crescer à medida dessas horas de frustração, que alimentam a força de continuar e reconquistar a nós próprios do que temos de melhor, pois fraquejar, nunca.

Os melhores professores exigem, organizam e incentivam através desses atos talvez infames, no entanto salutares, nos domínios da educação original. Nalgumas tribos das florestas, ao chegar à idade do guerreiro, aos jovens impõem condições desafiadoras, quiçá brutais, principalmente para os olhares ditos civilizados, isto no sentido de obter as respostas necessárias a sobreviver nos embates daqueles mundos primitivos. Os acadêmicos denominam esses castigos de ritos de passagem. A civilização dos urbanos também utiliza desses ritos através dos grupos sociais e dos colegas de shoppings, turmas e engarrafamentos, eles os despertadores das hordas cotidianas face às novas gerações.

(Ilustração: Ritos de passagem, filme de Chico Liberato).

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Música no ar

Tempos esses das circunstâncias que lembram cena derradeira do filme Ran, de Akira Kurosawa, o clássico diretor do cinema japonês. Os dois clãs que atravessaram toda a história em constantes entreveros, ao término, no confronto se digladiam na batalha monumental. Em longa planície recoberta de verde vegetação acontece o momento da grande luta. 

Os exércitos exaustivamente bem equipados partem um contra o outro. Guerreiros. Cavalos. Flâmulas ao vento. Armas afiadas aos moldes do período feudal no Japão. Metais. Gritos. Armaduras. Esfacelamentos. Sons de fantasia. Dores. Agressão. Temor. Terror. Marchas de entrega à destruição quais desejos de fatalidade agregados no bloco da extrema agonia.

Na ocasião da película, a fotografia, que enquadrava todo cenário dos exércitos no transe fatal, diminui suavemente a vista dos elementos e começa subir, subir para longe no alto, distanciando o quadro e ampliando a perspectiva da visão inicial. Lado a lado com esse afastamento do campo de batalha, o som principia também desaparecer até chegar a silêncio absoluto. Quase invisíveis, bem longe, minúsculos seres ainda fervilham na paisagem colorida tais pequeninos insetos num desaparecimento gradativo. 

Adiante, certa feita, ao ser indagado quanto o que representava, na linguagem do filme, o distanciamento e o silêncio posteriores daquele momento, Kurosawa diria ser assim que interpretava o modo de Deus observar as criaturas humanas e suas aventuras fugazes neste chão. 

...

Semelhantes estações que afastam, das jornadas pela vida, os quadros cotidianos somem da cena e ficam perdidos na dimensão dos sonhos, esquecidos, pendentes das memórias que esvoaçam, pois tudo passa. Objetos. Situações. Emoções. Lugares. Pessoas. Planos. Espécies de nuvens de céus imensos vêm e vão à velocidade dos astros, nas gravitações do firmamento, dias e dias, noites e noites. Que antes parecia meteoros descomunais viram meras luas de mundos ora inexistentes, reinos ou farsas de personagens largados ao silêncio mais absoluto dessas cenas que se sucedem. 

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Motivos de amar a Civilização

Alguns talvez imaginem razões de contrariedade. Ficamos longe disso, entretanto. Há motivos de sobra de otimismo neste mundo. Os ventos sempre serão favoráveis aos navios que tenham aonde chegar, no dizer de Sêneca. Olhar em frente e seguir, ainda que diante de aparentes contradições. Tudo marcha inexoravelmente (inevitavelmente) a um fim útil, isso livre de opiniões gerais adversas. Força poderosa, mais até que força poderosa, o próprio Poder, a tudo conduz. Se é assim assim deverá ser. Coincidência não existe. O acaso é mera cogitação mental. Resta, pois, aceitar de bom grado os transes pelos quais tenham que passar todo tempo, individual ou coletivamente. No centro de um furação existe a paz, vem da Lei, causa primeira do quanto persistirá. 

As gerações guardam a sabedoria que significa Cultura, de pessoa a pessoa transfere o primor das consequências. O que competirá aos viventes, desenvolver a consciência e divisar o objetivo desse movimento. 


Uns procuram descobrir a essência do bem-estar; outros, entretanto, insistem chocar contra os rochedos e as limitações. Esquecidos da ciência da água, esquecem o princípio universal da adaptação aos valores da realidade. 

São tantas as conquistas da inteligência que nem todos os livros até agora feitos jamais comportariam tais resultados humanos da História. O que a raça humana ocasionou do uso dos recursos originais contam a favor do empenho da boa vontade dos Céus. Carece, agora, tão só trabalhar o resumo desses resultados e estabelecer a Verdade no coração. Vencer o egoísmo que precisa ser dominado e plantar o Bem no senso das criaturas; praticar o que aprendemos das fórmulas inteligentes e efetivas.

Deixamos claro o que avaliamos: Mesmo que haja o que repensar, lastro enorme de valiosos resultados indica o destino a que os humanos anseiam e decerto viverão no passar dos dias do Futuro. 

(Ilustração: Foto de Emerson Monteiro).

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

As marcas do tempo

Nem sei (e sei!) o motivo dos humanos gastarem tantas vezes lambendo as feridas e com medo das cicatrizes que a vida impõe no decorrer das horas intermitentes. Depois, se acham velhos e feios, e tal... Ninguém aceita de bom grado o pisar dos dias; ou aceitando, ficam esdrúxulos, calados, quando veem cair os dentes, as linhas das rugas, a sequidão da pele, pois os conceitos estéticos custam moeda corrente e mistura a cabeça dos racionais feitos ácido, machucam de criar calo na alma das criaturas. Ninguém que se preze gosta de olhar o espelho de passados que já foram, quatro, cinco décadas atrás em agruras e prazeres a fio, e dramas ocasionais pelas quebradas deste chão transitório. 

Porém, ah! poréns dessa jornada terrena... Todavia (vamos mudar o termo) de pouco adiante recalcitrar contra o aguilhão, no dizer de Paulo de Tarso, porquanto a história nem muda de página quando quer passar adiante. Vamos nós, alimárias, tangidas pelo senhor do Tempo no rebanho dos momentos, laranjas do mesmo saco, ostras nos rochedos distantes. Ou descobre a que veio, ou há que regressar quantas vezes necessárias aos aprendizados, tempos e tempos. Velha submissão aos valores eternos, vamos premidos às moedas dos desejos, cabeças focadas no interesse individual e satisfeitos da sorte, quando muito.

Nisso, a força da sabedoria de quem na tem, viver com mínimo de sensatez perante o destino e as eras. Querer, ou confrontar, pouco importa, se importar. O padrão serve a todos, pobres ou remediados, nas hostes dos vagões espalhados nas galáxias, atores ou diretores; sujeitos ou objetos dos seriados em voga. E tempo trará de fora adentro orientações de humildade aos que abrem os olhos neste sonho exótico. Que é que aprendi até hoje dessa engrenagem de trituração de matéria em espírito?

Bem, quase só isso, dessas reflexões periódicas das perfectividades, desse amor de gente que existimos a trocar passos. Querer o mínimo de coerência no teatro das ilusões de conhecer o mundo em volta. Tocar as circunstâncias e transformar gestos em trilhas na barriga do Tempo, quais instrumentos da compreensão de tudo em movimento. 

(Ilustração: Colagem, Emerson Monteiro).

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

A luz do silêncio

Isso de procurar tanto e tanto por vezes fere a paz das criaturas humanas. Saem feitos abismados à cata dos cascalhos que preencham o apetite e deparam fechados os portões da felicidade. Batem cabeça nos enigmas do Universo e aceitam que a derrota ande junto das ilusões que, no entanto, alimentam o fervor de continuar. Contudo tanto faz que seja de tal modo, insistem nos hábitos e aceitam de bom grado o desgosto qual atitude constante, teimosos aventureiros de si. 

Há o contraponto nas estradas, pois impera no ventre das circunstâncias essa mostra imbatível das essências principais cotidianas, a justeza das grandezas que são todos, entes infalíveis das existências. Dentro mora de verdade a certeza de andar no rumo de encontrar lá um dia, ou talvez daqui a poucos instantes, o pouso da conquista, pois ninguém que seja o dono único da exatidão das matemáticas. 

O ritmo anda solto nas mãos da realidade. O ser guarda em si o senso da liberdade, que significa o índice da plenitude. Dalguns passos das presenças bem logo ali viceja a força da harmonia de tudo de que somos testemunhas privilegiadas de nossos próprios, senhores da vontade que caracteriza a consciência de que fomos donatários. E dessa beleza indômita marchamos ao prumo da alegria e dos sons, herdeiros da Verdade.

Quanto de perfeição reside na alma das pessoas a poucas palavras da compreensão dos segredos vivos no território da amabilidade. Autores do mundo que habitamos no íntimo do mistério desta vida, cá vamos a tanger o rebanho dos pensamentos em festivais de sentimentos; adotamos meras angústias que representam a tranquilidade, porém guardamos nas sete capas do coração a conquista do dia da realização. 

Canções felizes das mais doces emoções evolam do peito em momentos de enlevo que acalmam os desejos de agora e clareiam de prazer espiritual a consistência das horas queridas. Pastores das condições dessa história, abraçamos o silêncio que fala da esperança e das boas transformações no centro aonde um dia dominaremos o Infinito.

terça-feira, 2 de outubro de 2018

Humana condição

Isso de aguardar o que há de vir sem, no entanto, haver tido ainda possibilidade mínima de saber superar os limites da sua pequenez... Andar às tontas no seio da própria sombra em que vagueiam dias e dias nesse mar de tormentas... Querer, porém só longe do desejar profundo... Presas do desespero no que vicejam os animais do rebanho, aspiram aos tetos do Céu...

Mãe de tantas filosofias geniais, lhes restam exercitar o senso de renúncia aos apetites imediatos. Estradas longas essas do tempo. Alimárias impertinentes, golpeiam de dúvidas as poucas certezas mais seguras e os meios de que utilizam nas viagens interplanetárias em volta do eu imenso das vaidades e dos apegos. Vez em quando alguns laços desgarram alguns no espaço infinito da santidade, entretanto testemunhas que pesam sobre os que aqui deixaram abismados, espécie de cordeiros levados ao sacrifício dos deuses distantes lá longe nas embocaduras do mistério.

Naquelas ocasiões, regressam às cavernas, munidos de ossos amarelados guardados na caixa das adivinhações e perguntam sempre as perguntas rigorosas de onde viemos, que fazemos agora e aonde iremos nessa longa jornada a astros incandescentes. Em que mundo, em q'estrela Tu t'escondes embuçado nos Céus?! Todavia de algo têm forte convicção, ninguém veio a semente... Carregam o instinto da sobrevivência no ser das grandezas e do Infinito cósmico.

Afeitos, pois, aos dramas do horizonte desconhecido, vivem às turras com os demais, na ânsia de poder e de domínio das outras criaturas semelhantes. Querem chegar à frente, sem conhecer nem a que lugar onde ir quando chegar nesse pouso inimaginário. Homem, esse bicho desconhecido rumo aos sóis desconhecidos da visão e do coração. 

Munidos da procura sob a qual criaram seus amores, as caravanas sem par deslizam no deserto das horas e velam os ventos das existências, olhos postos nas dobras que alimentam os passos e sujeitam aventuras intermináveis.

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Preceitos e emoções

Enquanto falas, a palavra voa no vento, sujeita a penetrar ouvidos e chegar aos corações. Nos diários, documentos e decretos, viram leis que regem o cotidiano e as pessoas. Bilhetes, cartas, mensagens, prescrições, manuais, formulários, planejamentos. Lá mais adiante, vira literatura. E nessa hora, poemas, prosas; romances, novelas, contos, crônicas, memórias, registros históricos, compêndios, etc. 

As falas originais dos primitivos ainda ecoam pelas cavernas do tempo e chegam nos dias de hoje feitas de pedras, papiros, couros, argamassa, inscrições rupestres, magia simpática, fotografias do pensamento dos ancestrais gravados a fogo em metal, nos cascos de tartaruga, peles de animais pré-históricos, fractais, troncos petrificados, lastros perdidos de embarcações submersas, ruínas de grandes batalhas, sítios arqueológicos, pedras da Roseta, pirâmides e lagos submersos.

Quase humanos, tais registros permanecem contidos nas florestas virgens da Eternidade em forma de herança marginal da História que desmancha no ar feita o risco deixados desses aviões que fogem marcando de rastros cinzentos os céus. Pedaços das vivências em sinais do esforço de preservar por fina força, através dos códigos resultantes, as falas produzidas em tempos idos, são meros farrapos da memória das criaturas. Dali que nasce o ofício de escrever, norma de sobrevivência das emoções que insistem permanecer, crescer, antes de desaparecer, não fossem os aventureiros da luta contra o silêncio no atrito das gerações que sucedem as gerações. 

Peças que andam largadas nos monturos da cantaria, restos de visões dos aflitos de plantão, eles, os autores, retêm das luas essa força da inspiração por vezes enigmática e febril, confrontam traças, carunchos, máquinas incendiárias dos vândalos, a fome dos séculos e a fertilidade do solo. Nisto, saem soltos contando de tudo nas folhas do quanto persiste do pensamento que não seja só a ação da trituradora das incontidas vaidades. Querem a todo custo reter nas malhas das imaginações literárias o desespero aflito que cerca objetos e corpos em queda livre, na correnteza do inevitável. Eles vão junto, no entanto, porém senhores do norte que existe no meio da perdição e do sonho.

(Ilustração: Paul Klee).