domingo, 31 de março de 2024

Memórias de uma tarde nublada


Trovões ao longe, sobras do dia e sensações que se esvaem pouco a pouco em forma de lembranças vagas que ficam nos corredores da ausência. Além disso, as distâncias que silenciosas invadem a calma. Buscar boas impressões de tudo que trata de sumir nos vãos do firmamento. As imagens. O silêncio grandioso. Pequenos trinados dos derradeiros pássaros ponteiam de mistério a existência. Isto bem mais que uma mera paisagem, um bocado das vidas no movimento das cores e do vento no horizonte.

Daí uma necessidade urgente de saber a quanto andamos na crosta deste Chão monumental. Resquícios das notícias do que sumiu. Desejos incontidos das horas em querer renovar amores adormecidos e momentos felizes ora imaginários. Um tudo de palavras soltas que insistem buscar respostas nos pensamentos humanos. Querer a qualquer custo desvendar o sentido dessas inscrições grudadas em si nas dores do tempo que foi.

Só outra tarde, dessa vez envolta de nuvens carregadas de chuva, também forma de transcorrer os céus e contar suas longas histórias que nunca terminarão de acontecer em algum lugar.

Neste cenário difuso de luzes sem sombra, no desenrolar do sentido das presenças humanas diante do enigma que carregam, na face quase escura da noite que aproxima. Seus sons de animais a vaguear no impossível e depois somem ao surgir do novo dia. Aonde seguirá o Tempo? A necessidade imensa das definições que a tantos perseguem, e depois serão meros desaparecidos, pelos trâmites das gerações.

Todos com isso a descrever seus instintos na ânsia de clarear os sentimentos. São muitos, são tantos, viajantes dos sóis. Enquanto que essa vontade soberana de viver persistirá sempre a pedir trégua aos impulsos das dúvidas. Assim, esteios de saudades e sonhos, mourejamos uns e outros, na esperança e na fé, quando, então, iluminaremos o coração do que aguardávamos das heranças e dos destinos.

sábado, 30 de março de 2024

Impressões do coração


Ainda que pensasse fazer mais do que o necessário em matéria de amar, tornara-se insuficiente qualquer esforço neste sentido, vez que gestos por si só atrapalhariam sobremodo, a redundarem inútil a força do carinho que ambos nutriam um pelo outro, mesmo que as aparências demonstrassem diferente, a se medir pelas conseqüências das recentes providências.

Falassem ou agissem, a vibração que circulasse geraria dividendos melhores do que os da véspera, complementos de atitudes abstratas na relação entre os dois. Com isso, as coisas ganharam corpo, ocasionando profundas mudanças dentro de pouco espaço do tempo que restava, ao sabor das ondas e dos valores em jogo.

Nas poucas vezes em que se esperou resposta favorável ao procedimento dele para com ela, ações se encaminharam de modo autêntico, frutos imprevisíveis, deliciosos e doces motivos de esperança, porquanto o impacto daquilo de viver drama severo quase destruiria o alimento nutritivo usado anos a fio, durante período de décadas.

Ninguém, de consciência desperta avaliaria o desenrolar dos acontecimentos posteriores como aquilo de que dispunham em matéria de boa vontade, pode-se dizer. O mais correto, otimista de verdade, indicaria trabalho doloroso de um parto inglório, nas cogitações do pregão das bolsas vespertinas.

No entanto, razões de êxito dominaram o processo dos dois corações esfacelados. Um querendo fugir sem demora, portas abertas e peito em furor. Outro, em pânico, devido os espasmos na lama de lágrimas secas, persistia inundando de chuva a face clara da lua e o brilho das estrelas, noites a dentro, revelações de segredos universais. Horas extremas, calmas, todavia, definiram o ponto principal. Por mais imaginativo que seja o texto, infinitos para cada lado, e o princípio do equilíbrio dominou o centro da balança dos sentimentos acelerados.

Sonhar alegre talvez resolvesse a equação, porém ela confessou nunca sonhar, que não sabia, não fosse sonhar acordada, no fervor do sol a pino.

Pouco ou nenhum desejo de contar a quem por certo pretende conhecer os passos da cena emocionada representa detalhe insignificante. A cidade em peso marchou pelas ruas e ruas, procissão melancólica, perguntando o motivo do silêncio, após circular no céu espécie de objeto voador não-identificado há muito esquecido nas cômodas cheias. O pomo das especulações que restara intocado no íntimo dos cérebros cabisbaixos ficou por resolver, contudo.

De se amarem além da perspectiva da raça dos homens, o casal ultrapassou as barreiras do ilimitado, abrindo brechas imensas na existência perante a única praça do lugar ermo. Houvesse grupos de danças típicas e eles gingariam aos borbotões evoluções magistrais, originárias da fonte misteriosa das vertentes eternas.

Pois bem, quanto à probabilidade deles dois saírem unidos, apesar das marcas cotidianas e medíocres, isto cresceu no horizonte, por força de conspiraram no sentido contrário ao meio social.

Raras histórias falam dos finais felizes para sempre. Por isso, em complemento ao que se aguarda, nos vazios laterais dos becos, isso daquele amor correspondeu à ânsia da felicidade. Em estado bruto de satisfação se completaram frases inteiras antes abertas, abençoando de paz os dias seguintes das vidas, em festa permanente e sem fim.

(Ilustração: Renoir).

Eles, os pensamentos


De olhos bem abertos, todos buscam vencer o apetite aos apegos, sendo estes os filhos diletos dos pensamentos. Tais expedicionários em mundos desconhecidos, tateiam entre as pedras que se desmancham aos próprios pés, na ação devastadora que sustenta essa aventura de obter êxito na fronteira entre o som e o silêncio. Daí nascerem as tecnologias, os esforços de continuar a qualquer custo a contar essa lenda dos que aqui chegaram à procura de regressar nalgum dia. Todos marcam, pois, esse encontro consigo mesmo noutro lugar do Universo. Até alguns dizem haver descido aqui vindo de outras das estrelas espalhadas pelo céu, doutras galáxias, e que trouxeram nas malas prontas o retorno de quando ninguém sabe, ainda, em que século, em que milênio. Só que voltarão, sim. São estes que aí vagueiam nas estradas deste mundo, que passam uns pelos outros nas contradições e pelejas, passageiros sem conhecer o destino. Muitos, tantos, seres pensantes apegados às circunstâncias enigmáticas que buscam interpretar nos cruzeiros da memória.

Enquanto que mestres insistem acalmar os pensamentos e fixar naqueles que vivem à sua sombra, observadores tenazes do que assistem e os deixam voar quais aves sem ninho. Desvendar o senso do absoluto, eis a prática fiel da existência. Instrumentos dessa busca, somos viajantes do Infinito, sinais vivos da perfeição que nos criou e observa nossos passos rumo do sentido pleno da origem.  

Durante as eras em que tangemos nossos rebanhos de pensamentos e sentimentos, construímos essa morada eterna, definitiva. Nisso, as quantas histórias definem o segredo guardado. Tocamos, cantamos, dançamos. Senhores da ilusão, tão só alimentamos de sonhos as telas do Tempo e sustentamos as esperanças, a ferro e fogo. Quanta certeza trazemos conosco a partilhar das multidões; ideias, vontades, dúvidas e alegrias; porquanto somos feitos de imagens que esvaem no firmamento, miragens deixadas no trilho dos astros de que fazemos parte integrante até sempre.

quinta-feira, 28 de março de 2024

Sons da solidão


Na ocasião de encontrar consigo mesmo, face ao desconhecido em movimento, ali dentro da consciência dos instantes surgem os traços de mundos até então ignorados. Massa informe de séculos que percorreram a floresta das ausências, nesse lugar bem entranho ressurgem os vestígios de antes quais seres independentes, vivos, ativos. Isso por conta de terem vida própria, de continuarem presentes mesmo depois que de lá me afaste e eles permaneçam, pois contarão sempre a minha história, não sendo eu seu autor. Regressam numa intensidade que fará susto. Escascalham bem no íntimo aquilo que pensara fosse desaparecer passados uns dias, na amnésia imaginária do inconsequente. No entanto agora sei que retornam com força superior à que aplicara quando no auge de tudo aquilo. Talvez nisso e disso persista a vontade inteira de haver sido outro se não este que ora sou. Porém nem de longe existirá tal ficção, restando unicamente devorar o gosto do fugidio e alimentar de palavras e pensamentos a casa do sem jeito. Creio seja esse o motivo dos tantos sonhos virarem livros, filmes, fábulas, lendas, confissões e credos.

Os ecos do inesperado de antigamente do que fora certa feita de novo ocupa o mesmo lugar no espaço da gente, dessa vez através de cicatrizes largadas na memória, querendo ou não sermos isto, pedaços toscos do que fomos e aparentemente do que haveríamos de sucumbir na calada de noites, festas e viagens (quando assim pensávamos). São luas que fogem silenciosas no céu das almas e adormecem pouco a pouco nas friorentas madrugadas de saudades e distâncias. Conquanto falem nesses registros que jamais sumiram, aqui tangemos a nave de nós mesmos pelas quebradas do Destino, sendo este nada um ser em elaboração, decerto o que quiséramos imaginar. Quantas batalhas e a sobrevivência inevitável que habitará o senso de todos, aos pés do altar desta catedral de pedra da humana solidão.

quarta-feira, 27 de março de 2024

Universo pessoal



Território das aventuras individuais, o ser em si contém o quanto de tudo seria possível conhecer numa só dimensão. Ainda que conste sermos partes do grande todo entrelaçados de energias, no entanto dentro desse quadrante onde vive ali essa criatura dotada dos conceitos do Poder e das resoluções absolutas. Ainda que, tantas vezes, haja de cruzar oceanos de tormentas, contudo princípio e final dessa mesma dimensão é o que tanto pode atormentar quanto alegrar num mesmo setor de alma qual seja isto que somos a todo instante. Daí o valor soberano às nossas mãos, fruto da consciência de existir que carregamos aonde quer que nos desloquemos face aos acontecimentos inesperados em volta.

Qual numa viagem ininterrupta, vagamos ao léu tais senhores de quantas aventuras, contradições imensas, arrastos de natureza própria, a questionar a nós mesmos diante dos fatores em vista. São memórias fatiadas, visões, pensamentos, experiências inesquecíveis, detalhes em movimento no seio da presença que equivalemos passo a passo. Nisto a importância de viver com intensidade credos e cores os quais nos deparamos face ao eterno de que temos parte integrante e responsabilidade inevitável.

Quiséssemos possuir dom de exclusividade no comando de nossa existência e ser-nos-ia cobrado o tributo da inexperiência que atormenta no correr das dúvidas. Sabe-se da vivência que dispomos de herança transcendente, misteriosa, sagrada, vinda de origens soberanas, de um início sacrossanto. A ninguém cabe duvidar, ainda que desejos persistam na angústia de estar neste chão sem maiores explicações.

Esse donatário da individualidade viverá assim até quando este drama atroz de refletir e desvendar o segredo a isto aqui viemos. Durante todo tempo, porém, há de conduzir-se no seio das vidas em um jeito que permita contornar o Infinito e mergulhar nas verdades que transportam nas folhas de jornada inigualável rumo aos Céus.

(Ilustração: Paul Gauguin).

domingo, 24 de março de 2024

Prospectos


Em plena Era Cósmica que se vive, quando ninguém mais precisa de ler bula de remédio, que vem tudo on-line e ao som de leituras mecânicas, o mundo virou isso, uma caixa de surpresas eletrônicas. Deslavadas impressões de antigamente perderam a razão e hoje chega tudo no mercado livre, desde as ponteiras dos piões até a expectativa dos primeiros extraterrestres que desembarcarão lá qualquer dia numa dessas praias desertas do catálogo de turismo da imaginação. Tudo, ou quase tudo, aos mutirões dos apegos das gentes e suas ânsias incontidas de viajar a qualquer canto, morar, sorrir, pensar, transmitir, destinar, dormir e sonhar.

Quanto aconteceu desde então, dos livros de ficção da década de 70, de O despertar dos mágicos a 1984; dos filmes assustadores e das previsões fantasiosas dos anos posteriores. Qual o quê, ninguém sabe, ninguém viu. Espelharam neste Chão das almas versos e cantigas, romances e contos, visões assemelhadas ao inesperado que nunca mostrou sua cara nos eventos temporários. Os dramas continuam, enquanto as noites seguem seu curso rumo ao mar do desconhecido. A fome de poder e os métodos de alcançá-lo mudaram só no papel, que agora são algoritmos e fantasias elaboradas.

As limitações dos humanos persistem, vez em quando uns largando aos céus princípios e valores, nas idas sucessivas de seres que apenas aceitam existir, comer, morar, trabalhar e dormir.

Quanta vontade esquecida nos braços do Tempo. Largos telescópios seguem na busca de abrir os olhos da multidão, que apenas aplaude seus ídolos nos espetáculos feéricos das bandas que sumiram das lojas.

De dentro de todos nasce o rio da vida que transcorre nas telas mentais das humanas criaturas, nas praças dos detalhes valiosos de compreensão às vezes das jornadas inesquecíveis. Porém, autores de si, que aguardam o momento exato da transformação pura e simples. Houvesse de ser diferente, de há tempos os sinais apareceriam nos instrumentos de orientação do Destino e a festa jamais teria fim.

sábado, 23 de março de 2024

A era dos malassombros reais


De antes, bem antes, havia visagens noturnas, caiporas, mulas sem cabeça, sereias, gnomos, fadas, duendes, tais assim. E suas histórias preenchiam as palestras nas varandas dos rincões afastados, a encher de medo aqueles que voltavam sozinhos aos seus lugares. Lendas e lendas, que encheram a literatura pelo mundo inteiro. As mitologias das civilizações que sustentaram demorados estudos, inclusive, que avaliaram os temas, os considerando frutos do medo, da imaginação, da fantasia, das paranoias e demências. Eram às vezes contos místicos, heranças sagradas doutras dimensões a fora. Preservaram com o devido respeito e fizeram com que chegassem até hoje, alimentando as literaturas, crenças e os sonhos...

Porém que passaram incólumes, viventes apenas do imaginário popular, das artes, dos circos. No entanto outros malassombros seguiram adiante e dominariam a mentalidade dos povos em formas de resultados perversos, trágicos, e que receberam amparo tais mitos válidos, motivos de práticas e costumes. Quais sejam a considerar? Os vícios de modo generalizado ser-se-iam exemplos disso. A receptividade do comércio às vendas de substâncias danosas à saúde e que recebem status sociais e respeitáveis, numa inversão que persiste desde os tempos mais antigos e que destroem gerações e gerações a pretexto de lazer e distração.

Noutro aspecto, a indústria da morte através das armas, monstro devorador das gentes, que significa, nada além, do exercício do poder maligno dos países que os utilizam na sofisticação da indústria e das tecnologias, a serviço da eliminação das gentes e sua dominação e conquista, longe que seja de conter a sanha feroz que reveste, num despudor de catástrofes sucessivas e motivos de admiração dos continentes. São milhares, milhões de mortos e desaparecidos à guisa desses instrumentos letais e seus resultados assombrosos.

Enquanto isso, a mídia tão só divulga até esgotar o interesse dos que acompanham os noticiários, na semelhança daqueles antigos que se reuniam em volta dos picadeiros e das fogueiras, a contar das histórias dos fantasmas e das feras que vagavam pelas noites. Agora eles são reais, os campos de batalha oriundos da selvageria da própria raça dos humanos, algozes e vítimas de si próprios no sentido das consequências que nem de imaginar estejam em condição.


quarta-feira, 20 de março de 2024

Sonhos em movimento


A persistência de continuar vidas e vidas, seres livres que o somos, bem isto significa visões do senso da certeza absoluta de quando haveremos de obter, em termos de revelação, a visão desse universo que transportamos dentro da gente até este poder. De valor estonteante dos mais variados símbolos, histórias inolvidáveis, momentos de rara beleza em tudo por tudo, isso equivalemos apenas ao correr das luas. Um a um, carregamos na alma o deslumbramento das eras esquecidas lá dos começos. Sussurramos as lendas, os mitos, as diversas compreensões de todo tempo, no entanto. De valor inestimável, seres aparentemente insignificantes e mortais, dispomos do sentido pleno do quanto existe e existirá no transcorrer de tudo isto.

Conquanto por vezes nos angustiemos de não identificar a clareza dos momentos vividos, apenas desfrutamos do intervalo de chegar ao instante definitivo de transpor a fronteira da imaginação e sobreviver do desfalecimento dos objetos desse mundo insano por demais. Pequeninos seres de espécie inesquecível nas dobras do firmamento, eis o que contém as luzes da Consciência. Noutras horas, talvez nem disso tenhamos tido a expectativa. Postulamos altos voos em volta de nós, porém rarefeitos nas vivências dos sóis em movimento. Outrossim, mais dias, menos dias, a semente sobreviverá a todos os transtornos da escuridão e restará viva, e germinará ao Infinito. Portanto, retalhos de perfeição, aos poucos juntamos as partes desse todo esplêndido e concretizaremos a essência do Ser que ora fermenta no espectro das criaturas.

Nisto, o resumo das maravilhas acesas ao meio-dia dos séculos nos nossos olhos ainda fechados pelo fervor do mistério. Diante das leis que regem o enigma, tateamos tão só o deserto vazio das experiências. Miragens. Oásis. Servidão. Quase que abstrações uns dos outros, circulamos em volta os dias no afã de existir a qualquer custo nesta busca da Felicidade, pois.

Caminhos da natureza


Nesses tempos de pouca água nas torneiras e temperaturas ferventes no mundo aceso, mesmo quem antes nunca pensou em conservacionismo das coisas na Natureza, corre o risco sério de parar pensando nas conseqüências dos tantos e tantos séculos de abandono a que relegaram as fontes da vida na Terra.

São muitos para destruir e poucos para plantar e construir, eis a verdade principal do nível de preocupação com florestas, mares, rios, ar e animais, todos fixados em descobrir meios de lucrar, no procedimento predatório herdado e multiplicado pelos senhores coloniais.

Vive-se na atual geração o ponto extremo da transição entre o homem extrativo e homem sustentável, fase por demais periclitante, em que o menor deslize poderá colocar em xeque a natural sobrevivência de todas as espécies.

As ações do Greenpeace, por exempo, bem demonstram a conscientização desse grave momento, nas atitudes reprovativas do que os mercenários da hora promovem nos mais diversos lugares.

Bem pensassem os líderes dos países e os acontecimentos, por certo, estariam noutros patamares. No entanto, seguem as políticas visando tão só frutos madeireiros de fria destruição de florestas, estiolando solos milenares e sacrificando a fauna, em acelerada devastação inconsequente, posições inclusive do Brasil atual.

Existem órgãos estruturados a combater ditas ações, contudo a responsabilidade cabe a todos os segmentos da população, através dos esperançosos conselhos municipais de meio ambiente, de raro em raro funcionando a contento. A crise moral, que fere outras instituições, fere sobremodo as causas da natureza, justificando no lucro a fome de resultados nas balanças de pagamento dos juros externos.

Tarefa hercúlea conduzem esses órgãos responsáveis pela preservação das fontes da vida em países atrasados, de mentalidade mais atrasada ainda. Muito se fez até agora, e mais resta a fazer, dagora em diante. Ninguém se diga indiferente aos modos de manter a qualquer custo os nacos de mata virgem, água limpa e ar puro que restam em volta do globo, a pretexto de nada lhe dizer respeito. A coisa chega de jeito radical porque esqueceram de que o Planeta é ser vivo e merece cuidados imprescindíveis aos que respiram e obedecem às idênticas leis universais dos sistemas integrados.

Cidades do Nordeste vivem hoje dramas de rarificação de água potável impossíveis de imaginar poucas décadas atrás. O São Francisco, denominado o rio da integração nacional, por percorrer vários Estados, desde Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas, a Sergipe, alimentando de iluminação e trabalho inúmeros rincões, vê-se minguado do quanto desmataram nas suas origens, sem que houvesse medidas pertinentes a conter os crimes cometidos a olhos vistos e discursos abertos.

Ainda existe tempo a providências ao gosto de todos para se começar no intuito de conter a voracidade predadora da humanidade que devorou as minas e o povo do continente africano, e cresce, neste princípio de milênio, as garras metálicas contra as terras latino-americanas, bola geopolítica do capitalismo faminto da vez. Só assim, pois, descobria-se que tudo com tudo tem a haver.

terça-feira, 19 de março de 2024

Literatura efêmera

 

Nestes tempos virtuais, algumas conclusões se mostram pulando faceiras na nossa frente, aguardando apenas que alguma criatura disponível pegue das teclas e comece a formar o quebra-cabeça das mensagens para mandá-las adiante através dos tantos meios que a comunicação hoje oferece nas telas de máquinas extraordinárias.

Noutras ocasiões menos dadivosas, escrever impunha riscos incalculáveis até de sobrevivência. Agora, no entanto, nada de queixas quanto ao direito da informação. Esse engenho aperfeiçoado leva longe o que se pensa ou sente e dispõe das normas de passar à frente em palavras. Os “blogs”, por exemplo, democratizaram a oportunidade da fala a patamares de suprema facilidade no manuseio e transmissão. Num passado recente, isto seria mera coisa de sonho, ficção de ciência.

Perante ditas considerações, resta saber o que dizer. Desocupar os guardas roupas de ideias e criações, formular as propostas e remeter aos prelos imediatos do sacrário de Pandora, o oráculo moderno da “web”.  

A única pergunta necessária que persiste vem por conta de saber disso os frutos, quais as consequência na qualidade das vidas, no investimento de tempo e saúde nas produções e na interpretação do que mandar aos demais habitantes do mundo virtual, na outra extremidade da linha. O que acrescentar ao pacote das expectativas reinantes no império da dúvida humana existencial.

Vão dias, veem dias, na esperar de melhorar as condições sociais, livrá-las das imposições dos dissabores do ordenamento.

Nesse passo, as possibilidades criam a perspectiva do fazer intelectual. Ninguém justifica a ausência de vitrine no gesto de mostrar suas peças íntimas de geração, no território livre da palavra em que se transformou a tecnologia de vanguarda. Resta, contudo, reverter o quadro de mediocridade em que se espoja o animal selvagem da sociedade moderna.     

segunda-feira, 18 de março de 2024

O silêncio dos corações


Nem tanto pelo encanto da palavra, mas pela beleza de se ter a fala. 
Renato Teixeira

A impressão é que tanto ruído busca esconder o que se passa lá dentro da gente. Isso todo tempo desde sempre. A ânsia de encobrir o verdadeiro entorna o caldo e complica as histórias espalhadas na amargura do passado insistente. Espécie de intolerância a si mesmo, o ser humano abandona o silêncio e invade a paz que haveria de haver não fosse qual quer. Nisto o Amor preserva seu território no coração, e deixa acontecer o desespero até os extremos do extermínio total do equívoco nas criaturas, quando, afinal, elas render-se-ão no altar do sacrifício do ego, pobres seres inanimados de possibilidades esquecidas.

Houvesse cordialidade qual sentido das ações e contaríamos outras lendas harmoniosas de tantas palavras renovadas, e o instante tornar-se-ia doutra versidade. As oportunidades cresceriam da dor ao equilíbrio, quando, só então, dormiríamos em outros universos. Porém isto significa o segmento natural a que nos vemos agarrados, buscadores contumazes de sonhos por vezes adversos.

As aventuras bem representam esses papeis desconexos que temos de realizar nas tentativas e nos erros. Cadernos do rascunho das horas que andam amarfanhados às nossas mãos. Enquanto que o coração nem assim fica quieto e grita seus gestos através das artes, dos espetáculos em ação a cores vivas, no território dos gestos. As trilhas sonoras deste momento seguem firmes nos registros arcaicos e nas manifestações dos sentimentos. Tal força propulsora do motivo entre os seres, artífices da humana evolução, compõem os quadros das civilizações e deixam rastros às portas do Paraíso.

A voz que vem da alma passeia nas esculturas, nas praças e nas florestas. Contam todos os segredos que os aceitaremos lá um dia. Gradualmente nada acontece senão ao sabor do mistério tenebroso que arquiteta o futuro de tudo quanto há.

domingo, 17 de março de 2024

As palavras e os pensamentos


Nesse plano abstrato em que se vive, somos tais instrumentos do que percorre os pensamentos, estes fornecidos continuamente pelas palavras que circulam soltas pelo ar nos setores de tempo. Equilibrados, pois, entre o que foi e o que será, tangemos a nós mesmos à busca da compreensão do que estamos fazendo aqui.

Enquanto isso, as palavras trazem a força dos sentidos e indicam aos pensamentos formas variáveis de constantes valores, mudanças no ânimo e na sorte. Seremos, assim, autores e protagonistas que exercem a função na dupla condição de criar e existir.

Nisto, aferrados a esse chão de matéria, seres abstratos, padecemos naquilo que não pudermos contribuir através dos pensamentos em movimento. Por mais desejemos imperar diante desse mar de variações, apenas sustentamos o processo vida a cada momento. Sujeitos de nossas expectativas, testemunhamos as consequências daquilo que ora criamos.

A meio deste universo onde habitamos, mantemos o senso de, lá um dia, revelar a nós mesmos o lugar preciso aonde prevalecerá a paz que tanto desejamos.

O significado de todo pensamento chega sorrateiramente aos sentimentos e vivemos esse caudal que o Tempo traduz às gerações. Ainda que restritos no espaço diminuto dos indivíduos, persistimos pelo empenho de acalmar os pensamentos e usar com clareza as palavras que nos façam evoluir através do conhecimento interior.

Aqueles que obtiveram êxito nessa aventura de se auto-encontrar quantas vezes regressam, pelos livros, depoimentos, explicações, no entanto tudo a depender da nossa consciência de compreender e criar nossos próprios métodos. Elas, as palavras, permanecem dentro de nós a formar pensamentos e sentimentos. Porém somos quase que restritos a esperar o dia exato de dominá-las e ser o que tanto aspiramos. Existir contém esse dom de vencer as agruras e superar os limites, até a definita salvação, e divisar o Infinito.

sexta-feira, 15 de março de 2024

Sussurros da outra margem


Tantos são os testemunhos de experiências místicas, viagens astrais, mergulhos na sorte, no entanto haverá permanentemente o que saber depois de tudo ora guardado nessas ruínas. Dias constantes de buscas e interrogações, inclusive frutos imediatos das urgentes necessidades, dos impasses e das dúvidas. E vamos seguindo sórdidos sem outra alternativa justa senão tocar de vez nos anseios de universos além deste sem que nele possamos penetrar. Aonde ir além da realidade exterior que já comprime a bolsa das eras e responde só parcialmente às percepções dos humanos?

Somos nós mesmos esses quais cativos e senhores a percorrer os mistérios a nossos olhos, nas dúvidas que prevalecem todo tempo, que sustentam a natureza do que somos. Bem isto, essa angústia que nos invade e que demonstra o íntimo plano sacrossanto de sermos todos numa magistral evolução.

Pois no trilho invisível entre Tudo e Nada deslizam as caravanas de um deserto silencioso. Buscam-se nas entranhas o romper da ilusão e obter os domínios da alma, porém no uso de meios adrede disponíveis e profanos. Por mais distantes sejam umas das outras as possibilidades, ainda que diante de um eterno que agoniza, insistimos ser autores do querer a todo custo divisar as praias do infinito de uma certeza através de passos vacilantes e sobrecarregados de cascalhos inúteis.

Assim, no sequenciar destes parágrafos, tocamos as chances inigualáveis de, num instante fértil, distinguir do escuro a claridade, da sombra que padecemos a Luz que libertará, isto nos campos abertos da Consciência.

As coleções


Desde criança que houve em mim disposição para colecionar alguma coisa, talvez por influência de amigos, parentes, mas lembro dessa tendência de reunir e guardar, com especial apego, flâmulas, chaveiros, caixas de fósforo de propaganda, selos, quadros de fita de cinema, estampas do sabonete Eucalol, postais, até chegar nos livros e discos, as manias atuais e persistentes.

Imagino mesmo que por essa fase passaram muitos de minha geração; passaram ou nela permaneceram, chego a admitir.

As primeiras coleções que alimentei guardava escondidas debaixo de sete capas, na cômoda em que ficavam também minhas roupas. Representavam algo de secreto, tesouro precioso de acesso só individual. Esperava sempre, quais acontecimentos felizes, a surpresa de novas aquisições, que, de raro em raro, apareciam através de um amigo, um primo, de perto ou de longe.

Os quadros de fita de cinema mexeram forte com minha imaginação, pois representavam relíquias valiosas do que ocorria dentro das salas de projeção, retrato fiel de atores e cena. Em Crato, nesse tempo (primeira metade da década dos anos 60), existiam outras pessoas que também se dedicavam a reunir os pedaços de celulose que sobravam das quebras das fitas, nos cinemas que existiam à época (Cassino, Moderno e Educadora). Deles, lembro de Temóteo Bezerra e Chico do Moderno, que possuíam os melhores acervos de quadros de filmes famosos, os mais caros e procurados. 

O ímpeto colecionativo cresceu de intensidade quando divisei os selos, quadradinhos coloridos, viajados nas cartas, que traziam o magnetismo de outros e distantes lugares, mundos diferentes, misteriosos. Esse apego cresceu quando conheci os selos estrangeiros, dos quais formei coleção de quase um milhar, todos carimbados, sem mancha ou defeito. Estrangeiros, porque assim acrescentavam a certeza de virem de outras terras bem longínquas, outras línguas.

Demorava horas e horas a mergulhá-los em bacia de água limpa para lavar, em seguida repousando-os entre as páginas de dicionários para secarem, quais seres vivos, num verdadeiro ritual que justificava o sonho das coleções.

Somei o gosto pelos selos ao das estampas de Eucalol, do tamanho dos sabonetes que acompanhavam nas caixas de três unidades. Minha mãe fazia feira na mercearia de Antônio Primo, na rua Santos Dumont, e éramos atendidos por José Primo, seu irmão, que depois viria a ser meu colega, no Banco do Brasil. Zé Primo conseguia com outros fregueses as estampas, que eu colecionavam com zelo e possessividade.

Também formei um álbum de figurinhas de países, trajes típicos e bandeiras, tudo isso no segmento da coleção de selos, querendo desse modo aprofundar o conhecimento sobre povos.

Um dia abusei dos selos, quando comecei a namorar, aos treze, quatorze anos. Notei que eles viraram concorrentes das horas que rarearam no meio das obrigações da escola e das namoradas, porquanto pediam atenções próprias.

Belo dia, numa atitude radical, permutei toda a coleção por apenas um único vidro de perfume, investimento imprescindível às conquistas amorosas. Décadas, e os selos estrangeiros a mim retornariam, vindos de amigos de outros países, porém escolhi passá-los a meus filhos, querendo despertar neles a paixão pelas coleções que me colheram logo na primeira infância.

quinta-feira, 14 de março de 2024

Os lugares nos sonhos


Qual o que falam da força que têm alguns pontos da Terra, espécie de energia diferente, vemos nos sonhos as histórias acontecerem onde nem imaginávamos de ali regressar outras vezes, pois estivéramos antes. Nisso, a impressão que fica será de que estamos vivendo noutra realidade mais real do que esta, e que a realidade mesma é a dos sonhos e não a cá de fora. Isto pela notória percepção de viver-se com intensidade bem maior, mais nítida, naquilo. Depois, ao acordar, sentimos ainda o poder que existe naqueles lugares, naquelas ocasiões vivenciadas.

Neles, nos sonhos, encontramos pessoas que há tempos não encontrávamos. São exercícios de uma outra noção, a realizar trabalhos, vivenciar situações imprevisíveis logo depois desfeitas ao romper daquelas horas.

Um momento ímpar este de cruzar a barreira da vigília e mergulhar nesse outro estado mental aos olhos de um novo senso de consciência semelhante ao processo criativo da Arte, donde advêm roteiros diferentes do que estamos acostumados a experienciar. Num processo de construção dos mínimos detalhes, surgem esses todos, nascidos dessa outra dimensão onde viajamos nos braços da criatividade, a não dizer do mistério invisível do Ser em si, vivente de tantas interrogações. Decerto os sonhos significam bem isto, uma parcela das abstrações das maravilhas que nos cercam todo momento, seja nas locações, nas companhias, nas histórias. Nós, tais parceiros internos dos segredos do Universo, dispomos a cada instante do valor da intuição, mergulho certo aos mundos imprevisíveis aos olhares comuns das circunstâncias.

quarta-feira, 13 de março de 2024

Íntimos esteios


Aqui perto de onde moro, na encosta da Serra do Araripe, em Crato, passa um riacho, afluente do Rio Grangeiro, que cruza o Cariri indo desaguar no Rio Salgado lá bem abaixo. Quando chove, as águas do pequeno rio ficam a murmurar horas inteiras, a falar com a mata numa linguagem decerto compreensível entre eles. Mesmo assim me aventuro querer interpretar alguns pedaços dessa conversa e aproveito a mergulhar dentro de mim, na busca de sentido naquilo do dizer das águas em movimento. Qual falou Olavo Bilac de quem escuta as estrelas (Ora (direis) ouvir estelas. Certo, perdeste o senso!...), ainda assim me arvoro da certeza de escutar um pouco que seja do que dizem as águas que descem da serra ao mar e compõem seus próprios versos.

Noto da fala o quanto, em volta desse universo dagora, nas tantas situações que mutilam de dor a raça humana, nestes tempos de notícias apressadas de violência pelo mundo, quase que, mais que vozes, as lembranças gritam de uma humanidade primitiva que guerreia por terra e pelos ares, numa fome deslavada de poder e de agruras, durante as eras que se sucedem e deixam a dever instantes de amizade e paz.

Ouço, no murmúrio das águas que fogem dos desencontros que tomam de conta da História e da ferrenha competição em busca dos lugares que lhes caberiam no Chão, não fosse a indústria das armas e os sinais de poderio econômico que prevalecem constantemente. A vontade que haveria de haver, numa outra direção do juízo, de unir os sonhos e realizar os sentidos bons da Criação aos nossos olhos.

Isto é, ouço a mim que ferve de notícias insistentes dos lamentos que dominam e tangem o rebanho ao pasto dos dias, quais meros valores de mercado em profusão. Aos poucos, no cessar da chuva e do transcorrer das horas, o riacho adormece, talvez na esperança de deixar nalgum canto avisos de coerência aos espíritos que, desavisados das ocupações mais insistentes, hajam sido ouvintes fieis de suas lágrimas que agora correm silenciosas.

(Ilustração: Reprodução da Web).

terça-feira, 12 de março de 2024

Ensaios perenes


Primeiro, as pedras, as paredes das cavernas. Depois, os papiros, o couro de animais, o papel rústico. Mais adiante, as cartas, os livros, as revistas, os jornais. Depois, com as máquinas de gravar, os disquetes, os cds, dvds, pendrives, hds. E essa vontade monumental de conter o fugidio. A ânsia que tem a beleza de permanecer, se eternizar na memória do tempo que conservamos dentro da gente durante mais alguns dias. Essa fome de continuar. Desejo de perpetuar nas vidas o que escorre pelos séculos feito nuvens que riscam os céus e derivam no Infinito.

Enquanto isto, a lindeza das manhãs, dos finais de tarde, as flores, os animais, as paisagens esplendorosas que compõem o cenário fabuloso dos lugares. Isto sem querer contar aquilo que transcorre na alma dos apaixonados, das crianças, dos pais, dos artistas, tudo a preencher de leveza o cruzar dos firmamentos.

Nalguma vez pensei o que haverá de riqueza ao descobrirem uma máquina de gravar os sonhos, mesmo que haja necessidade dos cortes daquilo que fira, que doa, que destoa, qual fazem hoje na montagem dos filmes. Mas, de certeza, será o clímax de um novo cinema. E bem possível que seja, pois já gravam os sons, as batidas do coração, o fluir da circulação, a sinfonia das estrelas, etc.

Nisso, eis que surgirá o valor de preservar os mistérios da vida que passa numa velocidade constante, sem a mínima intenção de fazer-se eterna, conquanto já o seja, ainda que nem disso percebamos em toda sua intensidade. A História, em seus momentos, impactos, crises, no entanto, careceria de revisões periódicas, visto nascer das ações humanas tantas vezes impensadas, rudes, prenúncios de agonias.

Que assim seja, nalgum momento aonde possamos assegurar a grandeza dos instantes sem a angústia do que esvai e machuca de saudade a sumir no desfazer, sem que nada afirme que regressarão. A escrita, de quando em vez, padece, pois, desse desengano, no que pese o empenho dos autores de fazer perene o que nos toca de quanta pureza e paz, a luz que clareia viver.

segunda-feira, 11 de março de 2024

Lembranças domingueiras


Os domingos de manhã guardam comigo uma lembrança diferenciada dos outros dias de manhã. Às vezes, me pego querendo avaliar o que explicaria isso e descubro razões que deixam apenas pela metade possíveis justificativas, que encontro alojadas no passado, pois umas tantas sensações que vivencio as vejo ligadas ao tempo de eu menino. Essas dos domingos de manhã, porém, querem por si viajar mais longe, qual vindas de tempo ainda mais remoto, escondido em terras distantes de uma memória ancestral, do tipo das que fincam raízes nos reinos afastados, semelhante a quando se olha paisagens vistas do alto e o horizonte se desdobra em camadas superpostas de montanhas em vários subtons de azul

que se alongam até sumir dentro de outros azuis invisíveis, que mesmo as lentes das câmaras sofisticadas transformam só em ligeiros registros apagados.

Assim, afloram as emoções que se formam quando amanheço nos domingos, quase sempre fora da hora prisional dos outros dias.

Lembro diversas vezes quando descia da casa onde morávamos, no bairro Pinto Madeira, em Crato. Vinha acompanhado de meu pai para assistir a missa das nove na Igreja de São Vicente, com o Padre Frederico, um alemão avermelhado e autoritário, como outros alemães que até hoje conheci. Meu pai exercitava um modo próprio de participar da missa, ficando em frente de uma das portas laterais da igreja, que dava para a rua Senador Pompeu, ali junto de alguns amigos com quem chegava a estabelecer alguma prosa de meia voz. Na ocasião em que, lá dentro da igreja, tocava a sineta relativa ao momento da Elevação, quase apenas nessa hora subia os batentes ao interior imediato do templo e, então, se ajoelhava reverente, a voltar ao exterior logo em seguida, aguardando o final da cerimônia religiosa.

De fora, presenciava o movimento dos transeuntes e automóveis. Numa dessas missas, em que eu não compareci, ele e os amigos conseguiram prestar socorro a uma kombi que sofrera uma pane próximo deles; às pressas apagaram, com terra colhidas das imediações, incêndio que grassava no motor, em vias de consumir o carro todo. Sei por que ele chegou em casa de mãos e roupas enegrecidas de fuligem, narrando as peripécias com todos os seus detalhes.

Ao terminar a missa, nos deslocávamos pela rua João Pessoa até a praça Siqueira Campos, onde ficávamos instalados no Bar Glória, embaixo do Grande Hotel. Ele, ali, encontrava outros amigos e atualizava os assuntos da semana. Em frente, no leito da praça, havia movimento de gente arrumada em trajes de domingo, moças, rapazes, senhoras, senhores, a desfrutar do sol matinal e desfilar entre as árvores, jardins e bancos, numa hora animada e cheia de festejos e olhares afetuosos.

Em certa dessas manhãs, lembro disto como se fosse hoje, recebi de um dos amigos de meu pai, José Pinheiro, parente de minha mãe, o primeiro bombom Sonho de Valsa que experimentei, coisa de marcar a lembrança pelo apreciado sabor de várias gerações e que persiste no tempo, daqueles produtos definitivos devido às fórmulas especiais que possuem. A crônica tem dessas coisas. Quando se começa a tomar gosto em escrever, o território some dos pés e nos resta aguardar outras oportunidades de enfocar assuntos cotidianos da história remota ou atual.   

sexta-feira, 8 de março de 2024

No labirinto de nós mesmos


Quando morre alguém, ali se fecha uma biblioteca
. Provérbio africano

E saber que tudo, afinal, transcorrerá dentro da gente, cenário de todas as histórias numa terceira dimensão. Mundos que vagam soltos pelas jornadas, às vezes que se encontram e dividem entre si os minérios dos corações. Símbolos da humana compreensão, por vezes confrontam as muralhas da solidão e destroem vidas e vidas ao sabor da inconsciência. Quando as buscas esgotam todas possibilidades, abandonam ao léu restos desfeitos daquilo que um dia foram e desaparecem nas gretas da escuridão do desconhecido, porém sempre artesões da sorte e mineradores da luz, sejam em dias claros ou nas noites ensolaradas de sonhos adormecidos.

Isto de ser, portanto, conteúdos espalhados pelo Chão em queda livre, ao sabor do que passa e jamais permanecerá, tal qual nas ondas místicas da ânsia e dos mistérios. Quantos filmes nós somos e seremos, ninguém seria capaz de contar. Quantas luas, quantos infinitos abandonados no relento, passados deixados à margem das estradas que nelas na certa já pisamos.

Todos, no entanto, procuram justificar o sentido da angústia que carrega nos surrões que transportam, desejosos de reconstruir na alma o início que antes conheceu e nem lembram mais. Levas constantes, todavia, ainda preenchem de normas o deserto onde habitam, na esperança de responder aos enigmas sob os quais foram criados. Temos tudo que necessário a compreender, o que nos trouxe até aqui, no instinto de aguardar a hora exata de haver sido uma das notas harmoniosas da sinfonia dos destinos, num laivo de sorte que seja.

Nesse meio tempo, existir determina os detalhes da imensa ilusão que administramos face aos caprichos da realidade lá de fora. As palavras oferecem, nos mínimos aspectos, pretextos mil de ler, ouvir, conversar, aceitar ou não os padrões universais disso que carregamos nos braços e deixaremos nalgum dos poços do rio da História.

(Ilustração: Helamã 13-16. Entender os profetas do Senhor).

quinta-feira, 7 de março de 2024

Somos todos iguais



Nesse tempo quando havia distâncias intransponíveis, em que pessoas vagam nos desertos o mais longe que fosse da civilização daquela hora, ainda poderia existir a suposição de que alguém fosse diferente, doutro mundo, doutra galáxia, quem sabe? No entanto tudo andou e nada ficou encoberto passados esses derradeiros séculos de guerras. As dificuldades e os sofrimentos provenientes das crises sociais motivam sensibilidade, e com isso prováveis transformações. Dentre essas a força de resistir às intempéries e a busca constante de solidariedade entre todos. Mesmo assim, talvez devido à acomodação, vezes outras outra vez ressurgem os desafios, as invasões de práticas espúrias, fragrantes atrasos que voltam a se repetir e causar dores e desencanto.

Vistos sermos todos iguais, as repetições dessas práticas nocivas decerto mostram o tanto de descobertas a serem trazidas à tona pelos indivíduos. Nisso, as falas ficam ecoando nos campos de batalha onde inúmeros perderam a vida e foram vítimas do desencanto. Preciso seja vir dos seres humanos respostas adequadas ao grau de evolução tão necessário durante as histórias e os dias. Sabem-se dos limites ainda existentes, porém nada que justifique a continuação das horas amargas do passado. As palavras contam, visto terem o poder de explicar a importância de uma consciência transformadora. Mas isto ocorre durante todo tempo na alma dos indivíduos, a quem caberá a mudança possível em andamento. O instante dos novos acontecimentos por certo levará em conta os frutos do ser em si. Enquanto isto nada ficou ao mero acaso e segue acontecendo sempre. Conquanto existam impressão de isolamentos e impossibilidades, todavia o Universo contém leis inimagináveis em movimento constante. Tais frutos em maturação, a Humanidade inteira reduz o prazo de largas transformações e de um sentido novo a tudo quanto há.

quarta-feira, 6 de março de 2024

O regresso ao Paraíso




Alimento dos deuses, a variação dos mitos nasceu quando o Homem quis saborear o fruto amargo da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal. Decerto ansioso de também dominar o Universo, buscaria no alimento os apegos ao jeito dessa descoberta. Mergulharia na fonte da natureza e esqueceria de Si Mesmo, o que ficava lá dentro da essência à espera de um dia receber de volta no auxílio de seu autor que permitira de bom grado aquela aventura errante vidas afora.

Quantas eternidades haveria de percorrer à cata do rincão onde deixara, no ímpeto de novas histórias, a inocência original, porém. Rondaria multiplanos, pisaria nas sagradas superfícies sempre no desejo da criação de seu próprio mundo. Foram tantas epopeias que hoje resumem os voos, e exausto das idas e vindas a céus desconhecidos, através de uma consciência dividida entre matéria e espírito, que agora, saturado, aspira o sonho de ter paz no coração.

Dadas as perdidas ilusões que compõem a longa História, que outro senão esse instinto de sobrevivência do Ser lhe levaria adiante? Mais longe chegasse a Filosofia, demos de cara com sequência repetitiva de cogitações desfeitas. Meras palavras. Conceitos mil espalhados pelas entranhas da fama. Horas sem fim, romances, tragédias, possibilidades, no entanto e apesar de tudo, folhas soltas no império das estações.

Mas um a um revive o desejo sideral de regressar ao solo daquela satisfação inigualável dos primeiros momentos de quando aqui chegaram cobertos da glória do firmamento. Alentos de harmonia, luz, cores sublimes que  viveram apenas nessas memórias adormecidos. Único sentido, pois, que move as existências. Nirvana. Reino de Deus. Esplendor. Realização Superior.

Razão de ser, o caminho nos traz a novo tempo que é de Luz. Quaisquer dos empreendimentos indicam esse fulgor sem par, alento das vidas e sol da Esperança. Nalgum lugar, sob a força da certeza, eis o motivo de tudo em que consiste estar aqui e ser feliz, habitar de novo o Paraíso de que somos a origem e sua única sobrevivência.

terça-feira, 5 de março de 2024

Para além do conhecimento


Essa procura insana do que se possa achar, porém contida perante a fronteira entre o pensamento e o sentimento. A fome sedutora dos melhores pontos de vista, 
cercados pela sede febril de novos dias e novos senhores. Isso de buscar o inalcançável depois de tudo, afinal. Um jeito de fuga, de morte, talvez. Enquanto que esvoaçantes pássaros sobrevoam o mistério em torno. Sós, olhos absortos no Infinito de si próprio qual de feras desaparecidas diante do inesperado.

A tal intenção de todos neste mar de sargaços e dúvidas, pobres criaturas de Deus aos palpos do desconhecido. Conquanto animados pelos haustos do inevitável, seguem todos a braços consigo e expectantes de valores insólitos, criação das mentes e dramas construídos na doce amplidão das horas e dos haveres.

Bem isto o que reunimos a todo momento. Novas atitudes improvisadas nos braços do Destino. Quem somos, a quê somos? Daí as profecias das gerações, dos credos, de sempre. Cogitações, meras cogitações à procura do corredor de tantas dores e prazeres que os alimentam enquanto crescem os dias.

Face a face, pois, com nós mesmos, tangemos esses comboios nas estradas vidas afora. Juntamos os moradores donde viemos e juntos sumimos através desse túnel que se desfaz às nossas mãos. Quem terá o senso pleno das perquirições e dos séculos? Quem, perante todas as tecnologias forjadas no definitivo da sorte? Quem, uma vez que as interrogações nascem das criaturas e apenas a elas unicamente serão reveladas as respostas?

O mais são propósitos, orações, mantras, visões, aparições e circunstâncias avassaladoras que encobrem na fumaça do tempo sua voragem irresistível. Na ausência do que aprendemos, o que ficará, então? Restos de nós na forma de saudades, memórias, relíquias, escavações e novas civilizações daí a pouco também a desaparecer. Dalguns, alguns, nenhum, todos, seremos o fruto da longa caminhada em forma de nexo ao que permanecerá eternamente nas almas de um Depois inigualável.

domingo, 3 de março de 2024

As lembranças


Quais luzes que acendem pelos grotões escuros do passado, assim são as lembranças que tendem a invadir o juízo da gente quando menos se espera. Horas sucessivas de trechos às vezes longos daquelas vivências que chegaram e desapareceram de um instante a outro, na maior sem cerimônia. Creio vem ser desse jeito quando, no outro lado da matéria, nos vejamos no espelho dos destinos e que não mais estivermos aqui a mergulhar na superfície da realidade aparente.

Isso ocorre aos viventes todos, eu sei. Reviram os trastes do que ficou na estrada, ao menor indício que identifique as marcas deixadas na memória. Talvez venham numa canção, num livro, nos lugares, nas pessoas, nomes, cores, vozes; daí o impulso de conspiração em querer sustentar o que já virou cinzas, tições apagados das dores, contradições, prazeres...

Digo desse jeito face aos espasmos de recordações que cumprem o papel de falar do que fomos lá um dia e precisamos lembrar, fazer as pazes, limpar as culpas através dos arrependimentos, do perdão, da conformação, sob o manto largado das horas adormecidas no mistério da existência. Um tanto enigmático, contudo parte de nós mesmos junto de quem somos agora.

Os livros nas estantes, as pastas dos arquivos, roupas, discos arranhados, fotografias amarelecidas, cartas, rabiscos, jornais, revistas, milhares de quantos significados a nos acompanhar feitos seres esquisitos a quem demos vida, fomos suas vidas, trechos impávidos de filmes, romances, aulas, viagens... Deste sótão por demais fantasmagórico dos dias nascem as rugas, os dialetos, as leis de continuar perante os céus anônimos, vultos  que vagam no silêncio eterno das madrugadas.

Quantas músicas ecoam na memória dos indivíduos, trechos de espetáculos, espécie de herança do que ora contemplam e puderam haver sido, soma de pensamentos e sentimentos daquelas ocasiões onde construíram a história. Um pouco de tudo, e nada, olhos que agora resolvem os ver de perto e pedir explicação do que fizeram de si durante todo tempo.

Alguns filmes


Nalguns momentos, me vêm lembranças de vivências lá detrás que insistem revirar os pensamentos, qual que quisessem prevalecer a todo custo sobre as rotinas atuais. São situações, ocorrências fortuitas, às vezes agradáveis; noutras, de incerteza e dissabores. Assim também acontece envolvendo filmes que assisti e que marcariam de certo modo as minhas memórias. Eis aqui alguns desses exemplos:

Paris, Texas, de Wim Wenders, que assisti em Brasília. Era de tarde. Tinha que pegar o voo de volta a Fortaleza dentro de algumas horas. Um amigo me levaria ao Aeroporto, indo me buscar na casa de outro amigo onde estivera hospedado. Teimosamente, sem calcular direito o tempo que levaria até organizar os horários de viajar, resolvi ver o filme em um dos cinemas do Conjunto Nacional.

História forte, drama de relacionamento de casal, bem dirigido; permaneci a vê-lo, sempre de olho na hora. Antes uns quinze minutos, no entanto, tive que deixar a sala de projeção e cuidar da viagem. Graças a Deus, o amigo (Márcio Catunda) estava a postos, já impaciente de minha demora. Às pressas, fomos ao aeroporto de Brasília, um tanto distante de onde nos achávamos. Já haviam fechado o embarque. Pressionamos no guichê e obtivemos êxito na argumentação e fui incluído entre os passageiros. O restante do filme vim só conheceria talvez uns dez anos depois.

A bela a tarde, de Luis Buñuel, assisti no Cine Moderno, em Crato. À época trabalhava no Banco em Brejo Santo. Quase toda semana, depois do expediente da sexta-feira, vinha a Crato, de onde regressava aos domingos, a trabalhar na segunda. Fui ver o filme na sessão das 16h sabendo que ia viajar logo no início da noite. A vontade de ver mais um filme de Buñuel foi maior do que a comodidade, porém uns quinze minutos antes de inteirar a exibição saí a fim de não perder o transporte. Uns quinze anos depois é que pude conhecer o final da película, através de um DVD que loquei. Também um drama de relacionamento de casal, história forte e traumática na conclusão. Chego a imaginar que houvesse uma razão de ser economizado daquelas histórias, mas que, ainda desse jeito, quis conhecer o fechamento.

(Ilustração: Paris, Texas, de Wim Wenders).

sexta-feira, 1 de março de 2024

Um mar de contradições


Os dias sempre isto apresentam nas lides deste mundo. Essa firme disposição dos seres humanos em querer predominar sobre as circunstâncias e os semelhantes, insistentes nas pretensões apenas individuais. Querer só a si e esquecer os outros, parceiros do mesmo ofício, no entanto. Certamente prisioneiros dos interesses particulares, arrodeados pelas consequências que as têm de padecer, queiram ou não, depois de tudo que produzirem de nefasto.

Isso vemos em torno, nos mínimos detalhes. A fim de surtir outro caldo que não esse, haveriam de exercitar o empenho de vencer as contradições que alimentam anos a fio. Vem de longe tais atitudes, lá de quando deixaram nas pedras os primeiros registros, guerra por cima de guerra. Formados os grupos, daí a competição, o desejo de domínio, de prevalecer a qualquer custo, bichos selvagens que demonstram ser, a ponto de a História apresentar nada além do relato cinzento das artimanhas de civilizações contra civilizações, ao mínimo pretexto.

O que causa maior espécie é o esforço de mostrar outra cara, a título de evolução, contudo longe, bem longe, do que querem ser de verdadeiro. Dia após dia, outras armas, outros argumentos de matar, destruir, acumular. Aonde botar a cara diante disso. O calendário da raça equivale às lutas das guerras de conquista. Destruição de culturas, arrogância e espoliação, qual se não houvesse grandeza no espírito dos líderes e das nações.

Eis um quadro por demais comum, e imaginar outras formas de viver parece demonstrar pouco interessante à maioria das gerações que se sucedem. Querer doutro jeito representaria alienação e fraqueza. Porém o sonho dos dias de Paz acabam sendo a única novidade válida durante todo tempo, conquanto a perfeição da Natureza insiste nesse lenitivo, enquanto houver ainda poucos que nisso alimentem a vontade otimista da Esperança nos momentos de harmonia e fraternidade.