segunda-feira, 31 de julho de 2017

Ali entre a culpa e o medo

Quando ouço rumores de guerra vindos de longe, algo mexe por dentro da velha casa desses enormes trapos escondidos debaixo da sombra dos egos vadios, vaidosos. Tremem dores arcaicas do passado que ainda transporto de lodo infame. Mortalhas abandonadas a monturos fétidos, na trama dos dominadores. Aqueles eus que ainda sobrevivem às duras penas do presente, nada mais que visagens de mim. Portos vazios de naus fantasmas e tramas inconfessáveis. Bem ali, no território do abismo, vejo aonde as paralelas do medo e da culpa um dia marcariam encontro fortuito e nele desaparecerão esgotadas de prazer e pranto.


Que humanidade esta, onde ainda falam sorrindo das guerras no Nascente, pobres criaturas de dramas mal sucedidos. Quem de si terá direito a indicar os responsáveis senão a si mesmo? Quem dormirá diante das ameaças humanas e comandos em festa, no furor das contradições, sanguinários algozes do furor? Quem, ninguém de sã consciência, desviará o dedo acusador dos tribunais e destinos que insistem na ganância e nos interesses inconfessáveis. 

Quais sombras um do outro, medo e culpa, marcaram, pois, esse tal encontro no finito da miséria, porém conspiradores confessos de infiéis, e dopados descem ao cais da perdição. Enquanto aqui em nós impera o sonho do perfeito, que busca o caminho do Sol, a vontade mórbida atiça o passado em brasa e foge agoniada pelas brumas, e deixam de fora as cogitações do amor e do arrependimento dos pecados antigos. Feitos salteadores das florestas mais escuras, somos esses que baixamos, certa vez, a cabeça ao erro e doamos carne aos abutres. De garras afiadas, só então colheremos dos nossos jardins as sementes que levarão ao Céu. Então, Pai, perdoai, por não sabermos o que fizemos por desobediência. Ensina-nos, agora, a viver com sabedoria e fé os passos que nos restam seguir. 

O sangue dos pobres

Consta da relação dos fenômenos extraordinários atribuídos a São Benedito, o Mouro, santo católico de origem árabe, que, quando administrava a cozinha do Convento dos Capuchinhos onde morava, e após a ceia dos monges eremitas, ele sempre oferecia aos pobres que habitavam as comunidades próximas sopa por demais substanciosa. Famintos, saciariam a fome diante da boa vontade daquela refeição caritativa dos inícios de noite. O meio que religioso utilizava era reaproveitar as sobras que ficavam da preparação dos alimentos principais, restos de verdura, gorduras de carnes, caldos de fervuras, substâncias que de comum seriam jogadas fora. 

Os noviços responsáveis pelas rotinas do estabelecimento, no entanto, nutriam pouca disposição de, além dos afazeres regulares, ainda pegarem as sobras para constituir a sopa dos necessitados, e dificultavam o trabalho que resultaria no sustento da longa fila andrajosa dos mendigos.

Com isso, aos seus modos humildes, São Benedito, repetia com insistência que eles, os auxiliares, indiferentes, derramavam o sangue dos pobres. Inúmeras vezes aconteciam os conselhos sem clara manifestação de produzirem os devidos frutos.

Até que, belo dia, o frade, utilizando a estopa de limpeza do balcão onde preparavam os pratos, nela recolheu os mantimentos que iriam a caminho da lixeira e, em seguida, com força, espremeu o tecido, às vistas de todos em volta, reafirmando o sempre dizia:

- Meus irmãos, vejam, na verdade, que o que fazem é derramar o sangue dos pobres – enquanto, na mesma hora, escorria sobre a bancada o mais puro e expressivo sangue humano, razão de espanto dos presentes, passando esta a ser uma das ocorrências analisadas com mérito quando da canonização do virtuoso santo.   

domingo, 30 de julho de 2017

A força da Paz

Lembro um tempo em que aceitar a leveza das coisas simples se tornou atitude distante, naquela geração recém-saída dos impulsos adolescentes, e eu ali no meio deles, dos meus amigos, queria demonstrar força de vontade, adotando surrados princípios materialistas. Fugia das religiões por determinações da moda. Ler a vida dos santos era algo fora de propósito. Crer nos princípios da bondade qual norma de fé seria estapafúrdio, longe, lá longe do que pregavam os credos ideológicos que mais pareciam haver descoberto a fórmula de nova Revolução Francesa no interior do Brasil. Época de mexer nos miolos dos antigos postulados atirados na lama do esquecimento. 


E segui batendo cabeça naquelas contradições e falta de respeito que a tudo quisessem destruir, levar no eito irracional da violência. O mundo virava de ponta cabeça, com a guerra impondo condições miseráveis a qualquer sonho de pacificidade. Andávamos tontos na face de juventude arrebatada pelos desesperos bravios das estradas fechadas, sem fim, sem esperança, sem nexo. Vagávamos cheios de vontades imensas de quem terminaria na ausência dos destinos de continuar, ideias abandonados nos mangues das despedidas melancólicas. Aonde foram eles, aqueles paladinos de cucas maravilhosas? Sumiram nas saudades, ficaram órfãos muitas vezes por conta da macroestrutura desumana que chagava ao poder, ou dele nunca se afastara.

Hoje, no entanto, vozes falam claras aos ouvidos que apenas começávamos a longa jornada pela vida espiritual, de querer ser salvo deste chão pegajoso, que apresenta em si a face da salvação, jovens e veteranos que só agora se apegam aos dons reais da profecia. Enquanto isto, valores bem mais sólidos ora consistem noutras formações em que impera o desejo franco de refazer os caminhos e alimentar novas histórias. Chegavam ali os arautos da saúde, da boa alimentação, os mártires da nova Humanidade, que criariam as primeiras gestas da Paz vindoura. Medos e culpas comprimiram seus dedos amolados sobre as velharias do passado, e foram apenas a grandiosidade do Amor que quer dominar o Universo. Foram precisas décadas a que isto pudesse acontecer, e me faz, aos poucos, reviver os sonhos de Paz que tanto alimentávamos há quanto tempo. Hoje, mais que nunca, são pura necessidade e razão de sobrevivência. 

sábado, 29 de julho de 2017

Pelos mares do Inconsciente

Respostas ao enigma do Tempo, aqui vamos nós a descobrir onde largar de vez a dúvida cruel de navegar perdidos à busca das ilhas deste oceano sem fim, amém, contudo ainda desconhecendo roteiros os portos que nos aguardam de dentes a mostra, Ulisses de aluguel, revelam a si o trilho escuro do destino e repousa nos verdes campos do prazer as armaduras reluzentes. Ser feliz, afinal, diante de tudo, ainda que meros traços dos rascunhos e das horas. Desenhar, sim, nas nuvens dos céus desta caverna a fisionomia da certeza, eis dever de ofício que lhes resta. Enquanto isso, vagar face aos sintomas da dor de existir e existir como verdade única, exclusiva, sem nada em troca além da saudade lá distante de quando nem existia. E persistir no pulsar dos corações adormecidos. 

São eles a certeza dessa dúvida a guiar ao bem depois, que significa fazer de todos uns atores da própria história, heróis da inocência original, clientes da mesma sorte nem, sempre tão felizes quais quisessem ser no de manhã das gerações. Prudentes, por vezes, no entanto, olhos fixos nas dobras sucessivas da longa jornada, seguem estrangeiros do inesperado, máquinas que limpam lábios com insistência e fervem de vontade aos gozos insanos da carne. Longas filas de guerreiros e sonhos, espinhos e flores. 

Passageiros de nau fantasma, querem saber, a qualquer custo, mais, saber o suficiente de sofrer resignados, cientes de transportarem corpos em sinais de salvação, tatuagens de imortalidades. Lutam nas trevas da solidão e tremem ao furor das montanhas d’água que lhes penetram as narinas e invadem as entranhas. Entre realidade e promessa, os sapiens sapiens vamos transportados aqui dentro ilusões das caravanas que haverão de abandonar às portas do Infinito. Nenhuma consciência absoluta e todas as chances de ser possível marcam a pele dos animais deste Chão das almas imerso nas galáxias luminosas. Quando em dias radiantes, seriam foliões de bailes super animados. Entretanto, cara a cara nos esporões dos peixes, amargam de dar dó durante o julgamento nos tribunais do para sempre. Ah! Busquemos as praias do esquecimento, e dormiremos em paz outra vez.

quinta-feira, 27 de julho de 2017

Degraus do Paraíso

Houvesse razões menores, ninguém gastaria vidas e vidas nos grotões de perdição que resfolega o espaço das horas, porém querer sonhar virou a hipótese mais importante deste século XXI de tantas contradições, irresponsabilidades e outras histórias contadas pela metade em meio à fumaça dos guetos. É tanto que inventaram outros equipamentos de controle populacional, face ao gesto de usar tudo quanto possível de viajar no tempo do delírio nas naves menos indicadas pela mídia dominante. Milhões, bilhões de almas depositaram confiança nas cartas menores do Tarô e vivem, por isso, o estranho hábito de morrer e matar antes da hora prevista, eles, os animais dos vales, e destruir as florestas em chama. Largaram de lado o imprevisível das indústrias bélicas e dos alimentos químicos. Puseram em xeque o fluir natural dos instantes sagrados. Cruzam mares nos piores veleiros deixados em troca dos tais paraísos artificiais e sensações outras, cigarros fortes e possibilidades fracas.

Nisto, somem pela bruma dos céus as chances de chegar ao real merecimento. A escadaria se desmancha na saudade do objetivo. O gesto de receber de Deus a Revelação transformadora de noviços em santos resta quase em crise pessoal, que ficou das existências que insistem querer felicidade através das vias anormais. O senso comum este até que admite poder ultrapassar o além da imaginação, desde que nas tecnologias da programação e invada, na marra, os fossos da alucinação. Rituais de magia humana quer tomar o reino da Justiça na força bruta das incompreensões. Daí virar vontade perdida os páramos da ausência do sentimento. Ninguém parece amar ninguém. Todos querem vencer o eterno sem ultrapassar os portões do Apocalipse. E durma e ainda queira sonhar...

O preço disso nem profetas sabem, hoje em dia. Enfileirados nas longas avenidas, esses atores do imprevisível trocam passos, adotam normas de comportamentos de feras que só acalmam o desespero nos dias seguintes. Mundo de ferro e cimento; fervor e terapias. Logo ali depois do outro lado da ponte, num casebre abandonado, mora feliz o guia da Paz, bem aqui no coração das sementes e das pessoas.                            

quarta-feira, 26 de julho de 2017

Aspirações interiores

O esforço materialista de evitar a religiosidade dá de cara com a insistência dos humanos em admitir os princípios espirituais. Sempre houve, no decorrer dos tempos, empenho dos impérios em desmerecer as crenças. Pronde procurar, ali implica seres poderosos nos comandos a diminuir ou buscar eliminar quem respeita valores maiores do que apenas força física. Querem deter o poder, mas nada podem com relação à fé na Verdade absoluta.

É que desde os primeiros passos do homem que ele busca o desconhecido. Depois de encher a barriga, olhar em volta outros prazeres, restou procurar um jeito de sustentar vidinha mansa que possa levar. E poucas vezes consegue nada além. Porquanto uma resposta passeia pelo ar, nem sempre fácil de usufruir. Quer saber donde veio, aonde vai e o que está fazendo aqui, as bases de toda filosofia. 


Vem na busca de quê, em resposta às crises grandes. Valorizar o ócio e achar a porta das maravilhas. Desvendar os mistérios. Descobrir do véu da ignorância. Um sonho profundo em forma de psicologia, religião e arte. Quantas intuições em forma de ansiedade, desejos e visões, mergulhos de vazios e desespero.

Bom, foi quando Jesus veio revelar o segredo da imortalidade real, e poucos viram. Demonstrou com a presença histórica, no seio do povo judeu, o quanto há de luz no coração dos seres. Apresentou a face do Universo de jeito familiar, indicando o proveito no fazer bem entre os demais, qual existe dentro da gente, na essência do Ser. Jesus de todos e na alma das pessoas. E o tanto do equilíbrio que persiste no Cosmos, leis perenes, eternas. Três aspectos distintos: Jesus histórico, Jesus místico, Jesus cósmico.

Ainda que tal conteúdo que represente o formato original de um tudo no Todo, mesmo assim os pequenos seres fervilham de impaciência em negar os postulados sobre os quais se firmam eternos os objetivos da sempre Eternidade.

segunda-feira, 24 de julho de 2017

Dentro das paredes deste lugar

Ainda que visse lá de fora pela janela, era tudo, no entanto, o mundo cinza permaneceria quando vieram os primeiros raios de sol rasgando nuvens que passeiam pelo céu. Fome de tudo. Um gesto interno de pura vontade no querer transformar emoções antigas em máquinas de superação da dor. Pois o impulso de continuar vivo investe contra a vidraça feito besouro teimoso de permanecer aqui mesmo que o fastio queira tomar conta do universo em volta. 

Ele sai batendo nos objetos espalhados pelo chão. Mochilas de antigas cavalgadas, rastros de campos de batalha e marcas de sangue espalhadas nas árvores secas da caatinga. Pedaços de saudades escorregando feitas formigas impacientes através das telas do horizonte. Fiapos de melodias. Nervos e engrenagens percorrendo o corpo inteiro, por se saber passageiro preso dentro da velha cápsula rumo do céu do infinito. Enquanto isso, as pessoas, que vêm e vão, acenam pela porta entreaberta nos cumprimentos agradáveis de parceiros da jornada em outros veículos iguais. Sabe que elas gostam dele. Respeitam sua história, sem com isso poderem sentir o tamanho da dor de existir que lhe fere o peito com a intensidade dos mil sóis.

Se as frestas todas se abrissem num único instante por certo dividiriam o passado interminável por milhões, daí querer responder a questão do porquê do que atravessa premido naquelas circunstâncias. Pisa quase automaticamente os passos que caminha. Solto pelo ar, voa integrado ao corpo do bólide que conduz, na missão da vida. Passageiro, comandante, deus. Olhos acesos, de algum ponto do espaço lhe contemplam o andamento da jornada. Deixaram de compor o quadro interior dos pensamentos, pois revelaram pouca razão de pensamento. Eles desaparecem do jeito que chegam, longe de mudar o nível de energia que alimenta os motores da nave.

Com isso, dias passam, os astros, os animais, as cores, as visões fantasmagóricas do destino, as amarguras, os sonhos. Passam, passam, passam pelas janelas, mexendo nos sentimentos. Pequenos filamentos de antigos módulos formam os restos das bodas que sumiram no escuro dos mares, fora, no céu imenso. Só permanece consigo os traços deste presente que unem com o presente seguinte, quais bolhas que nunca param de formar novos mistérios do foco de existir. Só isto. E sabe que há tantas conexões disponíveis todo tempo. Elas aparecem num dos lados da tela principal. 

sábado, 22 de julho de 2017

Uma esperança mais próxima

Diante do tanto que acontece neste velho mundo dagora, qual houvessem os seres humanos simplesmente esgotado as possibilidades coletivas e quisessem pensar em si para consigo, do ego mais adentro, quem for podre que se quebre, por que chorar ainda outro tanto, invés de erguer a cabeça e elevar as vistas no horizonte, e saber do Bem maior que a tudo rege? Significa, sim, vontade soberana, desejo de alternativas sábias. Rever os padrões da sorte cega e refazer a assinatura da esperança. Baixar a bola do desespero agressivo e cuidar de bom gosto das novas chances que sempre indicam a Natureza mãe?!

Que esgotar, esgotaram as chances, isso confessam há tempo os índices e as pitonisas. Porém perder por perder fica feio a quem desejou singrar os mares e viajar céus infinitos. Controlou os ares, acalmou os mares, desvendou as dúvidas matemáticas, sem, no entanto, conter o touro bravio da dor entre os tais seres vivos. Humildade, resta, pois, aceitar ser humildes. Olhar de lado e ver o quanto de semelhantes palmilham o mesmo chão. Abrir as portas do coração e partilhar tesouros, as notícias do mistério e o desejo maior de felicidade equitativa. Querer, enfim, pacificar a fera acuada, que vaga solta nos escuros glaciais, e aceitar de om grado uma paz duradoura. Nutrir bichos menos indomáveis e sonhar novidades que promovam os bens de salvação desse trem das amarguras em que tornaram a vida dos muitos trabalhadores. Justiça, solidariedade e confiança, formas ideais de convivência, revelações da política verdadeira de filósofos e profetas geniais.

Enquanto isto, vem o sol das almas com seu brilho de coração em festa. Inova o prisma de cores incontáveis, nos fenômenos inclusive de dentro do próprio corpo que nos conduz, máquina livre e perfeição absoluta. Admitir a esperança qual gênero de primeira necessidade. E permitir sinceridade em todo sorriso que preencha de luz os dias da eterna Humanidade. 

(Ilustração: Cristo na tempestade no Mar da Galileia, de Rembrandt).

quarta-feira, 19 de julho de 2017

No dia em que me reconciliei com Deus

Quando perguntaram a um sábio qual o sentido da vida, ele, de pronto, respondeu: - É a vida.

Às vezes, a gente se torna exigente demais com a gente mesma, e esquece viver. É bem isto. Aceitar sem teimar as condições que estão aqui e agora.

Viver é diferente de perguntar, de falar, de querer, de insistir. É viver, pois. É isto que está aqui. Parar e olhar em volta o quanto a vida é bela, e completa. Quando perguntam a um sábio qual o sentido da vida, ele, de pronto, responde: - É a vida - de comum, a gente é quem inventa o que seja descompasso.

Ser feliz é ser. Ser pra merecer. O mais vem por acréscimo, qual música boa.

E lá um dia, ao morder num chocolate meio amargo, olhos fixos ao sabor inevitável de querer viver com arte, a arte dos chocolates meio amargos, nascerá de dentro a boa disposição de aceitar as condições de ser livre e dominar os conceitos que ensinaram em forma de sacrifício religioso, e vê que o Paraíso é vizinho da casa em que habitávamos há milênios. É só estirar a mão e comer maças, sapotis, ameixas; aspirar e sentir o perfume de todas as flores cheirosas; olhar o firmamento e pular de contente ao som das melhores músicas, festa no terreiro das folias. Olhar nos olhos das pessoas e saber dos que nos veem com carinho, gostam da gente com a mesma felicidade com que a elas nós olhamos. Pulamos de louvor e cantamos as canções que tocam o coração. Dias de plenitude luminosa. 

Por isso o amor vive solto no tempo e também nos segredos da alma, por vezes escondido, tímido, calmo, esperançoso. O maestro desta vida somos cada um, força do poder da soberania de um Pai grandioso que escolheu que sejamos assim felizes de ser seus filhos. Nisso, meio desconfiado, meio satisfeito, abrimos os braços e abraçamos emocionados o pai, que de há muito esperava nosso abraço mais saboroso.

segunda-feira, 17 de julho de 2017

Heróis da honestidade

Diz o sábio chinês Lao-tsé, em O livro do caminho perfeito, que quando o reino está em harmonia, com os súditos vivendo na ordem, zelando pelos seus afazeres, ninguém nem sabe quem é o Príncipe. Porquanto são outras as ocupações diárias, outros os compromissos de trabalho, de família, de folguedos. No entanto haja descompasso, e tudo indicará destino ao trono e suas artimanhas internas.


Muitas horas, as intrigas palacianas surgem das ânsias do poder, da desorganização social e da ambição de aventureiros inescrupulosos. Fazem da política razão de investimentos financeiros, degraus de dominação das massas e ostentação das vaidades humanas. Há estruturas montadas em cima de leis seculares, determinações de contribuição ao enriquecimento, formas rígidas de controle das populações, que enfraquecem nas bases comunitárias e distanciam mais e mais governantes de governados. 

Disso as graves indagações dos tempos de como preservar a ordem pública e satisfazer as carências dos países sem ferir a Ética. Novas castas invadiram as instâncias de poder através das instituições, e jamais imaginam, nem de longe, largar o osso das benesses, vindas desde longe, das outras gerações. Nalguns casos, a partir do período colonial. E com isso a força do povo perde em capacidade e determinação de preservar seus reais valores. O reino submete os súditos a caprichos e fúrias, contido esse através da elite privilegiada nas camarinhas das administrações.

Eis o diagnóstico tão velho quanto os piores resumos de períodos históricos idênticos. Falcatruas. Desmandos. Demagogia. Extravagâncias. Injustiças. Clamor maior também nas famílias, que penam sob o peso da responsabilidade que lhes é repassada na Lei soberana, em farsa aparentemente democrática, contudo descomunal. 

Porém, a que o barco siga seu curso, persiste a disposição constante daqueles heróis da sobrevivência que, a ferro e fogo, resistem às normas das épocas, na troca de sonhar com os dias melhores que haverão de vir. Que depois das tempestades vêm as brisas suaves que ensinam as lições. São justos, honestos, trabalhadores, movidos pela coragem que alimentam no amor da Verdade original. 

(Ilustração de Pieter Bruegel, o Velho, A dança dos camponeses).

sábado, 15 de julho de 2017

Regina

Fui vê-la duas vezes, na casa de uma prima onde residia em Crato, à Rua Getúlio Vargas. Da primeira vez, levava comigo encomenda do padre Vieira, uma carta. Ele dissera no telefone que eu deveria conhecer Regina, e que mandava essa carta aos meus cuidados para que fosse procurá-la. 

Recolhida a cadeira tipo preguiçosa, estatura mirrada, retorcida no próprio espinhaço, de cabeça pendente, sem o domínio das pernas, quase nula dos braços, resistia viva há mais de quarenta anos, sob o auxílio de parentes. Filha de mãe pobre habitante das margens do Rio Grangeiro, perto da cidade, imediações da atual Ponte das Piabas. Sua mãe namorara incerto homem casado, chegando a engravidar, motivo da vergonha dos pais, que só aceitaram a criança pela rara beleza de que fora dotada, trazendo alegria aos quantos desfrutavam do seu convívio. Próximo dali morava uma vizinha que possuía uma neta não tão esperta e cativante, o que lhe deixava triste. 

Certa tarde, enquanto a mãe de Regina fora à bênção na Sé Catedral, a avó, levando consigo Regina ainda de berço, desceu ao rio para buscar umas roupas estendidas. Durante alguns momentos, a menina ficara apenas sob os cuidados da vizinha que lá também se achava na ocasião, porém esse tempo foi o suficiente para ela aplicar, com um porrete de madeira que usado para bater a roupa, golpes vigorosos dirigidos nas costas do bebê, à altura da espinha dorsal.

Ouvidos os gritos, apressada, a avó retornou sem nada considerar de anormal. A mulher disfarçara o crime. Nos dias posteriores, arrumou seus pertences e logo mudou de endereço. Quando os familiares de Regina perceberam o que acontecera, seria tarde demais; na ação perversa, a vizinha inutilizara quase por completo aquela criança.

Alguns anos transcorridos, num dia de feira, as duas avós ainda trocaram opiniões sobre o ocorrido daquela tarde. Os argumentos da vizinha invejosa demonstraram completa inocência, pois ignorava tudo sobre a perversidade. 

Daí, Regina cresceu doente, prostrara-se como a conheci. Segundo ela, tempos depois, já na idade adulta, uma madrugada, sem saber da morte daquela senhora, acordou vendo intensa luz dentro do quarto em que dormia. No clarão, acompanhado de forte ventania, divisou nítida a figura de uma freira, de rosto ameno, sorriso nos lábios. Ela, então, perguntou a Regina se poderia perdoar a quem tão cedo lhe prejudicar, roubando-lhe a saúde e os seus movimentos. Pensou um pouco, avaliou tudo, o passado difícil, sua história, lembrou-se de sua mãe, dos avós desaparecidos, e de Deus. Não viu por que guardar mágoa, rancor, nem sede de vingança.

- Perdôo, sim – foi o que respondeu.

Daí, num crescendo intenso, principiou a ouvir longe uma voz sofrida que pedia: - Regina, me perdoa? E a voz veio se aproximando a repetir o pedido: - Me perdoa? A cada repetição, ela ia respondendo: - Perdôo... Perdôo... Perdôo...

A voz aproximou-se mais e ouviu alguém abrir o portão de ferro do jardim, chegando junto da porta da frente, refazendo o peditório, silenciando no instante em que caiu em prantos. De novo tudo voltou a ficar calmo e o silêncio reinou pela madrugada. 

Eu, atencioso, só escutava a narrativa. O tempo passara e me despedi emocionado. Fiquei de voltar outra vez, houvesse oportunidade.

Naquela que seria a minha terceira visita, me vi surpreendido com a notícia de que fazia um mês que Regina deixara este mundo. Deste modo, além das lembranças do seu aspecto de pessoa sofrida e conformada, dela tudo o que guardei deixo aqui contado nestas palavras escritas.    

sexta-feira, 14 de julho de 2017

A leveza dos pássaros

Agora recente, ouvi de Weber Girão, o biólogo responsável pelo projeto do Soldadinho do Araripe, em Crato, que há claro risco do desaparecimento da espécie. Isto dentro de poucos anos, dada a velocidade com que são desmatadas as encostas da Serra. E que a solução será o pronto reflorestamento das matas ciliares, sobretudo em relação ao entorno das fontes.

Poucos dias atrás, passava pelo meu juízo o quanto a fragilidade caracteriza os frutos do Tempo em que vivemos quais peças de cenário maravilhoso; tudo é lindo, tudo é frágil, quais sorrisos doces de uma criança. Suave. Simples. E nós, bichos agressivos, interesseiros, no meio disso, do sagrado da Natureza, guerreiros estapafúrdios da vaidade humana. 

Peixes tubarões competitivos, ilusórios, desfilamos apressados nos bólides metálicos pelas avenidas, ganhadores das taças da ingenuidade e da pobreza moral. Meros fazedores de ruínas, tangemos o bonde da história, ainda famintos das necessidades mínimas de ética e bons costumes. Estupradores, traficantes, viciados, políticos infiéis, arrombadores, gananciosos, eles também contam, na média aritmética dessa fome dos predadores inveterados. 

Assim, tudo tão leve, tão frágil, e o velho barco segue mar adentro, nau dos insensatos e casa comum das comédias e falcatruas. Ninguém queira pular fora, que não existe lá fora. Único, perene mar das alegorias humanas... Vender almas em troca de dor, enquanto bem poderá ser no sentido inverso: aceitar a dor e salvar a alma. Que o vento das horas desliza faceiro sobre a pele dos ímpios para sempre. Não há fuga possível, nem imaginável.

Bem, que desejemos reunir forças e salvar os soldadinhos do Planeta, quando mais e mais pede a ser salvo, no coração da gente. Aprender a amar incondicionalmente o respeito das existências, inclusive dos outros seres humanos. Viver a intenção de dominar a si mesmo, na guerra das divergências que poluem este mundo raro, fabuloso e habitat das belezas raras. Ser feliz, afinal, permitindo que os demais também sejam.

quarta-feira, 12 de julho de 2017

O barroco da Iluminação

Inícios de tarde deste julho frio que atravessamos no Cariri e visitei a exposição O onírico não estabelece fronteiras, do artista caririense Lupeu Lacerda, em andamento na galeria do quarto andar do Centro Cultural Banco do Nordeste, em Juazeiro do Norte. Uma viagem através de mundos siderados, esdrúxulos e espasmódicos. Misto de artesania com delírios, são quadros inomináveis, circunspectos, de outros universos que não este do mistério daqui que vivemos sob o tédio das repetições.

Lupeu, sim, desmergulhou com força do âmago de sua própria história dos inúmeros passados e trouxe ao panorama da visão crítica o que conseguiu apurar, o que podemos classificar de, no mínimo, instigante naquilo que achou por bem transmitir aos outros mortais. Buscou nos minérios internos da alma o que houvesse de mais desafiador do tanto quanto conheceu em aventuras errantes, e lapidou, construiu, na soma de duas técnicas, o biscuit e o óleo, às vezes sobre tela, doutras em madeira; ora em círculos, ora em quadros ou retângulos. Causou algo de insólito e rumoroso em painéis de cobre acetinado, o que significam suas obras.

Na visão do pintor-artesão a jornada prossegue nas denominações das peças: O velho príncipe volta para casa. Tábua de Esmeraldas. Chuva de dados. Kariri. Nossa Senhora das Armas. Aqualung. Sétimo selo. Pacha Mama. Nos corredores sombrios do seu Inconsciente e dos tempos recentes da arte, transforma pedaços de si nos apelos visuais quase que agressivos e zombeteiros que traz a lume, ação de revelar o que lhe veio aos sonhos.

Ele, que também produz versos e contos, entremeia sagrados e psicodélicos, também neste seu momento dagora, porquanto lá antes, em Petrolina PE, já promovera, juntamente com Guto Bitu, a exposição Sacrodélico

Indicado a quem deseja renovar o guarda-roupa da imaginação, a mostra permanecerá em cartaz no BNB Cultural de Juazeiro do Norte CE até 09 de agosto do corrente.  

terça-feira, 11 de julho de 2017

Histórias alheias

Certa vez, ouvindo entrevista do ator Lima Duarte (Ariclenes Venâncio Martins), que contava alguns tópicos de sua história, um relato me chamou a atenção. Falava a propósito de quando viajou pela Europa, na década de 50, e chegou à Noruega, dos países mais frios que existem. Espécie de peregrino daqueles anos, jovem, cheio de sonhos, viera de conhecer bela jovem daquele lugar, por quem caiu de amores. 

A paixão foi tamanha que Lima resolveu consertar os planos de conhecer o resto do mundo e permaneceu só naquele torrão diferente. Formou casal com a namorada e deu de arranjar trabalho para se manter a qualquer modo. 

Mas era tudo diferente. Dias cinzentos, gelados, quase o ano todo; língua esquisita, bem longe que dos promodes de nosso português; raça nórdica de costumes pouco ou em nada parecidos com daqui.


Ainda que pesassem todos aqueles fatores desfavoráveis, o genial protagonista seguiu adiante no sonho de serem felizes eles dois, fora de casa, dos amigos, da terra tropical em que nascera, pois o amor é lindo. 

O tempo, no entanto, a quem não sobra acomodação, ou indiferença, principiou cobrar desgosto do estrangeiro distante. Já andava cabreiro, meio sem interesse de aprender a língua difícil por demais, ocupações o dia todo, pessoas caladas, quietas, apressadas. Cama e mesa nem sempre é tudo. E certa madrugada, que preenchia a ouvir o chiado das notícias brasileiras pelas ondas curtas de rádio a válvula, qual surpresa lhe aguardava através do Repórter Esso, na voz inconfundível de Heron Domingues:

- Neste dia, o Brasil está de luto: Acabamos de tomar conhecimento que o presidente Getúlio Vargas, nas dependências internas do Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, atentou contra a própria vida.

Sozinho dentro da noite glacial do clima norueguês, Lima Duarte sentiu de perto a profundidade do que seja a verdadeira solidão. Gelou dos pés à cabeça. Nem atinou de acordar a querida companheira, que ressonava ao lado. Correu feito doido, desesperadamente; foi jogando o que achou pela frente, e pudesse, caber na mala que encontrou. Bem cedo da manhã se despedia da mulher e dos raros amigos que fizera, e partiu em busca do primeiro navio de volta à pátria tão querida, agora órfão do endeusado governante desaparecido. Era 24 de agosto de 1954.

segunda-feira, 10 de julho de 2017

Os livros

Há diversas naturezas de gente. Daí os inúmeros gostos, paixões, apegos, vocações. Classificam isso de inteligências múltiplas. Desde aquelas voltadas aos esportes radicais, às que prendem os interesses no infinitamente pequeno dos laboratórios e ciências. Numa frase, Goethe quase definiu essa particularidade individual: Dizem que ninguém é herói para o seu criado de quarto. Explica-se: o herói só pode ser reconhecido por outro herói.

Os livros são prova dos vínculos individuais a seus gostos particulares. De tudo existe nas livrarias. Manuais de cada coisa preenchem as gôndolas. Dificilmente alguém chegará numa casa de vender livro que não ache o que lhe agrade, sempre no prumo dos prazeres pessoais, do gosto íntimo. Livros são retratos da época mental nas criaturas humanas.

Por isso dizer aos que querem pegar gosto na leitura que iniciem pelos assuntos do particular interesse. Eles mudam muito de pessoa a pessoa. Mas sempre haverá um tema que lhe agrade em cheio. A não ser que o desinteresse puxe noutras direções bem extremas, das quais ainda nem existam os livros. Bem possível acontecer, razão de nunca pararem de produzir novos livros de novos assuntos. O mercado é amplo, talvez tão infinito quanto o tempo.


Contudo, mesmo que houvessem previsto o fim da era do livro com o advento da informática, no entanto até hoje continuam os livros e as livrarias, agora acrescidos da mídia digital, nos livros eletrônicos. O livro tem charme próprio de um amigo ao nível das mãos. Vêm horas vagas, e quem gosta de livro corre às estantes e seguem pela estrada sem limites das letras. A inspiração de ler é tão valiosa quanto a de escrever. Quem lê atualiza o pensamento dos autores e vive junto a emoção das descobertas de antes, postas nas letras. Somam e participam de vidas e mais vidas; uma mágica; um mistério. Fabricassem livros invés de armas e o mundo logo chegaria próximo da sonhada civilização da paz e do progresso. 

domingo, 9 de julho de 2017

A condição deste mundo

Falta não quem esconda a cabeça na areia e fuja da realidade. Às vezes, numa mesa de bebida. Às vezes, sob drogas. Sexo devasso. Preguiça. Demência. Ilusões de perder de vista. Enterra a cabeça e a vida. Faz de conta que não é consigo a luta de viver. Aperfeiçoar. Crescer. Deixa de lado o direito e o dever de cumprir a honra de evoluir.

Porém inexiste outra condição neste mundo senão viver com maestria e coragem. Embarcar nas ondas erradas só dá perder tudo e enganar a si mesmo. Quanta conversa jogada fora. Quanto pouco caso de receber a grandeza da Natureza. E mente. E geme. E padece.

Viver tem muito mais a oferecer do que a covardia de fugir do campo de batalha. Mas os humanos sofrem dessa fraqueza de caráter, ainda. Nesse longo espaço entre a lama e a luz, muitos desistem, vítimas da fragilidade que impera no lodo. Pois ser homem no real sentido deste qualificativo pede coerência. Determina atitude. Impõe condições extremas de evolução. 

Ninguém vem aqui apenas fingir, a não ser que aceite o soldo dos que desertam e caem no mato que até o pé bata na bunda. Correr é próprio dos pusilânimes. Os exemplos de seriedade diante dos valores humanos verdadeiros sobram todo tempo. Marcam a história feitos heróis imbatíveis da finalidade de estar neste chão. 

Lá na frente, ou até hoje, que seja, iremos a demonstrar os resultados do que recebemos para cumprir. Os imbecis nem pensam nisso. Permitem descer de goela abaixo o desgosto da ignorância e se enterram mais cedo perante os tribunais sérios da Eternidade.

Bom, eis no que dão as palavras ao falar de condição, da condição deste mundo. Há determinação superior, queiramos ou evitemos querer. Aceitar representa viver de plena sabedoria. 

(Ilustração; Filme: O mentiroso, direção: Tom Shadyac).

sexta-feira, 7 de julho de 2017

Aos escritores desconhecidos

Hoje me chegaram às mãos, mandados por Nadir Duarte Pinheiro, desde Rio Novo MG, os originais do livro inédito Histórias que restaram, de Josias R. Barcellos. São nove contos de gêneros diversos, desde fragmentos memorialistas, ficções históricas e científicas, dramas urbanos e de costumes, numa miscelânea digna de publicação, reflexos de autoria bem cuidada e executada com esmero, a nível de escritor vocacionado e caprichoso. 


Oportunidades assim demonstram o quanto bem poderia ser diferente o arcabouço da literatura neste País, não fôssemos o que somos, distantes do que gostaríamos de haver sido no concerto das nações civilizadas, houvéssemos tomado o caminho da justiça social e do sentido culto. 

Lembrei tempos atrás, quando preparava os originais do meu segundo livro, Noites de Lua Cheia, e recebi a visita de um amigo que mora na Itália. Ele demonstrou entusiasmo de saber que em breve eu estaria com a aquela edição nas livrarias, pois imaginava que no Brasil funcionasse qual no país donde vinha, só bastando o autor aprontar a obra que as editoras de pronto cuidariam de publicá-la e lançar ao público. Surpresa sua foi saber do sacrifício de alguém lançar um livro aqui nesta parte do mundo.

Fruto de horas e horas de trabalho e dedicação, os originais dos contos de Josias Ribeiro de Barcellos bem que demonstram o quanto escrever, nos lugares subdesenvolvidos, significa. Já ciente da impossibilidade viral que domina a cultura brasileira, na apresentação do próprio texto ele já trata de afirmar: Aos meus familiares deixo estas singelas histórias, que são uma espécie de registro de uma época vivida por mim. Diria que meu desejo é que passassem de netos para bisnetos...

De certeza, dada a qualidade editorial de ficção que domina, da correção e da facilidade com que elabora o que produz, haveria de chegar ao leitor de forma justa, merecedora dos autores e suas realizações, isto vivêssemos longe de grandes limitações, em universo menos medíocre e mais consciencioso. 

Eis o resumo do que avaliei no manuseio desse trabalho que ora me veio, no intuito de apreciá-lo. De parabéns o seu criador, solitário no ato de contribuir à nossa esperançosa literatura.

(Ilustração: Hieronymus Bosch).

quarta-feira, 5 de julho de 2017

A certeza mais certa

Razão essencial da vontade extrema, a fé demonstra o quanto de real importa durante todo tempo na existência das pessoas. Foco das ações definitivas, exige extrema convicção, numa entrega incondicional. À época da Roma dos césares, iam cantando aos circos, em busca do sacrifício, todos aqueles primeiros cristãos, sem titubear, sem tergiversar. Doavam de bom grado o bem maior de existir à sanha perversa dos gladiadores, às feras, às fogueiras, aos precipícios, quais cientes e tranquilos da absoluta justiça que lhes fazia meros instrumentos de esperança e salvação na Eternidade maior. Movidos pela amplidão do Infinito, deixavam que imolassem corpos, destruíssem famílias, histórias, firmes tão só no único propósito das palavras de Jesus, cientes da Verdade plena do amor de Deus.


Nisso, a pergunta principal de saber aonde revelar em Si tamanha realidade que supera todas as verdades menores deste mundo febril. De que elevação interior desvendar o horizonte do ser da nitidez desse propósito e enxergar sem dúvidas a humildade, o abandono do possível no impossível; depositar nas mãos invisíveis o princípio da sobrevivência material, animal, existencial. Resgar o véu das sombras que envolvem o mistério e aceitar de pronto a palavra do Mestre divino de um Reino fora deste mundo, noutros ondes distantes, ou próximos. Isso num ato de renúncia definitiva à certeza do Eterno, já agora perante as contradições que penitenciam e dominam a terra dos homens... 

As religiões e os seus arautos propagam benesses do quanto dizem os livros santos, porém há que nascer de certo, dentro das criaturas, o furor das atitudes, a prática fiel do Bem, que permitam sentir, no íntimo da firmeza de andar por conta própria através dos caminhos solitários da alma. Dizem ser no coração em que isto acontece, essa alquimia da palavra em realização espiritual, e que apenas a gente pode só dispor da liberdade que decidirá abrir de vez o indivíduo à conversão inabalável. Restam , pois, as notícias dos que aceitaram, assim, triunfaram no sonhar das maravilhas em forma de conquista tão sublime e venturosa.

Rei Davi

Davi, filho de Jessé, de Belém de Judá, era um pastor de ovelhas. Recém saído da adolescência, cuidava dos rebanhos enquanto outros filhos integravam o exército de Israel, mobilizado em luta contra os filisteus. 

Instado pelo genitor, certo dia precisou ir à frente de combate levando suprimentos para os irmãos, acantonados numa das encostas do Vale de Elá sob o comando de Saul, rei dos judeus. 

Ao se aproximar das tropas, Davi presenciou, no lado filisteu, cena que lhe causaria profundo espanto: Guerreiro inimigo, homenzarrão de avançada estatura, em torno de dois metros e noventa centímetros de tamanho, deblaterava agressivamente num desafio aos israelitas, chamando-os a combate individual. O gigante deitava e rolava nas ameaças. Armado até os dentes, capacete, couraça e caneleiras de bronze, só a ponta da lança pesava mais de sete quilos, afirmava que quem vencesse o combate escravizaria o exército adversário. Era Golias, procedente da província de Gate, homem aparentemente invencível, deixando reféns os israelitas, nisto há mais de mês a oferecer tantas bravatas, que todos ouviam silenciosos.

Ao considerar aquilo, Davi estarreceu. Que figurão o tal gigante, a por no chão a força reconhecida e soberana do exército do Deus dos Céus?!  A avaliação lhe calou fundo pelas entranhas. O que estaria acontecendo a causar tamanha covardia nos guerreiros invictos do seu querido povo? Muitas e tantas cogitações feriram a consciência, inconsolável face ao que presenciava.  Ninguém do povo de Israel a oferecer qualquer resistência.

Nisso, de pronto, Davi resolveria defrontar o petulante algoz, levando ao conhecimento do Rei a disposição, para espanto de todos, desde os próprios irmãos, que quiseram demovê-lo do intento suicida. 

Chegou a experimentar os elmos metálicos comuns à tropa, contudo nele de impossível utilização, dado o corpo franzino. Decidiu ir ao combate usando apenas as armas com que pastoreava os rebanhos, uma atiradeira e seixos de pedras de vencer leões, ursos, lobos e raposas no campo.

A primeira reação de Golias foi de surpresa e ironia, pela fragilidade do opositor. Samuel assim descreve o embate cruel: Quando o filisteu começou a vir na direção de Davi, este correu para a linha de batalha para enfrentá-lo.

Tirando uma pedra de seu alforje, arremessou-a com a atiradeira e atingiu o filisteu na testa, de tal modo que ela ficou encravada, e ele caiu, dando com o rosto no chão.

Assim Davi venceu o filisteu com uma atiradeira e uma pedra; sem espada na mão, derrubou o filisteu e o matou.

Davi correu, pôs os pés sobre ele, e, desembainhando a espada do filisteu, acabou de matá-lo, cortando-lhe a cabeça com ela.

Naquela ocasião, nasceu o mito do Rei Davi, posteriormente sucessor de Saul e lá adiante pai do tão prestimoso Rei Salomão.

segunda-feira, 3 de julho de 2017

Vestígios internos

Nesse escorrer suave das nuvens pelo céu, fim de tarde, começo de noite, o tempo ainda espalha no clima seus derradeiros raios de luz. Enquanto isto, nas pessoas, a raiz do mistério tenebroso, das finalidades últimas, tudo jamais tranquiliza a razão escondida que está do outro lado da cerca do horizonte. Ela conhece que não detém a sabedoria do Absoluto; nunca que abrirá com as próprias mãos as portas da visão, o instinto do eterno. No salto que tem de dar, terá de esquecer que algum dia soube da luz, pois nunca saberá, nem soube. Deus é absurdo, não cabe na razão material. A luz não dobra esquina. Por isso, o esquecimento quase imediato dos sonhos. Por tal motivo precisou de Jesus vir e demonstrar como fazer para largar os apegos ao que quer que seja, do corpo à exaltação do poder temporal deste lugar.

Passo inevitável a quem quer verdadeira liberdade, a Verdade veio trazer o jeito de sobreviver aos desmandos da matéria. Esgotou, nos mínimos detalhes, o exercício da Salvação. Abriu de vez as comportas da Iluminação, os portões do Inconsciente, lá onde mora o mistério tenebroso. O filho do Homem, resultante de tudo quanto aqui acontece nesta aventura errante de tantas ilusões, rendeu-se aos propósitos de um mundo melhor, entregou-se na Paixão. 

Quem é Jesus, a que veio, o que de real significa na interpretação do mistério? Ele aceitou de bom grado o que teria de cumprir. Apresentou o gesto de renúncia diante dos desmandos, das contradições humanas. Um mestre, o Mestre divino. Exemplo vivo em nós da Consciência que aguardará claridade pura quando resolvermos a questão fundamental das existências. Nós, intérpretes da Natureza em forma de criaturas ainda físicas, portais da libertação. Quanta beleza de Deus habita em todos, emissários da multiplicação do Infinito para sempre, assim seja.

domingo, 2 de julho de 2017

Espelhos

Ninguém tem culpa de não ser o que outros querem que ele seja. Muitos vivem de empurrar a terceiros as responsabilidades de transformação que lhes cabe realizar. Criam factoides (isso é, trabalham nos outros seus modelos e querem pô-los a andar a fina força), descobrem um canto de acomodação, qual lugar reservado numa sala de cinema, e passam a esperar que os bonecos que criaram realizem o desencargo de consciência que eles precisam fazer. Daí dizer que o mundo está cheio de artistas, e a bandidagem vive solta nos becos escuros. 

São, na maioria, espelhos quebrados, espelhos embotados, manchados. Seres humanos que precisam, de verdade, revelar o mistério em si mesmos, invés de projetar soluções externas e viver nítidas contradições. Necessitam de paz, no entanto exportam guerra aos outros povos, de preferência distantes de suas casas. Trabalham soluções, mas não as praticam. Isto é, urgentes de carências, notam só as carências alheias, e disso fazem profissão. 

Existe cura, sim. A estrada daqui do Chão exige providências individuais bem radicais no ser interior dos humanos. Agir e realizar a paz no coração. Amar com sinceridade, coerência, leveza. Saber e fazer. Melhorar as atitudes perante o tempo que resta de vencer as vaidades. 

Fraquezas representam o que precisa mudar. Pisar no pescoço dos demais é continuar penetrando no espelho da irrealidade, e terá que percorrer o tanto que avançou, a exigir o esforço que negou. Leis existem a cumprir. De nada adianta esconder luz, que ela segue brilhando sempre. Esta a natureza da luz, sua essência, a essência de todos. E custa caro, em termos de aprendizado, reinventar o que nos compete. Porquanto há valores inevitáveis no sentido de preencher a verdadeira transformação que viemos concretizar.