domingo, 10 de julho de 2022

Lá de onde vêm as palavras


Do querer sem conta do silêncio, dali elas que chegam trazidas pelos ventos da imaginação, quando ganham forma, som e cor, e crescem no horizonte das criaturas feitas imensas catedrais de significados. Vêm leves quais nuvens de areia no deserto da criação, descem pelos sentidos e preenchem os sentimentos de variados condicionamentos, a ponto de fugir sorrateiras aos primeiros sintomas de indiferença de quem as ouve, ou lê. Apregoam inúmeras qualidades aos mesmos termos, no entanto na certeza de ser livres a ponto de dominar quem quer que seja, fazendo deles meros instrumentos de limitada compreensão, quase de todo submissos aos mínimos valores do que querem dizer; elas, as palavras têm, pois, vida própria diante dos tantos que delas se utilizam sem possuir vida nenhuma, vítimas da ausência de certezas e joguetes da sorte em movimento. Fragmentos de luas e sóis, vagam pelas mentes das pessoas em forma de mistério constante, porquanto nunca deixam-se levar pelos caprichos daqueles que as manipulam.

Isto de as palavras serem vivas e conduzirem os acontecimentos, independente do que imaginam os que delas utilizam. Animais soltos nas várzeas dos destinos, mudam de feição tão logo avaliem que bastam ao que antes representavam. No teatro de quais acontecimentos, perduram só durante as horas da necessidade imediata, largando de lado a disposição de prosseguir sempre iguais aonde quer que seja. Larvas de tantos apegos inúteis dos que as querem donos, empurram aos abismos do desaparecimento todos que pretendem usufruir das longas datas, sujeitos da inevitável perdição no tempo e no espaço devoradores. Palavras, feitoras das circunstâncias e dos laços que lhes amarram os seres e deles senhoras. Entretanto jamais lembram de impor determinações que fossem delas responsáveis por tudo quanto há em qualquer situação ou momento, na imensidão do Tempo. Vêm, mostram as aparências e somem pelas bordas do silêncio que lhes dera origem, na respiração dos seres inteligentes que acreditavam seus criadores e videntes.

quinta-feira, 7 de julho de 2022

A força da linguagem


Bem isto de saber que viver dói, porque não sei dizer por que dói um doer que vem de dentro e nunca permite dizer, escorre pelos dedos, vai ao texto, vai ao chão, e não voltará jamais. Um impulso talvez incompleto e vão de sair na ansiedade/angústia de encontrar consigo na tão sonhada paz que mora mesmo é ali dentro de onde nunca deveria ter saído, a fim de descobrir a si mesmo pelas malhas da confissão, pois já habitava o espelho que lhe despe o interior e revela toda constrição original da existência. Ela assim a linguagem, essa força descomunal que jorra desde o princípio de estar com Deus, que era Deus, e sempre será. O poder universal da consciência que Ele decidiu partilhar com sua inteira Criação através da linguagem, beleza de tudo quanto existe e existirá durante todo o sempre.

Nesta noite participei, no Salão de Atos da URCA, do lançamento do livro 72, da poetisa Cláudia Rejanne, quando comungamos da grandeza viva da linguagem poética através da fala e dos poemas de autores presentes, em um sarau de rara inspiração. Os poemas de Cláudia Rejanne tiveram nisso brilho próprio, síntese, e que me tocam o coração, a exemplo deste:

O tonel das Danaides (algo me falta / nada do que faço me basta / mas quando tenho o que me falta / quase nada mais me falta / e quase nada mais me basta).

Nisto, nessa ocasião, dia 07 de julho de 2022, venho registrar a satisfação de ver de perto a força de quantos se dedicam ao zelo de marinar a linguagem na face deste mundo de tantos mistérios, à busca da luz, no fluir das gerações. Criaturas que viajam em si pelas malhas da presença em um mundo que precisamos completar unir as parte que nós somos em forma de resistência em desvendar o frêmito da visão; revelar esse eu perpétuo que Deus nos pôs a braços, na firme certeza de ser este o meio que transformará palavras na realização plena daquilo que tanto procuramos no decorrer de todo tempo..

terça-feira, 5 de julho de 2022

A caverna de Aladim


Ao entrar na caverna, conduzido que fora pelo suposto tio, ele seria orientado a não recolher as pedras preciosas e joias que encontrasse por todo canto. Sua missão estava restrita, única e exclusivamente, a encontrar a lâmpada maravilhosa e com ela regressar à saída, lá onde o instrutor lhe agaurdava aguardando a fim de tomar a lâmpada. Contudo Aladim não se conformou em ver e deixar tants preciosidade pelo caminho, e logo começou a encher os bolsos até localizar o objeto daquela empreitada, a lâmpada mágica.

Ao dar de mão da lâmpada, então, vendo-a coberta de poeira, tratou de esfregar no sentido de deixá-la limpa. Nisso, nessa função, despertou o gênio fabuloso a lhe oferecer os três pedidos que, naquele momento, o primeiro deles fora ganhar a liberdade sem ter de passar pelo responsável que lhe esperava na saída. Assim fugiu com o que recolheu das joias e pedras, indo a um lugar distante.

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Retendo-nos só a essa parte da história, vale algumas considerações. As joias e pedras servem de identificação constante nesta caverna onde se vive aqui na matéria, a meio dos pensamentos, palavras, ambições, vaidades. Isto é, os fragmentos dos sentidos espalhados todo momento pelas abas de existir. Os chamamentos do imediato. Visões. Percepções. A rotina externa dos dias.

Enquanto a lâmpada bem significa o fator principal, foco das individualidades, o eu essencial a ser descoberto no transcorrer das tantas vidas. De comum coberto de poagem, largado pelos cantos das indiferenças, vagando solto pelas malhas do mistério de Si mesmo. Até quando, mesmo absorto nos véus da ignorância, algum resolve alimentar a inocência de querer da consciência o tanto de objetividade que já dispõe, e revele a compreensão de tudo quanto há.

Nessa hora, nos libertamos da caverna e vencemos as limitações que constrangiam a porta da liberdade às nossas mãos, clareando de luminosidade genial o que trazemos conosco desde sempre sem que disso nos apercebêssemos. Uma assimilação que corresponde, pois, ao mito original da Caverna de Platão.

domingo, 3 de julho de 2022

A ilusão do feto


Viver tem disso, de sobreviver com esse mundo de imaginação atravessado na garganta e assim pensar que ficaria para sempre ligado ao útero materno... Acreditar-se eterno e penhor da carne, e desconhecer o tempo que lhe veio grudado ao céu da boca do ser quando e quanto seja... Supor-se artefato fantástico das lojas flutuantes no espaço apenas biombos gigantes, quais balões das festas em noites siderais... A máquina me faz pensar...

Serem porém destarte antes de ser todavia. Sobrevoar a própria sombra, numa certeza abstrata de querer dominar a luz que lhe alumia longe de seu poder, meros agônicos que sejam, contudo embriagados nas fantasias todo momento. Tais seres dependurados pelos cordões das calças deixados lá fora logo depois dos primeiros raios do Sol.

A ilusão do feto é isto de acreditar que permaneceria para sempre no útero da mãe, sem contar os dias que viriam pela frente na tempestade inevitável dos giros sucessivos da Terra. Vítimas, pois, dos créditos que a si ofereciam, paira inútil pelas marcas de pulsar das gerações incontidas. Eles, os magos da solidão acompanhada, enquanto aqui estejam a braços nas visões estonteantes dos gestos de acreditar que alimentaria livres fios de sacolas do imaginário popular.

Isso de agora aceitar a condição destas bólides em movimento nesse mar das contradições que ele mesmo criara na ânsia de preservar o destino impossível, nos passos das sombras agonizantes.

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Chega, entretanto, a ocasião propícia do confronto, no solo em que plantou a consciência, e receber o resultado de exames feitos na lei que aguenta os céus, e aceitar o preço inevitável do que tanto sustentou sua fórmula mágica de ilusão. Admitir só então o inútil daquilo em que estabelecera que se diluísse na alma imortal e achar a visão do Absoluto vindo bem de dentro da carne em que aprendeu a existir.

Ele, que nunca fora filho do seu querer, contudo de aceitar nascer, vir à luz nas dores da libertação, pequeninos frutos de árvores monumentais, marcas determinadas pelos deuses nos humanos corações, até que o Tempo de vez cumpra de todo o preceito que quis de ser o senhor dos sonhos até há pouco inexistentes.

(Ilustração: Provérbios alemães, de Pieter Bueguel o Velho).

sexta-feira, 1 de julho de 2022

A arte de ser fiel a si mesmo


Nesse transe de persistir diante de tudo e ainda ser alguém algum dia, eis o tema principal de todos os relacionamentos. Enquanto isto, a base do que existe significa respeitar os próprios limites. Há nisso uma nítida diferença entre a prosa e o verso. As palavras soam quais assim tratadas de acordo com os impulsos de querer dizer, e dizer. Muitos milênios afora e tem sido tal e qual. As pessoas precisam dizer o que lhes vem na consciência imediata, mesmo sabendo que existirá além uma consciência maior de todas, lá por dentro dos escombros e das eras que passarem vivendo aqui. Vão juntando pedaços de memória e os refazendo aos poucos no bojo da realidade, restos de pastos anteriores que, se bons, viram saudade; se desencontrados, viram lições inesquecíveis na dor de resistir ao que ficou lá atrás no crivo do aprimoramento. Nada mais que isto, sobras das delícias arcaicas que vão grudando na crosta da presença e logo depois fogem ao deserto da solidão inexistente. Foram muitos esses espasmos que ocasionaram a fome de viver de novo passadas experiências quando agradáveis hajam sido, direito de aquisição inalienável. Qual desse modo, elas regressam ao sítio das lembranças e demonstram possibilidades que jamais perdem o senso de realimentar seus protagonistas e a vontade. Criam histórias às vezes tristes, porém que voltem alegres, felizes de haver gerado crescimento na alma das criaturas. Ficam pendentes de respostas todas as nossas correspondências. Nem que desejemos sobremodo, as ideias, os pensamentos, as palavras, os livros, os filmes, as músicas, os sonhos, os momentos, as paisagens, as pessoas, as horas, os dias, os milênios, tudo, enfim, perpassa o coração da gente e invade sem cerimônia o teto das recordações, forçando passos seguintes na longa estrada desse chão da infinitude. Criar, pois, sobremaneira, o senso de prosseguir até o tempo absoluto de todo conhecimento, quando chegar aqui seguiremos nós próprios e senhores de tudo quanto há

Decifra-me ou te devoro


Então o nosso problema é como libertar a mente de todo condicionamento, não como condicioná-la melhor.
Krishnamurti

O senso de conhecer a que viemos, existimos, vive solto em cada um. A força desse domínio significará o encontro da razão de ser por todo o sempre; interpretar esses valores a que nos vemos sujeitos e praticar o equilíbrio do que já somos no nosso interior. Refletir, chegar a isto, desvendar a chave do mistério a que nos vemos submetidos sem uma definição, durante esse tempo, de haver transposto tantos obstáculos ainda longe do domínio pleno do que na verdade somos é o que agora representamos.

São muitos os que falam desse encontro consigo próprio, senhores da revelação que representa o objetivo de uma vida consciente. De tão difícil, porém não impossível, marcha todo contingente humano que persiste esta caminhada dos seres humanos.

Valores parciais preenchem, então, viver. Num processo comum, todos insistem desvendar o segredo da história que carrega dentro do espaço e do tempo. O instrumento desse objetivo final da existência vem representar, pois, a libertação da menta de que fala Krishnamurti. Enquanto ausente desta identificação e utilização definitiva da consciência, caminhamos dependente dos condicionamentos aos quais nos acomodamos em nome de um bem-estar contudo só parcial.

Esse diagnóstico enquadra a humanidade inteira, porquanto limitada aos fatores insuficientes da mente presa de dependências que lhe constrangem na finalidade essencial. Daí os vícios, as parcialidades, os enganos dos quantos amargam a angústia do isolamento de si mesmos dentro das restrições da matéria ainda em fase do aprimoramento definitivo. Eis o retrato fiel das gerações sucessivas dos buscadores da verdade, repastos, no entanto. da inconsciência, mas seres dotados de meios que concederão a libertação ao instante de exercitar a magnitude de uma mente simples, o que equivale à transformação através da luz do conhecimento espiritual e identificação do Eu verdadeiro.