quinta-feira, 31 de agosto de 2023

A aventura do herói


O ser divino configura-se como revelação do Eu onipotente, que habita em todos nós. Assim sendo, a contemplação da vida deve ser compreendida como uma meditação a respeito do nosso próprio caráter divino, e não como um prelúdio à imitação precisa; a lição não é “Faça isso e seja bom”, mas “Conheça isso e seja Deus”
. Joseph Campbell (O herói de mil faces)

O resumo de toda lida desta raça significa, sobremodo, a virtude qual essência de si em fase absoluta pela ascensão da sua própria alma. O caminho livre a todos destarte impõe força suficiente a que escolhamos, na medida do tempo, nas tantas reencarnações, o modo soberano de vencer os limites da matéria e desvendar o destino da Eternidade através nós mesmos. A isto aqui estamos na proporção do conhecimento e sua prática no penhor adquirido todo dia.

No livro acima citado, Campbell enfatiza o sentido de quantas experiências vividas nas muitas civilizações e transformadas em códigos, escolas, filosofias, busca incessante das vivências durante muitas lides. Percursos sofisticados ou simples noções do poder de quantos a isso disponha da iniciativa de praticar a tão sonhada liberdade ora às suas mãos.

As lutas, epopeias, e os segredos espalhados aos olhos deste universo, chegam ao nosso nível de exercitar o objetivo de toda Humanidade em nós, quais instrumentos que o somos de transformar a condição dos seres ditos inteligentes em seres divinos. Uma aventura por demais interior, aos meios de que aqui dispomos, recursos precisos da autodescoberta. Sois deuses e não o sabeis, dito de Jesus.

No afã deste designío, elaboramos os passos da evolução pessoal e da sociedade humana, o que temos no valor de nossa existência, pois. Daí a longa jornada pela História, os gestos às vezes pálidos de quem pode muito mais acertar e transformar o Mundo.

(Ilustração: A incredulidade de Tomé, de Caravaggio).

terça-feira, 29 de agosto de 2023

O relógio do Tempo


Sabe-se hoje o quanto de lembranças vivem soltas nesse universo de si mesmo. Foram longas as jornadas em busca dos momentos no presente. Desastres. Sucessos. Dramas. Comédias. Tudo guardado a quatro chaves no coração de todos nós. Todas as pulsações do coração a palpitar no sentido de viver, porém submisso ao padrão dos discernimentos de um a um. Houvesse de escrever o livro dos destinos, entre a latitude e a longitude deslizaria o rio das horas, cantariam os pássaros e tocara o sino das virtudes.

Assim percorremos afoitos os desertos do instinto na busca desesperada de  encontrar os no entanto afeitos ao inesperado daquilo que possa nos surpreender a todo instante. São muitos, são todos, quais perpendiculares traçadas nos raios do Infinito. Por vezes submissos aos cravos desse movimento incessante que nunca estabelecerá o limite de suas intenções. Permite. Oferece. Observa de garras afiadas o que resta determinar diante dos impulsos da raça inconstante e das visões.

Quiséssemos presenciar o tanto de vazio que existe bem no meio entre o som e o silêncio a escorrer no Tempo, jovem, velho, de tenra idade e barbas longas, na brancura dos finais de tarde e uma extensa fileira de encapuzados desfilaria no teto das compreensões e mergulharia no marujar dos momentos que se esvaem. São ondas repetitivas de paixões, dores, esperanças, em um só desejo de firmar os pés nesses mares infinitos, no pulsar dos corações.

Guardadas as devidas proporções, destarte significaria o borbulhar das necessidades humanas na forma de cantigas desfeitas pelo tear dos dias, sejam longos, sejam breves, que somem aflitos numa ausência pálida. Êxtases, sorrisos e lágrimas. A mesma multidão que hoje sumiu pelas encostas de antes amanhã regressará em forma de novos sonhos, senhora de si e autora das marcas que, de novo, deixará largadas nos céus deste chão. Nós, esses organismos das decisões que ficaram nas estradas e nunca hão de contar em termos o que deixariam de ser logo ali adiante.

sábado, 26 de agosto de 2023

O desconhecido das eras


Por mais que se pretenda, haverá um véu que encobre as noites, enquanto que luzes brilham intensamente no Infinito. Aqui todos a enxergar apenas o tanto que lhes é dado compreender, deixando margem inatingível de chegar ao absoluto. Somos multidões informes que vagam ao léu dos pensamentos. Querer saber mais, todos querem. No entanto restritos só ao nível das possibilidades. Diante, pois, dessa muralha intransponível, adotamos a vastidão desse deserto qual norma de conduta. Agimos. Fazemos. Impomos. Nuvens que passam diante do Eterno que nos observa e rege os acontecimentos. Bem isto do pouco que ora somos.

Fragmentos de um quadro bem maior de consequências e finalidades ainda desconhecidas, palmilhamos, tateamos os céus feitos entes intermediários de possível perfeição lá um tempo, de quando despertar a um plano definitivo. Todavia dotados de instrumentos maravilhosos a serem exercitados à medida que aprimorarmos os sentidos da busca.

Quanta luz no silêncio das eras. No exato momento, às nossas mãos, vive o pomo do mistério a ser desvelado. Em tudo e por tudo, herdeiros universais da Criação, é isto que somos em verdade plena. No centro, na essência, revelamos passo a passo a real finalidade que nos compete. Filhos e senhores do Tempo, nele habitamos, autores da nossa mesma consciência.

Na medida em que disto formos cientes, iremos saber a sorte que ora compõe o universo da nossa existência, e, afinal, integraremos o Sol que em nós viceja. Sois deuses e não o sabeis, disse Jesus. E, nisto, cumpriremos a missão original de viver para sempre a função de estar aqui e persistir no íntimo de tudo quanto há, seres imortais, fonte de luz e paz. Em resumo, a matriz da Natureza revelará em todos a justa finalidade e o princípio que deu causa a tudo o que existe e existirá.

quarta-feira, 23 de agosto de 2023

Páginas soltas IX


Nesses tempos inesperados, se acentuou sobremaneira a distância entre as pessoas e as nações. Já não havia tanta facilidade entre elas, a não ser face aos interesses parecidos das classes dominantes. Cada um por si e Deus por todos. Fase esdrúxula da história humana. Evidencia-se jogo de sobrevivência qual razão essencial, largadas de lado razões outras. Mero jogo de conveniência. Uma montagem de futuros em ritmo jamais imaginado. Resultado, em tudo cálculos e medições. Os frutos desses métodos deram de encontro nas barreiras do egoísmo. Fazem leis, criam doutrinas, erguem edifícios; um afã acelerado que redunda nisso que aí está e toma conta do que existe em velocidades extremas.

Quando criança, avaliava viesse conhecer tempos diferentes, aonde pudessem praticar as lições aprendidas nas grandes guerras, nas divisões de países pelo poder de dominação das massas. Contava ser bem compreendida a História e seus desmandos anteriores, face ao que sofrera a Humanidade nos tempos anteriores. A juventude desse pós-guerras demonstrava outros sonhos. As artes e a cultura ofereciam meios de aprimorar as relações humanas na prática do conhecimento adquirido pelas dores. Isso se evidenciou na década de 60, pelo mundo inteiro.

Assim, contudo, veria a ser diferente do desejado, aguardado com tanto afinco. Logo cedo vieram novas guerras, então localizadas, que nunca cessaram, até hoje. Potências em confronto à busca de dominação, numa prática gananciosa e interesseira, a sacrificar a juventude e os povos a favor de minorias de poder. Dói ver tais atitudes, principalmente daqueles a quem entregamos a administração das populações. Existem agora apenas sítios de riqueza, que mantêm o padrão sob os riscos de um Planeta em convulsão e injusto nos modos de aproveitamentos dos recursos naturais.

Isto faz com que busquemos níveis de evolução sob o risco de dúvidas atrozes, sob a imposição dos mandriões inconscientes da  finalidade do quanto conquistamos no decorrer da experiência. Quais sujeitos aos mesmos altos e baixos dos séculos, resta-nos sonhar com dias melhores e menos frágeis, ao sabor das justas realidades do progresso e da paz.

(Ilustração: Prometeu acorrentado (reprodução).

terça-feira, 22 de agosto de 2023

A balança dos sentimentos


Bem isto, de buscar a si mesmo, vidas e vidas até cruzar a longa distância entre os pensamentos e os sentimentos, o interesse e o Amor. Daí, depois das tempestades da compreensão, vemo-nos diante doutras ocorrências, quais sejam de como dominar as paixões e achar o sentimento maior, verdadeiro, eterno, de amar, sendo este o fiel da balança dos sentimentos. Já escaldados de tantas dúvidas entre o instinto e a realidade, padecemos da síndrome do desejo à plenitude.

As histórias refletem os contrastes da espera de revelar o senso do Absoluto que dorme nas entranhas dos seres em evolução. Nisso, pesam a carne férvida, o jogo de claro/escuro das horas e as saudades que alimentamos dias afora de presenciar aquilo que possa corresponder à satisfação definitiva de existir. De olhos por vezes imprudentes, corremos, pelas jornadas dos impulsos, à procura da Luz. Não poucas vezes, no entanto, presenciamos sumir nas estradas as réstias que seriam a força viva de que tanto carecemos.

Durante todo tempo, os pratos da balança perduram nos nossos próprios braços, ao sabor dos ventos, das marés da pura sorte, porquanto deixamos de lado a prudência, a esperança e o valor da concentração naquilo que aspiramos. De algo, porém, vive-se a certeza de que houve um mínimo progresso no correr das estações; tal nos fala a coragem de continuar e sustentar o senso desta razão de descobrir a plena felicidade. Enquanto isto, olhos fixos no fiel dessa balança do outro lado de existir, assistimos aos novos instantes de revelações e paz. Assim, face a face consigo mesmo, tangemos o trilho dos destinos na disposição de chegar, lá um dia, em um plano equilibrado de tudo quanto há.

domingo, 20 de agosto de 2023

Um pouco mais ou nada


Em volta de tudo a vontade que permita ir adiante nessa busca de encontrar o destino. Ânsia incontida dos poetas, compositores, intérpretes, no entanto que esbarra nos limites da condição de sermos hoje. Quiséssemos ainda mais, mesmo assim na certeza de tocar as muralhas dessa prisão de carne em que se vive e o tempo inteiro seria outra das ilusões evanescentes. Nem de longe que serviria querer fugir sem ter aonde. Sabe-se da luz de que falam tantos. Nomes indiscutíveis da tradição oferecem os meios, contudo a serem localizados dentro de si, e não fora. Daí os infinitos de braços abertos ao senso da procura de todos os seres inesgotáveis, misteriosos, que persistem na longa jornada desta vida.

A História vem dos avanços através do quanto até aqui possível foi desvendar, ouvir, fazer das ações de todos o além das próprias limitações. Há secretos poderes que dispomos isso a desvendar mediante mil renúncias e discernimentos, trabalho e conformação. O movimento incessante das marés avisa, no pulsar dos corações, o poder que resta, pois, de cadenciar os desejos e cumprir as sequências naturais de tudo durante todo tempo.  

Além do que viver individual existe o viver do Eterno. À medida do ser, aflora o trilho a ser preenchido cada instante.

São, destarte, cogitações que vêm de dentro e gritam forte ao senso da realização, isto sem desânimo, de um jeito exato, nas marcas deixadas pelos dias na alma da gente. Escutar a voz do Infinito bem nos primórdios de tudo de que somos parte integrante. Um autoconstruir constantemente. Saborear as normas da existência quais quem chegou pela primeira vez, e pronto.

Fôssemos duvidar do quanto ora aqui esteja e tudo não passaria de mero exercício do imaginário esvoaçante. Com isto, onde ficaria a beleza original, a exatidão das matemáticas, o fulgor do Sol e a pureza do Amor?!

sexta-feira, 18 de agosto de 2023

O que nos leva a escrever


Existem das mais diversas motivações de querer tocar adiante o sentido das palavras, nisto dizer do que nos passa pelos sentidos de dentro dos pensamentos, de onde vêm os textos. Uma vontade forte de preservar os momentos, de sustentar a intenção das horas boas enquanto nos vemos a observar os passos da natureza em volta. Contar a cadência do coração. O sentimento que nutre a alegria de ter saúde, ter paz, oportunidades de avaliar os detalhes das paisagens, o movimento dos bichos, do vento nas árvores, cada tempo, toda sequência dos acontecimentos.

Algo fala da existência da gente no seio do Universo. As lembranças, o brilho dos astros, o significado das notícias, os livros, as tantas fases do que se viveu; os lugares, milhões de ocasiões perenizadas pelo testemunho donde vivemos e das pessoas ao nosso lado. Objetos e visões, presenças, vagas recordações, pelejas, um chão imenso de vivências aos nossos dispor, que não retornarão, no entanto que nos seguem acesas no instante atual.

Creio ser diferente de pessoa a pessoa, de uns gostarem de viajar, plantar, jogar; outros, porém, escolhem mexer com palavras, enredos, fantasias... Um penhor de criações motiva, pois, os variados desejos de sustentar o itinerário constante das quantas histórias às quais reservamos arquivos próprios na alma e os partilhamos nas fases dessas luas da consciência. Nos tempos presentes, quando a comunicação virou rotina por meio dos celulares, uns computadores de bolso e conquista valiosa da raça humana, então bem mais intensas as versões do que cabe tocar adiante.

Lá antes eram as cartas, os livros, as peças teatrais; depois, vieram os filmes, jornais, revistas, discos, televisão, rádio, uma febre do que ter o que dizer a toda hora. Já nos dias de hoje, a imaginação domina o instinto de comunicar ao ponto da constante comunicação. Eis, contudo, um espaço franco a quem quer que seja e instrumento apreciável de novos sonhos e melhores resultados coletivos.

(Ilustração: Vladimir Kush).

quinta-feira, 17 de agosto de 2023

Depois de tudo, o que mais?


A que buscar, na pura luz do desencanto, do desassossego. Isso perante as mesmas florestas descampadas, árvores toscas e saudades espalhadas pelo chão. As flores, afinal, as flores. Num ritmo frenético sobrevivem os amores, as dores e as longas madrugadas disformes deste sonho borbulhante. Ela, a espécie do fim das eras. Restos de caravelas deixados na praia. Multidões ressaqueadas de tantos ferros retorcidos em volta, naves aceleradas que se foram pelas mesmas ruas disformes das antigas civilizações em festa. Restos esses só feitos de náuseas e ruínas, tantas ruínas lotadas de pessoas, rostos esvoaçantes que se misturaram nas réstias e nos nevoeiros, ao calor das horas. Rotas à toa cheias de maltrapilhos endinheirados sem rumo certo do que fossem talvez a que viessem. Quadros aqueles dantescos dos filmes de um tempo que passou amarelecido de muitas tecnologias refeitas na ilusão das poucas novidades.

Nesses instantes de buscar a que mais o quanto que virá, dali nascem rios, as pontes e os para-raios que ninguém saberá jamais a que estão ou a que vieram, pois. Isto de largas interrogações e nenhuma resposta que acalme a urgente vontade humana de seguir adiante, mesmo sabendo nada ou quase nada daquilo a que veio.

Perlustrar as mesmas formas de antes quase nem acrescenta, se é que a isto fosse possível. Laços de extrema necessidade significam viver. Sustentar o roteiro de histórias guardadas nos vasos de solidão largados que foram aos céus do passado, às urgências de antigamente, longe das saudades mantidas a ferro e fogo. O mal-estar da Civilização, é este que insiste repetir as fórmulas de inúteis intenções. Correr na velocidade férvida dos heróis vencidos e suas atitudes audazes. Palavras, suspiros soltos doutras epopeias que desaparecem pouco a pouco nas páginas do instinto de viver, viver a qualquer custo a fome imperecível de existir.

quarta-feira, 16 de agosto de 2023

As cores do Universo


O tempo é a imagem móvel da eternidade imóvel
. Platão

Na ânsia incontida que cresce à medida voraz das horas inevitáveis, seres correm de si na busca de outro tempo que seja eterno. Vagam soltos pelos ares, formas que se fragmentam contra as paredes do impossível. Seres assim dispersos numa selva de variedades, que vacilam ao entrar nos corredores entre pensamentos e sentimentos, ora felizes, que possam vencer a sorte do inesperado. Quantos sonhos em movimento nessas criaturas acossadas pelo Destino. Houvesse meios que não esses e seriam valentes os animais da humana sobrevivência.

Bem isto, cartões de máquinas invisíveis que os trituram feitos imagens urgentes de dores e meras cicatrizes. Um a um, passageiros da existência; chegam e somem na face dos instantes. Porém que persistem e têm suas histórias do que viram e viveram nas fagulhas e rispidez do espaço. Entes em forma de interrogação. Objetos que agem e esperam de onde, que não sabe, mas imaginam qual a forma real de um dia ser em definitivo. Eles, os filhos dos astros a circular os mesmos céus.  

Ouvem sons intermitentes da brisa pela floresta; perscrutam tais estrangeiros de mundos distantes, olhos postos nas noites dos corpos que transpiram e alimentam desejos e expectativas. Imagens diversas a vadiar pelas esquinas do firmamento. Enquanto isso, o tempo que esvai dos mesmos braços que o quisessem guardar na eternidade do coração. Lentos, ávidos, solitários, deslizam no presente e desaparecem de nunca mais saber do que gostaria que assim não fosse.

Daí essa vontade insistente a corroer neles as amarras do Infinito e querer a todo custo avistar os sinais da Salvação, desvendar os mistérios da ausência que se lhes esvai e preenche de sede o indivíduo que nós somos, filhos do Tempo e da Verdade absoluta que dorme bem aqui dentro da gente.

segunda-feira, 14 de agosto de 2023

Páginas soltas VIII


Daquelas paisagens lá de um tempo de criança que ainda persistem no silêncio dos fins de tarde neste Sertão dos raros gorjeios distantes dos derradeiros pássaros, das cores avermelhadas no poente, de ecos longos do dia que recolhe suas luzes e se vai, e quase ninguém, nenhum vivente mais que viesse preencher o vazio imenso da solidão que traz consigo o escuro das noites mornas. Aos olhos da criança que fora, um mistério ensurdecedor de algo assim que falava aos meus olhos que tivessem de percorrer desde esse tempo tão distante e o roteiro que nunca deixou de vir. Mero observador de tudo aquilo, hoje presencio, com certo êxtase, as mesmas horas. Vejo persistirem iguais interrogações que formam o lusco-fusco meio escuro dos fins de tarde, a gritar de ausência os corações, espécie de saudade crônica de vagar os instantes e deixar rastros tênues, a perscrutar os céus a razão de tudo aquilo. Nada reflete melhor as indagações da existência do que esses instantes cálidos, entrecortados de lamentos contundentes, melancólicos, um abismo a fugir constante no transcurso das gerações.

Nisto, nessas ocasiões, vêm as avaliações do que vivemos; quanto já passou, quantas oportunidades largadas ao léu, os gestos, as práticas comuns que, quais sementes, fomos plantando nos relacionamentos, profissões, viagens, inércias, indiferenças, etc. Nós e a coletividade em volta, seres em movimento face ao desafio de responder a que estamos neste Chão. Esfinges de nossas almas, construímos mundos imaginários e neles habitamos escravos e senhores, nos desafios vividos à força das individualidades, grudados nos rochedos que são os dias que somem implacáveis sob nossos pés.  

Enquanto isso, me recolho àquelas lembranças distantes, agora inacessíveis, que teimam continuar junto de mim, traços a falar segredos alimentado nos sonhos de quando iniciava essa jornada e que prosseguem aqui de junto quais companheiros fieis, o conforto amável das horas intermitentes desde então.

domingo, 13 de agosto de 2023

A música do futuro


Isto de depois que os dias que somem deixam guardado na alma as melodias que tocam o coração de gente, e daí permanecem para sempre através de nossa memória. Crescem à medida que cresce o nosso sentimento pela beleza de tudo que conhecemos. Adejam pelos refolhos da sensibilidade em forma de verdades eternas que insistem permanecer. Quanta perfeição na essência da Natureza de que fazemos parte e que vivemos a todo tempo. Um inaudito fervor de consciência a falar aos nossos ouvidos das tantas horas alegres, felizes, que mergulham em nós e passam a compor o quadro individual de que somos feitos. Essa a música definitiva de nossa evolução, sinais claros do quanto haveremos de usufruir dos valores inesquecíveis de saudades, momentos de plenitude e amor.

Nos dias de hoje, afinal, o aperfeiçoamento técnico já permite que desfrutemos de toda a herança da Humanidade em termos de cultura. São realidades que integram o patrimônio ilimitado de todos os povos e que podemos usufruir a cada instante. Do que há de verdadeiro ora desfrutamos, dos filmes imortais, dos livros, da música, das artes plásticas, gerações privilegiadas, pois. Recolhemos desse patrimônio o quanto de melhor e que nos seguirá, máxime que contenhamos os instintos destrutivos que, às vezes, parecem querer dominar a força viva da civilização na ferocidade dos instintos em aprimoramento.

Destarte, em constatação maravilhosa, recebemos de bom grado esse quinhão de tudo até aqui produzido pelos povos e que nos chega às mãos graças aos registros desenvolvidos e permitidos a muitos. Resta apenas que dividamos com os demais os bens que participamos, num gesto que corresponda ao que merecemos e precisamos partilhar por dever de justiça e fraternidade. Que ninguém fique à margem dos bens ao nosso dispor, eis a lição do que se aprendeu nesse poder de que fomos detentores.  

Os deuses de barro


De comum existe uma idolatria dominante nos costumes individuais. Nesse patamar habitam inúmeros patronos da aventura humana. Espécie de escolha permanente, as pessoas postam fichas em valores particulares, com isso encontrando respostas parciais ao grande sentido de existir. Os exemplos variam ao infinito, desde apegos frios a vícios prejudiciais à saúde, quais drogas, alcoólicos, doces, frituras, carnes, refrigerantes, às dependências excessivas a clubes de futebol, sexo, violência, manias e fanatismos vários. Onde está o teu tesouro, aí está teu coração, afirmou Jesus de Nazaré.

Diante, pois, da gama desordenada dos instrumentos que oferece a sociedade global desses tempos, surgiram os meios de comunicação portáteis denominados celulares, ora promovidos a computadores de bolso, brinquedo por vezes nocivo enquanto não encaminhados aos níveis de peças eficazes e valiosas de produção e cultura.

Mas a cada um de acordo com o merecimento, lei infalível da justiça superior; nem sempre os usuários dispõem da consciência desenvolvida a utilizar com sabedoria os recursos da civilização. O que poderia servir de equipamento de aproximação sadia entre os seres humanos incorre no grave risco de reunir escórias e destruir a boa comunicação, arrastando consigo, inclusive, conquistas morais imprescindíveis à boa convivência.

Nisso afloram as limitações do momento, fase intermediária que requer maior consciência. quando solitários agem dentro de princípios éticos desnecessários. A ausência é atrevida, qual diz o saber popular. E na conta de utilizar o instrumento poderoso da comunicação de forma a ocorrerem as audácias da clandestinidade. Quantos e quantos atentados ao pudor vêm sendo cometidos nas tais situações de isolamento. O que ninguém imaginaria, afloram instintos e perversões, gerando maldades multiplicadas.

O que antes dar-se-ia apenas esporadicamente no escuro das solidões, agora impera também nos presídios e nas masmorras, provocando o poder das trevas entre os repastos da cidadania permitida. São deuses eletrônicos que investem contra o inventor, alarme rude e interrogativo das novas esfinges: Decifra-me ou te devoro.

(Ilustração: Reprodução (https://conceitos.com/idolatria/).

sexta-feira, 11 de agosto de 2023

Nesse mar de palavras


Primeiro, vieram os objetos; depois, os nomes que lhes atribuímos. Assim, desde agora, somos meros detentores de pensamentos em movimento que viram palavras; enquanto as palavras detêm os acontecimentos em volta de todos. De primatas das palavras passamos a delas seus cativos, cercados de objetos quais ilhas isoladas em um mar convulso de onde renascem outras palavras e outros pensamentos. Quais vulcões desses desejos de domínio, somos tais cavaleiros andantes à procura da sorte, de que falam as palavras a essas submissas criaturas de nossas invenções e joguetes das ilusões que nós mesmos elaboramos tão logo despertos, dias e dias sucessivos.

Vagos autores dessas realidades individuais, tangemos além o horizonte, na medida dos nossos passos e desejos, objetos de palavras que não mais nos pertencem e a quem venham a pertencer ninguém sabe. Noutras palavras, sujeitos esquisitos de caprichos impostos por nós próprios, dos rios que chegam todo tempo a esse mar e nos alimenta de sustentação, até um dia sabe-se lá quando e como, abstrações que sumirão na matéria do Infinito.

Criamos conceitos e sustentamos a vontade esdrúxula de ser o que bem gostaríamos, contudo bem aquém das nossas forças. Parceiros de bilhões de outros destinos paralelos ao nosso, deslizamos através da realidade pelos roteiros que imaginamos, porém longe, longe, do que signifiquem um pleno acordo com o sentido de tudo da natureza original que queremos conhecer.

Durante o período desse itinerário misterioso, conduzimos os indivíduos solitários por vezes a lugares inexistentes, criados ao sabor das impressões adquiridas nas palavras e nos pensamentos. E o que seja mais sério ainda, arrastando outros aos iguais solares de aflição forjados pelos nossos caprichos e delírios. Numa espécie de fantasia autoimposta, multiplicamos essas produções ao todo da Humanidade no formato das histórias contadas e sacrificamos a muitos por meio de supostas qualidades, que só se desfazem à medida dos séculos, acondicionadas em sarcófagos e monumentos, lixões e bibliotecas, nada que represente outro qualificado da fome vigorosa de transmitir aos céus sinais da pura imaginação que nos trouxe de dentro do nada até aqui.

(Ilustração: Narcissus, de Caravaggio).

quarta-feira, 9 de agosto de 2023

A meio da noite eterna


Isso daqui, em um plano quase perfeito, porém cercado das atitudes só parciais de um tempo em movimento que nunca cessa em fugir, inconstante e mordaz. Quase tudo tão perfeito, não fossem os porém das existências imprecisas do caudal das memórias. Seres que avançam uns contra si mesmos, nas providências impacientes de encontrar a porta das noites escuras da mente. Seres, visagens de outras ocasiões que se perderam na busca dos Céus. Bem isto daqui neste momento, diante das tantas armas que fabricam e nem sabem aonde esconder que não disparem e nunca destruam uns aos outros na fome de poder que os alimenta de ansiedade e desespero.

Ossos largados ao tempo e a mesma angústia de destruição desde sempre. Olhos postos no tabuleiro das ganâncias, fixam fronteiras nos pontos mais distantes da paz. Ao que deixam transparecer, de longe não sabem que a arquitetura da História pode gerar num instante a ausência de muitas vidas, e tudo ir pelos ares.

De futuro, numa espécie de deserto que existirá em meio às existências, segue imensa a caravana dos seres esquecidos pela Eternidade. Apenas arrastam o silêncio dos elementos, farnéis de abandonos que os deixam largados entre dias e noites, quais meros mortais instrumentos da ilusão enfurecida. Contemplam sonhos sucessivos de pouca duração. Lábios presos na ânsia, vislumbram oásis de miragens que vêm e vão na medida desses espasmos de dores e desejos que produzem.

Há, contudo, a realidade guardada bem no íntimo das criaturas, alimento dos deuses que deixa perfume pelas dobras dos caminhos nas verdades vistas num além lá mais distante. Sonham com esperança, nutrem a vontade do infinito amor e insistem viver a certeza de tais possibilidades, o que lhes salvará do puro desaparecimento. Em algum lugar do Destino reside, pois, a tal condição de felicidade trazida nesses momentos de cura que significam a vida e o viver.

terça-feira, 8 de agosto de 2023

Contradições apenas aparentes


Assim tão desesperador, ou assim tão necessário: Lilith, o mito da sexualidade, que, segundo alguns, significa a perda do Paraíso da inocência da parte dos humanos. Porém tão necessário ao prolongamento da espécie neste mundo de aparentes contradições. Porquanto nascido de uma perfeição por demais absoluta, aqui ainda vagamos de olhos fechados à procura da luz. Se assim não fosse, qual seria a chance de revelar a consciência e desvendar, de uma vez por todas, a transformação de matéria em puros espíritos, o que o somos diante do senso da exatidão de toda existência?!.

Uma dessas só aparentes contradições, pois, é a sexualidade, o que propicia continuar, de uma vida a outra, o transcorrer das reencarnações. Do transe da matéria sequencia o princípio da evolução. Esse aspecto das duas forças em atividade face à percepção esclarece o desejo de lá um tempo sermos também perfeitos, porquanto a isto fomos talhados.

Escrever permite palavras virem à tona e dizer, oferecer o que fervilha o pensamento na forma de objetos esquisitos que querem chegar ao pomo dos sentidos. Falar entre linhas, que permite acontecer no plano das ideias, onde reside a perfeição. Trazem conteúdos que mostrem as faces do mistério notado na presença de cada ser.

Nisto contar as histórias que transitam na alma da gente, qual esse mito de Lilith, arquétipo de um ente que decide seguir sua própria história diante da Criação. Utiliza o princípio do livre arbítrio, a contradizer os valores da harmonia que, dos inícios, fariam a pauta do Universo. Porém algo oferece tais meios de revisar o mundo e demonstrar modo que fosse outro invés daquele da ordem original. Enquanto que, daí, nascem todos e podem continuar perante o Chão até desvendar a porta da Consciência.

Nesse diapasão, vamos à busca do real sentido de tudo quanto há nos despenhadeiros do Destino, essência da qual faremos parte definitiva e seremos também senhores que o somos da sagração das espécies.

(Ilustração: O julgamento final, de Bosch).

segunda-feira, 7 de agosto de 2023

Prefácio de O belo e a fera (cantigas), de Geraldo Urano

 



O Poeta chega ao dia em que desperta e tem a certeza de que nunca adormecera. Olha o Sol e inicia um caminho de alguns poucos passos para beber na fonte cuja água lhe molha os pés, enquanto no peito dói a ânsia de sobrevoar o Universo, sem pátria e muito menos pouso certo.

Uma manhã de junho. Na Serra, esperança afoita, donde trinam pássaros coloridos, nas flanelas das bananeiras. O gado pasta indiferente ao triturar das moendas dos engenhos em começo de moagem. E as águas descem gorgolejantes as lajes da Cascata.
Frio bom, brisa gostosa e a música do estio. Uma solidão cúmplice a falar de planos maiores em elaboração na mente de Deus. O homem e a espera, qual centauro que abrisse os olhos pela primeira vez. Vê o Vale que desce das encostas, indo repousar lá embaixo, nas cidades esdrúxulas; minutos que voam em farejo do novo que nasceu.

O Cariri traz, em Geraldo Lima Batista, a escrita da renovação, mais do que poesia, vigília e certeza, aviso de preparação do Futuro.

sábado, 5 de agosto de 2023

As portas do Infinito


Isto neste lugar aonde nem sombras existirão mais, logo ali cedo nas manhãs, são que eles aos milhões e milhões perpassam de geração em geração, passos indizíveis que avançam e aguardam o instante exato da libertação.. Cercados de todas as limitações imagináveis, querem fugir de onde nem eles sabem, e de quem desconhecem ao ver passar. Apenas fogem ao viver. Transportam fardos e fardos de ilusões acumuladas no decorrer dos tempos largados fora. Veem cruzar nos céus naves misteriosas em volta dos fantasmas que criam e desaparecem, no entanto acreditam piamente serem os senhores do Destino. Difícil a tal missão de aceitar-se, de se admitir um ser de compreensão absoluta que viverá dos próprios braços, agora à procura de novas invenções, contudo firmes nos antigos propósitos de dominação, à força da limitação que cultivaram todo momento.

Largos contingentes, pois, de andrajos que desapareceram nalguma caravana pelo deserto dos dias, somem na imensidão. Agora revivem as primeiras esperanças, alimentadas lá nos inícios. Todos assustados pela dificuldade persistente de notar a que vieram, sustentam a firme certeza de que estamos aqui no sentido de achar as largas portas do Infinito. Nisso, os pequeninos seres aguardam sinais inesperados de naves que os recolherão, vindas de longe, bem longe, pelo transcurso das horas inevitáveis.

Passados que foram os séculos, milênios, vamos aqui na mesma intenção de revelar a nós mesmos tal finalidade invisível de desvendar o real motivo das tantas intenções, dessas luzes e sombras que vivem soltas pela alma da gente.

Queremos a todo custo localizar esse desiderato guardado a sete chaves, dito de quantas vezes pelos videntes, cantigas de todas as canções, dos amores que fervilham no íntimo dos soldados desta missão quase impossível... Sustentamos a duras penas o valor disto que alimenta o furor das consciências a virem ao mesmo lugar, cativos da esperança de luz que revelarão os dias que nascerão desde sempre.

Um ímpeto ferrenho contém todos nesse desejo sem par de dominar o movimento e mergulhar na essência de Si eternidades do sonho que permite viver e aceitar de bom grado ser sementes de uma iluminação definitiva.

sexta-feira, 4 de agosto de 2023

Uma história de malassombro


Em face do que uma amiga me contou, quero trazer aqui uma história de espanto do que ocorre no município de Barro, no Ceará, registros esses guardados pelo povo da localidade e que vale de tocar adiante, em nome das tradições dessa gente.

Fantasia ou não, essa história retrata um misto de verdades preservadas pelo imaginário de acontecidos contados pelas pessoas mais velhas no sertão do Ceará, especificamente da zona rural do Sítio Alegre, no Barro!

Ela narrou que a casa da família de Mané Domingo ficava bem à beira da estrada. Hoje em ruínas, dela só restam um pé de trepadeira e os degraus de entrada da antiga construção, que sobreviveram ao desgaste do tempo. Em torno das tais ruínas, circulam essas notícias, a registrar que mesmo mais recentemente ainda causam pavor nos que se aventuram de ali passar nas caladas da noite; são ruídos esquisitos que quebram o silêncio noturno e causam medo aos vivos. 

E o que se sabe, através de muitos desses que vivem nas proximidades, é a história de situações que os intrigam a propósito dos antigos que lá moraram, aí pelos anos 50 até 95.

Que as portas e janelas da residência batem forte, isto sem vento algum ou ninguém por perto; sons de copos que se quebram, e talheres e panelas que caem, fazendo barulho por dentro da casa.

No sótão, quem dorme próximo ouve ruídos de passos e batidas na madeira; de corrente de vento que circula a casa agora sem as portas ou janelas; pisadas de gente a correr pelas imediações, isto durante aquela escuridão que evolve o local abandonado. Os que já escutaram essas histórias contadas pelos mais antigos nem ousam chegar próximo dali durante as noites sertanejas.

terça-feira, 1 de agosto de 2023

Ossos do ofício


Grande conflito acontece na consciência do advogado à hora de aceitar qualquer causa, por mais que se pretenda exercer o postulado soberano do contraditório, onde todos merecem a defesa. Há ou não culpabilidade? No entanto existe sempre um lado em que prevalece o senso da justiça na mais ampla nobreza. Daí o anseio do trabalho limpo em favor dos que merecem.

Sobre isso, outro dia Dennis Hartnett me contou caso ocorrido nos Estados Unidos, país onde nasceu, com um amigo de sua família, advogado recém-formado, idealista, disposto a ficar do lado bom das causas, pleiteado em prol de quem esteja correto, no pugilato da Justiça.

Dentre seus primeiros clientes, surgiu cidadão indiciado como suspeito de contrabando de bebida. Meticuloso desde o início da defesa, o paladino do direito procurou se acercar de todos os elementos que evidenciassem a lídima inocência do constituinte, lacrimoso na justificação de ser vítima de trama insidiosa, porquanto não lhe pesasse o mínimo de responsabilidade quanto às acusações. Seria mais um dos casos onde se verifica perseguição do fisco contra alguém inexpressivo e de parcos recursos, e da insistência em prosseguir no ramo do comércio.

Ciente dessa isenção, cuidou logo o advogado de elaborar tese no tanto necessário ao convencimento do Juiz, coletando provas, estudando mais e mais doutrina e arrecadando as melhores jurisprudências. Seguiu bem de perto cada passo, se ocupando do andamento da ação como quem zela  assunto de ordem pessoal, até alcançar admirável vitória com a absolvição do réu.

Só após o encerramento do feito, ainda sensibilizados com a forte argumentação apresentada, resolveram acertar honorários. E qual não foi o espanto do causídico ao ouvir o cliente oferecer proposta reveladora de lhe pagar os serviços com caixas de vinho estrangeiro da melhor espécie, porém que sem a correspondente nota de fornecimento, pois haviam transitado por meio da clandestinidade!