sexta-feira, 18 de julho de 2025

Diário de um espelho qualquer

 

A quantos deslizam afoitos na mesma superfície, quais aves de rapina da própria espécie nos longos trechos de histórias sem fim atiradas aos momentos e deles de novo recolhidas. Aspectos infiéis dos destinos; sonhos, imagens apressadas, conquanto jamais revistas outras vezes, sabem que deles inverto a fisionomia, deixando atrás de si meros fantasmas do que antes poderia ter sido.

Daí os dramas sucessivos das tantas conquistas territoriais construídas ao acaso da sorte, esquecidas que foram no espaço entre o imaginário e a fria realidade. Nem um, nem outra, no entanto. Perante os sóis, as dúbias fantasias, os mesmos trastes de supostas presenças logo agora invertidas a título de embriaguez humana. Um ser assim tão poderoso bem que, lá no tempo, enganaria até os deuses, a exemplo de Narciso, vítima das imagens com que contemplara no lago impossíveis verdades. Destarte, mero fragmento das superfícies acesas, ver-nos-iam a qualquer instante iguais nas lâminas de aço das consciências, abandonadas num simples olhar de vaidade.

Que outra senão essa embriaguez das ficções tornadas visagens de noites perdidas, na ânsia de achar na alma a liberdade que já carregam consigo e não o sabem, porém. E nisso recorrem encontrar da presença o ser que haveria de existir dalgum modo nalgum lugar. Deste poder inigualável de inverter verdade nas ilusões individuais, dali nasceriam certa feita os universos do egoísmo, das interpretações equivocadas e dos dramas.

Ávidos de desvendar o mistério das horas, eles tão só entregam da essência a melhor parte e se deixam arrastar ao mundo abstrato daquilo que buscam. Daí saem outros, tais fantoches abismados, maquiados, estarrecidos. E os séculos superam a ficção, se deixam mergulhar tal nos oceanos infinitos, pardacentas dúvidas dos passados transcorridos, esquecidos, abandonados aos disfarces que vêm buscar e neles perdem o senso.

Isto longe que seja de haver sucumbido à inversão da figura que tivesse consigo, nessa hora substituem o sentido que lhes trouxe aqui e sucumbem na solidão  Passam a percorrer o trilho da indiferença, tornam-se exibicionistas e fogem das verdades originais.  

(Ilustração: Narciso, de Caravaggio).

quinta-feira, 17 de julho de 2025

A fome das palavras


Espectros vazios a percorrer vagões sem fim desse universo tão pequeno lá de dentro das criaturas humanas. Só, tão só, meras frações do anonimato a revelar o que transportam, contudo em fragmentos de várias cores, de tantas formas, testemunhas isoladas, no entanto que reúnem largas histórias, narrativas sem conta doutros firmamentos ora desaparecidos. Trazem na alma o destino dessa infinitude. Conversam nos longos textos e os entregam ao silêncio de depois, ou de nunca mais, presas que ficam aos escombros desses momentos esquecidos.

Mesmo assim, trazem consigo as aventuras de toda existência de antes, entes escassos, visagens e solidão. Marcas fortes de quantas cicatrizes, dali fazem as guerras, as promessas de outro futuro, desde quando avaliações e jogos ficam largados ao léu de toda sorte. Elas, cascalhos das consciências e guardiães de infinitas memórias. Vultos isolados de epopeias e credos, alimento dos deuses e decisões apressadas dos mistérios astutos.

Veem-se que tal perdidas ao relento dos séculos e instrumento sórdido das aventuras errantes pelo solo da imaginação. Nisso, observam a si e descartam quaisquer possibilidades dalguma resposta por demais verdadeira aos dramas dessa humanidade indiferente. Luzes, por vezes. Noutras, sarcasmo, servidão e desgosto. Raízes de toda discussão, porém acesas aos gestos corporativos, ingratos. Sabem ter vida, sortilégio dos poucos que as dominam e delas são escravos, no contar das gerações.

Mistos de calma e dúvidas, apenas percorrem o senso das melodias nas noites, quais insones espectros feitos do tecido amargo do Tempo. Querem ter existência individual, todavia se restam mancomunadas aos objetos do desejo nas madrugadas frias. Espécies de instinto originário das necessidades desses que delas fazem uso, querem haver sem passar pelos gestos inúteis dos dias do quanto padecer, e abandonam ao relento os sonhos que trouxeram até aqui agora. Escutam, acreditam, insistem, verbos suficientes de conhecer os céus dos seus limites...

quarta-feira, 16 de julho de 2025

As razões e os significados

 

Houvesse de ser e o mundo tornar-se-ia humano por demais, fruto do chamamento das horas. Entretanto barreiras existem defronte de toda imaginação que as impedem desse término inconsequente de lutas e destinos através dos sentidos em movimento. De certeza persistirão até o Infinito, na ânsia de conter as multidões e seus instintos famigerados. Foram tantos os embates de séculos à busca desse encontro definito que ainda hoje viajam pelas estrelas as naves criadas em antigas civilizações no objetivo dessa descoberta dos motivos originais, aqueles que nos deram causa e nos transcorreram até aqui.

Perguntas nunca hão de faltar de tais possibilidades que outrora vieram seres mais evoluídos, e palmilharam o mesmo chão. Os rastros cruzam os céus e deixam marcas indeléveis disso. As próprias condições largadas no Tempo lá de onde viemos preenchem mil folhas de histórias, nítidos sinais do que venha de acontecer a todo instante. A presunção é de que sejamos os mesmos seres que antes estiveram no passado à busca de todos os motivos originais que nos trazem desde então.

Quais telas em branco que circulam a consciência de tantos, vagamos pelos sóis de olhos abertos ao inesperado das gerações. Longas as noites da imensidão de tempos vividos que ora invadem o pensamento e nos deixam assustados com tudo isso que somos, enfim. Conquanto as cicatrizes fincadas pelos viventes constam de nossa alma a título de servidão, nem de longe imaginaríamos a quanto isto redundaria nalgum lugar aonde fosse. Poderes inesgotáveis assim desfazem os dias nos fragmentos espalhados ao vento e refletidos pelas memórias individuais.

A vontade que se tem redundaria nessa pulsação contínua do espetáculo da Natureza de que sejamos parte integral a qualquer momento. Nós e os outros animais, no entanto, coexistem feitos próximos segmentos do que virá na justa certeza daquilo a nosso dispor, face a tudo quanto desde sempre nos observa e constitui as dobras do silêncio.

(Ilustração: Infinito, ChatGPT).

terça-feira, 15 de julho de 2025

Palavras e sentimentos

 

Nessa fúria dos tempos, diante das agruras estampadas na cara da multidão, a que destino ver-se-á acantonado à cata do depois?! Gosto acima de gosto, querem fazer e fazem. Enchem o tanque dos bordeis das luas do firmamento e dançam a sinfonia da satisfação pessoal, ilusão a perder de vista. Bom, mas a minha intenção é falar do que seja bom, das virtudes em pauta, das esperanças mil, apegos diferentes do que anda sombrio vagando pelas madrugadas frias... Rever os pensamentos, planejamentos, e começar uma história nova a surgir de dentro, das malhas do coração.

Chega de versões arrevesadas do que nos aguardaria logo ali nas curvas dos desejos. Sistematizar novas tradições, pois. Querer o que seja de novo aos passos que aí estão. Sustentar novas melodias aos acordes vagos do silêncio. Reverter a própria História no nascedouro dos indivíduos. À força de outras possibilidades, revirar o cordão de tantos equívocos e somar os dados positivos ao mistério das consciências. Isto, de encontrar de vez a que estamos aqui neste Chão.

Vejam que as falas contam, sim. Foram quantas produções jogadas na lama do inútil que, agora, se chega ao instante da safra boa das sementes lançadas no carinho dos sonhos reais. Daquilo que se vai do conhecimento, dos trastes equivocadas do que fora feito, dali nascerão novos amores, as verdades limpas, longe de perdidas ilusões. Isso da essência das criaturas sencientes, desencantadas de fantasias e sortilégios. O Ser qual matriz de si mesmo, na alma, na certeza.

Esse dizer conta de tudo um pouco a propósito das nuvens que passam latentes no seio das criaturas. Um a um, peças do mesmo quebra-cabeças, agora virá o roteiro da transformação em sabores valiosos, brilhantes, no senso de uma nova Humanidade original das esperas sensatas. Conquanto digam as palavras, compete aos autores trazer do credo os ensaios e a estreia desse novo Tempo emergente.

(Ilustração: O pagamento, de Brueguel, o Jovem).

domingo, 13 de julho de 2025

Os jardins do Paraíso

 

O mediador entre a cabeça e as mãos deve ser o coração. Fritz Lang (Metrópolis)

Depois das quantas buscas pela Arca de Noé, esquecida nos milênios, lá que um dia deram de cara com esse destino das massas humanas. Chegar-se-ia ao clímax do anonimato e descobrir-se-á o teto das alturas. Levas incontáveis, a deslizar nesse universo escaldante das horas, contudo de senso aberto ao inevitável, ao desejo de encontrar sinais da revelação que os possa desvendar tudo em quanto. São dessas dobras sem conta do mistério o que nos traz até aqui, mesmo que de olhos ainda fechados aos sentimentos.

Porém ciências incontáveis mergulham o impossível e refazem urgente necessidades a conter nas servidões do passado e mitigam instrumentos de compreensão através dos sentidos, da inteligência, que permitem traduzir da visão o princípio da Eternidade que mora nas mesmas criaturas fugidas pelo acaso das aventuras deste Chão.

A cada um, pequenos índices da humana descoberta. Todos, portanto, trazem consigo esses motivos de sobra a descrever, nos mínimos detalhes, a estrada e o reencontro. Destarte, nem de longe a imaginar fôssemos repasto das perdidas ilusões, pois. Herdeiros perenes da Criação, tocam em frente o barco da certeza diante da perfeição que ora consiste do coração de todos. Nexos feitos de natureza, juntam as mãos e persistem nas trilhas do inevitável.

A contemplar os céus do Infinito, seremos tanto mais de consistência a existir nesse mar de solidão e desaparecimentos. Lentes de porões a bem dizer insondáveis, no entanto só de viver ser-se-á suficiente preencher o vale das sombras de longos suspiros dessa ausência agora notada por meio da luz na Consciência que somos. Que a ninguém esteja o início das desilusões, dos desencantos, vistos códigos entranhados na alma e expressões definitas da Verdade e do Ser.

(Ilustração: Metrópolis, de Fritz Lang).

sábado, 12 de julho de 2025

Alho e óleo


Era década de 70 quando vivi em Salvador. Trabalhava no Setor de Cadastro do Banco do Brasil, na Agência Centro, situada no Comércio. Próximo a mim, no mesmo setor, Rômulo Serrano Filho também cumpria suas funções. Um dos bons amigos que viera de conhecer na Bahia. Artista plástico (desenhista e pintor) de respeitável qualidade. E sempre planejávamos que o visitasse em sua residência, na Rua Itabuna, no Rio Vermelho, perto da praia, isto nos dias de sábado, de folga no trabalho. Lá conversávamos um tanto, passeávamos pelas imediações até o horário do almoço, quando sua esposa, Dona Lucíola, tinha sempre surpresas valiosas a nos oferecer nas refeições. Numa dessas oportunidades, seríamos contemplados com um prato raro, macarrão alho e óleo, o que Serrano, inclusive, me avisara no decorrer da semana.

...

Tudo conforme o previsto, prato aquele a mim totalmente desconhecido, mas que saboreei com gosto até além da conta, sendo que, passadas algumas horas, eu pegaria o ônibus ao Centro, indo, de comum, assistir a bons filmes, diversão por demais do meu agrado, o que eu usufruía das tantas boas produções exibidas nos cinemas da época na Boa Terra. Daquela feita não seria diferente. Ainda meio enjoado pelo prato exótico que de há pouco experimentara, partiria ao meu lazer cinematográfico.

Num dos cinemas das imediações da Praça da Sé, o Tamoio, viria, daquela vez, um filme cujo título me chamara a atenção (Será o que o nosso herói conseguirá achar o seu amigo perdido na África?), dada a fartura de palavras nele utilizadas.

Assim, para meu espanto, no decorrer da trama da história, na viagem do protagonista pelo Continente Africano à busca do tal amigo, vejam só qual o prato lhe seria servido certa hora (macarrão alho e óleo), para meu espanto e aumento do enjoo que já me tomara o estômago. Mesmo daquele jeito, fiz da fraqueza a força e pude acompanhar o encontro dos dois, do herói e seu amigo ali perdido na África, ainda que ao custo dalgum esforço e maior concentração, naquela tarde que conhecera de tão rara alimentação, e nunca mais.

sexta-feira, 11 de julho de 2025

Mergulhos na irrealidade


Esses sonhos de querer os quais se perdem no vazio das horas. Sombras rápidas no inútil do impossível, as luzes desfeitas em pequenos fragmentos de pureza são logo adiante sucedidas a si próprias nos pensamentos, a oferecer tais soberbas condições que somem no passado. Tocar as vestes da lembrança e bem adiante mirar tão só o desconhecido. Aonde foram, jamais esquecem. As surpresas do inesperado feitas de ruídos à busca dos momentos inexistentes. E quem poderia haver nisto senão as bordas dos destinos da imensidão. Essa presença, vista nos caminhos e jamais reconhecidas pela alma das criaturas. De um lado, as presenças; do outro, ausências mil.

Na sequência natural de tudo, pois, a certeza das vastidões que nos contemplam de onde ninguém há de saber. Multidões sem fim, de formas a percorrer o Universo, depois tornadas em restos e relíquias, monumentos enigmáticos, trastes inúteis das mesmas consciências lá de longe avistadas e desaparecidas no séquito dos momentos desfeitos. Entre a dor e o prazer, correm apressadas, quais rebanhos de animais até então fantasiosos a morar no seio das palavras, sons estridentes de cantigas deixadas ao vento. Portas de paraísos artificiais. Mecanismos largados ao relento. Lojas de sobrevivência, no entanto perdidas nesses desertos estonteantes da sorte.

Quaisquer prodígios que fossem tornar-se-ia meros fatores de outras destruições dos tais instantes domínio dos instintos. Os filmes falam disso, oferecem margem aos reencontros, porém no branco e preto das produções abandonadas. Assim também os credos, as filosofias, os romances de estilo, as canções e os gestos. Fagulhas estonteantes do fastio. Mares do definitivo. Céus da solidão. Traços e códigos irreais inscritos nas noites e apagados no amanhecer. A veracidade disto preenche infinitas eras no sentimento de todos, enquanto as perguntas crescem a perder de vista. Pudessem percorrer o colo dos contentes e desvendariam o quanto ainda existe de certeza em tudo, portanto.