sexta-feira, 11 de julho de 2025

Mergulhos na irrealidade


Esses sonhos de querer os quais se perdem no vazio das horas. Sombras rápidas no inútil do impossível, as luzes desfeitas em pequenos fragmentos de pureza são logo adiante sucedidas a si próprias nos pensamentos, a oferecer tais soberbas condições que somem no passado. Tocar as vestes da lembrança e bem adiante mirar tão só o desconhecido. Aonde foram, jamais esquecem. As surpresas do inesperado feitas de ruídos à busca dos momentos inexistentes. E quem poderia haver nisto senão as bordas dos destinos da imensidão. Essa presença, vista nos caminhos e jamais reconhecidas pela alma das criaturas. De um lado, as presenças; do outro, ausências mil.

Na sequência natural de tudo, pois, a certeza das vastidões que nos contemplam de onde ninguém há de saber. Multidões sem fim, de formas a percorrer o Universo, depois tornadas em restos e relíquias, monumentos enigmáticos, trastes inúteis das mesmas consciências lá de longe avistadas e desaparecidas no séquito dos momentos desfeitos. Entre a dor e o prazer, correm apressadas, quais rebanhos de animais até então fantasiosos a morar no seio das palavras, sons estridentes de cantigas deixadas ao vento. Portas de paraísos artificiais. Mecanismos largados ao relento. Lojas de sobrevivência, no entanto perdidas nesses desertos estonteantes da sorte.

Quaisquer prodígios que fossem tornar-se-ia meros fatores de outras destruições dos tais instantes domínio dos instintos. Os filmes falam disso, oferecem margem aos reencontros, porém no branco e preto das produções abandonadas. Assim também os credos, as filosofias, os romances de estilo, as canções e os gestos. Fagulhas estonteantes do fastio. Mares do definitivo. Céus da solidão. Traços e códigos irreais inscritos nas noites e apagados no amanhecer. A veracidade disto preenche infinitas eras no sentimento de todos, enquanto as perguntas crescem a perder de vista. Pudessem percorrer o colo dos contentes e desvendariam o quanto ainda existe de certeza em tudo, portanto. 

terça-feira, 8 de julho de 2025

O curso de datilografia


Por volta de 1965, eu fazia o primeiro ano do Curso Científico, no Colégio Diocesano do Crato, quando resolvi aprender datilografia, prática em alta naquele tempo, utilizada nos escritórios de contabilidade ou em concursos para bancos e repartições publicas. Na frente do colégio, vizinha do consultório de Dr. José Nilo, havia uma escola dessa matéria, pertencente a Cesídia Alves Rocha, onde me matriculei no turno das 13h, com a aprovação de minha mãe, que aceitou me custear as despesas.

Terminavam as aulas do Diocesano às 11h30, ia rápido em casa (morávamos ao lado da antena da Rádio Araripe, no bairro Pinto Madeira), para logo retornar ao centro da cidade e desenvolver as habilidades no teclado das máquinas. Um tanto aborrecido, porquanto a distância implicava em perfazer longo trecho no horário mais quente do dia, sob a soalheira escaldante do princípio da tarde.

Seguia-se passo a passo manual roto que ficava ao lado das antigas Remington pretas, de antes da Segunda Grande Guerra, pelos exercícios seriados, organizados em blocos de repetições de teclas (asdfg, o primeiro deles) nas folhas que iam sendo colecionadas às vistas atenciosas da professora, senhora bondosa, gentil e seguidora fiel de cada aluno, ela mesma supervisionando as tarefas. Encontrados erros além da margem de tolerância, far-se-ia de novo toda a página, na aula seguinte.

Depois de algumas semanas de treinamento, os ombros do adolescente inconstante sentiram o peso da rotina. Quis desistir, no entanto via impasse crucial: Como chegar à minha mãe e lhe transmitir o inverso daquilo que dissera na hora de convencê-la da importância do curso?

Aguardei o instante que julguei próprio. Meio-dia, ocasião em que ela e meu pai se recolhiam para a sesta, do lado de fora do quarto, comuniquei a decisão de largar de vez as aulas. Como resposta, ali mesmo, ouvi boa coleção de vigorosos argumentos que me justificavam a permanecer no compromisso.

Então, de cabeça baixa, fiz da fraqueza a força, qual diz o povo, insisti em superar as limitações que desanimavam, até concluir todo o procedimento e receber meu primeiro diploma, com fotografia, festa de entrega e tudo mais que tinha direito.

Resultado, aprendi a digitar nas máquinas de escrever e não demorou que merecesse uma Olivetti Studio 44, que serviria de instrumento para aplicar a técnica. Passei a escrever com freqüência, desenvolvendo com isso a redação. Tomei gosto e daí a pouco produzia crônicas para as Rádios Araripe e Educadora, e consegui meu primeiro emprego no Jornal A Ação, ao lado de Antônio Vicelmo, Armando Rafael e Pedro Antônio Lima.

Na sequência dos acontecimentos, em fins de 1966, participei de concurso para o Banco do Brasil, cujo resultado determinaria a minha profissão por trinta anos, em cujas habilidades em datilografia e redação ocasionaram diferença fundamental.

Conto essas coisas querendo avaliar o quanto pesam as pequenas conquistas, elemento definidor do destino das pessoas. Longe ninguém chega sem reunir o empenho dos primeiros passos, orientação aos que iniciam jornada rumo do futuro. 

segunda-feira, 7 de julho de 2025

As lembranças esparsas


No decorrer da existência, alguns acontecimentos marcantes tendem a fixar raízes na memória, guardando relação estreita com a história pessoal de cada um, quais pespontos do tempo que transcorreu. Sem grandes virtudes, representam, no entanto, sinais da caminhada, estações de sentimentos, laços que revelam notícias de passado sempre aceso nalgum lugar.

A propósito dos eventos desse tipo, vínculos de aparente superficialidade, lembro momentos em Crato, na sua vida eventual, que sumiriam inertes no carrossel das ocorrências fortuitas, não houvesse deles a persistência de energia própria, a retornarem ao pensamento vez por outra, a se apresentam nas margens da visão mental e revelar voltagem e consistência na formação do estoque das lembranças acumuladas.   

A título de exemplo dessas recorrências, revejo a ocasião de uma visita que realizei, criança de oito a dez anos, a uma barraca de brinquedos que foi armada em rua lateral da Praça de Sé. Aquilo se fixou na minha imaginação, acho que em face do tanto de fascínio que sobre mim exerceram as peças expostas naquela noite especial. Apenas um lampejo de momento e permanece até estes dias, décadas transcorridas.

A idade, nessa fase, época das fáceis impressões emocionais, chega de volta por meio de uma outra marca, de quando estudava no Ginásio Pio X, no centro da cidade, e fui conhecer, coisa rápida, uma loja de presentes na rua Miguel Limaverde. Chamava-se o Bazar de Dona Zulmira, nome por si de valor mágico, porquanto dizia respeito a palavra usada nos contos orientais de Malba Tahan, dos autores de minha predileção nesse período, e que ficou de lembrança desse período.

Aquelas prateleiras cheias, de cima a baixo, de brinquedos apreciáveis, criariam painéis nas paredes dentro de mim, a funcionar semelhantes à composição do edifício permanente da pessoa interna da gente. Saberia depois que Dona Zulmira pertence à família de minha mãe, o que torna a lembrança melhor situada pela identificação afetiva do parentesco.

Lembro, também, de uma exposição de desenhos infantis japoneses que a Faculdade de Filosofia do Crato apresentou numa de suas salas de aula, no segundo lustro da década de 60. Trabalhos de beleza rara, que me tocaram o espírito, boa lembrança da época, e aqui comento o seu valor estimativo.

Já na adolescência, quando intensificava a leitura de livros sob a influência de meu Tio Nirson, e minerava preciosidades literárias na biblioteca da Filosofia, ano de 1965, participaria de um curso de jornalismo de curta duração, ministrado pelo frade holandês Venâncio Wileck. Isso despertou, sobremodo, o meu interesse pelas letras a ponto de me levar, logo no ano seguinte, a redigir para o jornal A Ação, da Diocese e, durante sete semestres, vir cursar comunicação na Bahia.

Jamais considerava, contudo, que essas chances despretensiosas abrissem gostos individuais e determinassem aspectos e seqüências inteiras da vida posterior.

domingo, 6 de julho de 2025

Huberto Rohden

 

Em 08 de junho de 1978, viajei de volta a Salvador, de onde viera para o Crato em março do ano anterior. Onze dias depois, nascia Ceci, dos meus filhos a primeira. Nesta segunda vez, morei na capital baiana até o final do ano, dessa vez retornando ao Cariri com ânimo de permanecer por longa data.

Dentre acontecimentos marcantes desse novo tempo de Bahia, recordo de uma conferência proferida pelo pensador Huberto Rohden, a que assisti num auditório situado na rua Carlos Gomes, que (se a memória não pratica das suas) pertencia ao Sindicato dos Engenheiros, aonde bem antes ouvira também o deputado Lysâneas Maciel, na cruzada nacional de redemocratização que lhe custaria o mandato e a carreira política.

Na ocasião, Huberto Rohden viera ao Nordeste inaugurar a TV Gazeta de Alagoas, sendo condecorado pelo governador Vivaldo Suruagy. No caminho, passara por Salvador e, acompanhado de seu editor, divulgara suas obras em noite memorável.

Esse autor, natural de Tubarão, Santa Catarina, nascido a 30 de dezembro de 1893, no povoado de Braço do Norte daquele município, escreveu dezenas de livros de cunho espiritualista, enfoque que denominou filosofia univérsica, de abordagem pedagógica, que visa orientar os seres humanos na busca do autoconhecimento e da revelação, em si, dos mistérios da realização plena de reais potencialidades.

Rodhen, egresso da Igreja Católica, onde recebera formação através da Companhia de Jesus, veio de romper com o clero e manteve-se a divulgar idéias de cunho pessoal, voltado aos conceitos cristãos, sem, contudo, deixar de estudar princípios da espiritualidade oriental. Marcou a intelectualidade brasileira pelo destemor com que abordava temas pouco encontradiços nos autores de sua época.

Quando acompanhava sua fala, rica de conteúdo ético e religioso, algo que me chamou a atenção, a causar espécie em minha imaginação: Via na sua pessoa como que a face superposta de uma outra, qual se transfigurado, a evidenciar no rosto traços evidentes de força luminosa, durante toda a conferência. Aquilo aguçou meu instinto de avaliação, porém nada pude concluir além da pura constatação do que ora quero aqui consignar.

Há, nas livrarias, diversos livros de Huberto Rohden, dentre os quais já li: A educação do homem integral, Rumo a Consciência Cósmica, Tao Te King (numa tradução sua), Deus, O Homem e o Universo, Porque sofremos, De alma para alma e Orientação para a Auto Realização.

Eis aqui uma afirmação que bem define o seu pensamento: Sem o encontro consigo mesmo nenhum homem realizará o seu encontro com Deus.

A zero hora do dia 07 de outubro de 1981, aos 87 anos, Huberto Rohden deixou este mundo, em uma clínica de São Paulo, cercado de amigos e discípulos, afirmando por derradeiras palavras: Eu vim para servir a Humanidade.   

sábado, 5 de julho de 2025

Seres exóticos

 

Dotados de todos esses talentos, ainda assim perseguem fantasias e plantam árvores inexistentes pelas calçadas e cidades. Às vezes, reconhecem serem que tal e atravessam os desertos quais sobreviventes de grandes crises no tempo lá atrás. Acondicionados, pois, dentro desses acolchoados brilhantes, transitam pelas horas feitos escravos de si mesmos, e gostam de ser dali deitados na lama dos desejos. Fazem de um tudo. Sintonizam as faixas cotidianas, alimentam discursos inexplicáveis, esgotam tanques e tanques de tratados monumentais, estirados fieis pelos dentes dos dragões em volta.

Conversam, ouvem os pássaros, o vento, as sirenes das ambulâncias, das viaturas policiais, tais pedestres em ruas escuras, nas noites das capitais. Querem dos céus a salvação, todavia afeitos aos instantes que lhes fazem a cabeça no devorar das entranhas. Às músicas guardadas nas máquinas, abandonadas pelas gerações, veem os cães, gatos, patos, capivaras, nas telas a fervilhar as linguagens só agora esquecidas.

Apreciam lendas, roteiros turísticos, antigas ruínas, símbolos, vestimentas esquisitas, tatuagens espalhadas pelo corpo atormentado das expectativas inúmeras. Sobem, descem escadas, ladeiras, parques de uma civilização que nem existe que seja.

Nessa busca desarvorada, sobrevivem aos séculos e escondem entre as visões o que sumiu no anonimato, nas heranças, nos pactos, isto em velocidades sempre inesgotáveis. E eles vão cabisbaixos, ansiosos, autônomos, cercados desses códigos que correm pelo juízo de vez em quando. Encapuçados entre dois hemisférios, padecem do sonho escamoso das consciências que os têm.

Bom, instantâneos de ambição os retém aos sóis, essas massas informes de contradições e prazer, e satisfazem os avanços da tecnologia que criaram, blocos informes de pensamentos e sentimentos, chamas e dúvidas, habitantes que foram doutros universos de que pouco ou quase nada conhecem, porém deslizam afoitos pelas trilhas dos contentes, e vivem audazes os momentos inevitáveis do dia.

sexta-feira, 4 de julho de 2025

Mar de variações


A insistência com que os acontecimentos transformaram a criação original de tudo hoje carrega em si o desejo de multidões inteiras, na fome de continuar aqui enquanto as peças caem dos tabuleiros e já invadem sem dó os destinos em volta. Por mais que recuperam as possibilidades anteriores de renovar o mundo, mesmo assim nem sempre seriam certas as vitórias desses exércitos adormecidos na alma das criaturas em movimento. Meros ritos de tradições até então desconhecidas, prevalecem, contudo, as antigas intenções de, outra vez, delimitar o espaço e guardar na inconsciência as normas desde nunca esquecidas de força e medo.

Nesse poder que têm as falas de reverter os segmentos de aonde poder chegar um dia crescem pelas ramas e desaparecem nos desertos em volta. Somam lembranças sucessivas de tantas histórias, contadas e depois esquecidas, que o jeito de esquecer significa agora nada além da vontade dos que desaparecem sem deixar quaisquer sinais. São vistos nas ruas e, em seguida, não voltam a ser notados. Eles, os personagens de vidas e vidas. Às vezes aclamados em praça pública, porém largados de fora ao primeiro desassossego coletivo. Tais figurantes de um circo imaginário, espécies de assombração do Paraíso, sustentam o pouco que restavam de coerência e mergulham nas águas do Infinito, e permanecem ocultos no porão das maravilhas.

Isto a provável compreensão das existências desses seres quais nós próprios, feitos manequins de palha atirados ao vento da sorte. Quer-se encontrar as portas do sentimento e terminam cercados de ilusões, por isso desfeitos em números tão só inexistentes. Submissos aos instintos, padecem do transe voraz das gerações e, sem querer, submergem num oceano de aventuras errantes, observadores contumazes das paisagens e dos delírios sórdidos.

A servidão ao inevitável, portanto, passa de percorrer, de olhos acesos, a tela do horizonte, na ânsia mordaz das feras entontecidas. Ah, humanos que fossem ser-se-iam aves de rapina das montanhas distantes, no vácuo da imaginação.

quinta-feira, 3 de julho de 2025

Autodeterminação dos povos


Perante a atual política norte-americana de trazer à América Latina seus efetivos militares para resolver problemas nacionais da Colômbia, ressurgem lembranças preocupantes do tempo em que havia os conselheiros militares no Vietnam do Sul, no Camboja, Laos, Brasil, Chile, com resultados pecaminosos.

Medidas que dizem respeito à violação da livre iniciativa dos Estados nacionais implicam na redução da soberania, impondo política externa fracionada ao sabor de nações mais poderosas, o que resulta em retrocesso nas conquistas de séculos de lutas e sofrimento, no binômio do fraco contra o forte, no direito da força bruta em detrimento dos avanços igualitários posteriores à Revolução Francesa.

Ainda que situações conjunturais imponham atitudes de força, isso compete aos líderes e às instituições dos povos livres e suas organizações políticas individuais.

A concepção de uma nova ordem produzida nos transes posteriores da Segunda Grande Guerra reeditou a Doutrina Monroe, que antes implicara na invasão orquestrada das nações americanas, pretexto da salvaguarda democrática do continente, segundo definia.

Em mensagem ao Congresso americano, o presidente James Monroe considerara serem os Estados Unidos contrários ao colonialismo europeu, com base no pensamento isolacionista de George Washington, de que a Europa tinha um conjunto de interesses elementares sem relação com os nossos ou senão muito remotamente (Discurso de despedida do Presidente George Washington, em 17 de setembro de 1796), e ampliava o pensamento de Thomas Jefferson segundo o qual a América tem um Hemisfério para si mesma, jeito de estabelecer o conceito de um continente americano como o seu próprio país.

No entanto mudaram os tempos. Experiências múltiplas concederam o mérito de cada nação independente fustigar os seus próprios impérios da lei, aspecto dos novos tempos de graves decisões.

Por isso, as providências estadunidenses ora adotadas de avançarem nas fronteiras externas à sua federação reduzem as margens de autonomia dos povos latinos, o que lhes reedita triste e ilegítimo papel de fiscal dos demais povos das Américas, motivo de apreensão e escrúpulo, visto o preço pago nas ações anteriores de épocas recentes, já na segunda metade do século XX.