segunda-feira, 30 de abril de 2018

Numa mesma estação planetária

Galpão enorme do tamanho da superfície terrestre espalhado pelo chão. Gente de não ter limites de quantidade multiplica os milhões aos bilhões, sei lá, no entanto. O certo daquela vez, de cada um dos lados chegará o comboio que os levará ao destino das multidões absortas em si próprias e suas virtudes. Todos sabem, alguns fazem de conta não saber, que o drama das comédias de carne terminará quando chegar o Sol. Quero crer parecer com a parábola do joio e do trigo, onde ninguém arrancaria antes por se parecerem tanto.

Mas os tais passageiros dos tais comboios estarão de malas prontas, aprontadas, aprontando todo dia, pois sabem de sobra que esse dia chegará, a fim de atendê-los naquilo do deus dos corações, de onde está o tesouro e lá também estarás. Processo semelhante de quando a alma virar espírito e o espírito virar alma. A única desigualdade é que espírito não terá mais carne.

Bom, nisso esperam, e pronto. 

Num dos cantos do galpão monumental pequenos grupos jogam truco; noutros, gamão, dama, xadrez, vídeo game, os errepegês da vida que anda arrastando a barriga nos esgotos e nos pântanos dos filmes de horror contemporâneo de campos e refugiados. Naves sobrevoam atentas pelo céu, de olhos abertos a mínimos detalhes daquilo tudo, cena secular das gerações.

Os bilhetes vão sendo adquiridos aos lotes nos leilões da madrugada ainda escura. São eles os reis, sultões, ditadores, presidentes, políticos, financistas, empreendimentos mil transformados em distração das horas que passam feitas ondas nas marés siderais da criação do mundo. 

A multidão, ao seu modo, gosta disso, porquanto nada mais resta senão o lazer das ilusões de esperar, vistas presas nos retângulos das televisões distribuídas no teto dos dormitórios sob a camada atmosférica. 

Qualquer momento, e chegarão, das duas origens e em duas direções, comboios descomunais que os levarão pelo espaço, ou aqui permanecerão na superfície, a refazer o sonho dos que ficarem, ou alimentarão de possibilidades outras os que seguirem rumo a outra constelação perdida no Infinito.

(Ilustração: Pieter Bruegel, o Velho).

domingo, 29 de abril de 2018

O centro de tudo

O verdadeiro poder nasce de dentro do Ser Humano. 
                                                                                                       Lao-Tsé

Logo cedo nas manhãs o céu é o infinito. Do infinito nasce o Sol. Na alma da gente um sol iluminará em nós o poder da Criação a fim de sermos nós filhos do mesmo Pai, redentor inimaginável e soberano.

Dessa simplicidade primeira das existências vem a vontade imensa de achar a paz no coração e a luz na consciência, únicas alternativas de sobrevivência face aos mistérios de continuar existindo durante todo tempo, busca incessante do Cosmos que em nós habita. Segundo os místicos, no olho do furacão existe a calma absoluta. Enquanto gira incansavelmente, sobre o eixo que lhe sustém, o carrossel permite o equilíbrio do giro, e bem no centro do eixo mora a essência do movimento perfeito. No centro exato do eixo nem uma agulha gira. Só há calma, imobilidade, silêncio.

Assim no centro do Ser de que somos partes vivas dotadas de vida pessoal, indivíduos exclusivos, desde que descubramos o centro em nós, então revelaremos esse eterno de tudo, a essência, o fundamento, o silêncio da paz absoluta. A isso vivemos. Nesta missão aqui formamos o nexo da razão e do princípio original. Seres iguais em busca de tudo quanto há, pouco importa as particularidades nas quais histórias se encerram. A função das existências guarda, portanto, consigo tamanho lenitivo, a transcendência de fatores externos e obtenção dos valores internos, sentido das horas e dos destinos.

Resumo, pois, de toda filosofia, motivo dos esforços e dramas universais da personalidade humana, eis o roteiro que indicará pouso certo de chegar e transformar prazeres em sentimentos, instintos em amor de verdade. Sois deuses e não o sabeis, afirma Jesus. Transpostas as limitações das estradas e gerações, o barco que nos conduz aos céus viaja ao Infinito, na velocidade da Luz e no palpitar dos corações.

sexta-feira, 27 de abril de 2018

Numa tempestade como que de fogo

Ontem me lembrei de um sonho de anos passados. Ocasiões surpreendentes os sonhos. Chegam de inopino, esmaecem logo cedo nas manhãs e caprichosamente, por vezes, ainda permanecem grudados por debaixo das lembranças quais se nada tivessem a ver com elas, no entanto pertencentes à gente quais pedaços de nós mesmos.

Pois bem, naquele sonho me avistava a viver de dentro uma tempestade de intensas labaredas que circulava tudo em volta, onde, invés de lufadas de vento, lâminas afiadas de calor extremo sopravam de todas as direções, fogo avermelhado nas direções horizontais e verticais, a varrer o mundo, pessoas e objetos. O plano dos ares virava tão só fogueira imensa a lamber de horror o que houvesse em volta.

Víamo-nos em torno de árvores maiores, trocos de si já calcinados pelas chamas avassaladoras, onde pessoas agarradas pelas mãos umas das outras, ansiosas, desesperadas de aflição, clamava misericórdia. Enquanto isso, a intensidade do fogo vez em quando arrastava um dos agregados que sumiam nas distâncias, feitos palhas arrastadas pela correnteza do drama ígneo. Aquelas árvores significavam pontos de convergência magnética em que chegavam naves espaciais a recolher os que permaneciam azougados naqueles círculos de sobrevivência.

Espécies de missionários cósmicos, os tripulantes das naves salvavam os náufragos das chamas e os conduziam ao interior dos objetos voadores num exercício de recolhimento adrede previsto ao final daqueles tempos conhecidos. Desde modo, quis interpretar o que o sonho indicaria, que passei talvez uma década até hoje aqui estar contando seus detalhes. 

De leituras e religiões que falam de algo semelhante, das narrativas das horas extremas do Planeta, quando profetas descrevem agruras de apocalipses por vindouros, chega a mim o conceito daquilo que avaliaríamos denominar o arrebatamento de que falam dos eleitos diante das vidas vividas neste chão das almas em que ora nos situamos e as previsões dos dias no futuro. Assim, de nitidez mordaz, restaram fixados na memória que trago a lume, aspectos fortes por demais do que presenciei naquele sonho, sem tirar nem acrescentar uma vírgula sequer. 

segunda-feira, 23 de abril de 2018

Uns olhos

De intensidade inigualável, seus olhos oferecem as raias do mistério do infinito inteiro e muito mais. Indicam a estrada que, quando bem palmilhada, levará ao tudo absoluto das horas sem fim amém das andanças inextinguíveis. Música das dimensões milenares, eles bem avaliam o tanto de focar o dadivoso das razões de Deus. Dois pomos de certeza em flor, configuram neles as crateras da perfeição e dos segredos do Cosmos. Olhos de vida, esperança e fé. Luz das primaveras de todas as estações, iluminam o escuro das largas e dolorosas ausências, esteios de primor na solidão das madrugadas insones. Em seus olhos quanto clarão de amor a envolver almas aflitas e trazer a calma. Olhos de inocência, transparência, janelas de alvorada e poder que simplesmente invadem o caminho do coração e arrastam peregrinos às eternas visões da amplidão, possibilidades antes só imaginadas, porém guardam sob as capas do sentimento o maior de todos eles, ondas impetuosas desse mar das existências, a contar do íntimo do seio o potencial das visões e luminárias de perdão e certeza. Olhos de realização, longe da pressa de chegar, contudo alimento dos famintos e das vagas. Uns olhos de esplendor e maravilhas que seguem silenciosos à frente dos passos dos que jamais desistem de plantar boas sementes nas searas do louvor, mãos que afagam e o dizer do quanto impera a fertilidade do sabor dos céus. Eu vi, sim, na força desses olhos grandezas, brilho, música, cores, o manjar de palavras reais, pérolas de suavidade que tocam as fibras do ser e transportam saudades e sonhos através das histórias deste chão de amores e virtudes; amor e luz vi nesses olhos.  

domingo, 22 de abril de 2018

A luz do teu próprio ser

O brilho incandescente dos milhões de sóis, eis em que o teu próprio ser  adormecia, potencial de tudo quanto há em todos os lugares do Universo e da Eternidade. Em ti havia nova criatura, isto nas vagas luzes de pequenos claros que ainda inebriavam a distância, certeza tão certa quanto a realidade a querer enxergar, astros adormecidos e visões guardadas. A chance que largavas atrás, enquanto o teu coração gritava liberdade, nas horas mortas de solidão e amargura. Passados inúteis instintos e sensações, logo adiante advêm os sentimentos, dos quais o rei de todos eles, o Amor, dorme ainda contigo nas noites profundas das perdidas aventuras.

Foram tantos os vazios em que trocaste a iluminação pelas agruras que jamais haverias de justificar e aceitar correr de ti enquanto o tempo esperava nas dobras dos caminhos. Longas noites de tormentas e a surda empreitada de jogatinas e furores. Tu, somente tu, testemunhavas o Eterno e apreciavas as douradas correntes que te prendiam aos rochedos da escuridão, sob tuas saudades do futuro, a indicar o quando de verdade conduzias através dos destinos vidas afora.

Nisto apenas silenciosas as músicas falavam ao íntimo das virtudes, mas tu nunca pensavas ouvir a voz dos céus na vastidão dos continentes da alma. Razões outras e notas harmoniosas, todavia, que sumiam aos desleixos da tua compreensão, mantinha a promessa de liberdade que um dia receberás. Atiravas lá longe o desejo no sacrário das suaves inspirações. Então, até quando, certa feita as portas se abrirão de plano à beleza e certezas infinitas de paz, de força descomunal, que dominará o espectro que desistirá das amarguras e abraçará o Sol de fulgor inextinguível. Luz, compreensão, cordilheiras de bênçãos, sublimidade na beleza infinita das existências. Nos corredores da consciência agora desperta o ser renovado que todos somos, no milagre da plenitude...

quarta-feira, 18 de abril de 2018

Pega da tua cruz e me segue


Há nisso de renúncia à própria existência prevista nos calendários da sorte. Um tal de esquecer-se de si mesmo e somar impossíveis aos passos. Acender outras luzes consistentes e imaginárias, porém longe dos afazeres toscos do chão das almas. Aceitar a dor qual fator de risco e promissão. Entregar o ego no altar do Eu, sacrifício que lembra João Batista no que lhe aconteceu. Após batizar Jesus no Rio Jordão, dali já sabia de que a sua missão se findava. Ele tratou de recolher as tralhas na mochila e abraçar sua paixão, no desfecho que logo viria, história sabida e comentada pelo correr das gerações. 


O que o moço rico não aceitaria, ao ser convidado por Jesus a segui-lo. Ainda não estava preparado a perder o mundo. Carregaria lá mais à frente a fuga das ilusões e histórias humanas que voam feito pó no espaço mundo afora. Abrir mão do certo, do ponto de vista material, pelo esplendor dos invisíveis, razão de tudo, porém nascido na memória dos quantos vivem o drama da purificação do Ser.

Nisto o tanto do tema religioso sob conceito de religiosidade original, no íntimo dos seres cientes que buscam revelação através das vidas. Elaboração do mecanismo das existências. Olhares inteligentes, no entanto carentes de precisão naquilo que exercem os valores naturais. Quem sabe de tudo já agora? Poucos, raros, raríssimos. Sidarta Gautama, o Buda, diria que existem alguns que descobrem essa luz de consciência, uns vinte, talvez, dentre multidões de civilizações.

Contudo estamos nesta missão de salvação. Outros motivos só explicam, todavia terminam diante das cordilheiras em que o tempo faz dimensão. Carece coragem, a extensão maior do poder dos humanos através da vontade opcional da liberdade. Correr?... Não sabem aonde. Usufruir, eis o que resta nos selos dos objetos que somem; fruir dos bens oficiais da carne e da poeira, e pronto. Será apenas isto? 

(Ilustração: Angelus, de Jean-François Millet).

terça-feira, 17 de abril de 2018

Raízes dos acontecimentos

O conceito budista revela que reencarnamos por conta do carma, balanço do mal e do bem que nos leva através das vidas sucessivas até chegar no dharma, ou encontro definitivo com a Perfeição da infinitude. Enquanto não organizar tal mecanismo, nem pensar em equilíbrio eterno das condições da consciência em todos nós. Daí dizerem eles, os budistas, que quem reencarna é o carma, na via do autodescobrimento pelos universos da alma sem fim, marcas da evolução.

E os acontecimentos são fruto disso, dos carmas somados que regressam no esforço de livrar de si a matéria e achar a transcendência. Todos, nas suas pequenas naves individuais, a vagar nos serões das vidas, são autores pessoais do próprio merecimento. Por mais e muitos sejamos, obedecemos às tendências que a Natureza concede, nos dramas/comédias dessa possibilidade. Autores e atores, nos domingos dessa perenidade, senhores só aparentes da residência onde habitam cá dentro do eu, tangemos sonhos em forma de histórias particulares, outrossim influências inevitáveis da rua dos acontecimentos ali de fora, no passeio do Tempo, e nós dentro dele a observar as vidas, então.

Queiramos, sim ou não, estamos sujeitos aos fatores ocasionais de tudo quanto há, nas batalhas de encontrar a iluminação ansiada desta jornada pelos campos do Senhor. Notas interligadas de sinfonia miraculosa, exercemos papéis por vezes desencontrados até compreender a tal transformação que reclamamos dos outros e ser bem aqui dentro de nós criaturas humanas.

Nisso, nas águas que deslizam dos céus, deslizamos feitos gotas em busca do oceano da imortalidade. Parceiros dos jogos transitórios, pois, cruzamos as vistas no bem-estar dos dias, olhos presos nas intenções e prendas escorrem entre os dedos e chamamos sorte. Nada, contudo, sendo além de meras resultantes das ilusões que esmagam e constrangem, enquanto deixávamos de lado, quase sempre, a certeza da Felicidade, desde que construamos o Destino  A sós, na solidão desse deserto, virá a hora de partir aos novos conceitos que nos aguardam.

(Ilustração: Foto de Oyama Yukio).

segunda-feira, 16 de abril de 2018

A divindade da música

Quão de maravilhoso a música, beleza que chega tão perto de Deus. Eis o segredo da audição, que toca a alma da gente e revela grandeza absoluta nos sentimentos. De suavidade que transcende valores só materiais, a música abre portas aos encantos invisíveis do Universo; mostra meandros de mistérios inigualáveis aos outros sentidos. Para além das palavras e junto de outras falas e tons, permite ao coração penetrar doces dimensões da espiritualidade. Há que dizer que quem canta reza duas vezes. Uma religião de melodias a inspiração sublime da canção, nas partituras de ritmos e naipes. Música, divina música.

Estudos consideram que poesia é a filosofia no estado original, através de que os escritores transcrevem segredos de mundos inalcançáveis ao comum dos mortais. Nos poemas, a razão encontra o coração e transmite força de viva verdade interna às pessoas, enquanto a música bem significa já o coração a recorrer aos instrumentos da razão material na formação dos sentimentos em forma de enlevo e revelação das fibras íntimas do ser em notas e sabores doutras percepções. A religião no estado puro. Daí, os códigos acessíveis a toda cultura humana por meio da música divina. 

A oralidade, ao seu modo, conduz religiões aos milênios. O mesmo ouvido que recebe a sublimidade da música também oferece espaço aos ensinos da consciência pela mística de voz e ouvidos vida afora. 

Abre assim a música os portais da imortalidade na beleza dos sons que propagam na luz e amplia visões e sentimentos. Ciência de extrema valia durante o desenvolvimento da Humanidade, sustenta os laços da sensibilidade e dos amores puros. Quantas paisagens infinitas e eternas multiplica a música no correr do tempo. Sentido abstrato por natureza, a audição testemunha existência das possibilidades da mente e do coração em um amálgama requintado. Ali ambos reúnem em único bloco o supremo poder de tudo quanto existe e existirá, harmonia dos sons que no princípio era o Verbo, e Ele, ao se fazer carne, veio habitar entre nós, eco perfeito da perene Eternidade mãe.

domingo, 15 de abril de 2018

Raias da imbecilidade humana


Havia de ser assim, durante longas datas, o homem lobo do homem, até revelar a condição de irmãos uns dos outros, nesta vala comum das horas. O itinerário deles, de nós humanos, escrevem com o sangue. Poderosos seriam os menos indicados a conduzir o barco no trilho das gerações. No entanto adquirem tal poder, mesmo que fracos de juízo e moral, e marcam a ferro e fogo as ancas dos inocentes. Mas reclamar sem ter a quem nas conferências abandonadas. Então, resta reverter o quadro dentro das próprias criaturas, única possibilidade que existe de viver sonhos de transformação, paz e consciência. 


Plantam só os frutos do imediato, de prazeres ilusórios; deitam e rolam no mar de lama onde puserem seus feudos pecaminosos. Acenam os místicos a outras chances, contudo nascidas do coração, do sentimento, rumo do Eterno. Indicam, demonstram, praticam, todavia olhos a quem possa ver. Nisso, as consequências da sanha do transitório em detrimento da transcendência do ser que somos ainda sem saber o suficiente de exercitar a libertação verdadeira.

Houve fase, que chamaram de Era da Razão, quando resvalaram nos abismos da ignorância e determinaram esse materialismo que ainda impera nas hostes de governo. Feras devorando feras, nos clímaces de guerra e destruição. Isso que repetem nas telas dos dramas através dos mercados, em que pessoas valem nada e lucros tudo valem. Resultado: dores, eliminação em massa, migrações forçadas, famílias esfaceladas, judiação e desamparo, sob as vistas míopes dos tais proprietários dos bens de produção. 

Sobram os depoimentos, comentários, esforços inúteis das reconstruções, numa fase de civilização em que ninguém fala de revolução, palavra tão em moda pouco tempo passado. Hoje o sentido de tantos resume o direito de sobreviver à burocracia dominante e aos interesses dos poucos. No entanto, é preciso persistir e jamais esquecer o motivo maior dos novos tempos, da alegria e da solidariedade, amor e compreensão. Depois das tempestades que advenha luz na face dos dias que vêm a caminho, no justo valor de Tudo. 

quinta-feira, 12 de abril de 2018

A voz da noite

A doce interrogação das vidas ligeiras que pesam no peito de todos nós, que sejamos quais gregos ou troianos, cascabulhos ou humanos. Ruas e vales, angústias de tantos e amores vãos que só refazem a antiga trilha do destino vez em quando desfeita. Lúcidos seres de velhas cantigas, marcas de sonhos largados pelas estradas mundo afora, e amargas ilusões deixadas aos céus dos dias. As flores desse brejo da continuidade sem limite, no silêncio em que os grilos tocam sinfonias de orquestras magnânimas em meio à escuridão adormecida no futuro. Ninguém mais sabe, ninguém mais viu que ainda e aonde dará o trilho dessas estrelas neste mar informe de horas e séculos amarrados aos barcos nas ondas intermináveis das existências. 

Como descrever, pois, o que acontece dentro dessa casca das almas que vagam na Eternidade sem fim? Sóis acesos nos olhos da distância longa, inevitável, lá bem no centro do Universo quando histórias preenchem o tempo de estar vivo e ser. Marchas solenes e exércitos que conhecem todas as batalhas de muitos e desconhecidos territórios.

Que lógica de explicação a isso de preencher o sentido das presenças envolvas de dúvidas e mistérios? Que, além disso, onde habitariam as antigas consciências nos apuros, supremas indagações de porquês e por quês?  Quiséssemos admitir o quanto percorrer até chegar na paz tão esperada e teríamos de aceitar de bom grado o gosto travoso das surpresas, nós que nos achamos prudentes e civilizados, bizarros e heróis. 

Mentes e corações assim entrelaçados na aventura de sobreviver aos prazeres do chão insólito, tornamo-nos meros audazes conquistadores de fama mergulhados no rio das emoções, afoitos convertidos das entregas em nome do gosto de aproveitar viver. São eles, somos nós, que existimos nos desertos de velhos sábios, de credos e flores virgens. Caberá, portanto, só amar, sobretudo, querer amar e plantar felicidade hoje e sempre.

terça-feira, 10 de abril de 2018

Sem culpa, sem medo

O importante é crer. Nada mais causa espanto, quando se crê. Os piores momentos não passam de provas enviadas por Deus a fim de medir nossas forças e saber de que recompensa nos mostramos dignos. Charles Peguy, escritor francês morto na Primeira Grande Guerra.

Por vezes os humanos se deparam com a solidão no usofruto das circunstâncias e dos dias. Eles a tratam, contudo, quais momentos e modos adversos e, raras ocasiões, os aceitam a título de consequências parciais das horas passageiras. Têm medo de ficar só, quase normalmente acontece. Alguns chegam considerar espécie de maldição o isolamento a que devem suportar, querendo a todo custo reencontrar companhias, independente das características delas. 

Porém de algo estejamos certos, quem não for boa companhia a si próprio nas horas da solidão dificilmente sê-lo-á quando junto de outros, conceito dos mais evidentes face às experiências de mundo. Zelar pela consideração no trato consigo representa, pois, o quanto poderá demonstrar diante dos semelhantes. 

Nisso limpar a culpa e dispensar o medo de que dela resulta prepara aos embates do inesperado. Quem não deve não teme, diz a população na sua linguagem cotidiana. Passar uma bucha no passado e construir o futuro, ação prudente e salutar. Inclusive nas crenças isto vem nos primeiros lugares. Como aguardar o de que não merece sem ser injusto? Admitir um Ser soberano que a tudo rege e domina e querer lhe transferir as mesmas contradições de onde nasceram limitações humanas representa primarismo inconsequente e desleal. 

Andar sozinho nas jornadas deste chão pede atenção e sacrifício, e a limpeza dos vagões da alma. Merecer de si confiança, portanto, possuir tudo a ver nos espaços do silêncio e do isolamento. Tais postulados mínimos, quem primeiro avalia os íntimos corações significam os que vivem de perto, as pessoas interiores. Conhecer a si e depois, então, conhecer o Universo em nós. 

segunda-feira, 9 de abril de 2018

Almas penadas


Noite lenta. Sons distantes de cães latem de encontro ao silêncio, quais notícias soltas de existências à busca de afirmação nos vagos da rude solidão. Escuro aqui. Escuro mundo afora. Nalgum casulo preso nas folhas que sacodem ao vento frio da Serra, alguma borboleta sonha com a liberdade nalgum dia. Dentro de mim também sacodem sonhos impacientes do túnel de onde, um dia que seja, acharei a liberdade, e que moram guardados no coração das pessoas. 

Enquanto isso, a noite segue no seu leito de solidão adormecida mas que revira na sombra os movimentos inertes das estrelas que reluzem lá dentro do céu imenso. Elas passam à busca dos viajores perdidos nas encostas, retardatários das longas jornadas do Destino. Elas, as visagens dos que morreram e insistem permanecer retardatárias nas dobras deste chão, vagando almas vadias nos apegos dos desejos que alimentavam de permanecer no desespero de haver largado a matéria sem dominar os jogos da natureza. Às vezes ouvem os galos fora de hora, as raposas que buscavam os galinheiros e fogem assustadas ao susto dos mortais inesperados. 

Eu escuto quando mais outra macaúba caiu do pé quase junto da janela, retalhando meus pensamentos de passados remotos, avisando as horas que mergulham nos gritos dos morcegos que investem nas ausências e desaparecem pelo infinito da escuridão em volta. Partida de um xadrez imaginário entre mim e o senhor das interrogações bem ali se estabelece, lances calculados a peso de largas considerações irmãs gêmeas do silêncio e da noite. 

Em volta, elas observam abismadas o quanto ainda resta mover as peças no tabuleiro imenso da colina espalhada sobre o mar das nuvens que deslizam lá fora rio adiante, marcas profundas do tanto de seres que desconhecem o passadio dos vivos, que deixaram de ser, sem ir e sem saber regressar. Quantos e tantos são assim nessa noite das saudades adormecidas. 


domingo, 8 de abril de 2018

O farrapo dos dias

É isso que passa à história, só pedaços manipulados daquilo que transcorre e desce pelo filtro da mídia nos interesses da informação. Quase nunca corresponde à verdade verdadeira, porquanto prevalecem meras particularidades diante dos acontecimentos isentos. Poucos, raros, são os responsáveis pela guarda plena de ocorrências claras nos armários da tradição, nesses tempos contemporâneos, reconhecidos de versões inexatas das notícias. 

Vez em quando traços reais prevalecem diante dos falsos valores de poder. A comunidade da informação exige custos elevados que os repassam aos órgãos dominantes e cobram caro por isso. Resultado, pouca verdade ou justiça no que se conta através dos livros após transcritos os jornais, as revistas, os códigos da mídia oficial, que hoje existe a duras penas financeiras dos erários de governos. Seriam meras peças de reposição de mandatos as transcrições ofertadas a público ávido de consciência, porém frustrado e conivente face ao lixo de comunicação transmitido nas usinas que mantêm o funcionamento da sociedade por meio de letreiros, falas e imagens vendidas cotidianamente. Narrativas interesseiras de discursos interesseiros. Patrões pervertidos de cidadãos vulneráveis.

Mais que isso em nada há de que contar os amores clandestinos de grupos e competição, nos ditos meios de massa de comunicação. Mal desnecessário ou hipnose coletiva? A propalada crise de credibilidade dos tantos órgãos que sustentam o mercado das ações da informação distancia, portanto, da coerência política, enjeitados eleitores e pretensos detentores da verdade histórica, ora afastados a ferro e fogo do que seria a ciência social lúcida e transparente da democracia da comunicação coletiva. Duros são, pois, os métodos de dominação a que tantos respondem na própria pele, em face do mau uso deste bem tão precioso da transmissão de conhecimento a que chegaria a Humanidade, porém desvirtuado em mãos pecaminosas e escravocratas dos senhores feudais dessa hora da espécie humana.

(Ilustração: Guernica, de Pablo Picasso).

Há um Deus nos céus

Em toda parte e no todo, há um Deus perene. A mente humana, por mais buscasse justificativas várias, nunca superou as crenças em um Poder maior. A força desse equilíbrio universal que a tudo rege e domina as consciências no sentido da sobrevivência moral, intelectual e espiritual, quiseram conter no ímpeto das criaturas de revelar a essência do Ser, isso através de teorias e conceitos, no entanto quase nada restaria de tais tentativas materialistas. Filósofos e escolas apenas permitiriam a prova de que existe, durante qualquer tempo, a persistência do aspecto transcendente das vidas, ignorado a título de justificar o domínio do egoísmo na face da Terra.


Esse lado mítico da inteligência houve de persistir e seguirá firme na epopeia de vencer a fome da ignorância, estabelecendo bases de profundas transformações na civilização e nas instituições. Não fora tal grandeza de afirmação, e teríamos desparecido diante das tantas contradições da espécie, detentora de relativo poder com relação aos movimentos da Natureza.

Portanto, há um Deus nos céus que em tudo prevalece, por vezes de tantos e tanto desconhecido (“... embuçado nos céus”, qual dissera Castro Alves). Contudo eterno, soberano, a Lei, o princípio original, o Sol das consciências, a Luz verdadeira, Pai Superior, fonte absoluta do possível e do impossível, esperança e certeza dos dias melhores de Amor e Paz.

À medida que acalma o desejo de controlar as incertezas deste chão, ali amanhece nos humanos esta revelação tão poderosa quanto a imortalidade, porquanto perfeição definitiva dos valores da imaginação em que isto repousará para sempre, a razão primordial do Infinito. O quanto representa saber que somos seres em crescimento estabelece, pois, a noção das profundas atitudes rumo das transformações valiosas de nós mesmos, motivo das buscas e da formação dos grupamentos religiosos. 

sexta-feira, 6 de abril de 2018

Trovões na madrugada

Isso bem cedo, quando as galinhas ainda estudam descer do poleiro e os pássaros insistem fazer a trilha sonora da madrugada. Nessa hora, os pensamentos começam a chegar juntos depois dos sonhos da noite, que se apagam mediante os limbos fortes do dia. Vem um daqui, outro dali, retalhos de ontem, lembranças de amanhã, preocupações inveteradas, caldos finos das notícias que sumiram na véspera. E eles pensamentos conspiram de querer viver no papel, espécies de curupiras montadas nos javalis do tempo que transcorre numa velocidade estúpida. As gerações esfacelam nessa tal conspiração de acontecimentos que ocorrem sem pedir licença; vem outro personagem insistente, o querer saltar da cama, acender a luz e ligar a máquina ali em cima da mesa. 

Ao fim, no entanto, quem escreve é que pergunta isso. Colar as letras, as frases e deixá-las jogadas no vento dos momentos que foram embora assim terminou de juntar gravetos de ideias, e nada além acontece a não ser o profundo silêncio das ondas nas praias infinitas do desejo. 

Bom, mas há o que dizer, sim, nem que seja só dizer e ver tingir os tetos da imaginação. No início, fora a oralidade. Falar e passar adiante através das palavras ditas. Vieram cartas, de navio, a pé, nos cavalos, nas gretas das portas. Nisso, Guttenberg reencontrou os tipos móveis chineses e fez a Bíblia de 62 linhas. O livro, o jornal, que tomaram de conta das bancas das manhãs. Eram as revoluções sequenciando a história. Foi quando aflorou a energia elétrica e produziu rádio, televisão, telefone, telégrafo, essas geringonças eletrônicas disfarçadas de santos. Rádio, o tambor tribal daquela hora, no entanto, seria o arauto das distâncias imediatas. Já hoje, as maquinetas do milagre viraram gandaias de bolso da produção imediata de informação. 

Mas de qual informação?! Das de súplicas ao Pai Eterno de que nos dê juízo e força de atravessar o túnel interminável das existências sórdidas e aportar num lugar de luz na consciência, e sonhar acordado as vistas boas das manhãs de paz no coração da gente.

(Ilustração: Gustave Calliebotte).

terça-feira, 3 de abril de 2018

Justa proporção da natureza


Eis a razão da religiosidade original, a que atendemos independente das religiões oficiais e dos códigos dos países. Há, em nós humanos, isso da justa proporção de tudo diante da matemática dos destinos. A razão das existências vive isto a toda hora; achar, buscar o princípio de todos os fundamentos do equilíbrio vejam a causa de estarmos aqui. Andar, andar, até encontrar. Atravessar mil obstáculos até chegar na paz das criaturas, motivo de idas e vindas, balanços e surpresas, escolas e paraísos. 


A natureza repetirá constantemente a lição de viver com harmonia que demonstra no palco das horas. O ritmo do tempo, as cores, a temperatura, climas, intensidade da luz, ordenamento das estações, família, aprendizado. A máquina humana bem trabalha independente através da consciência em elaboração dentro das criaturas, no sentido de revelar tais funções de perfeição, no entanto de modo independente, livre dos nossos desejos particulares, na intenção de se integrar o Universo em nós. Enquanto durar a insistência de reinventar e não de obedecer, as consequências já demonstram o quanto distantes vivem os pretensos seres inteligentes de uma real sabedoria.

Mas a prepotência de querer dominar o indominável destas origens da existência tem limites sob os quais habitam desde sempre os humanos. De tanto quebrar a cara, lá um dia terminam por descobrir a fonte original e acalmar o furor que levaria ao sofrimento. São noites e noites de súplicas e desmandos, desmandos e súplicas. Os mecanismos naturais permitem refazer o caminho tantas vezes quantas necessárias sejam. As individualidades aqui regressam e percorrem trilhas antigas das histórias pessoais, e nisso reescrevem a própria história ao sabor das eras. Entretanto esse mecanismo custa os termos de aprendizado. Se de má vontade, resulta em lições dolorosas. Dotados de amor, serão doces os frutos da mais pura alegria.  

segunda-feira, 2 de abril de 2018

O ser humano e as suas atitudes

O que cessará é o raciocínio. A sabedoria, esta permanecerá para sempre. O movimento holográfico do pensamento em sucessão se interporá entre a inércia e a vida, enquanto, através desse movimento, a inexistência desenvolve e cresce a existência real e concederá a si mesma a perenidade de tudo em tudo, a forma plena, absoluta do conhecimento e do ser. Nisso, há luz da certeza que fixa os alicerces da sonhada permanência, livre do personalismo crônico dos indivíduos. Assim, o que considerávamos um eu próprio, particular, egoísta, dissipará os apegos e libertará solto a percorrer o Universo eterno de tudo quanto há.

Velhos conceitos de vidas pessoais, isentos da integração com o divino poder da perenidade, somem quais bruma em dias claros. Longe dos laços da ilusão, de preocupações e interesses mesquinhos, o homem despertará em nível de consciência e concretude. Senhor dos seus antigos senhores, dominará os densos elementos de vidas e vidas pelos quais transcorreu, e em síntese do amor e paz sobreviverá ao fugidio da decomposição dos momentos.

Quando, pois, cessar o raciocínio, ali permanecerá o verdadeiro conhecimento. No apagar das luzes dos dias, nascerá o fulgor da imortalidade diante dos elementos de que compuseram o quadro de destinos sucessivos, das muitas vidas, em único princípio e consistente sustentabilidade.

São as horas e o tempo. Passadas todas as eras, a existência haverá de ser no infinito das horas sem fim. Apagados erros e dúvidas, o ser efetivo que presenciava esse seguimento impermanente dos erros e das ilusões só então definirá de vez a sorte dos seus dias, a que veio e aonde chegaria desde sempre. A máquina de pensar cumprirá de tal sorte o seu papel que os frutos da realidade existirão à luz do puro conhecimento em nós e por meio da luz.

Quais parceiros eternos da felicidade, frequentamos nas existências transitórias a escola da Existência definitiva. Buscadores nas florestas do ser, tornar-nos-emos a própria busca, isto já nos planos maiores do mistério.  

(Ilustração: Hieronymus Bosch).

A certeza mais certa

Razão essencial da vontade extrema, a fé demonstra o quanto de real importa durante todo tempo na existência das pessoas. Foco das ações definitivas,exige extrema convicção, numa entrega incondicional. À época da Roma dos césares, iam cantando aos circos, em busca do sacrifício, todos aqueles primeiros cristãos, sem titubear, sem tergiversar. Doavam de bom grado o bem maior de existir à sanha perversa dos gladiadores, às feras, às fogueiras, aos precipícios, quais cientes e tranquilos da absoluta justiça que lhes fazia meros instrumentos de esperança e salvação na Eternidade maior. Movidos pela amplidão do Infinito, deixavam que imolassem corpos, destruíssem famílias, histórias, firmes tão só no único propósito das palavras de Jesus, cientes da Verdade plena do amor de Deus.

Nisso, a pergunta principal de saber aonde revelar em Si tamanha realidade que supera todas as verdades menores deste mundo febril. De que elevação interior desvendar o horizonte do ser da nitidez desse propósito e enxergar sem dúvidas a humildade, o abandono do possível no impossível; depositar nas mãos invisíveis o princípio da sobrevivência material, animal, existencial. Resgar o véu das sombras que envolvem o mistério e aceitar de pronto a palavra do Mestre divino de umReino fora deste mundo, noutros ondes distantes, ou próximos. Isso num ato de renúncia definitiva à certeza do Eterno, já agora perante as contradições que penitenciam e dominam a terra dos homens...

As religiões e os seus arautos propagam benesses do quanto dizem os livros santos, porém há que nascer de certo, dentro das criaturas, o furor das atitudes, a prática fiel do Bem, que permitam sentir, no íntimo da firmeza de andar por conta própria através dos caminhos solitários da alma. Dizem ser no coração em que isto acontece, essa alquimia da palavra em realização espiritual, e que apenas a gente pode só dispor da liberdade que decidirá abrir de vez o indivíduo à conversão inabalável. Restam , pois, as notícias dos que aceitaram, assim,triunfaram no sonhar das maravilhas em forma de conquista tão sublime e venturosa.