quinta-feira, 30 de setembro de 2021

O véu de Ísis


Isso de conhecer, bater às paredes do Infinito, revelar a si próprio a caligrafia deste Chão e adquirir asas de galgar aos Céus, eis a real finalidade de tudo quanto há durante todo tempo. Desvelar o que em nós encobre tais os segredos do olhar dessa libertação. Enquanto que, antes disto, confrontamos conosco nas malhas da ignorância, vivos seres de altos sonhos, desde lá de sempre vem sendo assim, nas marcas deixadas nas cavernas e encostas de montanhas talhadas a pedra. Reviramos as cadeias da angústia, amarguramos insatisfações de desejos, vultos encapuzados que vagam nas sombras dos padecimentos. No entanto, persistimos a qualquer custo, lábios ressequidos, noites insones e vontade forte.

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véu de Ísis é uma metáfora e motivo artístico alegórico em que a Natureza é personificada como a deusa Ísis coberta por um véu ou manto, representando a inacessibilidade dos segredos da natureza. Google

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A força descomunal de tantos vilarejos das vidas antigas alimenta a sede do eterno nas almas dos humanos. Vislumbramos todo instante o poder soberano da imortalidade que carregamos conosco, pequenos, porém gigantes, amores e saudades, luzes que se acendem nas frestas dos mundos ignotos que guardamos debaixo de sete chaves no abismo do coração da gente.

Durante as vidas, pois, existe o tal véu que nos encobre o destino da real sabedoria, até quando descobriremos, igual genialidade a vencer as trevas da nossa consciência que aos poucos abre todas as portas do Sol. E vencer o deserto da dúvida, a resolver de uma vez por todas o drama desta solidão que nos envolve e grita numa aspiração de paz.

Ísis representa, com isso, o personagem mítico que administra a cortina que, tão logo aberta, distingue o mistério entre a vida e a morte, face ao enredo escuro conquanto a ser revelado no percurso das epopeias individuais do pregão dessas existências transitórias daqui do Chão.

terça-feira, 28 de setembro de 2021

O senso incomum


Tantas vezes quantas, aos olhos do Tempo, há de nascer o Sol? Das praias do infinito de nós mesmos, diante do eterno das vidas, virá o senso de compreender o Destino. A quem perguntar se não a nós próprios, nas entranhas da Consciência?!

Sei que já existem, vagando pelos céus, todas as respostas que transportam no íntimo e adormecem nas visões de todo instante. Vivem soltas nos preceitos da liberdade quais peixes no oceano das presenças. Alimentam o desejo de sobreviver, conquanto guardem consigo tudo e mais que houvesse, porém quais pequeninos seres ainda inocentes da grandeza do Amor lá de onde elas vêm vamos aqui nesse hemisfério de largas expectativas.

Somos assim tais guardiões do segredo universal, longe que seja das visões que desmancham o dia em milhares de fragmentos. Deslizam na alma dos mundos e desaparecem, no entanto sempre a testemunhar sequências dessas estações do trem imóvel da Eternidade. Seguimos soltos à busca de achar o jeito de dominar os acontecimentos, cientes das possibilidades imortais que eles transportam e que somos nós.

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À medida que andamos, descobrimos que o passado viveu mergulhado em nossas lembranças, na busca de preencher de lições o que ali vivemos. Uma ficha constante das nossas ações alimenta o que hoje significamos nalgum lugar do Universo. Qual escrevesse o livro do que precisamos ser, reajustamos nossos praticados e usufruímos o melhor do que fizermos.

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Diante de tudo, portanto, há um vazio imenso das histórias que têm de acontecer logo, em frente ao correr de cada momento, no abismo das eras que se sucedem. A chama do transcorrer nesse fio ininterrupto do tempo aos nossos pés reclama consciência do que vivemos. Mistério profundo, fluxo contínuo de necessidades que a tudo envolve sem alternativa. Enquanto isso, seguimos a passos largos rumo ao enigma que nos aguarda de braços abertos, resposta de todas as perguntas possíveis e imagináveis, no fim e recomeço. 

sexta-feira, 24 de setembro de 2021

O silêncio de todos nós


Isso que somos agora, loterias de movimento incessante. Em cada cabeça uma sentença. Todos, sem nenhuma exceção, aqui, neste exato momento, trazemos a interrogação e resposta de nossos dias. Valor inestimável, teremos cá de dentro a resposta dos nossos sonhos. Bem isto, o fruto de todos os dias, painéis em constante formação, eis o que o somos. Aparentemente senhores de si, no entanto um jogo de claro-escuro pela vida afora. Dois lados do mesmo grão, trabalhamos a necessidade urgente de harmonia. Colhemos a todo instante essas fagulhas desta fornalha.

É que viemos a fim de resolver de vez a equação do Destino, o que passa dentro da gente feita razão de tudo quanto há, durante todo tempo. Esses dois seres extremos em um só habitam a nossa essência na busca de paz, numa medida certa dos acertos e descobertas. Açúcar e sal, tangemos os dias vidas adiante. Desejamos o melhor, porém à medida do domínio que se faça dessas forças que assim conduzimos neste ser que significa indivíduos em aprimoramento. Simples e direto, o conhecimento sacode a tal máquina das circunstâncias e propicia os meios de respostas perante desafios que os transportamos.

Nesse tribunal da consciência, fervem anseios e verdades, contradição só aparente, porquanto desse modo deveria acontecer. Nem de longe existe a quem reclamar senão a nós próprios face aos desatinos e praticados. O resultado disso vem, sem falta, na ordem do firmamento. Se houver de quem indagar, indaguemos do silêncio que em nós vive guardado sempre.

Portanto, alunos e professores, o segredo da transformação lá um dia virá à tona, razão de tudo quanto o Tempo traz a mover as criaturas. Todo momento, pois, criamos em nós o universo de que somos motivo e artífices, na Lei maior de nosso Eu superior.  

quarta-feira, 22 de setembro de 2021

O reino dos super-heróis


Nada mais que esse mundo daqui do Chão, um lugar de conchavos e desencontros, artimanhas e vaidades. Ninguém que se preze deixaria de lado o sonho de vencer alguma dessas batalhas travadas nos coliseus da ilusão. Todos, armados até os dentes, logo invadem o circo e sacodem suas lanças rumo ao desespero de si. Horas e dias, o mesmo travo amargo de ansiedades e desesperos, olhos ardendo nas filas que não acabam nunca. Roupas gastas nesse afã de vencer o inexistente, quais estranhos autores das epopeias colossais, são os nomes que sacodem nos lençóis do impossível e piões que giram sem cessar; eles, fieis servidores das nuvens que passam e desmancham cores avermelhadas no final das séries intermináveis e dos destinos inacabados.

Quiséssemos desvendar, pois, o mistério das jornadas, e nos depararíamos com o cemitério dos dinossauros lá no íntimo das matemáticas humanas. Dores, cores e gestos; versos, rimas e fados, que não acabam jamais. Tudo isso fruto da vontade imensa dessas alimárias vestidas às pressas na entrada das cenas que nunca irão terminar. Homens e máquinas, num furor sem limites, células mórbidas do mesmo corpo que escorre pelas trilhas do firmamento. Exóticos, beijam e abraçam os próprios feitos, retalhos de armaduras jogadas ao lixo da História.

Existências, pois, trazidas ao baile só a fim de interpretar que vieram de longe. Circuitos de engrenagens fantásticas, sabem e desconhecem a um só tempo o ritmo das melodias que lhes contavam as lendas, enquanto retinem espadas e moedas atiradas ao vento. Quais monarcas de tronos imaginários, ecoam seus gestos na alma das outras criaturas, no desejo frio de marcar um solo eterno de galáxias que avançam rumo ao sagrado espanto. Eles, que ignoram a que existem e, ainda assim, contêm os passos no coração do Infinito. Pisam o solo da ausência e abandonam as vestes logo que chegam aos Céus que lhes espera.

(Ilustração: Liga da Justiça, heróis da DC).

terça-feira, 21 de setembro de 2021

Que temos com isso


Quando vejo alguém sofrer dalgum dos males deste mundo, nessa hora sinto a necessidade urgente de olhar dentro mim, que eu descubra o que eu tenho a ver com o que os outros sofrem. Querer que não seja assim, que cada um fosse o dono de si, no entanto hoje ainda nem de longe posso praticar tal intenção. Se estou feliz, por que os outros também não podem estar? O que impede disto acontecer desde sempre? Há um vazio na alma da gente quando somos detentores de conforto, de paz, alegria, felicidade, e os outros nossos irmãos assim não estejam. O que fazer, então, a fim de modificar o quadro de sofrimento de tantos que padecem, nos bolsões de pobreza, nas guerras, nos hospitais, nas prisões, na ignorância, na maldade, na corrupção, fugitivos da harmonia que impera nas leis da Natureza, e de que jeito cada um de nós pode dormir acomodado, sem nada fazer que modifique esses padrões dantescos, quando haverá um momento, criado por nós, no íntimo da nossa consciência de transformar as visões desse universo em que vivemos?

Sei que temos algo a ver com isso; que, no mínimo, devemos exercitar o ensino das religiões, das filosofias positivas, dos mestres, a que possamos reverter a sequência de dores deste Chão. Que nos cabe agora mesmo algo a fazer a todo instante, seja pelos pensamentos, orações, práticas de vida, lideranças, riquezas, no sentido de iluminar a vibração dos corações e produzir frutos novos de amor e luz.

Sei, sim, que somos os seres responsáveis por tudo isso... Que podemos construir o sonho das horas felizes na dimensão onde se presenciar tanta beleza nas realizações de Deus, que nos alimenta, nos conduz diante das estradas aonde faremos novos os dias. Carecemos abrir os olhos e querer a todos o bem que queremos aos nossos irmãos, nossos filhos.

segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Sem título


Só conta a sabedoria de que o livro é portador, embora ela não esteja na essência da tinta e do papel. Antoine de Saint-Exupéry

Dentre os livros consagrados nesta Era Contemporânea, O pequeno príncipe ainda hoje mantém lugar de honra entre tantos livros espalhados pelo mundo. Saint-Exupéry, ex-aluno da Congregação dos Maristas, na França, destacaria, com essa obra, a simplicidade dos contos infantis numa linguagem de largo poder de percepção, chegando à alma dos leitores com história inesquecível. Tanto ao nível das crianças quanto do público adulto, galgou tocar o coração dos seres humanos qual jamais antes fizera outro autor.

Conheci outros livros desse consagrado escritor, quais Voo noturno, Correio Sul (esses quanto às viagens intercontinentais dos correios ao início das missões aéreas ao longo do continente americano e da África, fonte de sua inspiração nessas obras), Terra dos homens, Piloto de guerra, Cartas ao pequeno príncipe e Cidadela.

Sempre um viajante solitário nas suas infinitas viagens, descreve como poucos as nuances da personalidade humana, refletindo seus conflitos íntimos existenciais, tendendo a interpretações filosóficas de alta reflexão e sofrimento. Isso fez valer como intensidade nas narrativas de Piloto de guerra, quando aviador militar aliado numa das bases da Segunda Grande Guerra, de onde, certo dia, partiria em uma missão de reconhecimento para não mais regressar.

Das suas produções, Cidadela seria a mais extensa, aonde pretendeu reunir maiores considerações quanto aos estudos da vida, o que, no entanto, permaneceria inédito durante sua existência.

Nas andanças pela América do Sul, nalgumas vezes pousaria em Natal, no Rio Grande do Norte, cenário em que conheceria uma das mulheres que lhe marcaram a existência. Na França, viveria intensa paixão ao lado de uma atriz de teatro, talvez o maior dos seus amores, de quem, no entanto, nunca viria a merecer igual dedicação.

Quase que na intenção de cumprir um dever de gratidão a esse escritor, responsável por parcela valiosa do gosto que tenho pela literatura, deixo aqui, nestas poucas palavras, meu rápido registro de agradecimento.

Vida interior


Nessa busca do sentido de tudo, se chega a compreender a fluidez naquilo que avaliávamos ser pura realidade. Rastros de tempo que voam pelo abismo do passado logo viram presente ao impacto do futuro e esvaem ao clarão dos novos dias. Tais malabaristas das experiências adquiridas, os indivíduos avançam nessa fronteira do Nada, anestesiados pelas visões que projetavam na tela mental, e padecem da síndrome do desaparecimento instantâneo sem sombra de alternativas. Portanto, somos isto, sementes de um encontro marcado conosco próprios. Querer contrariá-lo eis o que restaria, por conta da sonhada liberdade, ou de nenhuma vontade de aceitar a morte como um valor definitivo.

Durante essa caminhada perene, no entanto, aparece necessidade do despertar, acordar daquilo que seria só pesadelo, desaparecimento inevitável. Daí o desejo de continuar, sobreviver a todo custo, se salvar. Desejo, ou consequência do viver em queda livre. Ainda que frágil, a vida traz em si o senso de eternidade, espaço apreendido na sombra das histórias e vivências. Ninguém que seja pretende apenas desfrutar das horas e nelas sumir nas suas entranhas de fatalidade.

Bem isto, a semente de uma vida interior, conquanto impossível prosseguir diante das peças deste cenário, que caem e somem aos nossos olhos. Persistirá força viva da imaginação e do furor da imortalidade. Querer e desenvolver isso através dos elementos da Criação, de que somos parte efetiva. Nas entrelinhas das dúvidas, ensaiamos a fome do poder, quais criaturas enigmáticas à procura da sorte. E mergulhamos nas cavernas deste ser que o somos, aventureiros da salvação.

O território aberto dos próximos acontecimentos supera, pois, nossos passos e alimenta nossas intenções de revelar a que viemos e descobrir, nas malhas da carne, o código perfeito desse mundo ignoto e rico de surpresas, o reino de toda possibilidade, quando as ilusões se apagarão à luz resplandecente das manhãs espirituais.

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Os riscos do imponderável



- Quem sente o verdadeiro perigo a cada instante não teme um instante de perigo. (Rabi de Guer). Histórias do Rabi – Martin Buber

 Quais aqueles que, em sã consciência, poderão dizer que estejam plenamente seguros diante do Desconhecido em movimento? A todo o momento, em face de tudo, mergulhamos no limbo da realidade feitos peixes vindos de outros mares que sumiram nos céus. Tocamos em frente o trem da nossa história feitos meros viventes do inesperado, tateando o escuro do porvir, às vezes dotados do mínimo de certezas, no entanto apenas minúsculas partículas das horas. Fragmentos, pois, desse futuro, deslizamos os passos nessa estrada, nem sempre senhores de todos os meios de que carecemos no sentido da paz.

Foram tantas as ocasiões de juntar experiências, no entanto apenas isso sendo aquilo que daria certo se assim houvéssemos posto em prática. De faróis que iluminaram o passado, avaliamos meios de melhorar a nós mesmos, nesse processo de querer desvendar o verdadeiro motivo de estarmos aqui.

Portanto, de aprendizes a senhores demanda o Infinito. Ninguém, de pleno senso, haverá de manter o curso dos acontecimentos tão só pelo desejo de ser um sábio, pois a todo segundo vêm novas instruções da escola dos mistérios desta escalada incessante.  

A leveza desse universo de cada um significa, por isso, tempo da mais pura convicção de fragilidade das ações humanas, longe da prepotência e dos arroubos de quantos, neste deserto de extremo risco. Quando acalmar as águas turvas da insegurança, eis o equilíbrio de que necessitamos, a depender das firmezas interiores. Daí a importância de clarear a consciência e nela estabelecer a luz do conhecimento através das práticas pessoais. De tudo quanto sabemos que sejamos disto os senhores.

E dos frutos dessa fidelidade da gente com a gente virão os meios de que precisamos, no sentido da evolução individual e, consequentemente, do progresso da Humanidade de que somos parte inevitável.

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Fahrenheit 451


Desconheço o porquê de, há pouco, relembrar esse filme de François Truffaut, um clássico da década de 70, que trouxe às telas o livro homônimo de Ray Bradbury. O romance apresenta um futuro onde todos os livros são proibidos, opiniões próprias são consideradas antissociais e hedonistas, e o pensamento crítico é suprimido. O personagem central, Guy Montag, trabalha como "bombeiro" (o que na história significa "queimador de livro"). O número 451 é a temperatura (em graus Fahrenheit) da queima do papel, equivalente a 233 graus Celsius. Wikipédia

Motivo por demais pertinente na época de agora, quando praticamente os meios eletrônicos dominam o território das letras e imagens, e os jornais, antes detentores das mentes com suas edições impressas, veem-se na condição inesperada de circular pela rede internacional de computadores, e o livro também padece da febre fantasmagórica do anonimato dos números elétricos, dos celulares e computadores.

A que temperatura isso vem de queimar nos circuitos mentais desses aparelhinhos exóticos ninguém, por cento, possui instrumento de avaliar, nem mesmo nas urnas contemporâneas de tantas inovações. O que saber, no entanto, resta circulando pela galáxia dos lixos plásticos dessa nossa civilização de bombeiros a queimar certezas que somem no vasto universo das interrogações. Mesmo assim as editoras persistem no afã de lançar aos mercados seus lançamentos em refinadas produções gráficas.

O fetichismo do livro impresso ganhou, assim, dimensão jamais imaginada de entes exóticos e seus leitores, num tempo em que tudo permite vascular os gênios do passado em velocidade estúpida, porquanto nunca foi tão fácil usufruir das obras de todas as gerações, em questão de minutos, sejam livros, filmes, composições musicais, telas, fotografias, quais herança comum aos aficionados das artes e dos séculos a um só instante.

Ao que nos consta, porém, vivemos o frenesi dos objetos diante da carência de senso crítico, fruto de acomodação e excesso, a determinar carência do que sejam valores e atitudes. Entretanto só o desenrolar dos acontecimentos provará do avanço da ciência na alma humana.

Ernesto Piancó


Às 10h45 do dia quente de março e eu aqui ao volante, numa quarta-feira de sol aberto, à espera do espaço providencial de voltar ao circuito do tráfego que sobe a Rua Cel. Antônio Luiz, não achando vaga, dado o fluxo intermitente, barulhento, de carros, motos e bicicletas, indo rápidos aos seus destinos. Essa artéria virou retrato do trânsito caótico citadino, nível a que se chegou em matéria de sobrecarga, na era escura do petróleo.

Naquilo de aguardar o momento certo de encaixar feito objeto, no círculo em movimento das coisas que lotam as ruas, lembrei de um personagem cratense, constante no tempo de minha infância, Ernesto Piancó, parente próximo de Dona Chiquinha, educadora emérita de boa parte dos meus estudos, na década de 60.

Seu Ernesto, homem robusto, atarrancado, gostava de andar com uma pasta preta de couro, e de conversar nas rodas de amigos, bem humorado, afeito na característica de sempre repetir em voz forte, gutural, cheia, a mesma expressão: - Ave Maria!

Figura de permanente simpatia aquele cidadão...          

Nisso continuo aguardando a hora exata de lançar o carro no burburinho das horas na roleta mecânica, lembrando dele, pessoa das tradicionais que marcaram época, nesse lugar antes pacato. Os tempos marcham céleres em qualquer canto de planeta. O progresso se oferece nas possibilidades de multiplicar fragmentos do relógio, sem que denote fácil quais os frutos imediatos que advêm disso. As pessoas correm, correm, noutros ritmos febris. Filas constantes de uns perseguindo os outros, trilhas urbanas cotidianas da civilização maquinal. Intimoratos defensores dos direitos civis, audazes parceiros da pós-modernidade, aqui perto eles passam feitos cometas, em seus trombáticos cavalos velozes de cores reluzentes...

O sol ainda mais quente aquece a pele, o cabelo, no brilho das máquinas trepidantes. Crato nada deixa a dever aos outros centros dagora. As mototaxistas vieram acrescentar melhores médias ao formigueiro populacional. Transportam passageiros com menor ocupação de solo, preços módicos e maior velocidade. Compromissos. Negócios. Responsabilidades. Época de sobreviver das inimagináveis profissões. Idades. Vocações. Saber esperar, ânimo de poucos. Paciência, qualidade rara das contingências.

Noutro momento, a cidade andava passos leves, românticos, talvez. Havia ocasião de falar em bancos de praça, parar nas esquinas e sentir o calor agradável das manhãs, sem preocupações urgentes, prementes. Os tipos populares marcavam a paisagem, naqueles dias dourados. 

Quem testemunhou manifestação da veia jocosa de Seu Ernesto foi o escritor Jurandy Temóteo: Certa vez, num tempo em que eram ainda precárias as acomodações da Praça Siqueira Campos, em Crato, estavam ele e Ernesto Piancó sentados em um dos poucos bancos que havia no logradouro. Próximo, duas jovens estabeleceram diálogo que parecia de pouco duração, no entanto se alongando a ponto de querem espaço no assento de três lugares já preenchido pelas duas pessoas que os ocupavam, Ernesto e Jurandy.

Uma das mocinhas, sem aguentar a demora dos assuntos que conversavam, aventurou a vaga que restava no banco, e insinuou:

- Seu Ernesto, o senhor poderia cruzar as pernas para que eu também sentasse?

De inopino, o personagem pitoresco revidou ao jeito do seu característico bom humor:

- Cruze a senhora, que não tem o que amassar. 

... 

Quando parece surgir a chance na correia dentada do carrossel, um pedestre corta meu barato e cruza ao meio na minha frente. Outras vezes de certeza virão, penso cá dentro.

Os pensamentos retornam a Seu Ernesto, sua pasta preta, seu vozeirão. Pasta de tipo menor, com alças de viajante, representante comercial. Ele vendia alguma coisa. Não lembro bem o quê fosse. Agora, arriscaria dar algum palpite: planos de saúde, seguros de vida, lotes de terra, publicidade... (Quem sabe?).

Enfim consigo a prenda esperada, jogar o carro no fluxo da onda, e vou junto, de novo, nessa roda viva em que transformaram os detalhes do caos generalizado. Sozinho, na quente manhã, ao som de suspiros, ergo a voz com gosto e alívio, simulando na lembrança a fala recorrente de Ernesto Piancó:

- Ave Maria! – entre as carcaças luminosas dos outros automóveis.

(Ilustração: Rua Dr. Miguel Limaverde, Crato CE).

terça-feira, 14 de setembro de 2021

A consciência da Consciência


Isto de saber que tudo em volta é mera sombra da luz que somos nós resume o significado de todas as coisas. Que somos a testemunha de nós mesmos daqui do Chão. Que ilusão e sombra representam o reflexo da luz que transportamos no nosso ser. Que a essência do que existe habita em nosso interior, na forma de consciência de Si. Que isso, de revelar a que viemos, tem por finalidade viver enquanto existimos provisoriamente no decorrer do processo das horas que se desfazem aos nossos olhos.

Transportamos vidas e vidas nessa busca incessante, o que acontece durante as vezes que aqui estamos ou estivemos nos dias pretéritos. Onde existe luz há de haver sombra, nas situações ora experimentadas, no dia-a-dia, nos sonhos, no sono, enquanto buscamos a resposta dessa longa interrogação que trazemos no íntimo. A sede da Consciência, da Luz essencial de que falamos, mora no âmbito do coração espiritual, mais do que só no coração físico. Eis o seu pouso geográfico em nosso corpo.

Todo tempo de reconhecer tais interpretações nos vem oferecido na máquina que aqui viemos exercitar, o trilho perfeito de responder ao enigma que lá um momento decifraremos e conquistaremos, ao sol do definitivo senso, a Consciência... As contradições destas horas na matéria são a escola do autoconhecimento.

Isto, pois, que seja a definição dos valores humanos face ao destino e às circunstâncias. Teto do mistério das indagações, pousaremos no Reino de uma paz soberana, esperança e glória da mais pura tranquilidade, conquista dos tronos e apreensões da História deste itinerário parcial ora vivido. Pela força do exemplo além da força das palavras, os aventureiros de mil experiências avançam dentro de si próprios, na firme convicção de vencer e chegar aos céus da tão desejada Felicidade durante quantos milênios, até o domínio da Consciência absoluta. 

(Ilustração: A luta entre o Carnaval e a Quaresma, de Pieter Bruegel, o Velho).

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

O poder da palavra escrita


Os temas dos livros falam disso, dessa capacidade que a palavra tem de levar adiante valores e influenciar gerações. Quais fermentos de épocas as mais distantes, causam revolução, modificam comportamentos e refazem a história dos povos. Avançam pelos costumes e transformam o modo de ver das civilizações. Desde sempre, os textos impressos marcam definitivamente o pensamento dos seres humanos. Tipos móveis no Oriente e a tipografia de Gutenberg, no Ocidente, sustentaram a transmissão do conhecimento, constituindo a base dos avanços desses tempos atuais.

Nisso, os livros chegam às consciências, constroem impérios e definem o jeito de viver das multidões, o que exige senso crítico de quem lê. Ainda que produzidos em série, as obras literárias ficam restritas a pequenos bolsões de leitores fieis. Dos alfabetizados, pequena quantidade alimenta a vocação pelas páginas, gastando o que aprendem tão só no uso da sobrevivência, nas leituras especializadas.

Contudo, há gama infinita de alternativas, desde estilos a gêneros, dos contos e crônicas, aos romances, ensaios, dissertações aprofundadas de assuntos, filosofias, religiões, manuais técnicos, todos ao sabor das necessidades e dos tempos. Por vezes, criam modas e dominam grandes públicos. Editoras mil produzem belas obras e bibliotecas as acumulam em gama de incontáveis autores.

Daí, as influências restam ao gosto de todo leitor. Qual dizem, o papel aguenta tudo. Isto sujeita, no entanto, a resultados nalgumas horas adversos, porquanto a dualidade dessas influências permite inocular vírus letais naqueles que leem. No que seja deste chão, corre o risco das distorções. A arte literária, ao seu tempo, não poderia deixar de sofrer tal contingência. Os livros transportam, pois, os efeitos de seus criadores, isto indiscriminadamente.

Esse poder inolvidável da palavra escrita requer, portanto, zelo de quem a utiliza, seja na emissão quanto na percepção. Os frutos deste plantio significam resultados espirituais nos aficionados das letras e podem iluminar as mentes e transformar quem melhor delas usufrua, nessa conquista de tantas realizações maravilhosas.

Madre Feitosa


Neste dia (13 de setembro), vemos registradas atitudes de reconhecimento à Carmelita Feitosa, Madre Feitosa, pelos seus cem anos de nascimento, anjo de bondade, em ocasião propícia a que patenteemos nossa gratidão face aos tantos seres humanos que usufruíram e usufruem da oportunidade do crescimento por meio do carinho da uma inteira vocação à formação da juventude, matéria prima da realização dos ideais da Verdade, da Justiça e da Paz.

São raras essas pessoas, contudo elas existem. Realizam trabalhos de bondade e amor e deixam marcas profundas nas pessoas e nos lugares onde vivem. Demonstram a grandeza dos espíritos evoluídos durante suas existências e aprimoram a consciência de quantos puderam delas se aproximar e testemunhar da pureza das almas que possuem, nos momentos em que desfrutam dessa ágape, confirmando o poder dos assuntos espirituais. Têm brilho próprio, refletem dimensões superiores da realeza divina ainda aqui neste chão. Prudentes, coerentes, justos, exercitam a força viva do Bem nas obras que idealizam e promovem. Deixam traços da mais infinita sabedoria que contém os santos, razão principal de estarmos na condição humana, o caminho indelével da transformação dos seres perecíveis em puros espíritos, neste laboratório de salvação, o que, um dia, faremos nesta caminha da luz à busca de nossa essência, onde traçamos nossos destinos. Estrelas que iluminam o trilho de muitos através da educação, da cultura, do exercício profícuo das profissões, das religiões, das missões de liderar os demais seres humanos, sempre estarão junto dos grupos sociais, demonstração cabal do sentido maior que viemos cumprir, e que nunca estaremos sozinhos diante do Eterno.   

Assim, querida amiga e orientadora, rendo-me às graças benfazejas desta comunidade caririense em lhe querer retribuir, no mínimo possível, as virtudes que dedicou a todos que desfrutaram e desfrutam da grandeza de sua alma, chama votiva do amor de nosso Pai e Senhor da Existência.

Meu abraço e minha admiração, venho agora, manifestar, hoje e sempre, em nome da minha geração agraciada por sua rara presença de Amor e Trabalho.


sábado, 11 de setembro de 2021

Lá onde dormem os sonhos

Vê o tempo como uma imagem de sombras, fora dele está nossa verdadeira face. Jalal ud-Din Rumi

Ali na raiz de tudo quanto existe, nas dobras dessas noites que fogem na luz às sombras do dia, bem ali, repousam, em seus ninhos, os sonhos. Íntimo coração das existências, há em nós estes céus do Infinito que sacodem nossas almas diante da persistência do tempo, a escada que esconde a paz das horas. Ali, dentro das lembranças do quanto de histórias deixamos guardado, o mistério trabalha na oficina dos sonhos. E crescemos pouco a pouco pela face do firmamento, elaboramos a esperança e a fé, enquanto rugem as dores dos rios nas suas cachoeiras inesgotáveis de tanta maravilha.

Sacudimos passos nas estradas poeirentas do destino, olhos fixos na felicidade, porém andarilhos de mundos até então desconhecidos. Alimentamos o fulgor de perfumes e desejos, enquanto vivem os instantes das horas dentro do tesouro desta realidade que o somos. Muitos dias, quantas luas, no desfilar dos fenômenos que se desfazem imediatamente das nossas mãos. Nem os imaginamos, e somem na trilha das ausências, numa velocidade incontrolável. Pequenos, uns quase nada, testemunhamos esses fiapos coloridos que desparecem dentro e fora da gente. Morada dos no entanto, persistimos na possibilidade dos depois inexistentes. Lúgubres de talvez, avistamos o impossível nessas fagulhas apressadas dos momentos que de nós se desprendem, nos devoram e fogem indiferentes.

Assim, borbulhas desses mares de contrições, rendemos graças ao calabouço de todos os credos, e adormecemos nos braços da vontade imprudente que significamos. Andamos, andamos, e sonhamos, no pouco que nos resta, face a face conosco e nossas apreensões. Quais escravos, pois, do tempo, num tal dia ganharemos a liberdade tão sonhada neste sonho de viver eternamente as flores da certeza no Eu da perfeição que já trazemos dentro de nós, ao sabor deste tudo que se desfará em um Nada absoluto.

(Ilustração Jalal ud-Din Rumi).

sexta-feira, 10 de setembro de 2021

A hora do acerto


São as normas da Natureza às quais só resta obedecer com fidelidade. Tantos equívocos jogados na roleta da sorte e quando menos esperar o vértice do triângulo acenderá na escuridão das noites mornas e chegarão os emissários do Infinito a impor suas condições inarredáveis. Quantos mistérios ainda estão a caminho?! Horas a fio, nesse andar dos movimentos, enquanto aceitamos viver sob as mil circunstâncias do existir...

Rendição incondicional, a cada um conforme seu merecimento. As luzes do original que cercam o Universo de todo lado nem disso cabem fugir, conquanto sejamos cativos da mera contingência dos humanos. Todavia transportamos no íntimo todos os códigos e as interpretações de revelar, neste plano, os segredos de amar, autores, portanto, da própria salvação. Os mestres vêm a isso, de dizer as formas do encontro consigo próprio no âmago da Consciência, e nisto ultrapassarmos o abismo das ausências.

Nesse dizer de tantos pelas histórias deste mundo, há definições perfeitas de encontrar as portas do depois, porquanto viemos nesta disposição. Durante o tempo das nossas presenças, bem aqui, impera o ditame da transcendência, de vivenciar compreensões do que seja a suprema Lei que tudo rege, enfim.

Quem contará dos passos que daremos vida afora perante as dúvidas desse encontro com as bênçãos da Eternidade? Séculos, milênios no calendário dos destinos. Forças exponenciais dominam o instante nas trilhas dos céus. Todos, sem exceção, a tanger os sóis, nos riscos deixados a todo dia. Nós, senhores dos mesmos desafios, respostas às interrogações das doces amarguras.

Quantos filmes ainda iremos ver, quantas músicas ainda ouviremos, quantos sonhos?... Sabe-se, contudo, que existem as barreiras e as estações, os cravos e as ferraduras... Angústias e faustos... Passageiros, pois, dessa harmonia, alimentamos certezas de um dia ser feliz, almas enfileiradas aos pavios dos moinhos feitas instrumentos da realização do Ser na espontaneidade natural que nos transporta. Filhos da solidão, apenas vislumbramos o pouco do que dizem os santos e mergulhamos na individualidade, fieis autores da criação deste momento sem fim, amém.

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Há um ser original


Aonde quer que seja, em tudo, afinal, persiste o mistério da Criação. Nem de longe a razão dos humanos galgou explicar o primeiro passo das existências, inclusive da própria racionalidade donde vêm as dez mil coisas. Assim, vaga, solto no ar dos infinitos, o sinal enigmático de quem, lá um dia, resolveu trazer à tona tantos do que, todo momento, mantêm viva a continuidade e o furor dos acontecimentos. Um Ser soberano, até então inexplicável nos termos conhecidos, algo que flutua entre o Tempo e a Eternidade, entre os números e as palavras. Ser capital das inesgotáveis finalidades, raiz das condições e penhor da Justiça absoluta, que rege e contém no seu âmago a real concretude dos valores definitivos.

E, o que, por demais, toca as possibilidades na essência de tudo, na alma do Universo, habita todos os seres, fagulhas da mesma Luz, sol da mesma finalidade. Numa perfeita harmonia, os segundos marcam, pois, o ritmo do Cosmos, qual o que pulsa em nossos corações. Ajustar a tanto, resta que desvendemos a caligrafia original, que a isto aqui viemos. Parceiros da magnitude, tangemos nossos barcos aos mares da Felicidade, quais senhores dos astros e experimentos das nossas indagações e magnitudes. Isto é, partes desse penhor de eternidade que conduzimos em nossos passos.

Daí, fora de cogitações e dos raciocínios só materiais, ora prosseguimos na elaboração da arte de extrema criatividade, peças que compõem cores e sonhos, à medida de todos os instantes. Criamos de nós o íntimo dos mundos e os fazemos em movimento.

Senhores de si, respondemos aos chamamentos de nossa humana consciência até quando de tudo façamos um instante só da pura Paz, de que seremos autores e fieis senhores, conquanto em todo há um Ser original.

segunda-feira, 6 de setembro de 2021

Sementes de eternidade


Isso é o que nós somos. Em um mar de fragmentos, que se desfazem no tempo, transportamos em nós a força de permanecer para sempre, no entanto algo a despertar no transcorrer das gerações. Tais instrumento que habita nosso ser espiritual, então, há que vir à tona, certo dia, quando chegar na consciência do absoluto, o dispositivo vinculado à perfeição, pois somos disso os guardiões. Moléculas do eterno, deslizamos no Tempo feitos aprendizes que buscam sua origem essencial. A todo instante vêm lições, num processo de constante experimentação às respostas que oferecermos aos deuses do Infinito.

Um nada diante do turbilhão de tudo, queremos achar o pouso de tantas vidas, feitos viajantes perdidos pelas florestas do esquecimento. Universos paralelos ao itinerário dessa condição, observamos o espaço, os objetos e as pessoas, exercendo a função de conhecer. Tateamos numa escuridão enigmática, porém dotada dos elementos de que carecemos até desvendar de vez o mistério das existências.

Espécie de ficção em que somos autores e personagens, desvendamos nossa história, segundo a segundo, quais realidades e espelhos num mesmo indivíduo. Esse estado transitório significa a presença dos seres no momento de agora, no presente, razão única de tudo quanto representa o universo da Criação. Um a um, constituímos, assim, o sentido da história das civilizações durante toda a Eternidade.

Os meios a que cheguemos ao destino vêm dos elementos dos mundos aonde vivermos. Nós e a realidade, destarte, conduzimos em si o significado das esperanças dos tempos felizes. São infindáveis chances de equilibrarmos o estado definitivo das eras e dos astros. Nisso, diante de tão nobre razão de continuar, haja o que houve, seremos os artesões dos destinos e audazes criadores de tudo quanto existirá no decorrer dos acontecimentos deste Chão e do que virá logo depois, nesta hora.

sexta-feira, 3 de setembro de 2021

A essência de tudo


Os poemas de Castro Alves por vezes regressam ao gosto do sentimento e marcam presença de um passado bem de hoje junto de nós. São falas do doce coração a reviver sonhos de antigamente nos olhos da imortalidade. Um querer de sempre, alimento das vivas impressões de horas eternas grudadas intensas na memória da gente, que se sobrepõem à vontade de permanecer nos momentos de felicidade. Unidas, ah quem pudera, numa eterna primavera...

Quantos lugares na alma insistem permanecer assim perenes no campo da continuidade. As existências inesgotáveis na música do instante, pedaços de emoções que sustentam os céus das substâncias de quando tudo houver depois, no sumiço das cores e dos movimentos. Nem sei o tanto de lembranças que flutua no decorrer desse mistério de estar e aqui permanecer para sempre.

As palavras têm disso, retalhos das paisagens de rastros inolvidáveis, sobrevivência dos haustos da alma em forma de colchas que o tempo sacode nas fímbrias do horizonte sem fim. Luzes. Imagens. Sentimentos acesos nas tardes intensas do universo das vidas. Amor, afinal. Força de um poder descomunal que rege fenômenos e sóis nos céus. Sacode as circunstâncias e alimenta o gosto de sustentar as barras dos dias nas hostes dos corações. Suavidade intensa, música terna e doces harmonias. De tudo, a luz definitiva de uma calma interior.

Fermento dos deuses, o Amor cobre de sonhos a inexorabilidade das dez mil coisas que compõem os acontecimentos. Sustenta a condição dos seres que sentem seus segredos guardados no tesouro da existência. Resiste a tudo quanto há, no fio condutor da essência que rege o Mistério. Amor, fonte suprema das histórias e dos personagens que nele movimentam o oceano das certezas. Amor, o limite das existências no sacrário de dores e virtudes, esperanças e realizações. Amor, o autor do quanto alguém imaginou e fez disso o eterno motivo de todas as aspirações de perfeição. 

quinta-feira, 2 de setembro de 2021

A história não se repete



Esses caçadores de ilusão que o somos vivem disso, de imaginar perenidade no tempo que passa e alimentar a fantasia de que tudo será qual ontem foi. Isso, no entanto, os deuses da história nem de longe querem sustentar, sob pena de quebrar o senso da espontaneidade que de longe a tudo devora todo instante. Enquanto o presente significa rio entre dois fogos, o passado e o futuro, a história, por sua vez, representa o espelho no qual a humanidade reflete a imagem dos séculos, muitos deles até perdidos na imensidão do abismo das inexistências.

A velocidade com que a vida disfarça o tempo em movimento, tal vela acesa que alumia e nunca retornará, marcam as criaturas a angústia do inevitável das abstrações que o vento arrasta pelos céus. A isto negam razão de ser e mergulham nas trevas do que teria sido. Fogem de si quais vítimas da própria incoerência. E resistem ao desespero formando trincheiras imaginárias, desenhando visões do paraíso nos prazeres e objetos, escondendo da alma um desejo constante de humana salvação.

...

Durante o itinerário dessa busca, estabelecem os padrões, as religiões, as ciências. Criam códigos distribuídos pelos grupos. Nisso, perscrutam as dúvidas que a razão cria, na velocidade das horas. Sustentam os haveres das alucinações. Sabem que seriam eles os autores das revelações, todavia. Cavam o solo da solidão onde imperam. Estabelecem as lutas da sobrevivência até sem nelas acreditar, bandos alucinados de zumbis nas noites escuras.

...

Lá um dia, então, deparam com o princípio da Consciência maior e refazem o percurso donde vieram. Abrem os braços aos segredos da promissão que carregaram consigo durante infinitos, e adormecem no alvorecer da iluminação de Si mesmos. Bem isto o repicar da História mãe, nos carinhos das maravilhas em que vivemos o despertar da Eternidade.