terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Nas lutas deste mundo

Pelos variados campos, há lutas. Seja nos leitos de hospitais, seja nos ringues, há lutas. Elas são a tônica do viver. Nada de fraquejar, porquanto os segredos imperam aos lutadores. Sozinhos ou acompanhados, a escola revela os meios de crescimento nas estradas do destino.

Nas sociedades, por vezes existem protestos face ao jeito de conduzir os negócios do Estado. Críticos repassam aos dirigentes o peso dos insucessos, e que outros ofereçam alternativas aos discursos, mas na prática abandonam o barco, causando infelicidade às minorias e maiorias.

Esquecem aqueles os deveres do cidadão para com os seus direitos. Uns negam com facilidade as coletividades, quando o trabalho comum produziria melhores resultados. A luta diária da cidadania significa bons representantes, bons projetos e justiça social.

Nas famílias, assim também, conscientização e trabalho persistente, visando aprimorar as relações humanas. O paternalismo impõe enfraquecimento dos tecidos, motivo de dúvidas e súplicas. Houvesse menos alienação e as bênçãos seriam maiores.

Dentro disso, a lei da justiça, que provê sem cessar os frutos da árvore desta vida. Além de só implorar ou cantar loas a Deus, os indivíduos cuidassem de sua parte no bosque da Criação. Olhar os passos que dá e buscar os lugares sábios na construção da fortuna e da felicidade. Imaginemos quando acontecer tais previsões, e todos agirem de acordo com o certo quais maravilhas advirão.

Pois as lutas são nossas, lutas de paz, no âmbito do trabalho justo, dos estudos e relacionamentos. Organizar os espaços interiores através das atitudes sinceras, fraternas, inteligentes, em forma de providências nascidas do sentimento solidário e harmonioso da união das multidões.

Abrir assim o caminho das vivências, o que lembra Jesus, Buda, os santos. O amor é solene. A dor da matéria é o prazer do espírito a desmistificar o tempo físico. Pensar, só pensar, resolve pouco. Já amar custa o preço do desapego. Desapego até dos pensamentos vacilados. Esta necessidade vem por dentro da carne, no enigma das existências. Sentir, buscar e praticar a certeza. Nem sempre fácil, pois dói e exige decisão.

Sem isto, nada a oferecer, só vaidade, hábito e costume. Lembra o óbulo da viúva de que Jesus fala. Sim, dá daquilo que nos faria falta, do prazer, da comodidade, das satisfações pessoais, dos momentos agradáveis. Oferecer um nós de pedaços de si em forma de doação pela conquista do Reino. A luta de sofrer consciente o que quer, porém sem perder o ponto de vista do Bem e do Amor.

(Foto: Jackson Bola Bantim).

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Jesus na sinagoga

A existência de Jesus nas terras palestinas demonstra, através de passos objetivos dos registros, a finalidade superior de sua missão, inclusive pautado nos livros proféticos preservados pela tradição de Israel.  

Certa feita, em um episódio verificado na cidade de Nazaré da Galiléia, após ser batizado por João Batista nas águas do rio Jordão e vencidas as tentações dos 40 dias no deserto, quando se revelou aos judeus, no templo, esclarecendo nisso a determinação salvadora que trouxera consigo.

Era dia de sábado. Retornava à cidade onde que fora criado. Dirigiu-se à sinagoga, local em que se achavam as pessoas que compareciam na intenção de adorar a Deus e ouvir as escrituras. Segundo o costume, alguém se levantaria para ler os livros sagrados. Assim fez Jesus, e passaram-lhe às mãos o texto do profeta Isaías com as seguintes inscrições: O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu, para anunciar a Boa Nova aos pobres. Enviou-me a proclamar a libertação aos cativos, e, aos cegos, o recobrar a vista; a mandar em liberdade os oprimidos, a proclamar um ano de graça do Senhor (Isaías, 61, 1-2).

Depois, organizou de volta o pergaminho da escritura, devolveu-o, e regressou aonde estava.

Conta Lucas, o evangelista, que os presentes fixaram nele o olhar, ouvindo-o dizer que naquela hora se cumprira aquilo que acabavam de ouvir. Tomados de admiração, muitos demonstraram benfazejas emoções. Então, lembraram a origem de Jesus, filho de José, anterior habitante daquela mesma localidade. 

Enquanto isso, o Mestre divino buscou reconhecer as dificuldades em admitirem fosse ele um profeta na terra em que vivera, pois nutriam os judeus interrogações de não verem em Nazaré os fenômenos acontecidos na cidade de Cafarnaum, da autoria de Jesus, porquanto ninguém é profeta na própria terra.

Do que falara, considerou a ordem divina citando a vida de Elias, conduzido à casa de uma viúva, em Serepta de Sidônia, invés de noutra direção, e o profeta Eliseu, que curara o leproso Naamã e não outro, justificando nisso o quinhão justo que correspondeu às maravilhas presenciadas. Nem todos mereceram, pois. 

As afirmativas causaram constrangimento à multidão. Tomados de furor, contra ele arremeteram os mais afoitos, levando-o para fora da povoação, ao cimo de um monte, dispostos a lançá-lo de precipício abaixo.

O Nazareno deixou-se conduzir pela turba só até momento determinado. Mas, passando por meio deles, Jesus seguiu o seu caminho, conclui assim o evangelista. 

sábado, 28 de dezembro de 2013

Senhor Deus da juventude

Sei que o espírito Supremo do Poder preenche todas as possibilidades que existem, contudo preciso Lhe pedir, e satisfazer o meu íntimo coração, pedir pelos jovens deste tempo de máquinas e anonimato. Sorrir com ânimo numa prece de lembrar os tantos jovens que chegam a este momento de sonhar com novas oportunidades à espécie humana, emissários do futuro já próximo ao seu comando. Avaliar em poucas palavras os desafios que eles enfrentam diante das mazelas deixadas por nós das outras gerações, herança de poeira e supérfluos, exemplos indesejáveis, desobediências.

Segredo aqui as apreensões de esses moços viverem o drama secular da pouca sinceridade dos líderes interesseiros que dirigem países e instituições financeiras responsáveis diretas pelos produtos internos brutos e cotações dos mercados econômicos, aqueles que resolvem o destino e agem apenas em conveniências imediatas. Esses moços que ora defrontam a praga das drogas, desafio em muito superior aos valores dessa época tão crítica. Que nasceram números, contados em estatísticas de consumidores e massa de manobra, peças descartáveis e instrumentos de poder.

Esses moços acondicionados às manadas em penitenciárias, vítimas da própria incúria e do pragmatismo das classes ingratas, materialistas, insanas. Soldados em fileiras prontos aos caprichos da sorte dos ditadores irresponsáveis.

Meu Senhor Deus da juventude, nesses tempos totalitários quanto custa imaginar mundos melhores, face às medidas tecnológicas que escurecem os horizontes. Rezo a Ti, Pai de Todos, que nos envolva no Teu manto de Luz e estabeleça na consciência dos poderosos a permissão dos dias claros aos nossos corações.

De Teus olhos que venham fagulhas de bênçãos a mitigar a sede do saber e das oportunidades ao talento desses jovens desejosos de realização pessoal e boas chances profissionais. Que Tua grandeza infinita deposite nos lares a força das experiências guardadas nos homens de boa vontade.

E que de cada filho que nasça brilhe ainda a esperança viva dos justos, que assim seja. 

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Limpar os velhos despejos

Por vezes, quase sempre, ou mesmo sempre, carregar as sobras que restaram dos banquetes pesa no lombo até mais do que formar o acervo inicial de preparar as festas. Nós, antropoides desse período geológico atual, ainda insistimos em transportar mágoas antigas, ressentimentos, melindres, recalques, numa espécie de exercício de conservar sofrimento que dura o período da civilização que ora ocupamos. Porca gorda arrodeada de bacorinhos magros virou isso da época artificial, que sobrevive a troco da remessa de lucros ao exterior, da gente e do País.


Os burgueses gostam de passeios que viajam o mundo adentro, felizes borboletas em bando, admirados que com a pedras e museus que construíram com a exploração dos atrasados pelos colonizadores. Refinamento e preços altos nem impressionam, pois quando regressam contam mil maravilhas, feitos Marco Polo ao voltar de Catai.

Porém que há muito lixo acumulado nos quartos de despejo das criaturas humanas, isso há. São elas, as lembranças dos dias que passaram, que parecem querer cobrir de teia de aranha os dias que virão. Sucatas ambulantes andam empanturrando de velharia pouco organizada os corredores da saudade, numa sem cerimônia de causar tristeza, porque imaginam com isso preservar a memória nos sinais que deixaram nas fotografias e nos lenços jogados a esmo.

Contudo, as feiras pedem novos estoque a fim de render o suficiente. Vamos desentocar as migalhas de ontem, pois o mofo e a traça já andam de barriga cheia. Distribuir o maná do deserto antes que apodreça nas panelas, pois no dia seguinte choverá o alimento rico que poderá trazer o manto da justiça social, honesta e perene.

Isto que serve, também, e principalmente, à intenção de limpar o coração dos sentimentos atrasados de raivas acumuladas, contrariedades requentadas, orgulho ferido e frustrações, apodrecidos e desnecessários, peças enferrujadas de engrenagens fora de uso.

Limpar o coração e querer o que seja de bom alvitre, bons propósitos estes desejo perante o turno natalino dagora, perto do calendário de Paz e Prosperidade que se aproxima auspicioso. Abraço de Amor e Luz aos corações. 

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Ídolos de barro

Quero falar um pouco dos tempos atuais da civilização, avaliar o grau de envolvimento dos costumes em face dos tantos apelos que dominaram as pessoas em suas paixões desenfreadas. Considerar o porto em que aportaram os fanatismos, limitações e dependências na relação da fome de emoções e as armadilhas do cotidiano, prisões dos detalhes e do esquecimento do todo.

Agarrados a fantoches coloridos, os seres inteligentes, numa quantidade estúpida, permaneceram agarrados à ilusão, feitos escravos dos próprios interesses e equívocos. Náufragos da ausência de sentido, amarraram as angústias nos primeiros botes que apareceram na escuridão. E vagam sozinhos nas ondas violentas do egoísmo de grupos.

Dos tais apelos ilusórios cabem, sim, alguns exemplos. O desespero das posses materiais, matriz da maior elaboração predominante, que parece sucumbir toda raça num mar de lama podre onde os valores não existem mais. Quaisquer sabores de poder financeiro superam honra e bons sentimentos, atitude dominante nas guerras, na ânsia dos governos, feras agressivas à procura de ganhar esse mundo e perder a eternidade.

No diapasão do instinto das armas, outros impulsos avassalam o horizonte da dependência dos bichos humanos: álcool, droga, pornografia, jogos, fama, os interesses escusos da ausência de propósitos justos, sede das vaidades, perdidas noites das farras e bacanais de todos os vícios.

Quantos alimentam os deuses de barro no tropel de enganos, estatística nunca avaliada nos programas de televisão. Ídolos da fancaria, preenchem o vazio das criaturas com pragas fatais. Inúteis montarias de uma secreta conspiração medíocre, se submetem a comandos até então desconhecidos, joguetes de sorte nebulosa.

Catedrais da escravidão cheias de marionetes agressivas, os estádios imensos significam só adoração as entregas aos falsos líderes. Mostram caras atraentes, porém destituídas de personalidade ou conteúdo verdadeiro.

Bom, apenas em rápidas pinceladas, quis descrever, num quadro resumido, o solo da superficialidade a que chegou esforço de milênios de história perante a fragilidade e o pouco caso. Ainda assim, jamais se deverá perder esperança nos dias a vir no seio da natureza essencial.  

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

A noite de paz

Deixaram afazeres em Nazaré, na Galileia, para percorrer o longo caminho, que fizeram devagar, conquanto Maria se achasse em dias de ter menino e, por isso, não quiseram forçar a marcha pelos montes escarpados até Belém da Judeia. O imperador César Augusto havia decretado o recenseamento das populações em cada localidade de onde procediam. A eles coube rever o lugar de origem, na casa de David. 

Logo que chegaram, em meio a movimentação das pessoas pela pequena cidade, viram ser impossível achar repouso no lugar. José caminhou um tanto, à busca de sanar a dificuldade, porém retornou sem sucesso aonde deixara a esposa, na sombra de uma árvore fora de Belém. Decidiram que sairiam no contorno da cidade em busca do pernoite.  

Ao por do sol, encontraram estribaria modesta em sítio das proximidades, ponto ideal a passarem aquela noite. Assim que escureceu, o esforço da caminhada e as preocupações da jornada lhes conduziram fácil a sono solto, cientes aos cuidados que aguardavam o dia seguinte. 

Meia noite, porém, José despertou ouvindo o cantar festivo de um galo. Abriu os olhos. Forte odor de rosas, e claridade indescritível dominava a latada em que se instalaram. Próximo, a poucos passos do leito improvisado, avista sorrir linda criança de olhos abertos, envolto em panos e recostada numa manjedoura a servir de berço. Sublime silêncio de paz reinava em tudo. No céu, as estrelas pareciam multiplicadas em toda sua luminosidade. Brisa suave soprava os cabelos da doce mãe absorta visando o divino Filho em excelsa comunhão de amor.

Nas cercanias desse recanto abençoado, pastores da redondeza, lendo os sinais da Natureza perceberam que algo incomum se verificava. Surpresa maior! O anjo do Senhor apareceu-lhes e a glória do Senhor refulgiu em volta deles, e tiveram muito medo. Nessa hora, ouviram palavras que diziam da alegria de nascer o Salvador, Messias e Senhor nosso, e se dirigiram ao sítio onde localizaram José, Maria e o recém nascido. Foram eles os primeiros, depois da própria família, a receber tão auspiciosa notícia.

Cautelosos, vieram chegando e se puseram a adorar Jesus, rodeados pelos animais que ali pastoreavam, quais integrantes da cena maravilhosa. Nisso, permaneceriam toda madrugada, numa religiosa reverência à Luz superior que comungaram na simplicidade do campo.

Bem cedo pela manhã, os pastores saíram a divulgar nas circunvizinhanças a notícia da vinda do Menino, enquanto Maria conservava todas essas coisas, ponderando-as no seu coração.   

sábado, 21 de dezembro de 2013

Um Natal alegre

Ainda que esteja sozinho, dê sua chance à felicidade neste Natal. Quanto de maravilha viver, dispor da saúde, conduzir a família, saber das belezas das concretizações espirituais que alimentamos até chegar, na caminhada desta vida. Saber dos filhos que crescem e também viverão experiências e sonhos. Ouvirão as músicas da natureza, no trinar dos pássaros, no desfilar dos dias pela espiral do tempo. Olhar com olhos de boa vontade as grandezas do infinito, na claridade dos astros no firmamento ilimitado. Pisar firme o chão das nossas realizações, e mais o que virá, à medida dos nossos passos. Otimismo a sorver da água que alimenta e faz sobreviver nossos corpos. O pão de todo dia, conforto que nutre de esperança as almas pela estrada do conhecimento. A dádiva da presença dos amigos, mesmo que distantes, porém guardados no aconchego dos corações. O refazimento dos erros, dos quais aprendemos a não repetir, e nutrimos o propósito de recomeçar as jornadas, fieis aos princípios das verdades maiores. A luz de nossos lares, sempre festas de oportunidades e união, que assim queremos constituir. As mensagens benfazejas de tantos mestres que nos visitam, iluminando as sociedades humanas em vias de chegar à paz coletiva no mundo inteiro. A tranquilidade de espírito, prazer das vontades em andamento. O amor que estrutura os seres da existência, nas ações da cordialidade plena, carinho dos relacionamentos. As saudades que guardamos no íntimo da consciência, lugar privilegiado daqueles que nos conquistaram e seguirão imortais dentro de nós. A certeza valiosa dos dias melhores que abrem as portas a cada instante, na condição do otimismo inteligente dos que querem imaginar os desejos de perfeição manifestados nas obras da Criação. Enfim, universos de fulgor que nos cabem construir do quanto de possibilidades herdamos de um Pai maior, rei cósmico da Eternidade, na música superior que conduzirá ao caminhar das multidões, sentidos positivos de abraçar a serenidade e amar como razão de estar aqui e ser feliz.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Rio de Contas

Idos de 1977, primeiros meses, inverno baiano no Sertão. Depois de assistir o I Festival de Mar Grande, na Ilha de Itaparica, seguimos pela BR101 com destino a Vitória da Conquista e logo antes de entramos no perímetro urbano dobramos à direita, numa estrada de terra, na direção de Brumado, Chapada da Diamantina, na Bahia. Iríamos fazer meu primeiro curta-metragem, São Gonçalo da Canabrava, custeado por Boanarges Castro, colega de banco e músico, a propósito de festa anual que acontecia em povoado próximo à Serra da Mangabeira, no oeste do Estado. Ele e alguns amigos daquela região mantinham a tradição de todo ano comparecer à festa, alguns deles músicos, e que tocavam na procissão do Santo. Eu segui nessa jornada no sentido de registrar o evento daquele ano. 

A família de Boanerges residia em Livramento de Nossa Senhora, cidade perto de São Gonçalo, lugar também de serra, ameno e tradicional, que existia em volta da igreja e da praça principal. Ali permanecemos três ou quatro dias, incluída a data das filmagens. Usava o super-8, bitola adotada pelos novos cineastas, na ocasião.

Enquanto isso, subiríamos ainda mais a Chapada, indo conhecer Rio de Contas, uma povoação típica do Ciclo do Ouro no Brasil, cidadezinha de casas interligadas, no estilo colonial. Invés da estrada principal, seguimos através do leito de um riacho de águas cristalinas, que corria nas encostas desde a povoação. Quão belas paisagens apreciamos na caminhada, algo em torno de oito a dez quilômetros. 

Lá em cima, desfrutamos do bucolismo do lugar parecido haver parado no tempo. Visão de sonhos, dos poucos momentos passados algo permaneceu semelhante às melhores lembranças desta vida.

Desceríamos pela estrada principal, onde transitavam animais e raros automóveis, porém facilmente percorrida a pé, livre dos obstáculos da subida, porém longe da pureza da estrada d´água que usáramos na ida.

Dia seguinte e utilizamos por transporte um carro de boi que nos levou a São Gonçalo da Canabrava, data desse padroeiro, quando concretizamos nosso projeto de alguns minutos de gravações, do qual nem cópia hoje tenho. Há muito não recebo notícias desse meu amigo, que ficou com a película original. 

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Simão, o mágico

Eram tempos áridos de quando os apóstolos iniciavam a expansão do cristianismo, eles ainda macerados pela ausência brusca do Mestre, há pouco sacrificado nos braços da cruz pelo bem que ensinou. Em Jerusalém, Saulo tomara a si conter pregações e curas, o que conquistava as multidões. Liderança e promessa do judaísmo, naquilo confrontava, sem dó nem piedade, os missionários divinos, herdeiros da mensagem salvadora, levando-os aos cárceres e instigando execuções públicas, sendo Estêvão apedrejado até a morte pela turba enfurecida.

Nesse ínterim, Felipe descera a Samaria na pregação dos ensinos. Falava a todos e curava dementes, paralíticos e coxos, causando alegria no seio da população. Nessa hora, encontraria um personagem ali já conhecido, de nome Simão, que exercera na cidade o ofício de mágico, realizara prodígios e conquistara admiradores, ao qual todos atendiam, desde o maior ao maior, dizendo: Este é a grande virtude de Deus. 

Quando, porém, Felipe veio ensinando o Reino e o nome de Jesus, batizando homens e mulheres, o próprio mágico se rendeu às evidências de sinais e maravilhas, querendo, inclusive, receber o sacramento do batismo.

Nos mesmos dias, em seguida chegaram a Samaria Pedro e João. Eles ao impor as mãos sobre os fiéis convertidos faziam receber o Espírito Santo.

O gesto tocou forte em Simão, que notou a força possuíam, e lhes ofereceu dinheiro para merecer tamanha capacidade, imaginando fossem  passes da ilusão, alguma mágica misteriosa que desconhecesse. 

Nisto, Pedro o admoestou: O teu dinheiro seja contigo para perdição, pois cuidaste que o dom de Deus se alcança por dinheiro. 

Entrementes, Pedro acrescentou o peso maior da retidão do coração perante o Poder Supremo, no sentido de usufruir da Palavra. Então, indicou o arrependimento do gesto com que agira Simão, que orasse para merecer o perdão do gesto interesseiro. De tal maneira apartaria dele o fel da amargura e o laço da iniquidade, orientou o apóstolo.

Simão baixou a cabeça e, respondendo, pediu que a proposta não lhe causasse a perdição, convertido às palavras santas através dos primeiros apóstolos de Jesus.

(Atos dos Apóstolos, 8: 9-25).

Cinco dias para o amor

As realidades da existência, nas consequências por vezes trágicas que estabelecem, sujeitam pedir versões que chegam a ultrapassar os limites da pura ficção, narrativas de sentimentos machucados, revelações íntimas de verdades até maiores do que suportaria a fértil imaginação. Mergulhos infinitos nas camadas abissais do Ser descrevem, assim, profundidades últimas de chagas pungentes, dramas atrozes da alma, lições transcendentes que contam os escritores, nas viagens das dores pessoais, crises e perdas irreparáveis.  
Enquanto isso, a grande literatura, outro nome dos clássicos conhecidos da arte literária, recorre às particulares confissões dos escritores distantes, e escutam os argumentos que eles desenvolvem. Atentos aos segredos das províncias, os tais mestres da escrita tradicional reúnem elementos com que formam o edifício das obras conhecidas. 

Temas vastos da carne viva de quem sofre e passa às letras, daí brotam o sumo que irá alimentar a história da raça humana todo tempo, a preencher o vazio da cultura com a verdade dos primeiros testemunhos. 

São os compêndios vindos lá da província que fomentam, portanto, a grande literatura, produtos originários das histórias anônimas escritas nos mesmos lugares em que aconteceram, fonte remota dos acontecimentos literários. Pessoas que proponham descrever os mínimos detalhes dos cômodos secretos das famílias sacudidas pelos infaustos, em tempestades grandiosas de emoções e lágrimas, constroem a consciência que logo invadirá livrarias deste mundo.

Este livro de André Barreto nos chega às mãos nesta fala dos que sofreram na própria pele os sulcos que marcaram a alma de sua gente, familiares, amigos, conhecidos, no rincão cearense de Crato. Eles que acompanharam ao lado o curto e fértil caminho percorrido por Tiago Esmeraldo, jovem lúcido que geraria os motivos suficientes a tamanha comoção transformada em depoimentos dos que sentiram a dor e a força que este trabalho aqui transcreve. 

Detentor de uma história meteórica, Tiago Barreto Esmeraldo nasceu em 1972 e faleceu em 2012, estudioso e trabalhador, graduado em Psicologia, Mestre em Filosofia e professor da Universidade Regional do Cariri, onde obteria, em pouco tempo, resultados acadêmicos valiosos. Face à exiguidade que lhe coube viver, realizou sucesso de poucos. Cativaria alunos e deixaria sementes de objetividade e sonhos elevados.

No auge da enfermidade que levaria o irmão ao desconhecido, André se debruçou sobre o mistério recôndito dos sentimentos no seio da família e quis registrar, com toda voltagem, o conforto que lhes proporcionou a religiosidade, disso ocasionando as palavras que ora apresenta em formato de livro. 

De linguagem fluente, transcreve cada instante da experiência de saudade em que se viu envolvido, fixando prismas que viriam ser o presente trabalho ilustrado com fotografias que o enriquecem, síntese que lega ao público.

Cinco dias para o Amor vem, pois, somar à produção literária da região do Cariri cearense, de si rica dos valores artísticos e culturais, depoimento de fé cristã que confortará aos quantos busquem nele verdades superiores, demonstração do tanto de esperança que consolou a todos nos transes críticos vencidos. A caminhada terrena de Tiago Esmeraldo encontra, destarte, na visão criativa de André Barreto, intérprete à altura do mérito espiritual que testificou no afeto que bem legou ao coração da nossa Humanidade.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Cores do sentimento

As paixões mostram suas tonalidades quentes do vermelho enquanto durar o prazer de corpos pegados e nus. Depois, lá adiante, satisfeitos apetites da carne, a tinta roxa dos finais tende a pintar telas de corações, parecido quando o tempo da euforia já passou pelas frestas apertadas dos músculos e tendões, deixando marcas profundas de restos materiais jogados inúteis pelos cantos de salas e corredores escuros, tristes campos de batalhas perdidas. Saudades amargas, dias de gozos vertidos nas sarjetas, gorduras ainda escorrendo pelo canto das bocas ressequidas, ossos quebrados, amizades desfeitas e contas a pagar nos laços desfeitos.

Noutros momentos, os suaves tons do verde dominam a folhagem antes seca do verão, notas das intensas felicidades, trazendo alegria de flores animadas, perfumadas, ao sabor do canto de pássaros soltos nas matas. Fertilidade no solo, promessas de esperança na sinfonia inigualável da natureza, a dizer esses verbos efusivos.

À vivacidade do verde se reúnem luzes laranja das manhãs esplendorosas, nos amores perfeitos e sentimentos mais sinceros, que amor existe, resta encontrar, primeiro dentro de si; na sequência, nos outros, à medida justa do que plantar. E esses rastros coloridos em matizes de vermelho com amarelo clareiam a alma do pleno pudor de verdades sinceras.

Até chegar às notas azuis das primaveras de belas plumas, voo de aves do paraíso, espécies mensageiras da religiosidade que alimenta o sonho pessoal nas asas das orações, ao prumo da Ave-Maria. Amores ainda maiores, com o auspicioso sentido da imortalidade. Esse azul que norteia os viajantes pelo deserto das várias atribulações. O véu do firmamento trará, então, o mistério das cores, largo e infinito, mostra cabal do quanto das possibilidades existe no íntimo seio da poderosa eternidade.

Nisso, nas pinceladas da cor rosa que suavizam a luz fulgurante dos elevados sentimentos, haverá maturidade espiritual, quando amores ganham as praias da permanência, testemunho de condições imortais, pouso certo e calmo dos desejos da perfeição. Assim vindo a nós a presença dele, de Jesus, e toda beleza se completará.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

A função da escrita

Fazia meses que não lia romance algum, quando me veio às mãos Pais e filhos, de Ivan Turgueniev, obra que descreve a vida no campo russo pelos fins do século passado, cheia das muitas contradições que, décadas depois, motivariam a Revolução Russa de 1917. Calcada em personagens bem caracterizados, numa trama de valores e emoções conduzida em um crescendo ao sabor da melhor ficção, o livro atende ao leitor mais exigente. 

Certa ocasião, em Salvador, numa aula do professor Cid Teixeira, ele entusiasta das boas letras, lhe perguntei qual função haveria no ato de ler, vez que, com o passar do tempo, ocorre de não nos recordarmos de detalhes mínimos, esquemas, locações das histórias, das palavras, esquecendo, em certos casos, até os títulos e autores.

Em resposta, ouviria que cultura é o que restará depois que todas essas coisas desaparecem da memória.

Aquela observação fez lembrar os caminhos que se formam nas matas virgens, ali por onde passam pessoas e animais amaciando o solo e afastando a vegetação, sem que, para isso, houvesse sentido prévio deliberado, resultado comparável ao que acontece no interior da mente humana, aprimorando os trilhos do conhecimento. 

A literatura de proveito funciona tal e qual, acostumado o espírito no hábito do que dignifica a alma; e quando menos espera haverá condensação de resultados favoráveis ao progresso, à formação moral, alçando as criaturas às novas possibilidades da evolução. Isso tudo facilitado pelo esforço próprio do pensar, estabelecido sobre textos lúcidos, ordenados, no afã de transmitir ideias e sentimentos.

Os que descobrem a galáxia de Gutenberg, expressão criada pelo canadense Marshall Mcluhan a fim de denominar o âmbito literário dos seres humanos, podem aumentar o universo de pesquisa e permitir as chances de encontrar a luz da verdadeira Consciência.          

domingo, 15 de dezembro de 2013

O lobo-rei que morreu de amor

Li certa vez na revista Seleções a história de um lobo-rei (espécie rara existente na América do Norte), tipo graúdo, muito esquivo e feroz, que principiou a dizimar os rebanhos de determinada região dos Estados Unidos. Dada a sagacidade do animal, o esforço de vencê-lo se tornara obsessivo, porém inútil. 

Nesse clima de repetidas ameaças e destruição, assustados, os rancheiros da redondeza cuidaram de montar plano intenso de mobilização a fim de liquidá-lo a qualquer custo.

Muitas armadilhas foram espalhadas em pontos estratégicos; todo tipo de mecanismo, possível e imaginável, artimanhas diversas, utilizaram, sem, no entanto, produzir resultados efetivos. 

Juntos os esquemas, perseguidores seguiam à risca cada passo da fera, enquanto seus estragos prosseguiam pelas fazendas, gerando prejuízos sérios à atividade pastoril daquela área. Em muitos momentos, chegaram perto de alcançá-lo. Dias a fio, e ainda sem obter nada de concreto.

Após meses de investidas, os caçadores descobriram numa montanha distante a furna que servia de covil ao lobo e a sua companheira, local que sempre lhes defendia na implacável perseguição dos vaqueiros.

Em noite escura, diante da saída do parceiro à cata do alimento, a fêmea ali permaneceu, aguardando o seu retorno. Vieram, então, os vaqueiros, que agiram com rapidez, aprisionando-a. 

Com isso, o lobo enfurecido acrescentou ainda mais os ataques ao gado das fazendas, aumentando o terror que imperava. Mas quando aprisionada a fêmea, o parceiro terminou vindo à mercê das armadilhas, em busca daquela que lhe dava o sentido de viver. Debalde, porém, os caçadores esperam sua presença.      

Como passar do tempo, face à prisão da companheira, o lobo alterou os modos de agir, reduzindo pouco a pouco as cautelas antes infalíveis, rotinas e cuidados que lhe haviam permitido sobreviver. E numa noite de lua, quando chegou demasiado junto da jaula onde puseram a fêmea, para servir de isca, terminou por se entregar de frente aos perseguidores, que o abateram com relativa facilidade. 

Guardei durante um tempo essa história, pois me despertou na busca das razões de tantos comportamentos em que animais manifestam espécie de senso moral, emoções raras, isso que seres humanos ditos racionais, calejados de sentimentos torpes, por vezes, no cotidiano, agem a níveis tão baixos, destituídos da menor civilidade, o que, decerto, envergonharia até bicho bruto que pudesse nos avaliar em iguais circunstâncias.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Sócrates

De 470 a 399 a.C., viveu o filósofo grego Sócrates, filho de Sofrônico, um escultor, e de Fenáreta, uma parteira. Tudo o que dele se conhece restou nos livros de Platão (Apologia de Sócrates e Fédon) e Xenofonte (Apologia de Sócrates e Feitos memoráveis de Sócrates).

Educador popular, andava pelos locais públicos, mercados e praças, a pregar suas ideias aos quantos quisessem ouvir. Casado com Xantipa, que lhe deu três filhos, pouco parava em casa. Prestou serviço militar nas campanhas de Potideia, Delos e Anfipólis. Estudou com afinco os mistérios da alma humana.

Por contar coisas ditas por vozes que só ele ouvia e atribuía a entes superiores (vozes interiores divinas), os maiorais da aristocracia acusaram-no de sacrílego (introduzir novos deuses), além de corromper a juventude e recusar culto aos deuses oficiais, expondo-se, por isso, ao célebre julgamento perante a magistratura formada de juízes do povo.

O rito processual de seu julgamento constou de duas fases. Na primeira, Sócrates viu-se condenado por 280 a 220 sufrágios. A lei facultava outra oportunidade ao réu. No segundo julgamento, porém, veredicto mais rigoroso selou o destino do filósofo sob o escore de 360 a 140, condenando-o à pena capital.

De alma tranquila, aguardou o dia da morte promovendo longos diálogos com os seus discípulos.  

No momento da execução por cicuta, veneno que os gregos adotavam para eliminar os condenados, recebeu de um escravo a taça derradeira:

– Depois de beber, ao caminhar, irás sentindo as pernas dormentes... Pesadas...

Mediante aquilo, com decisão, rápido levou a taça aos lábios e ingeriu-lhe o conteúdo.

Os discípulos silenciosos observavam a cena.

Sócrates ainda seguiu em suas conversas. Alguns presentes não dominaram o choro convulso. No que pesassem os esforços para minorar o sofrimento do mestre, lágrimas inundavam as faces. Soluços espasmódicos sacudiram a todos, quando Apolodoro caiu num pranto estridente e amargurado.

Calmo, Sócrates caminhava e apalpava ambas as pernas. Poucos instantes mais, ao sentar na cama, considerou:

– Quando chegar ao coração, será o fim – acrescentando: - Críton, eu devo um galo a Esculápio. Vais lembrar de pagar a dívida?

– A dívida será paga – disse Críton.

Logo após, desaparecia aquele considerado o sábio dos sábios, que um dia afirmara: – Só sei que nada sei.    

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

O ermitão e o saltador (original de Gonçalo Trancoso)

Um ermitão vivia longe do burburinho de vilas e cidades, quando, certa feita, abordado por perigoso salteador, ouviu essas palavras:

- Sei que o senhor é um homem de fé e que tem méritos perante Deus. Por isso, peço que reze para eu deixar essa vida errada, e se conseguir fará de mim seu amigo. Mas, no caso de seus pedidos não surtirem efeito, volto para lhe tirar a vida, fique ciente.

Transcorridos alguns meses, ele aparecia de novo à busca de conselhos. A visita terminava e se lembrou do que dissera na vez anterior:

- Continuo esperando as orações para que eu escape da vida criminosa e dos desmandos que venho praticando; senão, o senhor é que pagará com a vida, dentro de breve tempo. Destruirei tudo que achar, e eliminarei sua existência.

Muitos dias passados até que o marginal viesse, de novo, ao refúgio do santo homem, nas montanhas retiradas. Trazia mais aflorados os instintos perversos, e logo que chegou veio demonstrando a intenção de fazer o que prometera.

À presença do facínora, o ermitão notou os riscos dos acontecimentos. Embriagado e violento, o salteador manifestava agressividade nunca vista, danificando os objetos que avistava na humilde choça. 

- Vim cobrar o compromisso – afirmou. – Nada melhorou para mim desde quando vim aqui da derradeira vez. Ao falar, avançou num gesto de intensa brutalidade, roubando ao monge qualquer chance de fuga. 

Submetido aos instintos do meliante, – argumentou: - Antes me permita propor um acordo. Há pouco, cavei minha própria sepultura, nas imediações de casa. Se juntos conseguirmos remover uma pedra com que a fechei, pode me atirar lá dentro, me cobrindo de terra; e fica tudo resolvido. Porém, se isso não conseguir, me deixará em paz, livre de perseguições.

Mais calmo, o agressor resolveu aceitar a proposta. Daí, ambos se dirigiram ao lugar estabelecido e iniciaram o esforço de remover a pedra. Enquanto o salteador buscava, com empenho, deslocá-la, o ermitão a todo custo resistia para conservá-la na mesma posição. Durante a peleja, demoram alguns momentos, até que o marginal percebeu a atitude do santo, e disse:

- Ah! Como posso tirar essa pedra, pois o senhor aplica toda força para evitar que eu consiga? – perguntou raivoso.

- Pois bem, eis o que venho observando –, retrucou o ermitão. – Enquanto rogo a Deus pela sua conversão, o senhor em nada contribui, se mantendo preso aos vícios, esquecendo de exercitar os princípios da virtude. Tem de agir no sentido contrário das tendências ruins, contrapondo, aos atos negativos, gestos positivos.

Só nessa hora o saltador compreendeu o que o mestre lhe orientava, e despertou do erro em que agia, se transformando, então, noutra pessoa, nova e honesta.           

O sonho de Lincoln

A libertação dos escravos, nos Estados Unidos, custou uma guerra civil, a Guerra da Secessão, entre sulistas e nortistas, que durou quatro anos e ceifou em tornou de 600 mil vidas, mediante mobilização aproximada de dois milhões e 500 mil soldados.

O principal líder das ações políticas daqueles episódios chamava-se Abraham Lincoln, nascido a 12 de fevereiro de 1809, no Condado de Hardin, Estado de Kentucky, considerado até hoje o mais eminente de todos os chefes da democracia americana.


Homem simples, de origem na zona rural e afeito aos trabalhos rudes do campo, destacou-se pelo seu espírito votado às causas humanitárias, pronto aos maiores sacrifícios em favor da população negra submetida a trabalhos forçados, sem direitos à própria individualidade.


Próximo de vencer as derradeiras batalhas que levariam ao fim da trágica conflagração, segundo o jornalista Ward Hill Lamon, testemunha principal desse acontecido, Lincoln narrou um sonho que tivera dez dias antes.

Via-se o presidente a percorrer o andar inferior da Casa Branca e escutava choros convulsos de muitas pessoas, dos quais não sabia a causa e saia procurando identificar. Multidão invisível soluçava em lamentos dolorosos.


De cômodo em cômodo, ele seguia buscando a causa do fenômeno que se avolumava, sem, no entanto, avistar vivalma. As emoções descritas correspondiam a um misto de confusão, alarme e interrogação.


Ao entrar na Sala Oriente da residência oficial, deparou-se com estrado alto de câmara mortuária em que avistava um esquife guardado por vários cadetes perfilados, e larga multidão aflita.


Nesse momento, dirigiu-se a um dos soldados e perguntou-lhe quem havia morrido na Casa Branca.


- O Presidente! – respondia o jovem militar, com lágrimas nos olhos. – Ele foi assassinado.


No mesmo instante, proveniente da multidão em volta, cresciam os gemidos lastimosos, levando-o a despertar e não mais dormir naquela noite, permanecendo dias e dias com sintomas de indisposição física. Para limpar ditas sensações, ainda folheara a Bíblia Sagrada e os trechos do livro em que abria todos falavam de sonhos, aumentando-lhe a presença das imagens que vislumbrara.


Na hora em que narrava o sonho, também se achava na sala a sra. Lincoln, que  externara o pouco valor em que considerava os sonhos.


Dias após o sucedido, numa das galerias do Teatro Ford, a 14 de abril de 1865, dar-se-ia o infausto desaparecimento de Abraham Lincoln, vítima do traiçoeiro disparo de arma de fogo, à queima-roupa, feito pelo ator John Wilkes Tooth.


Ali se confirmava, de modo dramático, esse sonho de quem cumpriu a missão hercúleo de reverter o destino de 3 milhões de pessoas escravas.


Essa ocorrência vem relacionada no livro Sessões Espíritas na Casa Branca, de  Nettie Colburn Maynard, Casa Editora O Clarim, Matão SP, 2a. edição, agosto de 1981.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Sabença de caboclo

Talvez por pretender contrariar o princípio de que cavalo ruim se vende longe, Chico Ivo tratou de camuflar muito bem a deficiência do animal com a instalação mais do que perfeita de outro belo rabo no baita cavalo luzidio, untado com esmero numa mistura gosmenta de breu e cola de marceneiro, disfarce primoroso da alisada vassoura de longos fios selecionados.

Junto ao toco, implantara a nova cauda, recolhida de outros bichos no decorrer de longos meses, cabelo a cabelo, que, de firme, mostrava-se suficiente para confundir os maiores especialistas, como deixará provado. Concedia, inclusive, ao equino ginga do tanto de esboçar ligeiras e saudosas abanadas, qual nos velhos tempos de inteiro.

Bom, foi assim que resolveram desafiar o furdunço da feira de Lavras da Mangabeira, buscando o pátio dos bichos, onde não teve mesmo quem viesse de notar a gauribagem. Tudo limpo no céu do meio-dia.

Interessados não custaram a aparecer com suas pretendências e propostas. Examinavam o cardão de cima a baixo, coleando a pelagem, friccionando o lombo, sempre cuidando de olhar dentes, cascos, orelhas, na mania dos espertos.  Porém foram, de verdade, os ciganos que primeiro se fixaram na intenção explícita da compra, seguindo logo, logo, saber do preço.

Conversa vai, conversa vem; regateia daqui, regateia dali; negócio realizado. Cabresto na mão, dinheiro no bolso, e, satisfeitos, certos de uma boa transação, restava aos negociantes pegarem estrada e buscarem o destino da tropa nas estradas poeirentas do sertão.

...

Passadas se foram algumas luas, ritmo obediente das coisas naturais. A tranquila cidade mudou quase nada em meio à falta de  acontecimentos marcantes.

Lá noutro dia, noutra feira de grande movimento, gente muita, muita animação comercial, difícil até de se achar quem se procura entre as tantas caras, eis com quem Chico Ivo se defronta, de imediato reconhecido... Com os mesmos ciganos que lhe haviam adquirido o cavalo. Vinham de longe acenando, para garantir o encontro casual inevitável:

- Ganjão, ganjão! Aguarde um pouco que seja.

- Não quero nem saber, - reagiu enfático o antigo proprietário do animal. - Negócio feito ninguém desfaz. Fechado está, assim restará. 

E quão admirado ficou da resposta que lhe veio do cigano à frente dos demais:

- Se despreocupe, ganjão. Nosso objetivo é outro. O que passou tá pra trás. Viemos aqui foi lhe fazer uma outra proposta, de que o senhor aceite, a partir de hoje, seguir com a gente e chefiar nosso bando.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

As histórias de meu avô

Um provérbio africano diz que: Quando alguém morre se fecha uma biblioteca. Isso lembra as palavras de D. Violeta Arraes, no prefácio de meu livro Cinema de janela, de que: Todo ser humano é um ser de cultura.

Meus avós paternos moraram longo tempo no Tatu, herdeiros, ele e minha avó, da propriedade onde vivera Fideralina Augusto. Na década de 60, se transferiram a Crato, fixados na residência bem vizinha de nossa casa, no bairro Pinto Madeira.


Durante as horas vagas de estudos e brincadeiras, lá ia eu passar alguns instantes junto deles. Sentados num espaço que havia entre os dormitórios e a sala de jantar, permanecíamos, horas e horas, em conversas. Contava lá suas histórias, desfiava repertório das tradições que lhe acompanhavam, recolhidos períodos inteiros da infância, mocidade, idade adulta; aprendiz de farmacêutico, vendedor de tecido nas feiras dos brejos da Paraíba, inda a Fortaleza; queda dos Accioly;  Lavras da Mangabeira, conhecendo minha avó, sua prima legítima; o casamento; mandato de vereador; as brigas dos Augustos; a Revolução de 30; lembranças do sítio; viagens que fizera; Caruaru; Rio de Janeiro; mais e mais.


Eu ouvia silencioso, ligado naquelas experiências, época de minhas primeiras leituras dos livros de contos, o que tanto aprecio, longe de televisão e outros chamamentos posteriores. Aquelas narrativas as repetia com cotidianamente, qual preservasse mínimos detalhes, no exercício de mantê-las bem acesas nos becos internos da memória. Era motivo de satisfação privar dos tais momentos mágicos – enquanto minha avó executava os afazeres da casa e ele percorria reverente o itinerário da existência inteira.


Adiante, nos finais dos anos 60, morreria. Hoje revejo, nas telas da saudade, sua presença austera que me marcara o sentimento, rosto firme, forjado nas experiências reais que transmitia. Num dos lados da testa, amplo sinal de sangue, consequência de acidente de motocicleta. Rugas, que mostrava a personalidade forte, voluntariosa e sincera, às vezes rude, reflexo de alma altiva, temperada na luta.



Décadas transcorridas, eu tomaria gosto pela escrita, e, então, as histórias que meu avô contava aos poucos voltaram a ganhar corpo nas vivências atuais, e pude compreender a finalidade daquilo tudo, o gosto sistemático que debulhava em nossos encontros ocasionais.    

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

A vidente de Endor

Depois do sucesso de David contra Golias, no vale do Terebinto, quando, por isso, as forças de Israel tornaram a crescer na luta contra os filisteus, rei Saul viu nítida a liderança do humilde pastor junto ao povo, numa fase do abatimento do Rei e muitas contradições.

No início, o jovem, até então desconhecido, chegara trazendo bons presságios, todavia logo isso se reverteu na impressão do soberano, em ameaça flagrante pelas qualidades e frieza demonstradas contra o gigante a que ninguém dispusera enfrentar.

Igualmente, ainda que notasse as limitações de Saul para estabelecer pacto honroso com o inimigo e cessar de vez com a animosidades incoerente, David se mantinha à distância de pretensões políticas.

Saul, contudo, amargava as perdas da guerra e sentia o desamparo, motivo das anteriores desobediências que praticara, vítima da própria culpa. 

Naquele período, Israel ainda sofria a morte de Samuel, sepultado em Ramá. Saul expulsara do país os feiticeiros e adivinhos, e acumulara as tropas em Gelboé. Os filisteus acamparam em Sunão. 

Diante de tais acontecimentos, outros pesados confrontos esperam os judeus e Saul sentia medo. Nem sacerdotes, profetas ou sonhos respondiam suas preces. Nisso, em arrepio ao que determinara, resolveu consultar uma vidente na localidade de Endor, querendo a todo custo conhecer o que reservava o futuro.

E na companhia de dois servos, segundo o Primeiro Livro de Samuel, 28, 3-25, à noite, disfarçado, chegou à casa dessa vidente, em Endor.

Após jurar pelo Senhor que jamais a denunciaria, pediu que ela trouxesse à presença dele o espírito do próprio Samuel, recém desaparecido, que admirava e com quem queria conversar. 

Concentrada, a vidente se sentiu face a face com o antigo juiz dos judeus, figura ilustre que se manifestou, e ela se prostrou sobre a terra.

Estabeleceu-se grave diálogo, onde Samuel admoestava Saul por lhe perturbar o repouso, ao que ele justificava pela aflição fruto da guerra e do silêncio de Deus para consigo. Angustiado, pediu orientação, e ouviu estas palavras:

- Saul, ainda amanhã o Senhor entregará a ti e a teus filhos, junto do exército de Israel, nas mãos dos filisteus – diante daquilo, rei Saul concluiu que tudo estava perdido. Soube de antemão que morreria no fragor da batalha próxima. Tonto, desolado, exausto, caiu ao solo, pois jejuara dias seguidos querendo merecer a misericórdia de Deus pelos desatinos praticados.

Passado o transe, a médium se aproximou convidando-o a se alimentasse e refar as energias. Providenciou refeição de pães e carne, e os visitantes partiriam antes do amanhecer.

No dia posterior, no confronto de Gelboé, os filisteus perseguiriam de perto Saul e seus três filhos, Jônatas, Abinadab e Melquisua. Ferido de morte na luta, Saul pediria ao escudeiro que lhe terminasse os dias. Fiel, o guerreiro se negou fazê-lo, restando ao soberano promover, ele mesmo, o gesto definitivo.  

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

A condição humana

Qual dar consciência à transitoriedade, eis a condição dos seres humanos. Relâmpago em céu de muitas nuvens, habitamos um vaso de carne, músculos, ossos e sangue, dentro de tempo móvel, porém restrito, e conduzimos as inúmeras bandeiras, todas porém transitórias. Alguns que aguentem cargas maiores; outros, nem carga suportam mais. Tudo gira, pois, em volta do eixo da Terra, na igual velocidade uns e outros, divididos nos blocos das idades, dos interesses, línguas, países, raças, proporções financeiras, status sociais, etc. 

Ah, isso enquanto seguimos as trilhas do depois nos diversos naipes do jogo onde andam as filas dos que buscam acertar as casas da sorte grande. Aumentar de ilusões, se nutrir de sinas e impérios. 

Nesta sequência, os compromissos morais do sofrer e amar, merecimentos, pensamentos e sentimentos. Já algo que mexe mesmo com a gente são as antigas pretensões de alguns imaginar privilégios só por chegar primeiro à porta principal de Gotham City nas ocasiões e oportunidades, bem vestidos, movidos a veículos último tipo, casas volumosas, contas recheadas, mesas fartas. Contudo, a condição muda em nada com relação aos demais também de material semelhante e durabilidade equivalente.

E navegar os barcos, evitar o pessimismo, encontrar alegria de sobreviver novos dias, adquirir chances de sorrir, receber carinho, gostar dos filhos e apreciar o sucesso, pisar maneiro e fazer bons amigos. 

A escola de viver ensina que há lições diárias em todo momento prenhe de sabedoria, e somos alunos da existência, às vezes repetentes, na reencarnação. Assim, a condições dos humanos. Viemos, segundo as notícias dos sábios, no sentido de evoluir, ainda que haja parceiros exigentes a dizer ser do chão, do pó e da poeira.

As dúvidas servem de instrumento de choque diante das dificuldades intransponíveis. Naquelas horas vem o sufoco no desejo da presença de valores eternos, a busca de Deus, da Esperança e da Fé, nas religiões ou no campo aberto da religiosidade popular. Mas que estreita o caminho quando a dor fala alto no coração da gente, no âmbito da necessidade, silêncio e solidão. Estes tais momentos significam as respostas de que precisamos querendo responder as perguntas da humana condição. Há quem justifique nem precisar de responder; é somente viver. 

Foto: Jackson Bola Bantim.

Nelson Mandela

Desses raros que decidem cumprir missão de gerações inteiras, este homem é um deles. Largou tudo que faria motivo de acomodações nas ideias, nos sonhos de burguesia, saídas noturnas e prazeres fáceis, se atirando na luta da libertação da espécie humana dentro da pátria que habitou. Isso por meio de instrumentos limpos, sem sangue, sem destruição, com a cara e a coragem, inteligência e confiança nos bens supremos da Verdade e da Justiça. Eles chegam anônimos, linheiros e prontos ao sacrifício em nome dos povos, com gosto e alegria, submissos aos caprichos da sorte ditada pelos poderosos.


Um desses tais viveu em nosso tempo, na África do Sul, país esmagado pelo colonialismo inglês e coberto de arbitrariedades, quando, então, Nelson Mandela resolveria dar um basta e pelejar na transformação dos seus irmãos e obteve sucesso. 

Filho de pais pobres, rasgou a unhas e dentes o espaço na sociedade através dos estudos, do trabalho e da coragem cívica, sendo hoje símbolo dessa capacidade de renovar as oportunidades dos injustiçados. Fez da história os degraus da nação. Perseguido, prisioneiro durante 27 anos por conta da defesa dos ideias coletivos, jamais se deixaria abater por qualquer condenação. Além de perder a liberdade, também enfrentou graves problemas na saúde. Ainda assim governou o país, levado nos braços do povo, que lhe compreendeu a disposição de renovar as esperanças democráticas e o futuro, numa terra de castas e discriminação racial contra os negros.

Quando, pois, o vemos partir, qual aconteceu a 05 de novembro de 2013, já aos 95 anos, mártir da liberdade, cresce no horizonte o quanto de potencial existe no íntimo das pessoas de bem. 

Outros capítulos de heróis anônimos persistem no recôndito dos lares, nas vastidões infinitas das horas, quando há necessidade imperiosa de líderes. No exemplo destas personalidades brilharão sempre os valores mais nobres das possibilidades e das grandezas universais.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Festival de Holambra no Cariri 2013

Essa exposição de belas flores e plantas decorativas retorna pela quinta vez ao Cariri, o Festival da Flores de Holambra no Cariri. São mais de 200 espécies vegetais de cores e formas diversas. Tantas delas que existiam apenas no dicionário dos caririenses, nas músicas, na imaginação, nos poemas da literatura universal, vindas do Sudeste e provenientes de países e climas distantes.

Azaleia. Tulipa. Poinsetia. Bugari. Açucena. Tulipa. Amarilis. Begônia. Rosa. Gérbera. Hortência. Afalandra. Minilacre. Orquídea. Lótus. Cravo. Rosa do deserto. Margarida. Crisântemo. Dália. Gerânio. Dália. Violeta. Branco de ouro. Amor perfeito. Cravínea. Ixonia. Bromélia. Ciclâmen. Elicônia. Etc. Etc.Em cada nome o mistério infinito da originalidade. Musicalidade perfeita da fonte vital de tudo. Sonhos abertos em pétalas, traços, recortes de seres vivos na alma das flores. Luzes de natural felicidade. Convites a viagens mágicas nos campos do coração da Terra e suas produções por vezes enigmáticas. Nos quadros exatos de criatividade inigualável, artista magistral criara as flores, os pássaros e as borboletas, que enfeitam as matas, desafiam gestos de pureza de sentimentos toda gente, à leveza, ao carinho dos trilhos da existência, peças geniais desse design do Poder.

Trabalhar com as plantas trazidas nesses festivais que se repete em nossa Região reserva enormes ganhos e possibilidades aos instantes dos observadores, somados à presença forte que chega através dos olhos acesos que nos visitam à busca das novas mensagens vivas de realimentação da esperança e do amor.


Este ano serão deze dias, com início em 29 de novembro até 08 de dezembro de 2013, das 08 às 20h, na Praça Padre Cícero, em Juazeiro do Norte CE. Sob tendas climatizadas, milhares de pessoas circularão, a colher formas e tons multifacetados, de encher as vistas e as memórias dos valores divinos elaborados na oficina vegetal.


Cada lugar possui suas espécies próprias, no entanto, agora reunidas em bloco único pelo Festival das Flores de Holambra no Cariri, elas obtém unidade apreciável e mostrar tipos variados recolhidos de inúmeros ecossistemas, isto num só horizonte. Além de tudo, experiência empresarial que expande e indica ideias de plantar flores e enriquecer as novas gerações com potencial de conhecimento, jeito sadio de quem trabalha e analisa de perto a beleza dos exemplares apresentados.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Por cima da carne seca

Essas expressões populares expressam bem, nalguns casos, o desleixo de quem pisa nos astros distraído face do sofrimento alheio, magoando sobremodo os que atravessem fases mais difíceis. De barriga enorme fruto dos prazeres mundanos, pés indiferentes, inescrupulosos, tratantes deslizam a avenida saboreando corações feridos qual mandatários de todas as chuvas do Planeta. Demasiadamente humano isso, aos moldes da melhor filosofia sadomasoquista (gostar de ferir e ser ferido). Pessoas assim apreciam sofrer e fazer os outros sofrerem qual exercício de vida. Acima do mal e do bem, não sendo hoje, que venha o troco ninguém sabe quando. 

Certa feita, Voltaire afirmou: Se Deus não existisse seria preciso inventá-Lo, dentre outras das frases que lhe imortalizaram. Poucos suportariam tantos desencontros com que se deparam não houvesse a firme esperança de transformação dos quadros desoladores que, às vezes, parecerem querer dominar as existências, no mundo velho das mais enormes contradições.

O cidadão se imagina o dono da verdade e entra na passarela alterando possibilidades dos outros, feito carrasco e amigo do rei, indiferentes aos resultados inevitáveis. Nisso, abre profundos grotões de reação contra si próprio na Lei, e quando o cipó de aroeira volta, o lombo que aguente, porquanto o escândalo é necessário, mas aí daquele através de quem o escândalo venha (Jesus, nos Evangelhos).

A ordem do Universo estabelece, pois, a perfeição absoluta nos seus mínimos aspectos. A exatidão matemática da justiça superior impõe normas de inteligência na prática de existir que, segundo o saber das populações, jamais diga que dessa água não beberá sem responder por isso. 

Bom, eis alguns avisos que servem com exatidão no decorrer das histórias pessoais a toda hora. Sabedoria de milênios assim chega nas palavras e toca os sentimentos através das marcas deixadas nos que puderam voltar e dizer dessas normas de boa conduta.

Foto: Jackson Bola Bantim.

Olhos de ver

Década de 70 e escrevia roteiro cinematográfico de curta-metragem sob o título Salvador versus automóvel, filme neurótico a cores. Analisava nas imagens o desafio que avassalava agressivamente a beleza daquela capital diante do crescimento exacerbado das baratas urbanas desenvolvidas sob o pretexto do transporte nas grandes cidades, em detrimento dos meios públicos há muito deixados à margem como prioridade. Os carros invadiram as ruas numa proporção jamais considerada desde quando Henry Ford, no século XIX, resolveu transformá-los na essência desta civilização industrial que dominou todos os continentes.


De lá até agora nada modificou a paisagem de ferro e cimento das metrópoles, sufocando o aparente bucolismo que fica entre os apartamentos e os escritórios, no ramerrão das rotinas diárias. De criador, o homem passaria a refém dos automóveis, vítima acuada, impotente, do que ora se considera enigma número um, sua majestade automotiva.

No início do ciclo do automóvel no Brasil, época de Juscelino Kubitschek, anos dourados, segunda metade do século anterior, houvera acordo secreto entre governo e trustes internacionais do País aceitar como padrão as estradas asfálticas em detrimento do transporte ferroviário. Com isso, somos hoje o que somos, submetidos à visão acanhada de cidades sucateadas, longe dos sonhos das bem estruturas desenvolvidas. Meros joguetes da sorte mercantil, aventura dos aglomerados urbanos e engarrafamentos constantes, e morosidade no transporte beira pesadelos desproporcionais do que antes aguardava o desejo de consumo.

E reverter o quadro entranhado nessa limitação mora longe das possibilidades imediatas. Construção de túneis, viadutos, vias expressas, largas, estacionamentos oceânicos, implicam nos custos faraônicos impagáveis, tirando de foco as necessidades inevitáveis da educação e do aprimoramento dos indivíduos. Noutras palavras, desvio de conduta administrativa equivalente a esquecer o sentido real da civilização a fim de cuidar das exterioridades, isto é, reparar um erro do passado com novos erros no presente.

As cidades, sobretudo as maiores, vivem, pois, crise de resultados imprevisíveis face à febre automobilística que exige, desta geração, soluções ainda desconhecidas; eis o clímax aonde chegou a história contemporânea.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Um dilúvio de amor

É isto de que o mundo de hoje mais precisa, amor, muito Amor, nos corações vivos de todos que aqui habitam. Agir na disposição positiva de fazer o bem acima de tudo, por tudo amar, servir com amizade, carinho e dedicação. Minorar a dor imensa de tantos que ora padecem fome, ausência da Saúde, amargam dores atrozes da ingratidão. Nisso, fazer do ato de viver o motivo de partilhar essa força eterna de amizade, progredir nas iniciativas diárias, porém lembrar de quem ainda não tem a inteligência e a vontade que temos de trabalhar a firmeza das realizações e de somar, invés de competir, concorrer na frieza dos que perseguem só posses materiais, esquecidos de que tudo passará e seguiremos o íntimo da certeza de seres imortais. Laborar de pleno acordo com os melhores sentimentos da Fraternidade, desfrutar da Beleza imensa da Natureza, pródiga nos mínimos detalhes da perfeição, a oferecer oportunidades e energia de que se possa necessitar no caminho da evolução. Isso também de movimentar as forças da imensidão que moram em nós a favor de todos, sem discriminação, sem excluir nem os que não gostem de nós. Praticar os ensinos dos mestres da Humanidade que espalham verdades perenes e, na razão, ampliam a capacidade já infinita das boas emoções. Pensar, falar, agir no sentido da plena luz que clareia os passos da mesma família de que participamos no decorrer das vidas, propagando a virtude dos gestos maiores das bênçãos de que fomos produzidos nas mãos do Autor da Criação. Quando isto acontecer de modo abrangente, que chegar a todas as praias das consciências ensolaradas, haverá o sonho na realidade diante de nossos olhos, dos olhos dos nossos vizinhos, amigos e inimigos. E a nossa família sideral de seres criados na grandeza inesgotável da Verdade Absoluta e frutos do Amor de um Pai que nos quer e nos alimenta de Esperança e Paz, bem nessa hora haverá apenas o desejo que salvará as nossas Almas no caminho da Eternidade Maior. 

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

As duas vizinhas

Elas duas moravam às margens dos trilhos abandonados de antiga ferrovia que cruzava os arrabaldes esquecidos, naquele bairro distante, cheio de sobras de lixo e sacos voadores de abandonados ao vento, ou presos no arame das cercas divisórias, entre garranchos das vielas sem calçamento, com água estagnada minando poças nos buracos das trilhas, diversão nua das crianças de bundinhas e buchinhos rajados, bem ao molde dos lugares prediletos de político nas vésperas eleitorais, prato típico da soberba municipal.

Comadres que se respeitem acompanham vidas conjugais, medicamentosas, culinárias, umas da outras, os destemperos dos maridos, festas, viagens, apurados, esperanças, visitas, farras, jogos, o escambau a quatro, afinal. Quintais e cercas de faxina tudo deixam passar fácil, costelas abertas aos dós de peito e fumaça dos fogões de lenha, mais apagados que acesos, semanas iguais no pouco e no raro dos pirões amarelados.

Bom, seguindo viagem, diria que as duas vizinhas mantinham no quintal seus inevitáveis chiqueiros de galinha. Belo dia, desapareceu gorda pedrês de uma delas, prejuízo de abalar o patrimônio já humilde da família. E toca a comadre a procura em todos os recantos.

Horas e dias, e nada... Raposa não andava no trecho. Ladrão pouco atentaria de catar migalha nas botas furadas do recanto. No outro lado da casinhola, só abandono e terreno ermo, vazio...

Restou logo quem, na caixa das desconfianças; a querida amiga de tantas batalhas, que agora resolveria desfeitear e lhe roubar a galinha. Ontem de noite, escutara ruídos esquisitos, parecido coisa de refeição fora de hora, nos quartos pegados da casa vizinha...

E parou receosa, olho na rua, imaginando achar jeito de solucionar a história do sumiço da ave. Aproximava-se a comadre botando água, pescoço molhado, de rodilha e lata na cabeça. A outra, curvada sobre o batente da janela, pensava:

Ela vem do jeitinho de quem roubou minha galinha. Passo pequeno, balanço dos quadris, vexada... Escrita quem rouba galinha.

- Bom dia, comadre! – exclamou. (- Com a voz de quem comeu minha galinha...).

- Bom dia, comadre – respondeu.

Surpresa sua, horas depois, inesperada, assanhada, barrenta, a galinha retornou ao quintal, ciscando faceira os mesmos monturos de pouco resultado, causando naquilo forte agrado na dona, que, feliz, longe repercutiu a notícia: - Achei a penosa fujona! 

Reconfortada e calma, quase perto do almoço, de novo recostou-se à janela e olhava na rua por onde descia a comadre, ainda enchendo os potes nos caminhos d’água. Feliz de si para consigo, admirada, reconheceu:

Veja isso, do jeitinho de quem não roubou minha galinha. Passo pequeno, balanço dos quadris, vexada... Escrito de quem não rouba galinha.

- Comadre, dia bom!

Voz de quem não comeu minha galinha...

- Bom dia, comadre. Céu limpo, brisa suave, refrescante, belo dia! – a outra retribuiu.