segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Estranhos em nós


Por mais queiramos imaginar outro ser, vivemos algo assim improvisado, constante. Numa sequência de máscaras, transportamo-nos perante o Infinito. Passos, histórias mil, papeis em profusão. Decodificamos rastros nas muralhas da solidão quais entes isolados de nós mesmos, através dos momentos que passam aos nossos olhos. Eles, nós, tudo enquanto. Muitos e nenhum. Aventureiros das estrelas, mergulhadores do Destino, até produzir outras versões, o que é possível, todavia. Foram tantas luas nos nossos céus e o tempo de persistência apenas começou, início de uma dessas tardes que escorrem pelas nossas mãos. Pedaços de jornadas que se desfazem sorrateiramente, esquivos gestos de épocas distantes que viraram lembranças guardadas lá no íntimo.

Outro dia, ao ler Memórias, sonhos e reflexões, livro de Carl Jung, senti de perto as emoções de suas primeiras vivências, desde criança, a construir de novas presenças o que seria depois. Viver as impressões arraigadas na existência. Desvendar esse outro eu que veio realizar o círculo sob o que cumpre o sentido de si mesmo. Aqueles primeiros espasmos de tocar a realidade do que ora sejamos. Já escrevi algo desses instantes iniciais de mim, minhas incursões de gente na fazenda em que nasci. E perguntaria aonde foi aquele personagem original que trocou de vestimentas ao preencher outra história em andamento? Nisso, repactuamos uma nova sorte e escrevemos outros roteiros até então desconhecidos.

Bem isto a condição da criatura humana e suas interrogações. Autores de si numa produção pessoal incógnita, que, logo adiante, dependerá tão só dos seus praticados e dos frutos que houver de colher de todo o mistério que o compõe. Astutos, agressivos, lúcidos, apáticos; por vezes impávidos, sempre, porém, significantes do quanto veio, durante todo contexto em fase de elaboração.

De certeza seremos inextinguíveis e comprometidos face as ações e os alvedrios a céu aberto, no entanto.

sábado, 27 de janeiro de 2024

Dias a mais


Todos eles, isto, dias em movimento sob nossas vistas. Um fluir compassado, ritmo eterno de tudo quanto há. Fôssemos ciente no pleno sentido e saberíamos dizer claramente a sequência natural dos acontecimentos. Suas agruras e acertos, limites e possibilidades. Apenas observamos e vemos tocar aos pés o passado antes visto e agora só restos e lembranças do que se foi. Nisto, a soma clínica dos séculos de todo tempo.

Todavia mora em nós a força de continuar. A disponibilidade com que administramos o novelo das histórias, o testemunho das pessoas em volta, a fragilidade dos momentos. Coube-nos tal função exclusiva de sermos testemunhas desse fluir constante de que fazemos parte. Adotar o senso de aceitar e disso reunir o que necessitamos a fomentar nosso ser, eis o que nos cabe do quanto existe e assistimoss.um a um.

Daí, quais os macacos de 2001 - Uma odisseia no espaço, afagamos o monolito à cata do que sejamos e sua real finalidade.

No mínimo, damos de conta da nossa ignorância em aprimoramento, espécie de pedras em fase de lapidação do que seremos lá um dia. Enquanto isto, às vezes dói, às vezes padecemos, em marcha constante pelos mundos afora.

Personagens desse espetáculo universal, tendemos a crer sejamos conscientes, porém a realidade conta outras versões daquilo que o somos. Nem de longe chegamos ao teto da procura de tantos pela vida. Construímos lembranças e as sustentamos de culpa ou saudade, nesse pergaminho infindável das horas. Observamos. Assuntamos. Dividimos. Somamos. Crescemos no transcorrer da correnteza desse rio infinito, pois.

Ao reencontrar os outros mesmos personagens das muitas lendas, reunimos os frutos de colheitas ilimitadas e esquecemos pouco a pouco do que nos fez ser o que ora somos. As vezes fugimos de nós a fim de sobreviver, contudo. No entanto algo nasce de nossas mãos em forma de certeza e felicidade, no que aqui vivemos de todas aventuras que persistem pelos ares.

(Ilustração: 2001 - Uma odisseia no espaço, de Stanley Kubrick)

sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Uma alma nova


Em andamento esse tal processo de revelação de nós de nós mesmos; eis o que resolveram nos começos da jornada, chamar de viver e ver. Lá belo dia os ares ver-se-ão acompanhados das mudanças extraordinárias por dentro do metabolismo estreito do território conflituoso entre pensamentos e sentimentos. As fornalhas do peito, então, ferverão com bem mais intensidade, deixando margens reais de querer dominar o desejo e fixar a concentração só dentro das determinações do que diz respeito o influxo do sangue puro, na faixa intermediária do ventrículo esquerdo para o ventrículo direito, oferecendo soluções de resolver seguir ditames de alegria e encontrar novos métodos da transmitir do Si ao que há de muito procurado no meio dos escombros. Força viva de mudar as normas da comodidade verá acontecer, pois profundas movimentações dos grupos internos das duas correntes políticas interiores, que pleiteavam o andamento de tudo ao interesse particular abrirão as portas a meios renovados de presenças na casa da alma, e o viajante reunirá a bagagem dos hemisférios e dará os primeiros passos no novo patamar, fornecido pela recente descoberta. Sempre existirão quais alternativas possíveis de salvação; enquanto há vida há esperança...

Durante todos os debates cruciais da escolha da qual seguir, no pressentir das horas, jamais se esquecera de considerar alternativas justas de solucionar o drama dos velhos elementos em choque. Nalgum universo da Galáxia, de tarde, aos pios das corujas que vagueiam sobre os montes, propiciações de criaturas iluminadas nutrem, por isso, o objetivo firme daqueles amantes da verdade absoluta e do sonho lúcido.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Sonhos reais


Um procedimento adequado e tudo virá à tona. Meios, são os meios, as peças-chave desse modo de existir e construir o instante seguinte que significa a compreensão. As doutrinas falam disso, das leis que respondem aos atos humanos e reverberam no sistema dos acontecimentos. Nem preciso de largos conhecimentos. Apenas centralizar as práticas e aguardar os resultados. Em contrapartida, os reflexos das atitudes negativas resultam no andamento das histórias irreais durante todo tempo. De tão simples deixa margem a dúvidas constantes. Parece mágica. Resultados ocasionais. Circunstâncias. Acaso.

Largos tratados buscam delinear, contudo poucos chegaram ao destino. Vemos exemplos, no entanto, daqueles que demonstram sua conquista. Hoje, na era dos meios de massa da tecnologia, há inúmeros depoimentos, pronta divulgação de novos conceitos dessas escolas de prática e sucesso interior.

Essa busca ultrapassa os limites da imaginação. Abre espaço ao conhecimento de si próprio, numa perspectiva gradual. Porém deixa margem a esforço de renúncia dos raciocínios intelectuais. Requer renúncia, mergulho interior nas profundidas de Ser que o somos. Segundo consta, tal atitude exige mais esquecer os excessos teóricos e desvendar perspectiva interna de autorrevelação. Isto de forma livre, ausente das determinações do Ego e obter a descoberta do Eu Superior, duas funções que temos, partes efetivas, e nos cabe lapidar a todo custo no decorrer da evolução.

Daí, só então, ver-se-á diante doutras cogitações possíveis e que aguardam fielmente a iniciativa dos que pretendem lapidar a essência que transporta no íntimo do ser. Uma síntese clara e objetiva, a desenvolver no transe da existência espiritual enquanto aqui neste Chão. Nós, artesões de nosso crescimento desde as origens do mistério que ainda persiste. Isto até quando, lá um tempo, ver-nos-emos a exercitar o sonho da plena revelação, motivo de todas as práticas, artes, no transcorrer dos milênios e civilizações.  

segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

O cérebro do Coração


Dia desses, li no Facebook uma matéria a propósito de que o coração também pensa, isto é, que também dispõe de cérebro semelhante à razão, este que exerce atividades pelo cérebro com que trabalha. Isso vem sendo afiançado pela Física Quântica, nos estudos das qualidades abstratas da energia mental, descobre e comprova funções cerebrais através de ondas e de partículas, meios em que circulam as realidades até bem pouco ignoradas pela Ciência.

Deste modo, partindo desse pressuposto de o coração possuir território reservado de se manifestar através de cérebro exclusivo, área própria disso acontecer, há que avaliar o poder dos sentimentos, porquanto estes são gerados no coração; enquanto maquina, os pensamentos nascem da fria razão intelectual, o coração também sente e emociona, e pode transmitir o que produz.

Antes, quando a psicologia estimava tão só ser o cérebro de pensamentos, monopólio da razão, falava na transmissão mental, ou telepatia, exaustivamente pesquisada inclusive pelas nações envolvidas na Guerra Fria, segunda metade do século XX. Russos e americanos reservavam parte dos seus esforços nos laboratórios a conhecer de mentalização, chegando a conclusões de respeito em face dos frutos obtidos.

Nestes dias, os avanços já ocorrem nessa outra vertente, do poder de transmitir sentimentos, quando consideram a força que possui a mente do coração e sua influência bem maior do que a influência meramente física, digamos assim, material, da razão. Nisso andam passo a passo os meios da tecnologia avançada de aproximar pessoas, comunicação bem mais presente junto das outras, em constantes transmissões dos sentimentos, de coração a coração, ocasionando verdadeira revolução nos relacionamentos interpessoais pelas máquinas ora existentes, neste mundo globalizado.

Essa constatação representa, portanto, avanço estimável na possibilidade humana de transformar a consciência em outro patamar de percepção, a lembrar palavras de Jesus: Meu caminho é o do coração; ninguém vem ao Pai a não ser por Mim. Abre, então, nova perspectiva na evolução, diante dos recursos dos novos instrumentos em unir pelo Amor, este fruto originário do Coração.

domingo, 21 de janeiro de 2024

Adeus às armas


Quando Ernest Hemingway escreveu esse romance (Adeus às armas), no pós Segunda Grande Guerra, imperava uma doce expectativa de haver sido aquela a derradeira das imbecilidades humanas com o uso de instrumentos devastadores e destruidores de vidas. Ah, quanto engano! Fora apenas mais um treinamento da raça a fim de desenvolver-se na arte de matar o semelhante à procura de riqueza, poder e outras ilusões. E aqui segue a história em seus instintos nefastos do homem lobo do homem. São tantas as tais produções arrevesadas que praticamente o que resta de povos e povos são ruínas inexplicáveis debaixo de camadas sucessivas de ignorância. Viver agora significa quase tão só a esperar da próxima conflagração dos mesmos animais que até há poica chamavam racionais.

Nisso, este quadro de hostilidade sem jeito previsível vem das gerações. A todo tempo morre e nasce no seio da mesma humanidade, qual sendo a Natureza a cumprir o próprio dever de continuar a oferecer as expectativas de tempos melhores, pacíficos, renovados. Aonde olhar e chega a força viva da beleza das florestas, dos bichos, das flores, belos sons, vontade constante de novos amores, novos sonhos. Em tudo a vontade inesgotável de criar condições de sobrevivência, superação e progresso. A gente quer encontrar em si momentos de Paz que acalme a esperança de um destino promissor que aos padecem sob a fúria da ganância e do domínio selvagem, espalhados pelo mundo.

Desde sempre tem sido assim, um anseio incontido de harmonia cantado em prosa e verso nas diversas artes, literatura, cinema, música, enquanto maquinam às sombras essas manifestações contraditórias. Quanta solidão de fraternidade debaixo dos escombros das batalhas sem vencedores. Novos sinais de que haja profecias diferentes, eis o desejo auspicioso da grande multidão, porém fora das alternativas, ausentes do comando das feras em conluio. Ainda face ao quadro dantesco em pauta, de certeza existirão horas amenas, de acordo com os planos do Ser Maior que rege o Universo e observa seu ritmo; pois algo fala nEle o quanto necessário a termos confiança e aguardar, de olhos acesos, o que virá em seguida.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

Horas a fio




Escrever impõe afazeres inadiáveis. Qual compromisso consigo, vemo-nos face a face com as lembranças incessantes. Rendemo-nos incondicionalmente às determinações daquilo que se quer dizer e vem à tona. Essa a matéria-prima avassaladora que podemos denominar emoções acumuladas nasce da fome de contar que regressa de uma hora a outra e oferece as condições de um pacto de harmonia no relento das horas. Assim, tudo que temos vem a ser o que ora somos. De poder demandar os instintos da insatisfação e querer a qualquer jeito conciliar nossas angústias e os traumas que fervilham na alma impaciente.

A gente qual que passeia através dos corredores da consciência; refaz pedaços quebrados; e reúne motivos de conciliação dos conflitos escondidos que têm vida lá dentro.

Nisso, espécie de outra vida que não seja a que sejamos agora vem a lume. Vagueia pelas margens desse rio imenso das existências onde habitamos ainda sem a devida compreensão de todos seus detalhes. Padecemos dos tantos sustos que vivemos na ânsia de fugir de nossas sombras. Julgamos e condenamos nosso ser por vezes impiedosamente. Cercamo-nos de apreensões, no entanto longe do que seria uma verdade absoluta a permitir o juízo mais sincero, afastado que fosse da culpa insistente. Recolhemos, pois, tais vivências lá de antigamente, pondo-as na balança do instante e degustamos os sabores que trouxemos até aqui.

Isso tudo numa correnteza inesgotável que lava nossos pés e alimenta nossos afetos desde sempre. As palavras, a seu turno, cuidam do andamento dos dias e olham-nos em volta à busca de tranquilizar as jornadas largadas ao vento.

Tal nos sonhos, quando acordados apenas alguns deles permanecem inteiros na memória. O tempo transcorre à nossa volta silenciosamente. Saber, contudo, que estabelece valores imortais. Deixa marcas profundas na história pessoal e larga sinais de permanência eterna daquilo que guardamos no ser e que transportamos, e que o somos. Cicatrizes. Tatuagens. Acordes. Daí, juntamos o que resta nas mãos da presença e adormecemos neste vale da imensidão que habita acesa os currais do sentimento.

A consciência da Consciência


Isto de saber que tudo em volta é mera sombra da luz que somos resume o significado de todas as coisas. Que somos a testemunha de nós mesmos daqui do Chão. Que ilusão e sombra representam o reflexo da luz que transportamos no nosso ser. Que a essência do que existe habita em nosso interior, na forma de consciência de Si. Que isso, de revelar a que viemos, tem por finalidade viver enquanto existimos provisoriamente no decorrer do processo das horas que se desfazem aos nossos olhos.

Transportamos vidas e vidas nessa busca incessante, o que acontece durante as vezes que aqui estamos ou estivemos nos dias pretéritos. Onde existe luz há de haver sombra, nas situações ora experimentadas, no dia-a-dia, nos sonhos, no sono, enquanto buscamos a resposta dessa longa interrogação que trazemos no íntimo. A sede da Consciência, da Luz essencial de que falamos, mora no âmbito do coração espiritual, mais do que só no coração físico. Eis o seu pouso geográfico em nosso corpo.

Todo tempo de reconhecer tais interpretações nos vem oferecido na máquina que aqui viemos exercitar, o trilho perfeito de responder ao enigma que lá um momento decifraremos e conquistaremos ao sol do definitivo senso, a Consciência... As contradições destas horas na matéria são a escola do autoconhecimento.

Isto, pois, que seja a definição dos valores humanos face ao destino e às circunstâncias. Teto do mistério das indagações, pousaremos no Reino de uma paz soberana, esperança e glória da mais pura tranquilidade, conquista dos tronos e apreensões da História deste itinerário parcial ora vivido. Pela força do exemplo além da força das palavras, os aventureiros de mil experiências avançam dentro de si próprios, na firme convicção de vencer e chegar aos céus da tão desejada Felicidade durante quantos milênios, até o domínio da Consciência absoluta.

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

Pelos quintais da Eternidade


E essa mesma fome de sonhar que as pessoas carregaram consigo anos a fio. Acima e abaixo, que as transportam nos velhos fardos de ocultos mantimentos na procura exótica de viver do pouco que restava de tudo aquilo. Olhos acesos, postos na lama do Infinito em decomposição, apenas observavam o gosto amargo da estupidez gravada pelos sucessivos folhetins. Combinam passo a passo o que dizer diante do eterno, porém cientes de sumir a qualquer momento sob os rochedos da ausência em ebulição. Mesmo assim, usam das palavras no instinto sombrio de contar novas histórias e sobreviver à hecatombe do Destino que de pronto e silenciosamente se aproxima. Marcas disso ficaram, sem dúvida. Meros argumentos de sórdidos amantes, deixam-se arrastar nos braços incontidos da paixão. Sofregamente, porém, alimentam as feras do instinto e abandonam as derradeiras máscaras do mistério a esses impulsos nefastos do tal desaparecimento. A qualquer das horas apressadas que lhes devoram as entranhas, crescem no desejo de ser alguém, mesmo que durante o itinerário dos dramas deste circo frenético. Vivem quais quem nunca imaginou pudessem atravessar tamanhas cordilheiras de alucinações, contudo de braços abertos ao fogaréu do sentimento. Eles, os antigos habitantes das ilhas imaginárias que sumiram durante o Dilúvio sem deixar vestígios, acordes, pois, dessa mesma sinfonia gravada nas guerras inumeráveis da Civilização e que sustentam consigo os primeiros pensamentos do passado que foram as tempestades do final de tudo. Ali, bem defronte aos ídolos que nutriram as multidões, tremiam de esperança na certeza de reencontrar os anseios de transformação desses perdidos heróis que esqueceram as falas do papel principal e sacudiram levianamente as vestes de vilão que guardaram durante todo tempo. Que mais dizer senão das vetustas fórmulas matemáticas de um próximo orgasmo cantado em prosa e verso nas profecias inesgotáveis da espécie em queda livre. Nós, os passageiros da angústia e amantes do prazer, pródigos filhos da solidão, nisto, e sorrateiramente, cruzam o espaço das primeiras naves já previstas nas lendas de ficção, que chegarão a qualquer minuto e tomarão conta do que sobrou do espetáculo em andamento a céu aberto  na memória dos poucos ou nenhuns.

(Ilustração: O véu de Isis (Arte egípcia).

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

No oceano das palavras


Mesmo que dentro da cápsula, ainda assim vemo-nos face a face com a realidade através dos pensamentos, que viram palavras e arrastam as conjecturas. Nem de longe imaginar houvesse outro meio senão a própria consciência em formação sob os limites estreitos de si mesmo. Meros gravetos a flutuar nesse mar de impressões que testificam só a própria pessoa e ninguém mais, mesmo que nos toquemos a todo instante noutros objetos também na flutuação das ondas ansiosas.

De um a um, somos tão só (ou esse caudal de) pequenos toques face a face com aparências que as formamos e trazemos à tona, todos à procura de um código que venha superar a distância infinita nossa com a certeza de que descobriremos a Verdade qual seja lá um dia. São infinitas folhagens numa aparente certeza. Circunstâncias em movimento. Pretensões de variados tons que aspiram desesperadamente desvendar o mistério dos sóis em formação do que ora somos. Fagulhas do grande Todo. Uma imensidade dos pequenos universos que sacodem o Tempo em tudo.

Disso, desse afã de moléculas que compõem o painel das gerações, nascem as perguntas e respostas, quais poder de todos em uma ação inevitável pelos céus de todo dia. Isto bem será o que temos a oferecer no altar dos sacrifícios das horas. Juntamos e desfazemos a todo momento, artífices da sorte. Daí as construções, bibliotecas, descrições e práticas que conduzem a sinfonia da Eternidade. Querer sim ser maiores, significar apenas ser e nada além disto. Batemo-nos, pois, nos rochedos das noites e adormecemos ao som dos fascínios e nos alimentamos de desejos e dúvidas. Depois, simplesmente o caos da imensidão que desaparece sorrateiramente na escuridão entre as falas insistentes.

A consistência de que falam os livros permanece latente às próximas impressões largadas ao vento. Pequenos, porém existentes. Maiores, porém anônimos. Luzes que acedem e apagam; apagam e acedem; num único acorde que nos dar andamento rumo ao Cosmos em formação. Isto, e o silêncio sideral.

(Ilustração: Vincent Van Gogh).

sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Manhã chuvosa de janeiro


Isso depois dos dois longos meses de um calor escaldante no Cariri e algo muda quase que por inteiro nas feições das matas agora refeitas de verdes e flores. Lá na alvura do céu e no cantar intenso dos sabiás, dentro, circula esse mar de avaliações, pensamentos que contorcem a pedir respostas. Tempos de inúmeras facetas, dimensão do que circula pelos ares na forma de notícias, sinais eletrônicos, possibilidades... Nunca será de uma primeira vez aquilo que gente conhecer, mesmo considerando as experiências acumuladas. Antes eram só as histórias contadas em volta das fogueiras, nos alpendres sombreados pelas noites, nas salas dos teatros, cinemas. Agora chegam às pressas dos equipamentos eletrônicos e saturam o gosto de vivenciar das multidões.

E as lembranças persistem a trazer de volta as tantas horas nas quais fomos, talvez, essa mesma pessoa que hoje quer ser e ainda não desvendou em que sentido. Uma busca incessante de continuar perante as ocasiões que passam aos olhos da mente numa velocidade constante. Num menos esperar e os acampamentos são desfeitos aos nossos olhos, livres quais gostaríamos de haver sido.

As palavras pedem, pois, espaço entre os sentimentos e falam o que bem querem, longe que sejam da nossa vontade. Escolhem no meio de quantos olhares apenas algumas migalhas da realidade esquisita que acontece em torno, marcas e cicatrizes das situações inevitáveis que tem a existência. Colam restos de paisagens, fios enganchados de velhas roupas que alimentaram o prazer e ficaram escondidas no coração dos momentos.

Disfarces dessa memória insistem permanecer, ainda que fugidios, lampejos nítidos de livros, canções, abraços entranhados no próprio ser, exóticos que o somos. Enquanto a trilha sonora do Tempo toca leve as lâminas reluzentes das nuvens que molham o chão. Nada seríamos não fosse a lucidez da solidão misteriosa que traz os primeiros grãos de consciência e, nisso, acalma em tudo o que desde sempre desejamos.

quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

Um animal social


Eis uma constatação das mais acertadas, o ser humano qual animal social. Semelhante a outros, tais elefantes, búfalos, pinguins, cardumes e cardumes, ele bem que conhece das leis da selva e resolve unir forças aos grupamentos, e nisto forma as aldeias, os reinos, as cidades, países, comunidades várias. Preenche com ênfase o gosto de formar agregações onde uns possam usufruir dos pudores de existe e dividir com os demais os mesmos objetivos sem maiores sustos.

Houve um tempo em que admitiam até serem animais racionais, todavia isso até hoje não ficou caracterizado devidamente, a ponto de tantos duvidarem da tal pretensão do uso absoluto da Razão que viesse de merecer com sobra. Haja vista a fama de vitoriosos que ganham nas guerras e noutros percalços diários, a demonstrar instinto muito mais abaixo do que os outros animais ditos irracionais, nisso arrastam na lama o antigo desejo de estar numa melhor posição com relação aos tantos ditos inferiores. Outrossim, de animais sociais exemplificam de longe merecer essa classificação.

Mas a peleja vem desde quando principiavam seus primeiros registros nas paredes das cavernas. Imitavam, quiçá, algo que aprendessem que merecessem e deixaram demonstrado naqueles impulsos primitivos do uso da interpretação dos fenômenos da Natureza. Daí, de então, aquelas agruras iniciais que esboçavam lhes trouxeram o desejo de ultrapassar as demais criaturas no crivo das avaliações acadêmicas. Mesmo assim, lá vão milhares, talvez milhões, de largas experiências no campeonato da Civilização, a ponto de ganhar, outra vez perder, o cetro da evolução que desgasta o tempo nas eras sem fim.

Primórdios sempre chegam, cedo ou tarde, no computo da História. Queremos crer, dias menos dias, que a nossa espécie já reunirá motivos suficientes a pleitear junto à Eternidade essa denominação tão prevista de, num momento admirável, sermos estabelecidos na faixa desses aquinhoados animais racionais, pois, de fino trato.

(Ilustração: Série Bárbaros, produção da Netflix).

quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

Além da dualidade


Bem onde existiu o amor, única e exclusivamente, poder soberano que a tudo circunscreve na leveza das espécies, era ali o início do século absoluto, na dissolução das massas ao calor das circunstâncias. Das dores do parto sobre as rochas ígneas do furor, nascera um Eu diferente do quanto havia; fora a renovação de aves e sonhos, pura transformação em esperança do que existira perante o desespero final. Aqueles que assim nutriam de vontade o ânimo das feras adormecidas, eles, esses, verão a Deus.

Passadas que foram as primeiras caravanas, novas expedições desceram do céu e abriram caminhos de receber os eleitos na Terra da Promissão. Unidos em si, acalmaram os sentidos físicos no abraço fraterno, definitivo, longe das horas só das angústias, detidas que foram nas garras das esfinges e dos dias. Destarte, longos semblantes disso vieram às praias do coração e despertaram o senso do inigualável de dentro das existências.

...

Pouco importa, pois, outros mares enquanto o dilúvio de fogo calcina as palhas atiradas aos bichos famintos de paixão; olhos fixos na paisagem lá distante, a inutilidade sumiu nos becos escuros. Isto, apenas isto, a união dos objetos no nada universal do que há vagando solto nessas histórias de destruição em andamento. Entretanto, a farsa do espelho embriaga de desejos os velhos Apolos nas noites de perdição e desamor.

Outro mundo, outros mundos, aonde seguir os parceiros da sorte, colhidos que foram nos botes das naves na festa sideral; portas delas se abrirão de par em par.

...

Aceitar, porém, de bom grado, o rosto da razão na matriz do coração, eis a fusão inextinguível de mil sóis, síntese dos seres de humana inteligência; desvendarão o mistério dos dois eus, resposta dos enigmas de que fizemos parte durante todo tempo da existência, a pisar o chão das almas e resolver as ilusões na mais extrema felicidade.

(Ilustração: Max Ernst).

terça-feira, 9 de janeiro de 2024

Os dias de hoje

A paisagem do tempo em andamento bem que reflete essa realidade inesgotável em forma de marcas profundas
grudadas lá no íntimo. As condições de observar, no entanto, nem sempre facilitam que possamos ver de perto esse tudo que reflete cada momento. Às vezes se insiste em admitir que os dias sejam iguais. Que tragam alguma parecença disto sabíamos, visto ter vivido os outros. Que arrastem os fiapos dos dias anteriores, também assim consideramos. Que alimentem de contradições os desenhos de toda hora, que jeito há que ser assim. Contudo adquirimos essa estranha capacidade de permitir que nos adaptemos aos embates por vezes amargos, assustadores, imprevistos... E nisso deixamos de lado a mera configuração das vésperas e engolimos o travo dos demais constrangimentos que chegam...

No decorrer das vidas, tratamos de sustentar a nós próprios diante dos desafios. Daí vêm as ausências que machucam, as saudades famintas que percorrem as ocasiões em que deixamos de lado os apegos do instante e recordamos dos entes queridos que, já desaparecidos, ficaram entranhados na nossa essência, amigos de tão boas oportunidades e que gostaríamos fossem eternos e estivessem aqui junto da gente. Ah, quanta saudade das ocasiões felizes, guardadas no furor do coração e que estarão vivas além das contas do que passou.

Doutro lado, o tempo voa aos nossos pés. As longas estradas parecem continuar, independente das nossas opiniões mortais. Nas ruas e avenidas, nos lugares da cidade, no campo, nas noites, nos dias, nos sonhos, no calendário em movimento acelerado a nossos olhos esmaecidos pelas jornadas sem fim, amém. Uma carretilha de pequenas circunstâncias que fogem quais seres independentes, que arrancam pedaços da existência em troca do que exigem de conformação. O resultado são as artes que permanecem na alma, que falam, gritam nomes e números, acordes de canções, filmes, livros, tudo na justa medida em que acalmamos a mente e deixamos que esses seres poderosos triturem em nós os sentimentos, os medos, as culpas, e deslizem conosco ao mar do Infinito.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Revolução da Consciência


Agora, depois de tudo quanto houve, chega à ocasião de rever todos os propósitos, conceitos e práticas e achar de uma vez por todas o caminho definitivo da Arca da Aliança de que fi
zemos parte. Foram tantas quantas as buscas enquanto perdurava bem aqui o senso da razão e do Absoluto na estreiteza de um a um. Diante do quanto evoluiu a Humanidade no âmbito externo, resta agora tão só o mergulho na vastidão de Si Mesmo e estruturar meios de que falam os místicos sob o ponto de vista da Consciência no poder. Desde então, advirá novo sentido aos anseios humanos, propiciando o domínio dos valores e suas práticas. Já existem até pesquisas suficientes a uma profunda transformação do que sejam os próximos passos da revolução em andamento.

Nisto, vivemos a Era da Síntese aonde métodos serão revistos e acalmar-se-á o domínio intelectual e ver-nos-emos, então, face a face conosco mesmos, em um momento pleno de autoconhecimento, suficiente ao exercício doutro aspecto da personalidade até hoje posto no segundo plano.

Mas de imaginar uma resposta fixa do que seja isto, quis saber do ChatGPT o que esse oráculo atual pensa a propósito do tal assunto, ao que ele de pronto trouxe de lá sua opinião: Muitas vezes, a "Revolução da Consciência" refere-se a um processo de crescimento pessoal e espiritual, onde indivíduos buscam expandir sua compreensão, aumentar a consciência sobre si mesmos e o mundo ao seu redor. Isso pode envolver práticas como meditação, reflexão, autoconhecimento e busca por um propósito mais profundo na vida.

Bom que na vida pudesse ser assim, de consultar uma máquina pensante que acalmasse as expectativas do futuro e viesse de permitir que, em si, achássemos a calma suficiente de deixar de lado as palavras e começar a viver realmente. Nessa crise momentânea, semelhante às milhares que se foram e ainda vêm, as palavras enchem de fervor as criaturas e lhes oferecem meios de interpretar que estejam sabendo mais do que devessem, e nisso traçarem, na própria experiência, aquilo que tanto aguardam do que outros e outros estiveram a providenciar e de pronto avistarem o rumo definitivo das futuras gerações. Existir além dos sonhos...

(Ilustração: A rendição de Breda (Las lanzas), de Diego Velazquez).

sábado, 6 de janeiro de 2024

A casa da minha infância


Qual quem puxa um fio de largo alcance dos tecidos trançados, venho desfiando pouco a pouco as milhares de histórias que vivi junto de minha família numa fase em que morávamos num casarão em Crato. Ficava no Bairro Pinto Madeira, Rua Padre Ibiapina esquina com Vicente Tavares Bezerra. Isto lá nos inícios do bairro e nos anos 50 e 60. Formávamos espécie de coletividade afetiva com os moradores daquela área afastada do perímetro urbano. Conhecíamos a todos. Brincávamos, conversávamos nas calçadas, nas noites ainda escuras, antes de chegar a energia de Paulo Afonso. Em volta da casa existiam nove pés de manga que davam sombra agradável o ano todo e o motivo de nos reunir com frequência em todos deles. Os meninos jogavam bola, pião, triângulo, brincavam de bicheira, cowboy e esconde-esconde nos toros de cedro que seriam utilizados na serraria ali do lado. Já adolescentes, íamos e víamos ao centro da cidade, em longas conversas e amizade regular.

Enquanto isto, no âmbito da casa tipo bangalô formado por dois pavimentos bem edificados em cimento armado, vivíamos as nossas histórias pessoais e familiares. São muitos momentos ora engendrados pela na memória. Acesas marcas indeléveis de horas sucessivas. Um a um, dariam longos registros de ocasiões às vezes dolorosas, traumáticas, críticas; outras, de realização pessoal, esforços comuns de superação, sonhos, inícios de jornadas. Quantas experiências dadas ao léu da sorte naquele princípio do que agora sou e me trabalho a fim de conhecer mais de perto a realidade, tudo aquilo aos impulsos e cheios de sabores inesperados. Éramos meus pais, cinco filhos, duas servidoras vindas do Tatu, fazendo do meu avô, em Lavras da Mangabeira, e, ocasionalmente, em tempos variados, um sobrinho de meu pai e irmãos de minha mãe.

Fora, aquele lugar, uma escola aberta, onde aprendi o pouco que hoje sei e conheci de perto os primeiros passos de religião, literatura, música, cinema, trabalho, sexualidade, vocação, através das presenças constantes de tantos ali instalados na mesma busca de formar a compreensão das próprias personalidades.

Quando revejo aqueles instantes e suas nuances, algo remexe dentro de mim no jeito de revelar o esmero de aprimoramento que temos conosco durante as inúmeras oportunidades concretas de viver. Ao examinar esse conteúdo latente e tão rico, na consciência, também avalio a importância de saber aproveitar ao máximo as lembranças guardadas e interpretá-las no melhor objetivo das minhas atuais escolhas.

sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Os três cavalos

Num apólogo exemplar, o escritor cearense Gustavo Barroso conta que viajavam por estrada desconhecida três animais bravios, um cavalo velho e dois potros fogosos. Andaram que andaram até chegar numa bifurcação de caminho onde ninguém identificou o destino a continuar. 

Sem que bem soubessem qual alternativa escolher com segurança, ali iniciaram discussão demorada em torno da via correta de levar adiante o roteiro da jornada.  

Cada potro escolhia convicta opção de um dos lados, enquanto o cavalo velho, experiente, passado na casca do alho, reconhecia também não ter consigo a certeza de coisa nenhuma, naquele e em tantos outros assuntos. Aprofundava a visão no longo do horizonte e imaginava melhor jeito de aconselhar os jovens companheiros da viagem.  

Pensou que pensou e se achou disposto a não tomar partido. Permaneceria naquele lugar, na sombra de árvore próxima, enquanto os oponentes,  provariam suas teses na prática, e aguardaria o retorno do que tomasse o lado que fosse errado de continuar a viagem. 

Assim aconteceu. Depois de horas, voltava o potro que falhara, todo latanhado de espinhos, suado, sujo de barro, ofegante. 

- Ele estava certo, - falou humilde ao se aproximar. - Sigamos, pois, a outra perna de estrada que é o lado correto. 

O cavalo velho, nessa hora, convidou o amigo a que descansasse, e daí prosseguiriam a caminhada, sentenciando: 

- Os que erram ensinam duas vezes. Uma, quando escolhem e agem sem comprovação. Outra, ao responder pelas consequências de recomeçar a tarefa em fracassam. Mostram como não fazer. Já quem acerta jamais passará no mesmo lugar de onde veio, porque seguiu à certeza do objetivo que escolheu. 

 

quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

As grandes interrogações


Nascem das nuvens essas buscas desafiadoras do que vivemos. Nas noites de largas avaliações, vêm os sonhos, quando continuam lances e lances de mergulhos pelas sombras do Mistério. Saber dessas procuras avassaladoras torna-se a bem dizer o sentido único dos que andam aqui. Nisso, tudo vira dúvidas constantes. Uns falam o que pensam; outros, do que experienciaram, sem, no entanto, sair de dentro da própria escultura. Daí o mistério contínuo. Quais sejam, pois, essas indagações persistentes, o tempo e a imortalidade.

Eméritos pensadores, filósofos, místicos, cientistas, acrescentam o senso de ver da Humanidade. Às apalpadelas, tateiam no escuro infinito do que sejam e regressam trazendo só fragmentos dessa realidade, porém reconhecidos das limitações de palavras e conceitos. A Ciência caminhou nesse universo e reúne agora largos frutos do conhecimento na forma de resultados da Civilização. No entanto tais avanços exigem algo que demonstra fronteiras da compreensão quais sejam de todos nós. Nisso, vemo-nos detrás de muralhas, quando dizem o que pensam que estejam dizendo, e escutamos o que pensamos estar ouvindo.

Os que foram não voltariam a fim de contar o que viram do outro lado da vida. Contudo há práticas espiritualistas que utilizam faculdades ditas mediúnicas, quando recebem mensagens dos que cruzam a linha do Infinito e trazem notícias de lá. Mais uma vez vemo-nos diante da subjetividade e prescrutamos tais valores em xeque.

Depois das filosofias, dos credos, das tradições, escrituras, a toda geração novos autores reavivam o que disseram os primeiros em  suas interpretações. Difícil, portanto, a definição absoluta de tudo quanto vivido e experienciado de pessoa a pessoa. Sob esses princípios, avistamos a dita matéria de fé, o que exige confiança nos testemunhos advindos e práticas coerentes do que significam seus valores e princípios.

Assim, qual a Verdade, que impera além de todos os argumentos humanos, apenas relativos, conhecer de tudo o Tempo e a Vida representa o objetivo essencial da nossa jornada neste plano.

(Ilustração: Teto da Capela Cistina (Michelangelo).

terça-feira, 2 de janeiro de 2024

As músicas da memória


Tal qual película sem planos de terminar quando seja, chegam as lembranças que invadem o tempo que somos nós, marcas profundas de outros sentimentos e outras ocasiões. Livres de qualquer previsão, elas regressam aos mesmos momentos de antes, a reviver pessoas, lugares, canções, relacionamentos, numa persistência de causar susto. Algo assim parecido com situações assemelhadas que voltam a ocorrer, querem apenas um pretexto de continuar dentro da gente, feitas ausências vivas, insistentes. Os dias, as horas, períodos anuais, tudo produz essas sensações mordazes de querer outra vez o momento que fora presente, tais proprietários de séculos antigos que deixaram suas terras e foram a outras histórias longe dali, mas que, agora, talvez em face das frustrações que lá encontraram, e decidem reabitar, a todo custo, os meus infernos, céus, do passado perdido nas distâncias.

Uma longa epopeia desse eu que vaga solto nas entranhas das criaturas humanas, restos de sóis dalgum instante que aparentemente houvesse esquecido de si e de novo resolvesse lembrar e preencher o vazio largado nas calçadas da memória. São histórias ricas das mesmas saudades que lhes fizeram a cabeça e depois, num lance de mero capricho, mergulhassem entre os rochedos à procura da sorte, na certeza de, adiante, voltar a construir aonde deixaram só suas ruínas no tempo.

Bem desse jeito são as trilhas impostas pela existência, no senso de quem vive aqui. Dores atrozes das amargas biografias, ou as lindas vagas de belas sonatas que sustentaram as farpas do Destino. Nós conosco próprios, senhores dos céus e sujeitos às alturas. Nisto, a fome de crescer, ouvir as vozes do vento, sonhar contos maravilhosos doutras civilizações quiçá desaparecidas, julgadas, fugidas, que viraram grotões de cicatrizas riscadas nas paredes da solidão. Nada mais que isso, o sentido do que havia e jamais obteve a liberdade, e fomos prescritos na escritura desse mistério que transportamos até chegar ao juízo das interpretações, motivo de todas as lendas.