domingo, 31 de agosto de 2014

Divã

- Oi, bom dia.

- Bom dia, amiga. 

- Como vai?

- Indo à medida do meu merecimento.

- Razoável para mim. Dias felizes + dias tristes + dias de lágrimas.

- O que faz isso, se as escolhas a gente é que faz? Escolha certo, pois. A satisfação só depende de nós.

- Geralmente eu não tenho escolha.

- Não ter escolha é um tipo escolha. Trabalhar com as próprias limitações também permite escolher, dentro de nós aceitar ser feliz assim. Viver bem. Dar nosso jeito de viver em paz conosco mesmos.

- Tudo ficou tão vazio depois que perdi minha mãe, meu pai, meu tio. Minha família agora só é minha mãe de sangue. Não tenho mais ninguém.

- Essas são as circunstâncias. Mas a pessoa continua e tem o dever de ser feliz. É livre diante da vida. Descobrir com fidelidade que, quando os outros vão, nós continuamos a caminhada. As portas do dia se abrem sempre. Isto leva a receber com sabedoria a história da gente. Aceitar que os outros também passem e nós continuamos. Nós continuamos a caminhada rumo ao Ser.

- Entendo.

- Pois traga isto na prática. Receba de com grado o desconhecido das horas seguintes, que andam com os próprios passos.

- E esta minha obsessão em querer encontrar o grande amor de minha vida o que faço com ela? E a solidão?

- Isso é o que chamam liberdade, a vertigem de ser livre, que alguém denominou de angústia. Descubra o modo de responder a mais esse desafio que não seja com o afagar da solidão da expectativa que só depende de nós revelar a vida, a felicidade de ser feliz.

- Não sei fazer isto.

- Invente dentro da sua existência.  A existência mostra a si mesma. Somos a consciência disso, só nós e o mundo. Há um Deus imenso em nosso coração. Há tudo no nosso ser. Há vida viva. Exercite essa infinita descoberta de viver. Ache o sentido de viver com harmonia em tudo por tudo, e consigo em primeiro lugar.

- Sim. Vou experimentar. Bom dia.

sábado, 30 de agosto de 2014

Flores metálicas

Enquanto as histórias brotaram feito capim seco em rachaduras de asfalto, nos becos, cardos cresciam pelos vãos abertos das calçadas de tijolo das igrejinhas, sítios largados diante da fuga rural do Nordeste. Resultado: um tal de organizar papéis que não acaba mais. Papéis e arquivos de computador, essa besta de carga dos tempos atuais, quando máquinas sofisticadas ocupam o lugar dos cérebros e de suas transferências forçadas, meio liberdade coagida, coisas de responsabilidades coletivas. Corrida pelo pão. Pela fama. Simulação de perfeição nas geringonças plastificadas, e fibras, e condutores, tipo formiga de monturo, personagens de desenho animado, seres humanos que abrem os braços ao desconhecido eletrônico, entregues aos futuros imaginários.

Nesse passo, há sensações de pouca ou nenhuma autoridade conduz os negócios do Império, com tropas lançadas a tudo quanto é canto, batendo-se contra inimigos inexistentes, ou criados na ficção de filmes à moda mecânica.

Nas ruas, pessoas movimentam, daqui para ali, fardos industriais em troca de chãos. Despertam faceiras e realizam as tarefas de viver dos ontens por absoluta espontaneidade, livres das maiores cogitações de consciência, esgotados outros veículos individuais nos sonhos da plenitude de voltar a crescer novamente.

Crianças pedem brinquedos. Namorados, família, casa, comida. Jovens, alegria, invenção do místico, vozes e sons das muralhas intransponíveis, em meio ao toque burocrático da velha televisão e seus programas de fim de tarde amargurosos e, por isso, atraentes no sensacionalismo diário das doses de sacrifício impostas no cardápio.

Noventa por cento dos produtos mandados lá fora refletem o quadro da lamúria dos guetos, populações andrajosas e pasmas com a lama até o pescoço, a escorrer no céu aberto, no leito das salas-de-jantar e banheiros, antes e depois das campanhas políticas milionárias.

Grandes farras de realimentação do sistema nutrem, pois, missões ingratas de preservar o patrimônio colonial das economias emergentes. A quem reclamar não existe nos códigos estabelecidos.

Dormir feliz e acordar disposto, restam a eles as funções modernosas costumeiras, portanto. Repousar, bois do bagaço, ao estio das tamarineiras frondosas; e pronto.

(Foto: Jackson Bola Bantim). 

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

A turma do Cadastro

Cheguei a Salvador em agosto de 1971, indo da agência do Banco do Brasil de Brejo Santo, onde tomara posse e passara quatro anos.

Na Boa Terra minha primeira localização no banco foi o setor de Cadastro, no terceiro andar do edifício da Agência Centro-Salvador, construção de nove andares à Avenida Estados Unidos, no Comércio, segunda rua depois do Porto, onde trabalhava algo por volta de 750 funcionários. Esse o primeiro impacto com que me depararia, pois viera de agência do interior com 35 funcionários.

No Cadastro encontrei grandes amigos, pessoas na sua maioria procedentes do interior baiano, alguns poucos na minha faixa de idade, vinte e cinco a trinta anos. Guardo suas imagens no íntimo da memória quais preciosidades raras que marcam de permanecer ainda por muito tempo integradas lá numa fase de apreensões e dificuldades, medos e sonhos, espécie de saudade de mim naquela época da vida, que retornam como facilidade à minha tela mental quando em vez todas aquelas personagens uma a uma: Rômulo Serrano, artista plástico considerado, de quem me aproximei face ao gosto pelas artes; Aldo Castanha Bezerra, que trabalhava em birô próximo ao meu e sempre demonstrava carinho e paciência; José Renato; Hugo Bezerra, sobrinho de Aldo; Seu Aníbal, o titular da carteira que substituía Altino Amazonas, licenciado devido atropelamento no trânsito, irmão do político brasileiro João Amazonas, fundador do PC do B; Walter Leite, que sofrera um AVC e falava com dificuldade; Benedito Paraguaçu; dois outros que, de tanto Serrano só chamar pelo apelido que ele mesmo pusera, guardaria apenas os codinomes, Leãozinho e Jegue Novo; Cesário; Seu Carlos Reis Lopes, a quem Serrano dedicava particular atenção, porém de jeito equivocado, pois a ele causava constrangimento devido às caricaturas que o retratava de modo jocoso, fazendo rir os colegas e sofrer a vítima (agora denominaria bullying no ambiente de trabalho, aquilo que presenciei); um escritor e professor de Filosofia da Universidade Católica, ex-seminarista, de quem me foge o nome; e os fiscais de cadastro, Jesuíno, um apaixonado por livros; Freitas Neto, anterior líder sindical que enfrentara as barras antes da Revolução Militar, nos embates da década de 60; Carvalho, depois titular do setor jurídico do próprio banco; e Waltinho, de quem adquiriria um rádio Transglobe Philco que me acompanhou logo data e ainda chegaria a Crato, no meu regresso.

Bom, acho que lembrei quase todos eles, restando talvez um ou dois, que permanecem à sombra das emoções baianas daquele período rico de oportunidades e profundas saudades do Ceará, aonde, por absoluta ausência de conformação na distância, tornaria com ânimo de permanecer, isto que acontece até os dias de hoje.

terça-feira, 26 de agosto de 2014

O presente

Na China existiu um velho guerreiro que nunca fora derrotado. Apesar da  idade avançada, era capaz de lutar com os mais novos e sempre levar a melhor. Sua fama atravessava o país, correndo mundo afora. Seus alunos o admiravam e respeitavam seus ensinos.

Lá um dia outro guerreiro famoso se apresentou disposto a medir forças com o Mestre, porquanto sabia do prestígio que desfrutava e trazia em si o firme propósito de vencê-lo em combate de proporções jamais presenciadas. Queria ser o primeiro a derrotar aquele senhor da luta.  

O desafiante, além de apresentar força e habilidade inigualáveis, possuía talento sem igual para descobrir pontos fracos nos oponentes, explorando-os até conseguir anular-lhes a concentração e vencer a resistência, destarte triunfando em todos os combates. Forçava os adversários a revelar as fraquezas, atacando-os, então, com extrema bravura. Dadas tais características, depois do primeiro momento de duelo ninguém resistiria a seus golpes fatais. (Descritas as características de ambos os lutadores, prossigamos a história).  

Sabedor das intenções do desafiante, o Mestre de pronto aceitou o desafio, no que pesassem as observações zelosas dos discípulos a preveni-lo. E veio a data do embate cercada de grande pompa, a reunir enorme multidão.

Os dois se posicionaram com o jovem guerreiro principiando a fazer provocações verbais usando de xingamentos vis, a lançar punhados de areia e cuspir no rosto do adversário, gestos que se repetiram por longos e longos minutos.

Entretanto, impávido, o velho guerreiro resistiu sem perder a tranquilidade, extático, calmo e dono da luta, se mantendo à frente nos golpes. Não demorou muito a derrotar o petulante agressor que, por fim, se esquivou envergonhado debaixo de apupos e vivas. 

Desconcertados por ver o Mestre se manter passivo no decorrer de quase toda a luta, os alunos quiseram saber a razão desse tipo de atitude em faca das agressões sofridas: 

- Por que o senhor teve de suportar tanta humilhação sem impor qualquer resposta, e esperar tanto para revidar as ações do opositor e chegar à vitória?

- Quando nos mandam um presente e nós evitamos receber – ele respondeu -, esse presente fica nas mãos de quem oferecer. Dessa forma, retorna a quem o enviar.  

sábado, 23 de agosto de 2014

Só ninguém é eterno

Quantas e tantas vezes fazer propósitos de aquietar essa vontade esdrúxula de transferir à escrita o caldo grosso que percorre as veias das pessoas a escrever e procurar, através das letras, anotar focos projetados no espelho da presença, espécie de contração do estômago da distância. Contudo, passado o cochilo providencial das tardes, ao desarmar da rede, se arrasta lascivo o desejo de passar às palavras tamanha responsabilidade, guardar em não sei parede infinita os pedaços repartidos de sonhos e outras mumunhas que da mente nasce de onde buscar lugar algum e depositar nas existências dos nortes o sobretudo dos trechos de Lao Tsé a reler em futuros imaginários: Nas profundezas do Insondável existe o Ser. Antes que o Céu e a Terra existissem, já era o Ser. Imóvel, sem forma.

E nisso do gosto de mergulhar afoitos impossíveis da essência, voragens impetuosas avançam pela fronteira do todo universal lá aonde crepitam fagulhas da entranha, país do inesperado, voos nas malhas verdes da tarde que brilha longe, longe, fora daqui. E permaneço intrépido bem na porta dos depois impacientes, cheio de histórias incontidas, maravilhosas, vazadas na lei da permanência que se desmancha prazeres intensos no sabor céu da boca da noite, em cavalgada que ligeira se aproxima dengosa.

Bom, acalmei partes de mim nas linhas ali de cima, restando revelar, nalgumas linhas que sejam o tal gosto de acrescentar imagens que resistam ao tempo, ruídos agora ausentes, marcas de fogo no coração das pessoas. Distinguir a força da resistência na luz que impera poderosa no vão da consciência, valor da atenção que fixa pensamentos em planos objetivos, invés desse mundo calado, queimado, desolado nas convulsões sociais dos impulsos. Trazer algo escritura e reverta o quadro cinza das horas vadias que ainda ferem e machucam... Pedir conceitos puros aos leitos em brasa da alma... Aceitar erros do passado e corrigir os passos dados no rastro da esperança mais pura.   

(Foto: :Jackson Bola Bantim).

O disfarce

Homem jovem, de cabeleira vasta, roupas coloridas, sonhou que iria receber a visita da morte. Não lhe sobraria muito tempo de permanência aqui na Terra. Dado acreditar na consistência dos sonhos, cuidou de estudar uma forma para melhor se proteger dos riscos desta vida. 

Habitava pequena cidade do interior, onde era por demais conhecido. Sem comunicar a ninguém, tratou de viajar para lugar longínquo, onde ficasse no mais extremo ostracismo.  

Instalou-se num lugar afastado, metrópole descomunal, em que ninguém daria notícia de um novo morador; refez sua aparência: raspou a cabeça, modificou o estilo da barba, da fala, comprou roupas diferentes, mais sóbrias, pôs óculos escuros, etc.; mudou por completo a antiga fisionomia. Achou também que devesse adotar outro sistema de vida e buscava sempre as multidões, as ruas movimentadas, os locais agitados, barulhentos, shoppings, praças, os espetáculos públicos, praias cheias, onde estivesse despercebido. Tudo se dava conforme planejara. Nem nos sonhos voltaria a lhe importunar a perspectiva de cedo haver de deixar este mundo.

Ia tudo bem até o dia previsto naquele sonho funesto, quando em pessoa apareceu o anjo exterminador que lhe buscava. Dirigiu-se à antiga residência da vítima potencial, na pacata cidadezinha em que a princípio viveria. - Ora, que decepção - nem o menor vestígio do freguês. 

Desapontada, a morte coçou a cabeça; de cima abaixo revirou a lista telefônica; indagou da vizinhança, de policiais, carteiros; nada; nada; inexistiam sinais do homem que transportaria para outro mundo. 

Frustrada, ela resolveu, antes de voltar, se entreter qualquer coisa, indo a passeio visitar recantos populosos, dos quais, coincidência ou não, o tal em que o freguês fora habitar. 

Na metrópole sem tamanho, bateu pernas longo tempo e chegou a uma casa de shows em que se desenvolvia festa agitada, animada por grupo de rock estridente, casa dos horrores eletrônicos. Fumaça, ruídos ensurdecedores, superlotação.

Apreciou algum tempo o espetáculo. Ainda que convidada pelos organizadores a permanecer pouco mais, resolveu desconversar e saiu em retirada; então, planejou ganhar a viagem. Antes de partir, decidiu levar alguém na companhia. Com cuidado, observou a vasta multidão. No meio de tantos esfumaçados e envoltos nos jatos de luzes coloridas, viu alguém que lhe chamou a atenção devido o crânio bem pelado, luzidio, no meio dos muitos cabeludos (era o dito homem do sonho); calculou porte, pesagem, e arrastou-o à carruagem que utilizaria na longa viagem de volta.

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Como lidar com a sombra

Há dentro das pessoas humanas setor em elaboração, matéria prima do Si mesmo, algo que revelará progresso rumo aos níveis superiores da autopercepção. Essa tal região da alma denominam sombra, no espaço das terminologias da ciência psicológica. Território inexplorado, entretanto posse de todo indivíduo, oferece meios de libertação das malhas do egoísmo, no entanto a exigir na ação gana de herói, transcendência das malhas dos vícios na demanda do Santo Graal das lendas arturianas.

Como lidar com a sombra em um relacionamento ideal indica potencialidades até então escondidas sob os escombros da natureza, habilidade que reclama conhecimentos de ordem moral e ética para cruzar o pântano da involução neste mundo cheio dos desafios necessários e criar condições na personalidade em crescimento.

Isso determina esforço continuado de aceitar ser ainda limitado, portanto admitir que não se é puro no âmbito espiritual, e se está a necessitar do exercício da renúncia aos prazeres da carne.

Daí, virá conter as emoções negativas sujeitas a invadir o cotidiano e impor restrições da fraqueza animal, instintos e impulsos perversos apenas reveladores do que há de se vencer. Nem por isso padecer sob a culpa e a vergonha de transportar essa carga em decomposição nos sentimentos e atos negativos.

Depois, dominar as projeções da gente na imagem que se faz dos outros ao considerá-los aquilo que surge por causa das limitações particulares. Trabalhar a honestidade e outros valores bons da amizade nos relacionamentos e na comunicação com os demais. Adotar a imaginação criativa de sonhos, desenhos, pinturas, escritas e rituais para revelar o Eu que antes ficara reprimido tanto tempo na história dos que vivem.

Conquanto pese milhões domar a sombra dentro de cada ser, isto produzirá maiores e melhores possibilidades no beneficiamento da nuvem escura da sombra coletiva que, às vezes, parece querer negar esperança a todos nós.

(Foto: Jackson Bola Bantim).

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Água deu, água levou

Dentre as histórias que minha mãe contava, do tempo quando aprendia com sua avó o jeito de viver que aplicaria no decorrer de sua própria história, existem diversos provérbios os quais, à medida em recordava, pedia para os anotar e contar aos outros, ou escrevia, como quero fazer nesta oportunidade.

São brocardos populares cheios da sabedoria decantada dos tempos, alguns leves, engraçados; outros, no entanto, dotados de extremo rigor, como este que alerta sobre a malandragem dos varões para com as mulheres, num aviso de causar dó aos marmanjos irresponsáveis no trato com o sentimento alheio: Não confie em homem nem quando ele está dormindo. Os olhos estão fechados e as pestanas estão bulindo.


Nos cuidados financeiros necessários ao bem-viver social, há observações por demais pertinentes no que tange à relação com o dia de amanhã, tornada previdência útil a ordem capitalista de poupar a riqueza, sempre importante e válida: Cada qual faça por ter na bolsa quatro vinténs; no céu só entra que Deus quer, na Terra só vale quem tem. Ditado logo seguido de outro também versado nesse teor financeiro: Economize para ter e, quando tiver, economize se quiser.


Em filosofia prática e boa de exercitar, a memória acesa de minha mãe, em sua carga de experiências, trazia à boca palavras gravadas que servem de lição. E recordava dizeres do uso de seu pai, Antônio Bezerra Monteiro, exímio tocador de banjo nos festejos de Crato e nos brejos do pé da Serra. Dele me pediu que anotasse um dos chistes que gostava de dizer: Sou da lei da raposa, quando o Sol se põe ainda faço muita coisa. Ao contrário de outros, da lei da cotia, a quem, quando o Sol se põe, acabou-se o dia.


Vez por outra, ao deparar situações ocasionais, me vêm ao pensamento esses aforismos tradicionais, soltos na cabeça e preenchendo vazios de reflexão, a servir de alternativa no agir com o mínimo de senso. Nessas ocasiões, a voz de minha mãe parece dizer, ali perto, essas falas tiradas do baú das eras: Boa romaria faz quem na sua casa está em paz. De grão em grão a galinha enche o papo. Pelos santos se beijam os altares. Devagar se vai ao longe. Nem tudo o que reluz é ouro. Quem quer vai, quem não quer manda. Deus ajuda quem cedo madruga.


Nisso, as expressões matemáticas da vida surgem na forma de histórias pitorescas e moralistas, do tipo da que agora transcrevo em palavras textuais que dela ouvi.


Um português veio ao Brasil e aqui montou uma vacaria, passando a vender o leite que produzia misturado com a metade água. Algum tempo depois, retornava a Portugal, levando um macaquinho para mostrar ao povo de lá que ainda não conhecia o animal. Entre seus pertences, no navio em que viajava, transportava um saco cheio das moedas, fruto do apurado com a venda do leite. No decorrer da viagem, sem que notasse, o macaquinho deu de mão do saco e passou a jogar uma moeda no mar e devolver outra para o saco, até deixar só a metade das moedas. ‘Água deu, água levou’, assim pensou o homem quando viu o que sobrou da traquinagem do justiceiro simão.


Assim, de modo espontâneo, na didática da verdade, vem à tona o discurso informal das pessoas, restando aos que escutam usufruir o que a oralidade tão bem demonstra aos que querem ver.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Guerra e paz

Até onde irá a Guerra do Iraque nem os melhores especialistas da política internacional arriscam mais fazer quaisquer previsões dada a falta de lógica do conflito, agora recrudescida com a tomada da barragem de Mosul pelos rebeldes.

Com isso, quem mais perde mediante a queda de braço da indústria armamentista com a grande população, tanto do Iraque quando do resto do mundo, esta se descobre mais que nunca vulnerável no meio do fogo das modernas engrenagens de guerra, atingindo todos os diversos setores da vida econômica, política e social.

Houve tempo, na história da Humanidade, quando elites europeias resolveram retomar as áreas da Palestina onde vivera Jesus, tempo das Cruzadas, e o povo árabe se avistou coagido a enfrentar as hordas civilizadas do Ocidente, nas sangrentas investidas de conquista do Santo Sepulcro.

Neste tempo dagora, no entanto, os pomos da discórdia são as reservas petrolíferas que tendem a diminuir e, por fim, se esgotar, fechando outro turno civilizatório da vida na Terra, o que motiva clamores surdos de povos inteiros, vítimas de um turno repetitivo de lutas coloniais.

Os índices de mortandade tende a cresce com os atuais bombardeios de cidades foco da resistência iraquiana, além de que o uso do poderio aéreo em áreas com muitos civis parece mata com facilidade a população civil, o que já estava alta antes da guerra, por causa das sanções que dificultavam o acesso a alimentos e remédios. Mesmo assim, os pesquisadores se dizem chocados com o que descobriram das mortes entre etnias, lutas seculares.

Esses acontecimentos aos poucos deverão ocasionar providências de todos os países, com vistas à preservação das conquistas do Direito Internacional Humanitário, assegurado no decorrer das outras guerras, exemplos de fraquezas idênticas, portanto remédio paliativo, após tantos equívocos desnecessários.


Só representa o velho atraso dos seres humanos, milênios afora sem achar o termo conciliador da boa Paz, na ganância infame que sustenta a espécie e empana o brilho das largas conquistas da inteligência. Baixar a cabeça, silenciar os painéis dos eletroeletrônicos e sonhar sonhos de inocência, alienados da atualidade tosca que destrói os valores e pede evolução. Erguer os corações aos céus e pedir compreensão de tudo isso.

domingo, 17 de agosto de 2014

Memórias do futuro

Nas dimensões do mistério também habita a dor, vezes em proporções que assustam a gente, revira escombros do passado, deslizam no presente e, sem pedir, invadem os impossíveis do futuro das possibilidades. Qual dissera Saint Exupéry de quando o mistério é muito impressionante, não se ousa desobedecer. Dizemos isto a propósito da brusca notícia do desaparecimento de Eduardo Campos, político do Partido Socialista Brasileiro em disputar das próximas eleições à Presidência da República.

Tão sob os fachos eletrônicos da sequiosa mídia nacional, personagem próximo do poder, esse líder simplesmente impactou as emoções feito vazio inesperado que ainda agora, cinco dias depois, pesa no ar espécie de estarrecimento das razões dos acontecimentos inesperados.

Quiséssemos considerar transformações que a presença dele viesse trazer às hostes públicas do País, mesmo que com toda intensidade das esperanças de melhora no seio da população, isso jamais passara de meras cogitações, algo semelhante à proximidade permitida e não realizada de Tancredo Neves, nos anos 80, que abriu motivos de novos dias, porém sugado ao invisível de uma hora a outra, imagem diluída no transe de poucos quadros da fita do tempo.

Sem as grandes alimentações dos endeusamentos descabidos, Eduardo Campos representou algo de próspero nas ficções da mudança no estado de coisas do presente, contudo feito mistério indecifrável mediante a surpresa de um acidente aéreo na cidade de Santos, no litoral paulista.

Dadas razões partidárias, eu estivera com ele por quatro vezes, a idealizar, no seu projeto jovem cheio de vontade que trazia consigo a vocação que só cumprir rapidamente. Administrara o estado de Pernambuco por duas vezes, com avaliações positivas. De 49 anos de idade, neto de Miguel Arraes, prócer de feitos largos no cenário pernambucano, formava dupla com Marina Silva no difícil cenário da campanha do corrente ano, em terceiro lugar nas pesquisas. Avaliamos, no entanto, as perspectivas do porvir, a compor os quadros sucessórios com boa margem de chances lá depois. 

Qual quando as cortinas do teatro da história sacodem e fecham a visão das cenas, desse modo capítulo humano tranca os olhos ao que viesse de ocorrer no que tange ao desempenho da vida que se foi na reticência das horas.    

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Moral de sertanejo

No tempo ainda quando Luiz Gonzaga se achava neste chão, certa vez, ouvido por conterrâneo seu numa das memoráveis apresentações de praça pública que fazia no Rio de Janeiro, naquele trecho da música Paraíba que afirma Sertão de muié séria, de homê trabalhado, esse amigo comentava: - Virgê, parece que faz tempo que Luiz não vai no Norte.

E outros consideram saudosos os idos históricos da fase em que um fio de bigode servia de garantia aos negócios entre os sertanejos.

Ó tempos, ó costumes!, falavam de boca cheia os romanos para avaliar o desgaste da moral no decorrer da história.

Fica-se, no entanto, a perguntar: por onde anda o sentido austero da sociedade no que diz respeito ao cuidado com a palavra, não só nos negócios, porém no decorrer da vida em grupo, devido à ausência de critérios e firmeza nas atitudes e nos gestos que alimentam o cotidiano?!

Isso porque nem a confusão entre os termos ética e moral, que atravessa os séculos das academias, é capaz de explicar os motivos do desgaste imenso de hoje em dia, dando à  austeridade lugar de pura ficção.

Raros sobreviventes da primeira metade do século XX transmitem essa notícia de que o sertanejo primava pela honra e elevava aos céus bons predicados da moral, observados, contudo, se viver período escuro, de bandoleiros e volantes, antes até da Revolução de 30, os quais amargavam de medo os interiores do Nordeste com práticas desleais e selvagens.

Havia o homem cordial, pai de família modelo de virtude, dotado de um código ético irreparável, fruto das reservas mais esclarecidas, proveniente da formação dos ancestrais a cumprir a função de mostrar normas fiéis. A marca típica desses senhores de sítios e fazendas norteava um prazer original de boa convivência a que ninguém aceitava desacreditar, qual fosse marca de campanha vitoriosa de vida.

Houvesse outros defeitos, entretanto a palavra sobreviveria para mostrar o quanto vale dizer e sustentar o que se diz. 

Passado menos de cem anos e se busca aonde sumiu o prestígio da fala nas crônicas caboclas. Em que madrugada o perfil dos cidadãos abandonou o prestígio e deixou que a complacência enovelasse de pó o caráter antigo da natural equidade.

As conseqüências dessa transformação geram a imensidade dos papéis que amarelam no fundo das gavetas, nos bancos e tribunais, a profissionalizar ofícios que antes nem inexistiam. O estado de direito cobra o preço da revelação de personalidade sinistra, a muitos chamada de globalização, afastando para longe os modos prudentes da valentia do caráter inatacável dos matutos.

Quer-se, outrossim, imaginar que nada justifica a incapacidade humana ao justo, ao honesto e ao correto, valores distantes dos caminhos que percorrem ações do momento presente, nos vários campos da vida pública.

(Foto: Jackson Bola Bantim).

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

A carne e as estruturas metálicas

Essa condição incansável de andar no meio das engrenagens do sistema impessoal que domina os destinos da raça, e querer sair fora de planos inatingíveis dos donos das máquinas com ares vitoriosos, o que bem caracteriza os humanos seres no decorrer de todo o processo geral que convencionaram chamar de vida. Esse velho desejo insano de perfurar as chapas de aço do cotidiano e seguir de sorriso largo nos lábios ressecados, na luta pela jornada, onde ideias pesam e pouco adiantaria poder aos impotentes senhores de si mesmo, poderosos desqualificados e torpes; tudo reclama atitudes autênticas, no entanto.

A limitação dos supérfluos em atender aos sonhos, porém, fere de dor a face permanente do diálogo entre povos e marcas industriais, sim, o quanto de vontade pouca só determina que acontecimentos aconteçam independentes de nós próprios, nesse filme do vazio de ruas angustiosas e cidades empacotadas, zoadentas, pecaminosas.

O ente pensante troca de passos, de pneus e peças, olhos cinza de zinco fosco, personagem do religioso poema das esferas eternas. Espécie de motor das horas, alimentado de nutrientes químicos, percorre cinemas e travessas de mercados, fixo no depois, esquecido de antes e longe do presente. Machuca a alma de pouco caso, astuto senhor dos castelos inexistentes. Bloco de carne quente, segue trocando partes da carcaça face aos novos lançamentos trazidos nos navios de nuvens. 

Modelo raro de possibilidades científicas e filosóficas, apenas acredita no girar das moendas que lubrifica às horas das refeições silenciosas, regadas a aditivos de origem imaginária. Dança nos parques das multidões embriagadas, grita em noites de núpcias, voa nas madrugadas de altas velocidades, percorre o trilho brilhante das caminhadas difíceis...

Homens de coragem, reunidos, eles significam agentes de missões superiores reunidos na praça principal da transformação à medida que invadam o Inconsciente desconhecido, na espera de longo curso que alimenta a história.  

(Foto: Jackson Bola Bantim).

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Mês dos pais

Conceituam-se as coisas para atender necessidades, sejam de mercado, sejam de conveniência, mas conceituar transforma o simples no complexo e o certo no duvidoso, conquanto sirva de base ao andamento dos barcos, neste mundo de balcões e portos em que a vida se converteu num tempo de muita galinha e pouco ovo.

Maio foi eleito o mês das mães, desde as noivas, futuras mamães, a Maria, mãe de Jesus. Isso enquanto as flores perfumam os jardins e tudo parece corresponder, em termos de felicidade e harmonia.

Já o mês de agosto se tornou o mês dos pais, nos turnos comerciais, tempo de presentes a quem paga os presentes o ano todo.

Fase boa de fazer reflexões do que sejam os pais dessa era de tanta mudança, quando criar filhos virou ginástica de muitas posições, a perguntar quais caminhos trilhar no futuro da família dos maiores desafios morais.

Outros momentos prometiam melhores esperanças do que hoje. Ser pai agora envolve compromisso de mostrar resultados em forma de sucesso profissional e geração de emprego e renda, salvadas aparências e destinos, manterem os filhos longe das drogas, da prostituição, da linha de pobreza.

Nunca tantos moraram na Terra e os valores foram tão mutáveis. E os pais saem em busca do pão de cada dia nos formatos dos tempos comerciais, automáticos, industriais, digitais.

Aos homens, o mérito de cumprir a missão de criar e conduzir os filhos, e indicar alternativas do futuro; cabe-nos olhar com bons olhos e vê-los quais cidadãos comuns, porém cobertos das cinzas da incerteza, nos vagões de segunda, dados fatores que lhes restringem os passos, fardos familiares de outras exigências.

Na roda viva desses meios, as correias dentadas do coração reclamam contrato, sejam no peito de pai, ou de mãe, ou de filho. A humana sociedade pouco corresponde àquilo prometido nos manuais. Iniciativas pedem coragem e criatividade, sem permitir falhas por conta do que virá depois, nas folhas de pagamento e prontuários oficiais.

Querer aos pais, venha de onde vier, de comerciantes, ou pirralhos, significa respeito a entes valiosos na condução desses trilhos de malhas do sem-fim.

(Foto: Jackson Bola Bantim).

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

A um novo habitante deste mundo

Quero deixar claro que aprendi a ver o mundo com olhos de quem aceitar vir aqui qual solto dos céus semelhante a folhas em branco deixadas pelas árvores, mistérios fabulosos a preencher o Infinito de boa vontade nas marcas do futuro, sob a força enorme dos melhores princípios, além das pequenas vontades individuais que ainda somos nós espalhados nas dimensões multicores de vales, florestas, mares, montanhas, lugares bonitos e cheios de oportunidade.  

Haverá horas quando algo mexe dentro da gente pedindo calma, indicando meios de seguir, porém com extrema habilidade, espécies de lições aprendidas na luz do sacrifício, a conter o caudal imenso da energia que administramos por meio de consciência próxima mas distante ainda. 

Dias acontecerão de aguardar com ânsia os limites da paciência, contudo cientes de que jamais restaremos abandonados, pois nascemos fruto de inteligência refinada que o sonho de todos os nossos sonhos conduz as vastidões cósmicas dos nossos passos, desde que desejemos auxiliar na construção de um sentido pleno à Felicidade. 

Neste chão, por isso, dormimos noites frias, respiramos fumaça, quebramos pedras, entretanto a ninguém restará o abandono, visto o calor dos amigos, familiares e de Sol imenso a brilhar todos os dias no firmamento azul, a indicar força plena de todas as verdades que alimenta sobreviver aos desafios das espécies, nós e nossas amigas, plurais existências de uma película perfeita à disposição dos que irão construir civilização que nos aguarda logo, logo.

Chegue desde modo de peito aberto e alma liberta, ciente das normas do lugar. Observe, avalie e amplie conhecimentos. Aprecie o som do moinho nas horas, nos lugares, quietos e verdes. Abra seu coração os ditames da boa paz, companheira fiel dos melhores instantes que viverá, sob o prisma do amor necessário a tudo que neste pedaço de Universo existe e cresce.

Nunca perca o objetivo de criar caminhos cheios de perfume e alegria. Dome as feras que ainda habitam nossas histórias antigas e que precisamos transformar, no rumo da inevitável Eternidade. Venha, some conosco este exército dos livres que formamos devagar, na missão de vencer fraquezas e iluminar face de nós mesmos. Nisto, chegaremos a Deus, todos irmãos.