quarta-feira, 31 de maio de 2023

Vozes em tudo


Basta silenciar um pouco e escutar o instante; dali nasce um som impertinente que circula suave pelas encostas de tudo. Sons de cores, presenças, movimentos. Quais meros ouvintes, e aqui vivemos recolhendo nas horas os sentidos, os hábitos e criamos este ser que somos, arrastando vidas a fora. Longos mastros de embarcações diversas, disso resulta o todo que ocupamos num lugar do espaço. Aguçamos as vistas e presenciamos a sequência dos ventos e das ondas. E salientamos na alma os frutos das circunstâncias.

No seriado desses tais acontecidos vêm os pensamentos, impressões, sentimentos, máquinas incessantes de perfazer a individualidade pelos refolhos da consciência. Fragmentos de tempo soltos nesse universo estreito da criatura são a sua atenção permanente. Essa existência particular, abstrata, no entanto, é  parcial, porquanto dentro de tais percepções é que existe o perceptor de verdade, a gente mesma ainda em formação. Durante o período da experiência na carne, trabalhamos milhares, milhões de avaliações que nos amaciam o caminho de chegar à maturidade. Meros viventes, pois, criamos mundos à parte do grande todo e neles nos arranchamos durante o Infinito inesgotável. Avaliamos, presenciamos, observamos. Desta fantasia em forma de existência trabalhamos a versão definitiva do que lá um dia seremos.

Diante da gente passa este tempo imaginário e nele pessoas e lugares, numa atividade inevitável, constante, face às razões materiais que preenchem de vozes o vazio e o nada. Arrecadamos paulatinamente motivos apenas pessoais desses estados provisórios e deles criamos as histórias que se desfazem na medida das nossas próprias conveniências.

De um episódio a outro, assim montamos a versão que, talvez, devesse constar dos anais da Eternidade, porém num caráter  limitado às nossas atuais ilusões. Enquanto isto tocamos o barco da realidade pelo deslizar dos momentos e aceitamos de bom grado que eles sejam a base de cálculo das vidas que escutamos sem pausa na nossa caminhada através do mistério e suas vozes incessantes.

(Ilustração: Paraíso perdido, de Gustave Doré).

terça-feira, 30 de maio de 2023

A certeza que se tem


São muitas, inúmeras certezas adquiridas ao sabor do tempo eterno. Na clara necessidade, havemos de criar os motivos de tocar adiante os instintos de viver. Devagar se aprende à medida em que topamos os desafios e construímos as razões de continuar a enfrentá-los. Um tanto disto nasce das horas e das experiências em movimento. Mediante planejamentos constantes, elaboramos os planos e tocamos a cumprir o que de melhor faça sentido a cada um de nós. Quais experimentos vivos, traçamos o destino com as mãos. Há verdades que só a vivência constitui e reunimos o sentido que queremos de oferecer a nós mesmos o aperfeiçoamento do mistério de ser.

Isso aprimora as forças da Natureza, de que também somos parte integrante. Todos os viventes trazem consigo esse papel a desempenhar, base das justificativas da existência. Nada, por menos importante a nossos olhos, significa algo sem razão de ser. Componentes de um grande todo, a importância desse significado revela o nível a que chagamos.

Todos os  momentos, lugares, atitudes, pensamentos, sentimentos, enfeixam as faces de um poliedro sem fim onde cumprimos nossa missão. Conquanto, por vezes, desejemos respostas indiferentes e desvinculadas, isto apenas demonstra o quanto precisamos cumprir em respeito a leis que ainda desconhecemos. A pretexto de liberdade, tantas e tantas dores acarretamos a nós próprios, o que representa marcas e lições em fase do aprimoramento inevitável. As virtudes nascem disso, da temperança, das tentativas e dos erros, ou acertos, até quando divisarmos o real propósito do que nos trouxe até aqui rumo à Felicidade.

No fluir das gerações que nos incluem, palmilhamos a longa estrada evolutiva até viver o senso da realização plena do Ser, agora com outro princípio, a luz da Consciência. As palavras contam e as histórias demonstram o valor essencial de tudo e todos.

(Reprodução).

Nas asas da Eternidade


Há cerca de dez anos, a convite da Academia Lavrense de Letras, fomos, Luciano e eu, numa missão cultural, a Fortaleza. Era época dessas chuvaradas intensas no Ceará, o que ocorre rara e inesperadamente. Não mais conseguiram bilhetes saindo da rodoviária do Crato e tivemos que ir de táxi a Várzea Alegre, e de lá pegar ônibus, restavam apenas os derradeiros lugares do transporte, e foi lá que nos instalamos. Uma longa noite pela frente. Conversávamos a respeito do seu trabalho, quando ele começou a declamar. Logo chamou a atenção de outros passageiros, que se aproximaram à escuta. Resultado, o que nos parecia difícil, tornou-se um percurso divertido, agradável, quando vim a conhecer mais de perto a obra do poeta. 

Daquela vez me tocou o desejo de ver seus poemas em um livro, inclusive sabia ser esta vontade que alimentava desde algum tempo. Em Crato, depois, planejei editar o que seria o seu primeiro livro, além das dezenas de cordéis que já publicara, vindo daí, em bem cuidada edição, sob o patrocínio dos amigos, através de Leonardo, um dos seus filhos, que auxiliou com força a que viéssemos a concretizar o sonho de Luciano Carneiro, trabalho confeccionado pela BSG Bureau de Serviços Gráficos, de Juazeiro do Norte.

Desse modo eu apresentaria o livro: Desde a primeira vez que ouvi a poesia de Luciano Carneiro, no lançamento de um de seus cordéis, hoje perto da cifra de cinco dezenas, compreendia que me achava diante de um dos gigantes da poesia sertaneja. Dotado da inspiração mais simples e pura, rima com naturalidade e declama seus versos como quem debulha vagens de feijão maduro, fácil e espontâneo. Há, na obra de Luciano, um componente

fundamental à boa literatura, a fluência e o senso de humor, que fazem menos densas as obras eloquentes da escrita, de si tendentes ao formalismo.

Assim, me tornei um dos seus admiradores, alimentando o desejo de um dia ver seu trabalho transformado em livro. Os cordéis, estes vêm sendo editados pela Academia dos Cordelistas do Crato, da qual é o poeta um dos fundadores e ex-presidente e vice-presidente, além de administrador da gráfica. Porém, os poemas autorais, por vezes clássicos e magníficos, precisavam ganhar divulgação e vida longa. Numa viagem que fizemos a Fortaleza, para atender a um compromisso no Segundo Encontro Lusofônico de Fortaleza, em dezembro de 2009, pude aquilatar o valor da sua obra. Plena de conteúdo universal revelador dos mistérios de uma vida cheia de riqueza humana, vivências e tradições do nosso interior secular, concede matéria-prima de profundas reflexões, sobretudo diante das instituições ameaçadas dos dias atuais. Os perigos da formação dos filhos, a ganância dos poderosos, a incerteza dos caminhos desta vida, por vezes rodeados de ameaças, o esforço das lutas da sobrevivência material, a destruição da natureza, tudo isso encontra na inspiração de Luciano Carneiro uma verve suficiente e transformadora, guardando a esperança e os cuidados necessários ao ímpeto da religiosidade original. O leitor fiel ao sentido verdadeiro da poesia cabocla satisfará seu apetite exigente na habilidade deste poeta digno do instrumento que abraça com tamanha maestria, ao nível dos autores consagrados no exemplo de Patativa do Assaré, Pinto de Monteiro, Catulo da Paixão Cearense, Cego Aderaldo, Juvenal Galeno, para citar apenas alguns do

Panteão da glória popular. Veja por si mesmo a veracidade daquilo que lhes transmito nesta feliz edição dos versos de Luciano Carneiro, Onde

mora a poesia, trabalho que tende a se tornar em um dos clássicos apreciados do nosso cancioneiro da rima nordestina.


Nesta hora, ao sabê-lo do outro lado da vida, fico parado olhando no tempo e lembrando a figura do poeta, simples e alegre, atento às surpresas boas da Natureza, a quem eu sempre perguntava: - Que é que está produzindo, Luciano? – e gentilmente me falava dos mais recentes versos, o que, de certeza, hoje também segue a produzir nos vastos salões da Eternidade. 

- Abraço, Luciano, terás bem guardada sua lembrança de amigo.


(Ilustração: Reprodução (TV Ceará Cariri).



sábado, 27 de maio de 2023

Vezes tantas, vezes quantas


Face a face com a razão dos acontecimentos, os seres mostram, na alma, a velocidade do tempo que transportam no coração. Há horas quando esquece de si. Noutras, apenas olham no relento o brilho dos dias e mergulham incólumes o caldeirão escuro das noites. Vozes aperfeiçoadas ao momento, deixam de lado o que bem poderiam ser, no entanto ignoram o que desde antes não conheciam. Bem nós os seres e o balanço das jornadas de olhos abertos ao infinito de nós mesmos. Espécies de objetos animados pelo furor dos sentimentos, quase sempre retornam ao tronco do firmamento e voltam vezes sem conta ao turbilhão das existências, sob a perfeição do Universo.

Disto falam as lendas, os compêndios de imaginação, as filosofias, os credos, as epopeias e os sonhos. Quais fragmentos de outras histórias, invadimos a melodia do Destino e sobrevivemos de tudo às custas de uma necessidade perpétua. Um motivo de que precisamos ter em absoluta consciência, visto compormos os quadros perfeitos de Tudo e aprimorarmos o condão das saudades na medida em que nada seremos além de fazedores de vontades perantes deste senso das exatidões. Pequeninos seres, moléculas, átomos, quais, ativamos a fogueira dos sóis em forma de componentes inevitáveis, essenciais, por dizer, das luzes da Criação.

Até que saibamos, na verdade, o código desse haver de perfeição, seguiremos tais peregrinos de legendas maravilhosas, amores, valores, desejos e lutas dolorosas. Pequenos, porém fatores imprescindíveis à visão de quem nos programou a viver tamanhas ausências e ansiedade pura de lá noutro tempo ser felizes. O máximo do instante agora continua habitando os séculos de todas as horas e pernoitamos nos braços do mistério. Como outras versões, havemos de morar no teto da Felicidade, saibamos ou não disso, porquanto as palavras insistem dizer a que viemos e sustentam as colunas do destino dos que vivem sob os impulsos e pendores da Realização plena do ser que ora e eternamente já o somos.

O misto de Chagas Bezerra


Ali nos idos de 50, quando as estradas de gado aos poucos viraram rodovia, morávamos no Tatu, em Lavras da Mangabeira. A família de minha mãe vivia em Crato, no Sítio Monte Alegre. A fim de visitá-los, meus pais vinham no Misto, um caminhão adaptado com mais duas boleais, que fazia a linha desde Várzea Alegre, passando pelo Triângulo, onde existia o Barracão, que ficava relativamente perto do nosso sítio, aonde se ia a pé ou de animal. Daí, o carro passava no distrito de São Francisco, hoje Quitaiús; na vila do Rosário, hoje Feitosa; e subia a Serra de São Pedro. Passava em São Pedro, hoje Caririaçu; descia a serra do outro lado, até o distrito de Palmeirinha, hoje Vila Padre Cícero; passava em Juazeiro do Norte e chegava em Crato, tudo isto pelas estradas de terra que então havia. Aquele abençoado transporte pertencia a Seu Chagas Bezerra, um empresário que morava em Várzea Alegre. Mais adiante, transformaria sua atividade em uma frota de ônibus, consagrada pelas longas viagens a São Paulo, a Viação Varzealegrense, que persistiria por logo tempo, até a década de 80, 90, através dos filhos.

Seria naquele misto que eu, criança de colo, de seis a sete meses, viria com minha mãe até o Crato, segundo ela me contou, a ser visto pelos seus irmãos; â época meus avós já havia partido.

Aquele caminhão-misto, que fazia a feira do Crato toda semana, às segundas-feiras, fora o primeiro alento de progresso no transporte de pessoas através do Sertão. Vinha logo cedo e regressava aos finais de tarde, lotado de mercadoria e gente, ficando consagrado na história regional do Nordeste, isto durante anos e anos, até que surgissem os primeiros asfaltos e as sopas, essas os primeiros ônibus de carreira que atendiam nesses percursos primitivos.

(Ilustração:(Reprodução: http://cearanobre.blogspot.com/2012/07/senador-pompeu.html).

sexta-feira, 26 de maio de 2023

As cores do sentimento


Existências que sussurram dentro do ente que somos nós. Fagulhas. Trilhas. Sinais que lembram o que persiste nalgum lugar, que, decerto, vive onde estejamos de olhos bem abertos ao mais íntimo das criaturas humanas. Detalhes desse todo indivisível, qual melodia que nunca termina; que vive e fala de perfeição, de paz, na alma da gente. Instrumentos de longas sinfonias em frases boas ao ritmo dos corações. Gosto suave de dominar o eterno no tempo nessas horas sem conta de segredos mexendo os refolhos do mistério lá no Infinito do todo que aonde for estaremos conosco próprios.

Vozes na floresta dos sabores e saudades depositadas nos tetos da lucidez. Ruas limpas ao sol da manhã das tantas histórias sobrevivendo na casa dos amores imortais. Pessoas em todo lugar, em nós, na brisa que acaricia o essencial dos viventes.

Pelos domínios, pois, da revelação, no turbilhão das visões, há o lugar de ouvir a consciência, saber, sentir, amar. Alimentar de sonhos o destino que plantamos. Tocar as palavras qual quem escolhe o instrumento dos melhores dias no que sente, pelos mares da sorte, e transmite a luz das possibilidades, dos melhores, sempre nas estações da vontade liberta. Isso de sentir e contar as histórias alegres, nas manhãs iluminadas de flores.

Estampas de tons inesquecíveis ilustram as salas do pensamento e das emoções, e do furor da criação. Somas de incontáveis partículas na tranquilidade do bom, do bem, da beleza, quais moléculas de memórias em movimento. Jamais destruir. Alimentar a máquina da esperança. Recomeçar do pouso da realidade os corredores dos filmes vividos e amados.

Derradeiro parágrafo na forma de respiração e claridade aos quantos habitam nas muralhas do sentimento, que observam os passos, as estradas, que trarão o Sol. Muitos em único ser. Cifras, pautas, ritmos e silêncios de harmonia e felicidade.

quinta-feira, 25 de maio de 2023

Leituras


Houve um tempo quando coisas inesperadas complicavam o meio do campo da impaciência angustiosa que instinto selvagem parecia querer jogar fora a canga e destruir de qualquer jeito os quebra-mares estabelecidos nos sistemas de defesa. Comodidades vaidosas atiravam tudo para o ar, e acendia dentro de mim fome cruel de romper o ferro dos laços da organização pessoal, no sabor dos caprichos que aparecessem à porta principal. Com isso, contrariava fácil o ditame das regularidades, invadia outras praias, feria suscetibilidades, a começar pela saúde interna do respeito aos prospectos guardados meses a fio, na malha do esforço consistente.

Não queria aceitar que mesmo no calor dos testes necessários habitasse o mistério do drama secular das permanências e conquistas cotidianas. Perdia, a bem dizer, o senso do tanto das melhores partes, porque desistia de pagar o preço de acumular a poupança da paz, naqueles momentos de chegar aos limites e merecer resultados produtivos, lições que a vida traz aos seres sobreviventes, livres da discriminação de raça, credo, cor, sexo, idade, partido, time, filosofia, indo, nesse prumo, justificar lá adiante o querer sem a comprovação da resistência, azeite doce da hora de receber o que se ganha com esmero e qualidade.

Já hoje, talvez isso o que denominam experiência, descubro faceiro que inexiste vitória sem a luta correspondente. Noites insones, dúvidas, opiniões, renúncia. Bajulação perde a força no que tange ao valor real das sementes verdadeiras. Ninguém, de insana consciência, que aguarde pacote pronto dos reservos do destino, usufrui da mera credulidade indecorosa, insuficiente, que alimentou. Pode até, nas horas vagas, parece que ganhou qualquer lance, porém o custo da incúria corre solto atrás dos presságios alvissareiros da inércia.

Apresentou-se o desafio, logo em seguida, fruto daquela árvore imensa, cresce, no lodo e no tempo, as perguntas da justiça do merecimento. A cada um conforme seu mérito, porquanto a Natureza trabalha à base de leis matemáticas, soberanas, longe de peixadas sociais dos mundos tortos.

Quase uma mensagem cifrada indica: ou plantou ontem ou haverá de plantar agora, caso pretenda dispor de resultados sonhados para o futuro. Há normas equitativas, independente de que funcione ao passo da individualidade pretensiosa, luxenta, da própria barriga.

Depois de muito forcejar as barras da inconsequência, nenhum vento leve conduz aos segredos universais só por conta dos belos olhos. Há batalhas pela frente antes da vitória. Luzes das doutrinas humanas caem aos primeiros acordes do dia, residência fiel da balança que estabelece princípios firmes.

O acaso de dados ao vento passa longe do Santo Graal, no passo dos peregrinos. E suportar espinhos permite a maciez da rosa mais perfeita.

quarta-feira, 24 de maio de 2023

Raias da imbecilidade humana


Além da guerra da Ucrânia, o mundo vive mais 28 conflitos.

Havia de ser assim, durante longas datas, o homem lobo do homem, até revelar a condição de irmãos uns dos outros, nesta vala comum das horas. O itinerário deles, de nós humanos, escrevem com o sangue. Poderosos seriam os menos indicados a conduzir o barco no trilho das gerações. No entanto adquirem tal poder, mesmo que fracos de juízo e moral, e marcam a ferro e fogo as ancas dos inocentes. Mas reclamar sem ter a quem nas conferências abandonadas. Então, resta reverter o quadro dentro das próprias criaturas, única possibilidade que existe de viver sonhos de transformação, paz e consciência.

Plantam só os frutos do imediato, de prazeres ilusórios; deitam e rolam no mar de lama onde puserem seus feudos pecaminosos. Acenam os místicos a outras chances, contudo nascidas do coração, do sentimento, rumo do Eterno. Indicam, demonstram, praticam, todavia olhos a quem possa ver. Nisso, as consequências da sanha do transitório em detrimento da transcendência do ser que somos ainda sem saber o suficiente de exercitar a libertação verdadeira.

Houve fase, que chamaram de Era da Razão, quando resvalaram nos abismos da ignorância e determinaram esse materialismo que ainda impera nas hostes de governo. Feras devorando feras, nos clímaces de guerra e destruição. Isso que repetem nas telas dos dramas através dos mercados, em que pessoas valem nada e lucros tudo valem. Resultado: dores, eliminação em massa, migrações forçadas, famílias esfaceladas, judiação e desamparo, sob as vistas míopes dos tais proprietários dos bens de produção.

Sobram os depoimentos, comentários, esforços inúteis das reconstruções, numa fase de civilização em que ninguém fala de revolução, palavra tão em moda pouco tempo passado. Hoje o sentido de tantos resume o direito de sobreviver à burocracia dominante e aos interesses dos poucos. No entanto, é preciso persistir e jamais esquecer o motivo maior dos novos tempos, da alegria e da solidariedade, amor e compreensão. Depois das tempestades que advenha luz na face dos dias que vêm, no justo valor de Tudo.

(Ilustração: https://observatorio3setor.org.br/noticias/alem-da-guerra-na-ucrania-mundo-vive-28-conflitos/).

segunda-feira, 22 de maio de 2023

No estômago da baleia


Poucas vezes deveria ter antes pensado de querer fugir do compromisso da profecia que recebera, nem sabia de que jeito ou finalidade. No entanto Jonas duvidou sobejamente, e quis fugir, desviar da missão que merecera. Resultado disso, hoje é rotina conhecer, que não saber é como quem não ver, ou não quer ver. Embarcara no primeiro navio mercante que achou parado ali no porto e sumiu goela adentro do mar sem fim, até chegar ao estômago de uma baleia faminta. Nisso, pego de surpresa a imaginar o que passaria na sua cabeça, aí correu aonde que fosse e não havia mais saída. Restou no íntimo daquele animal espaçoso, jogando pelas ondas do alto mar feito um trambolho qualquer a bordo de quem quer que viesse de ser, senão uma baleia enorme que resolvera a questão. Ele imaginara tudo, menos aquilo. Faminto de desejos e alternativas, e sujeito aos ditames da sorte errante do animal. Apenas um dentre tantos que assim procedem, de buscar meios de peregrinar pelo mundo sem endereço certo ou visão de imediato. Querer não quis, contudo o tal mamífero dos mares achou de engolir o profeta e vadiar com ele dias e dias no sentido de Nínive, que lhes aguardava desde sempre. O povo ficara ciente da vinda de Jonas e restou, pois, à baleia encontrá-lo vagando nos confins do oceano quais tantos desses entes rarefeitos que aventuram de mascara a sina, e viver outras ideias que não sejam a principal do papel que recebeu pelas mãos do Destino. E buscar outras aventuras ao bel prazer, desfazer as previsões do significado original. Mas seria ele mesmo o escolhido daquele povo em pé de guerra com os sentimentos bons, vadiando noutras ondas, noutros estilos de vida sem objetividade e previsão.

Bom, passados que foram aqueles quantos dias, três dias e três noites que pareceram séculos, talvez, e Jonas fora lançado às praias da cidade, desfeitos seus planos de criar outra finalidade na vida, que coube a ele cumprir nos ditames do Criador.

(Ilustração: Interadus (https://interadus.blogspot.com/2015/12/moby-dicky-fantastica-historia-da.html)

sábado, 20 de maio de 2023

Outra visão do Paraíso



A sede constante de novas emoções permitiu que largas viagens, nem sempre bem sucedidas, fossem de urgente necessidade e que abrissem outros meios de regressar ao sentimento original de paz que tantos almejam todo tempo. Escusado dizer, porém, que ainda hoje dói lá dentro das almas de toda criatura a perda de que se tem notícias. A busca desse retorno tem sido, pois, a razão principal de tudo quanto acontece desde então neste Chão das infâmias, distante que fosse dos primeiros passos
. Quisessem ou não, os primatas aqui chegaram numa plena certeza de haver encontrado o teto da esperança. E assim tem sido nas horas infindas de realizar a intenção de reviver a tal certeza.

Houvesse, com isso, um pleno conhecimento de tudo e jamais correriam a risco de perder as primeiras naves que galgaram o espaço. Ficava consigo, contudo, o firme esplendor das conquistas, amor de muitas e muitas gerações. Plantaram na consciência esse objetivo sem o qual nada significaria. Alimentar essa vontade extrema de desvendar o enigma de estar aqui através da coragem de percorrer as galáxias luminosas, eis a justificativa, afinal.

De tal modo que ainda agora, passados milhares e milhares de anos, todos permanecem nas assembleias noturnas, por vezes envoltos no som de longas sinfonias e silêncios misteriosos. Vão nisso seguidas multidões sustentadas pelas lendas mantidas no coração.  Pais que as transmitem aos filhos nas religiões, tradições preservadas e mantidas sob rigores, rituais e doutrinas.

Sabe-se bem que, pessoas e grupos, confiam nos valores que continuam vivos no íntimo, guardiões desses novos momentos de Salvação que esperam tudo quanto há durante a Eternidade em frente.

Sonhos de paz



Quão poucas vezes, à medida das suas necessidades, os humanos vivem períodos de plena paz. Desde sempre, vieram primeiro as urgências de sobreviver diante das intempéries e do meio. Lá adiante, com o exercício da posse das terras e dos bens perecíveis, chegaram os apegos patrimoniais e a ânsia da prepotência sobre os demais. Nisto cresceram as dependências abstratas ao poder temporal. Eis o quadro atual. Ricos versus pobres; nações desenvolvidas versus emergentes e miseráveis. O cenário é um só, o circular das gerações perante o definitivo do que nunca vem, aos limites deste chão. Vaidades mil. Supérfluos versus fome. Leveza contra ansiedade.

Nisso resta clara a ineficácia da imaginação dos acadêmicos. E os frutos vagam soltos pelo ar das multidões enfurecidas nas guerras de conquistas e manutenção dos domínios, largando longe o direito dos simples de querer tranquilidade. Paz vira sonho, só sonho. Só ilusão dos desamparados, de artistas visionários, enquanto eles planejam novas desavenças, pouco importando o custo de vidas e harmonia.

No entanto se sabe o quanto de ilusão isto significa em termos de verdade. Espécies de celerados no comando, bobos enfurecidos, detonam as armas que eles mesmos planejaram e fizeram a troco da destruição. E saber que tudo isso representa única e apenas a falácia das ideias e dos direitos todos sabem, na esquizofrenia das feras famintas de civilização. Destroem a natureza, ferem, dominam a inutilidade, nos empreendimentos falsos.

Salvar a si, eis a que estamos aqui. Este o sonho de paz na imensidão. Reverter a origem do sonho e preservar o amor nos corações. Toda a arte, todos os folguedos têm este itinerário certo, na reluzente universidade do tempo. Fugir não tem aonde. Meros bichos de aventuras errantes, coçam suas feridas debaixo das sombras e ignoram o futuro, longe da esperança.

Riem do quanto até agora produziram, e olham os céus, em clamor de misericórdia. Mas isto também conta, nos tribunais da felicidade. Nada estará perdido, jamais. Há os sonhos de paz livres, soltos pelo ar.

sexta-feira, 19 de maio de 2023

O universo das palavras


Num território por demais cheio de outras realidades distantes, elas vagam soltas entre os pensamentos. Edifício que se constrói no decorrer das vidas, crescem na medida em que um ente central as conduz. Formam sucessivas, longas histórias; deixam largas impressões, lembranças, cenas mil dos tantos momentos, quantas pessoas, sentimentos. Vivescências que alimentam a sequência do caminho de todos, cada uma à sua maneira, formam mundo estranho, individual e coletivo; sustentam de memórias o lastro faminto do tempo em que transcorrem. Descrevem, narram, imaginam, preenchem de ânsias as existências inteiras, numa procura incansável da compreensão plena do que carregam em si. Perguntas, perguntas. Olhos abertos ao Infinito, suportam doridas a solidão das horas. Distinguem as cores do mistério que assim buscam desesperadamente tocar.

Elas somos nós. Existem, existimos nelas. Vida própria das palavras, seres que percorrem nossas entranhas e ficam grudadas a nossa alma. Gritam dessa urgência de paz no coração de todos. Quintessências do que passou e impossível foi que as contivéssemos na consciência, por mais que desejássemos. Sonhos abertos no pomo da presença. Feras e anjos a percorrer os destinos através da gente. Lâminas afiadas de realidades, acionadas pela mente, quais nos arrastam no filão do Absoluto.

Essa vontade incontida de revelar o que significamos diante dos sóis, apenas indicam, aos poucos, o que desejamos, e aquietam, de certo modo, a angústia das indefinições que crescem. Ilusão em forma de significados, apenas mostram o que aguentamos ver na distância. Nisto, suportamos a marca desses limites e significados, juntamos esforços de resistência e sublimamos a ausência de Luz onde ainda mourejamos.

Isto, este espaço sacrossanto das palavras em que pisamos pouco a pouco na persistência de, lá certa feita, encontrar o segredo e descerrar as portas do silêncio. Marcos deste hemisfério de raciocínios, agora representamos papeis só parciais do que haveremos de ser. Tais nítidos apegos à matéria, já conhecemos das dores de habitar esse corpo transitório, e erguemos aos céus nossas vistas, náufragos de outros mares esquecidos, enquanto elas representam a única relíquia que aqui guardamos conosco durante o longo percurso que nos traz até agora.

(Ilustração: O gráfico, de Gustave Doré).

quarta-feira, 17 de maio de 2023

Novas razões da sobrevivência



Esse equilíbrio perene aqui diante da queda livre pelo espaço desconhecido... As horas em movimento aos nossos olhos... A inalcançabilidade imediata do 
que vemos e sentimos... O eixo frontal dos acontecimentos... Perguntas do quanto de existências e a busca faminta das explicações... Quais telas escuras que esperam respostas, sempre assim, na solidão dos destinos. Há que haver uma exatidão; de que duvidar, pois?!  

Seres só relativos, eis o que agora o somos. Vez em quando dalguns escapam suspiros de paz na rede presa à matéria, e saem cantando. Outros escutam, observam calados, extáticos, postos na dúvida e adormecidos na rotina dos dias. Que persiste, no entanto, a clareza, nas bolas de fogo que riscam os céus. Enquanto isto, no mesmo jogo de claro/escuro, os nossos passos dolentes, circundantes. Palavras soltas no roteiro dos gestos sórdidos, cavamos a História de tantos e lavados avisos dos outros momentos que foram e se repetirão.

...

As pessoas marcam os caminhos de atitudes; gesticulam, acrescentam novos episódios às gerações e prosseguem à força de existir a qualquer custo, porém frutos dalguma certeza que ainda ignoram; veem os vultos cruzando as noites e aquietam o juízo na medida desses sinais. Largos deveres todo tempo. Atitudes às vezes insanas. Os conflitos, as dores e o sonho aceso ali na fogueira da Consciência. Unir a si mesmos noutras tradições, vontade estreita de alguns mais afoitos.

Mas que necessário seja um motivo justo de andar e viver, amar e sorrir.

De um parágrafo a outro, a urgência de revelar as cores por trás de tudo, tocar de tudo a essência do Destino. Abrir a cortina do palco e viver intensamente as películas da realidade verdadeira. Nós, alimárias da existência, criadores e criaturas, meros expectadores do Universo lá fora e daqui de dentro. Qual o quê, todos infalivelmente seguem as trilhas do Infinito e alimentam de ânsias extremas as bordas do abismo de ser feliz. Nisto resumem o dever da sobrevivência e sustentam as possibilidades urgentes dos que imaginam tudo a todo instante.

terça-feira, 16 de maio de 2023

Limites do inesperado II


Isto de saber até onde irão as certezas que transportamos vida afora. De conhecer o que, na verdade, conhecêssemos, se é que conhecemos algo puro a propósito dos dias vindouros. Mesmo assim agimos quais donatários do absoluto futuro, quando quase nada, ou nada, dominamos dos acontecimentos posteriores. Daí a fome desesperadora de desvendar o inesperado, assenhorear-se das marcas seguintes dos nossos passos neste chão.

Na realidade, somos meros detentores do direito de existir ainda sem saber, com plenitude, o que significa existir. Espécies de alimárias dos depois, vagamos soltos pelas matas virgens sob o crivo dos elementos originais. Atores de peças que nem escrevemos, e, tantas vezes, sabemos pouco da firmeza das existências do Autor de tudo quanto há sob o Sol. Seríamos, talvez, livres aves nos céus do Invisível. Querer, pois, julgar a nós e aos outros representa atitude temerária diante da Perfeição que a tudo rege no dizer das religiões. Explorar os demais quais superiores fóssemos, eis outra providência que produz frutos amargos, porquanto o equilíbrio universal a isto determina face ao nível do exato funcionamento das esferas.

Portanto, aventureiros do acaso, balançamos nas ondas deste mar de inevitável a que fomos submetidos desde quando persistem os pensadores e os mestres à busca de explicar o inexplicável. Máscaras de si próprios trocamos os pés nos dias que restam de sobreviver ao eterno, máquinas de forjar o sentimento, e instrumentos de organização da sociedade humana.

Grandioso o desejo de interpretar os ritos da Natureza, contudo somos só meios falhos das escolas desta vida. Que lição maior de humildade sobraria além de aceitar, se não baixar a cabeça e orar com força ao desconhecido no senso do Bem, do Amor, da Paz. Nenhuma dúvida, por isso, de que alguém regressou a transmitir a sabedoria que descobrirá no tempo certo.

Braço místico das religiões



Uma de cada vez, as religiões demandam os aspectos originais da simplicidade, levando-as a encontrar novas respostas adequadas a reduzir dificuldades teológicas dos grupos tradicionais. O Zen, por exemplo, mostra o braço místico do Budismo. O Hassidismo, do Judaísmo. Os Padres do Deserto, do Cristianismo católico. O Sufismo, do Islamismo. E assim sucessivamente, através de novas manifestações da mesma fé sem danificar as suas bases fundamentais.

Nisto, um nome se destaca na história do Hassidismo, o do rabi Israel ben Eliezer, também conhecido por Baal Schem Tov, que cumpriu a missão de propagar a forma mística do Judaísmo, deixando gravado um lendário de belas páginas no decorrer da sua existência. Muitos desses episódios foram registrados pelo escritor Martin Buber, no seu livro Histórias do Rabi, onde apresenta momentos que imortalizam as virtudes do Schem Tov, bem como de outros mestres dedicados ao Hassidismo.

Considerado o fundador dessa doutrina, O Baal Schem vivera, predicara. Ensinara; tudo isso era uma e a mesma coisa, tudo organicamente enfeixado em uma grande espontaneidade da existência, sendo o ensinar apenas uma entre as manifestações naturais da vida atuante, diz Buber em seu trabalho.

(A imagem).Certa vez o Baal Schem convocou Samael, o senhor dos demônios, para tratar de um assunto importante. Ele o intimou: - Como ousas convocar a mim? Isso só me aconteceu três vezes: na hora junto à Árvore, na hora do bezerro e na hora da destruição do Templo. O Baal Schem mandou os discípulos descobrir a testa. E Samael viu, em cada fronte, o sinal da imagem pela qual Deus cria o homem. Fez o que lhe exigiam. E antes de se ir disse: - Filhos do Deus vivo, permitam ficar mais um pouco ainda a contemplar vossas frontes. 

Bom, a que me proponho quando transcrevo tais considerações, rever um momento forte dessas histórias de Baal Schem, que trazem a essência daquilo que diz respeito às virtudes do místico judeu, ao pé da letra da obra de Martin Buber.


segunda-feira, 15 de maio de 2023

O barqueiro de Dante


No livro A divina comédia, obra-prima de Dante Alighieri, ao canto III, tocam os Poetas as portas do Inferno, lá onde terríveis palavras se acham postas logo no vestíbulo, ao encontro das almas dos que não foram fiéis a Deus. Depois chegam ao Aqueronte, onde avistam Caron, o barqueiro infernal que transporta à outra margem os danados que serão submetidos ao suplício. Nessa hora, treme a terra, lampeja uma luz, e Dante cai sem sentidos.

Ele, ali, o barqueiro da outra margem, conduz as almas dos condenados ao castigo da Eternidade, culpados pela consciência enlameada na ilusão pecaminosa. Derradeira paisagem de olhos assim tostados, apenas desmancham, no abandono, pálidas saudades largadas ao chão, quais máscaras do perjúrio, e aceitam do inevitável a lembrança para sempre naquilo que haveriam de ser, porém jamais que fossem, na opção dos espúrios condenados. Submersos, pois, na escuridão, já afrouxam a carne infeliz depositada às ondas do Mar da Morte e sua solidão definitiva. Deixai, ó vós que entrais, toda a esperança, diz o letreiro visto à porta.

Aqueles destinos arbitrados na ribeira do outro lado regressam apenas ao pó donde nunca daí foram tirados, mas oportunidade bem tiveram, e jogaram fora ao sabor dos retalhados enxofres. Enquanto isto, o velho barqueiro cumpre o furor da perdição de os levar, no cumprimento das sentenças. De olhos tristes, Caron segue o curso, na profissão dos executores das penas, gesto próprio de almas obedientes, a rever no dia tantos que o barco transportara, que nem desgosto disto poderia ter. Eis a entrega dos desvalidos aos lucros amargos das trevas que lhe fora determinado tutelar, naquela missão dos extremos, nos portais do Inferno.

E Dante ouve em si as notícias do esquecimento dos liquidados ausentes: Como no outono a rama principia \ as flores a perder té ser despida, \ dando à terra o que à terra pertencia...

(Ilustração: Na mitologia grega, Caronte nasceu dos deuses imortais mais antigos Nix (Personificação da Noite) e Érebus (Personificação das Trevas). Desse modo, ele foi responsável pelo transporte de almas mortas para o submundo usando um barco sobre os rios Estige e Aqueronte.(https://segredosdomundo.r7.com/caronte-mitologia/).(https://segredosdomundo.r7.com/caronte-mitologia/).

domingo, 14 de maio de 2023

Hora da Ave Maria


No ano de 1958, morando com a família em Crato, meu pai seguia, ainda por certo tempo, vinculado aos negócios do sítio, em Lavras da Mangabeira, onde deixara animais e eito de cana, de que renovava o cultivo e participava das moagens, nas épocas próprias. Nesse sentido, ia lá quase todo mês, através da rodagem de terra que cruzava a Serra de São Pedro, cheia de trechos estreitos e arriscada, conhecida pela periculosidade e acidentes fatais que provocava, percurso que agora abriga a Rodovia Padre Cícero e reduz em dezenas de quilômetros a distância para Fortaleza.

Houve uma ocasião, nessas viagens, quando já próximo do distrito de São Francisco (hoje Quitaiús), o caminhão em que viajava, de propriedade de Severino Medeiros, tombou em trecho de curvas fechadas e piçarrentas. Dentre as vítimas mais graves se achava meu pai.

Machucara uma das pernas à altura do tornozelo, fraturando ossos em três lugares e sofrendo profunda contusão, o que lhe custou séria perda de sangue e demorou um tanto para cicatrizar. Veio trazido ao Hospital São Francisco, em Crato, onde permaneceria pelo período de um mês, ou pouco mais.

Durante esse turno, não poucas vezes lhe visitei e permaneci junto dele. Era eu portador constante das encomendas entre nossa casa e o hospital.

Nunca antes havia estado naquela construção de tantos corredores, salas, lugares sombrios, silenciosos, ruídos típicos; de pessoas diferentes, agitação incessante. Andava onde podia. Menino aceso, observava as movimentações e acompanhava os acontecimentos diários.

Relembro de enfermeiras, médicos, amigos de meu pai que lhe visitavam; das áreas internas e solitárias do casarão escurecido; as rampas; os portões vetustos quase nunca abertos; e da calma da capela, que tocava o íntimo da criança de nove anos com melancolia intensa, sobretudo aos finais das tardes, quando deixava ouvir os acordes da Ave Maria, de Schubert. Misto de saudade e distanciamento fervilhava meu ser; algo de uma solene paz que envolvia o ar no véu luminoso da penumbra e, aos poucos, vinha decrescendo os restos das tardes, modificando, nas notas suaves da música, a noite e seus aspectos quase adormecidos, afastando de vez, com mãos veludosas, os clarões retardatários do outro dia.

Essas marcas especiais daqueles instantes passados costumam, depois, preencher minha memória, quando ouço o canto da Ave Maria, às 18h, nas emissoras de rádio, que tocam o disco nas suas programações, avivando em mim emoções que, nessa quadra, tomaram conta de nossa família, permitindo, no entanto, que tudo chegasse a bom termo, com o restabelecimento de meu pai, o ponto forte na condução de todos nós.

(Ilustração: Angelus, de Jean-François Millet).

Apegos deste Chão


O apego é a raiz do sofrimento.
Buda

Aprendizes da sorte, vivemos a contradição entre a dor e o prazer. Quais balanças espontâneas, eis a Lei da Ação e da Reação em constante movimento na nossa individualidade. Uns se apegam à dor. Outros ao prazer. Ou vice-versa, em horas diferentes. Um constante ir e vir. Saber disso quase nem de longe tem qualquer valor. Mas que seja assim, sem dúvidas. O apego retarda seguir a outros rumos no Infinito. De um momento, alguns descobrem esse hiato que existe dentro de si e mergulham noutro universo além deste. Antes seria mais difícil encontrar quem fez isto, no entanto agora, com essas notícias soltas pelo ar em tudo quanto é fonte, surgem diversos místicos que vivem noutra dimensão da consciência. Lá nas imediações do Oceano da percepção. Chegaram através das informações de tantos que desvendaram o mistério. Cuidam de dar os passos até obter êxito nessa estação orbital da alma e encontram a porta de largar de vez as raízes deste mundo de agora.

Messias de nós próprios, somos escolhidos pela Natureza a percorrer esse caminho de Salvação, Libertação. Cabe bem a todos ao seu modo fazê-lo. Esta a religiosidade original. Isso reduzirá as reencarnações que houver pela frente e oferece instrumentos de transformação no panorama atual da Humanidade. A evolução tecnológica permite, pois, que andemos a passos rápidos, desde que o desejemos. A escolha resta a cada indivíduo por sua definição e sensibilidade. Superar a fase ora vivida, eis a missão essencial. Os apegos do imediato, as conhecidas ilusões, significam o desafio, a escola.

Palavras, imagens, heranças culturais, tudo predispõe ao justo motivo de tocar adiante esse valor fundamental das histórias pessoais. Conquanto em nada represente só imitar a grande multidão, isto amplia as possibilidades do sonho de ser feliz qualquer dia.

sábado, 13 de maio de 2023

Bons pensamentos


Eles é que geram as boas vibrações de que tanto carecemos a fim de viver em paz. Quantas são as vezes em que sujeitamos atravessar os dias sob o crivo das preocupações, esquecidos da força que em nós mesmos existe. A ciência disso vem espalhando novos conhecimentos àqueles que desejem realizar as chances da bondade, do amor, em si. Relativamente poucos, ainda, em relação aos todos habitantes da Terra, que de comum fazem do sofrimento a razão principal de tocar em frente o instinto de sobreviver. Creditam a atitudes limitadas o que pertence ao Infinito.

A razão de falar isso leva em conta que a alguns desses habitantes acontece de ler o que aqui vai, qual correspondência fruto da vontade de traçamos juntos e transformaremos o quadro precário em que, nalgumas ocasiões, parece dominar os dias desses tempos bicudos. Sempre há dificuldades a vencer, eis a lei da existência, uma vez que chegamos no sentido de aprender a vencer e vencer o nível limitado dos seres que somos.

No entanto exige paciência e determinação cruzar os limites das fraquezas humanas e obter o passaporte às outras dimensões bem mais verdadeiras, conquanto de comum a ilusão prevalece nos contágios dessa história que desaparece nos grotões do passado. Uns nem sabem como e apenas usufruem dos prazeres mundanos, sapientes desesperados nas hordas do instante que escapole das próprias mãos.

Existem, pois, instrumentos de reverter o teto das alturas que aprisiona as pessoas nos ossos e na carne, corpos que não lhes pertence. A natureza oferece de bom grado, mas o cobrará ao final da peça que viemos encenar. Esse princípio da percepção e dos sentidos desaparecerá entre as nuvens da ausência tais fantasmas das películas cinematográficas. Ficam as lendas, as saudades, a memória, isto durante certo período mais. Depois, o silêncio das interrogações prevalecerá nas gentes e dessa oportunidade restará apenas o valor dos pensamentos, naqueles que insistirem continuar outro tanto no barco dessas visões que se desmancham e saem de cena.

sexta-feira, 12 de maio de 2023

O Homem e os outros animais


Há grandes lapsos de memória / Grandes paralelas perdidas
... Fernando Pessoa

Nesse vago sem sentido, espécie de trastes de outras festas, ali vão eles pelas jornadas incessantes do fazer e destruir. Vultos cinza, em noites escuras, cavam o fosso de construir o destino. Isso de tantas lendas, tantas vidas, cobre de longos tapetes coloridos as jornadas soturnas. Sucumbir diante dos abismos, tais perenes senhores do vazio, tocam adiante o passo que os conduzirá ao desconhecido. Mártires de si mesmos, oram silentes aos deuses das consciências adormecidas. Eles, os seres humanos que poucos sabem que o são, todavia alternativa não têm senão imitar seus irmãos doutros mares, doutras florestas, e usufruir das bênçãos dessa história.

Bom, contam que viemos desde o mineral ao divino. Que já fomos vegetais, animais sem a razão e, hoje, com razão. Consciências em elaboração, formamos esse caudal de gente rumo ao ser perfeito. Pedro, tu és pedra, e sobre ela construirei minha igreja. Jesus Cristo O que mais estimo nisto é o potencial de eternidade que transportamos no colo e aos poucos iremos decodificar ao sabor dos tempos. De tudo, que ver? A matéria prima do que fomos feitos e que hoje detemos nas próprias mãos. Espécie de ponta de lança do Infinito, tangemos o barco do sentido da existência por meio de nossas escolhas, artesões da perfeição absoluta.

Vimos, pois, o gigante acordar nos passos dos acontecimentos. Nações, povos, construções, sabores, segmentos e resultados de mudanças que arrastam todos ao teto das Ciências. E por vezes padecemos ainda de um passado nebuloso que deixamos nas horas percorridas. Vivemos, enfim, a rota da certeza em nossos corações. Limpamos da História as ilusões e revelamos o deus da Verdade em tudo que realizamos. Nós, o ápice da Natureza, o vínculo definitivo com os Céus. Em sonhos vivos, a Paz.

(Ilustração: René Magritte (reprodução). 

quinta-feira, 11 de maio de 2023

Antes e depois da Eternidade


Ontem e amanhã, antes e depois da Eternidade que mora nos humanos. Linha divisória entre tudo e nada, rompemos as horas mortas quais bólides feitas de meros momentos que transcorrem no tempo enquanto outros seguem apressados rumo ao desconhecido e lá também certo dia chegaremos. Já foram tantos os que vivenciaram essas cólicas de perfeição e deixaram desaparecer as chances da descoberta que, contudo, tornaram presas fáceis de coisas inúteis, fiapos e gravetos. Filhos do agora, porém inconscientes da revelação do mistério, vivem soltos às ilusões do desejo e abandonaram a luz da fertilidade plena em mãos do esquecimento.

Muitos, milhões, centilhões, carregam, pois, o peso de todos os Prometeus atoleimados através do provir das provas, absortos naquilo que deixaram atrás, e padecem nas subidas as quedas, fantasmas das encostas escorregadias. Flertaram na imortalidade, embelezados com a própria sombra, tremeluzindo nos lagos, e acham bonito o verso do espelho que hipnotiza e embriaga os repastos dos abutres, escravos do prazer e da dor, na dor e no prazer, princípio e fim, e recomeço de tantas e quantas vezes.

Eles são os nós, pássaros desta fome e floresta de repastos de deuses mórbidos que eles mesmos criaram luas sem conta. Mergulharam o abismo da ausência nos finais que lhes aguardam, rindo à toa do drama de ignorar, e sonham, e padecem inebriados de fulgor e desencantados pelas gerações sucessivas mundo afora.

Sabem só que há razões de continuar; o que nutrem as feras das paixões, e amarguram a fome de amar, o apego desesperado de prosseguir vivos e cegos na ignorância de conhecer, falar e não praticar o que disseram. Focos de visão encandeada, assim sobrevivem dentro do Sol e andam em círculo, semelhantes a cavalos de carrossel, a fugir da alma ali jogada no tabuleiro da luminosidade e da paz, rios abertos da Felicidade. No rosto deles, a face de todos nós.

Ser amigo de si


O imediatismo da visão na pressa em definir os próximos passos por vezes impõe condições arrevesadas aos seres humanos. Botar os pés pelas mãos significa bem o que quero dizer. Nisso, a gente cria em si outro ente provisório que sujeita estabelecer uma guerra civil dentro da própria pessoa, ocasionando contradições e equívocos, o retrato da atual Civilização. Aquilo, pois, que poderia representar um fardo comum de aperfeiçoamento gera, então, desassossego e sofrimento. Invés de somar divide as criaturas pensantes. Existem até nomes que indicam esses dois personagens em crise, o ego e o Eu, quando, na verdade, seremos sempre tão só um único fator de sobrevivência, um protagonista do que aqui e agora perfazemos na nossa história.

Em realidade, essas são duas funções de um só indivíduo, isto é, de um ser indivisível. A Psicologia e as Religiões, desde muito, vêm estudando tais dicotomias com as quais significamos viver e tocar adiante a experiência de existir. Carl Gustav Jung, psiquiatra suíço do século passado, através de sua Psicologia Analítica enseja que o sentido da existência humana será o equilíbrio desses dois aspectos da personalidade em crescimento. Daí estabeleceu meios práticos de conciliar tais particularidades por meio do que denomina Processo da Individuação, após o que haver-se-á de reconhecer, afinal, que a mente e o coração, o intelecto e o sentimento, constituem os instrumentos que, no transcorrer da experiência viva, possibilitarão o encontro consigo no que classifica de Self, ou Eu Superior, o estágio definitivo da consciência em formação.

A Filosofia, ao seu modo, analisa o citado processo ao admitir que exercitamos o crescimento interior à medida em que desvendamos os mistérios da individualidade. Condenado porque não se criou a si próprio; e, no entanto, livre, porque uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto fizer. Jean-Paul Sartre E Soren Kierkegaard: Ousar é perder o equilíbrio momentaneamente. Não ousar é perder-se. Isso dentre tantos e tantos outros autores que buscam incessantemente a resposta que propicie o senso do grande momento das existências por intermédio da experiência humana neste Chão.

(Ilustração: Carl Jung (reprodução).

quarta-feira, 10 de maio de 2023

Sonhos vagos


Quando criança, eu ficava horas a contemplar as nuvens no céu do Sertão. Mil personagens deslizavam no azul formando cenas que se desmanchavam numa sequência interminável. Viajava nas asas do vento e presenciava histórias imaginárias que as nuvens ali descortinavam, eu e minha solidão afeitos a contemplá-las. Notava sem conta o instinto da visão interior no formato que fazia dos acontecimentos dentro da gente. Lá depois que vim considerar esse laboratório escondido que move a literatura, suas histórias, avaliações e camadas, dada a força poderosa que ativa a percepção e dilui pensamentos em forma de palavras, ideias, gestos, variações, tudo, enfim. Abstratos mistérios, expressões, nasce disso os segmentos que expandem a gente na produção do que se vive horas a fio nesse corredor da Eternidade. Nós, protótipos das consciências em elaboração.

Qual sonho vivo assim o é fluir pelas horas tais nuvens a percorrer o firmamento do tempo que transportamos nas mãos. Uma a uma gotas, gestos da correnteza viva que percorre nossos pensamentos e sentimentos, vão se agregado de modo a criar significados nos aspectos vários dessa vida externa, unida à interna em nós ao que conceituamos horas e horas, que resolveram classificar de existência.

Pedaços de um todo invisível, presenciamos as reações desse todo através do que somos, espécies de instrumentos de compreensão, moageira da mais intensa função. Trabalhamos os fragmentos dessas horas que vemos e que deixam marcas profundas ou superficiais na elaboração da presença. Tangedores, pois, dessas manadas de tantas nuvens que circulam o céu da atualidade, com restos largados ao passado e o desejo incontido de continuar para sempre nos laços do vento, desfazemos aparências em ilusões. Expectadores e atores dos dramas, aguardamos o fruto de nós próprios, na medida que necessitamos prosseguir, conquanto alternativa não existe de puro desaparecimento, a não ser comungar as visões e assistir enfáticos os olhos de alguém que precisamos conhecer e distinguir dos seres que passam em um mundo que apenas some a todo momento pelos ares do Infinito.


(Ilustração: Shamanicarts (reprodução).

terça-feira, 9 de maio de 2023

Fria relação homem objeto


Nalgumas vezes, existe a pergunta qual deles é o objeto. Olham longamente ao túnel dos mistérios e de lá retorna um grito agudo de tantos desassossegos que plantaram nesse chão. Eles mesmos, os humanos. Tais espécie que insiste criar modelos de normas, afundam vez em quando num mar de lama que não tem tamanho.

Todos, no entanto, padecem da fome de viver e vivem. Contornam abismos profundos e mergulham de cara no espaço vazio de inúmeras consciências torpes, isto é, ainda empanturradas de vaidade e remorso. Pensassem os objetos e haveria paralelo infame das mais escuras noites.

Assim, porém, significa desejo persistente de gerar outros desejos menos drásticos, melhor possíveis no horizonte das horas. Um a um, passageiros da agonia, viajam nos braços do destino, eles que querem admitir novas chances de crescer e construir outras visões do Paraíso.

Seres estes significativos geraram destruição noutras horas, doutras vezes. Aparentemente civilizados, conduzem o rebanho das histórias na busca da paz e confrontam quais feras abandonadas de si mesmos. Nem de longe acreditaríamos que todas as possibilidades positivas acabaram gerando apenas isso.

...

Todos, no entanto, padecem da fome de viver e vivem. Foram muitos, senão todos, que avistaram o fogaréu de dúvidas e correm na busca de acender de novo a certeza dos que querem reviver. Salvar o senso e desenvolver a oportunidade que circula o espaço informe do infinito. Trabalham de sol a sol o sentido de aguardar os frutos da esperança. Observam os pássaros em seus voos misteriosos nos céus da confiança.

Ainda mais porque jamais sobreviriam aos instintos da procura sem um objeto que fosse além do que transporta na alma durante todo tempo. Os segredos do Universo permanecem soltos pelo ar. Analisam passo a passo os dramas dos sonhos que repetem os laços que eles figuraram nas telas do Amor.

segunda-feira, 8 de maio de 2023

Religiosidade popular


Nem de longe sabemos de onde vem esse instinto religioso das pessoas guardarem seus próprios santos num gesto simples de convicção. Nisso, elas invade ruas, praças, monumentos, localidades distantes; saem fagueiras a demonstrar com naturalidade a força íntima do que lhes transmite uma certeza sacrossanta e domina os laços das fraquezas humanas. Energia sem conta que atravessa barreiras e dificuldades impostas pelas limitações da humanidade, do egoísmo, e oferece as condições suficientes de desmanchar o desânimo, a ausência de solidariedade e desrespeito aos valores supremos da nossa existência. Superar as fraquezas e vencer a solidão dos que padecem.

Vivemos numa região, o Cariri Cearense, em que esse sentimento determina a bem dizer tudo em volta. As pessoas conduzem seus barcos aos portos da esperança sob o manto dos líderes que passaram aqui, deixando marcas profundas na alma dessa gente. Verdadeiros santos da devoção dessa gente, assinalam o prisma doutra compreensão de uma consciência ao nível do saber de uma história rica de fenômenos místicos.

Dos tempos, permanecem a figura do Padre Cícero, Beato Zé Lourenço, Beata Mocinha, Frei Damião, Padre Ibiapina, Beata Maria de Araújo, acrescidos de novos nomes, quais Irmã Ideltraut Lech, Madre Feitosa, Benigna, frutos do bem que aqui prestaram, marcando de exemplos bons os serviços coletivos e a aproximação aos menos favorecidos.

Tais registros continuam acesos na crença popular, manifestada pelas festas, romarias, celebrações, numa demonstração de fidelidade e certeza somente presenciada nas atitudes devocionais acima de considerações teóricas, livres de restrições a normas de seitas ou grupos religiosos. Do jeito que nascem, vêm à tona e tendem a crescer no dia-a-dia, abrindo espaço aos das novas gerações de seguir com respeito seus cultos.

Quais motivos naturais da presença humana em variados recantos deste mundo, as multidões sustentam seus rituais e alimentam apegos aos que lhes tocam o coração, revivescendo a psicologia original dos segredos que revelam os meios de sobreviver às duras penas deste Chão, preservam virtudes e tocam adiante suas famílias, seus afazeres e mostram a si mesmos os mistérios da elevação verdadeira aos parâmetros superiores nascida na essência do povo.

(Tais considerações querem, por isto, considerar a importância do bem maior da espiritualidade durante nossa curta existência, forma viva de abrir espaço ao poder infinito da Fé sem qualquer limitação).

sábado, 6 de maio de 2023

Este ser abstrato


E nós que nos pensávamos próximos ao mundo e daqui pertencer para sempre nalgum momento do Infinito, aquele antigo sonho material, é nisso que se tornou, algo etéreo, invisível, desfeito em pó e desaparecimento.. Dotado de meios por demais objetivos, porém impossíveis de perpetuação, a raça carrega nos ombros esta sina inevitável de correr léguas e léguas à busca da inexistência dos mundos só materiais. Espécies de heróis leigos, abstratos, no entanto, transferem de vidas após vidas ao desejo ardente da continuação através dos conceitos elaborados pelo pensamento. E ele, este mesmo pensamento, já reconheceu que não verá a luz que tanto admite, contudo impossível aos seus olhos apenas humanos. Porquanto sermos abstratos e lutar a fim de compreender qual que seja, lentamente mergulhamos nos abismos da inexistência, dotados das visões que mostram a imortalidade todavia noutra face, diáfana, translúcida, pura, sem mácula.

Tal condição de humanidade faz-nos aventureiros do mistério que já trazemos conosco na essência de si. Tocamos as barreiras desse invisível que o somos porém com mãos grosseiras de quem necessita aperfeiçoar ainda mais que seja o senso da percepção. Livres por isso do desaparecimento, seguimos a passo lento o trilho da verdade que nos anima pouco a pouco e comovo ao aspecto doutra dimensão distante dessa daqui do Chão. Dentro, pois, de uma aparente dualidade, matéria e espírito, abraçamos o Universo na consciência que desperta num processo de maturação definitiva. Onde estivermos, quando, como, viveremos a gestação de um ser pleno, conceito absoluto de tudo quanto houver durante todo tempo. Meros seres imaginários do século perfeito dos autores, seremos assim pântano e lótus da História. Sombra e luz da presença em todos os espaços, enfim.

sexta-feira, 5 de maio de 2023

O Nossa Opinião



Participávamos do Grêmio Farias Brito, do Colégio Diocesano do Crato, ali pelos idos de 1965, quando resolvemos tirar um jornal mimeografado. Éramos José Esmeraldo Gonçalves, Pedro Antônio Lima Santos, José Huberto Tavares, Clenilson Macêdo e eu. O nome do pretensioso órgão da imprensa nanica florescente naquele momento, Nossa Opinião.

Escolhíamos a casa de um dos nossos e, depois da 21h, quando terminava o expediente da Praça Siqueira Campos, eu pegava uma máquina Olivetti Studio 44, de meu pai, e seguíamos à festa de redigir e montar as matrizes de mimeógrafo a tinta a serem rodadas no equipamento do colégio, pelas graças do Mons. Montenegro, o seu Diretor.

Tiramos apenas dois números, os quais se perderam ou talvez ainda existam nalguma estante deste mundo. Lembro o nosso empenho de acertar nas ideias, isso em uma época politicamente difícil no País. Em nós havia o sonho de escrever, desenvolver nossas tendências e habilidades rumo a, quem sabe?, uma futura profissão. José depois viria a ser jornalista destacado, tendo atuação em órgãos importantes da impressa brasileira, junto ao grupo Bloch, com ênfase nas revistas Manchete e Fatos e Fotos; inclusive lembrou sua participação quando nesse nosso pequeno jornal estudantil, ao narrar parte de sua vida no livro Aconteceu na Manchete (As histórias que ninguém contou), editado em 2008, de que foi um dos organizadores. Pedro Antônio, que cuidava do aspecto gráfico das capas do jornal, viria a ser arquiteto e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, além de produzir belos trabalhos de xilogravura, parte destes publicada em livro (Encantos do Brasil (xilogravura e cultura popular) lançado há pouco tempo no Instituto Cultural do Cariri. Huberto Tavares, além de professor do nível médio já aposentado, é exímio poeta, com o livro Eu preciso escrever versos, também recentemente dado a público. É membro efetivo do Instituto Cultural do Cariri, e seu ex-Presidente com bons serviços prestados àquela instituição. De Clenilson Macedo, devo considerar sua participação na vida artística de Crato organizando o Jogral Pasárgada, grupo de belas apresentações poéticas e memória persistente em nossa Região. Dele não tenho notícias posteriores.

Destarte, deixo aqui registradas essas lembranças de uma fase histórica da nossa juventude sempre altiva no trato das artes e da cultura, a fim de preservar momentos valiosos da história cratense de épocas recentes.

quinta-feira, 4 de maio de 2023

Mitos e lendas


Ali quando as falas só reais não conseguem mais dizer do que pretendem, assim surgem lendas, mitos, as histórias cobertas pelo manto da fantasia imaginativa. Certa feita, numa entrevista a uma emissora do seu país, Joseph Cambell, autor americano por demais votado aos estudos mitológicos, o repórter considerou que mitologia seria metáfora, e metáfora foge dos padrões da verdade. Ao que Cambell contestou severamente, afirmando que existe uma linguagem além da linguagem externa, única considera real. Essa advém do íntimo das pessoas, do seu Inconsciente, a figurar de um modo novo aquilo que não pudesse ser expresso na letra fria e comum das narrativas humanas.

É o que Goethe disse no Fausto, mas que Lucas expressou em linguagem moderna – a mensagem de que a tecnologia não vai nos salvar. Nossos computadores, nossas ferramentas, nossas máquinas não são suficientes. Temos que confiar em nossa intuição, em nosso verdadeiro ser. Joseph Cambell

Deixa claro entrever o poder que têm as histórias da grande literatura, a revelar aspectos outros da consciência até então restritos à impossibilidade da fala rude. Resgata a perspectiva de novas compreensões do que seja o  mistério vivo das existências, sendo observado nesse processo de comunicação transcrito nas tantas religiões, seus registros e rituais, epopeias e acontecimentos que as circundam, por exemplo de mito clássico.

A própria narrativa jornalĺstica da história deixa larga margem à interpretação subjetiva dos eventos, desde suas escolhas, prioridades, intenções, sempre visando um sentido apenas individual. Uma gama devastadora de detalhes permanece intocada, ou nunca vista, conquanto o objetivo do que se levaria em conta na importância dessas abordagens. A literatura, a sua vez, mergulha noutras aspectos do inconsciente coletivo, a permitir viagens inolvidáveis a mundos outros que não a pura rotina e o caos em movimento.

Daí, nessa linguagem cifrada dos voos da imaginação trazidos pelas lendas e mitos, sobrevém um entrelaçamento com outros valores e sonhos, qual diz a sabedoria da Roma antiga: Os fados guiam àquele que assim o deseje; aquele que não o deseja, eles arrastam.

(Ilustração: Deuses gregos (https://aventurasnahistoria.uol.com.br).