domingo, 26 de junho de 2022

A floresta das palavras


Lá de onde vêm o silêncio e os sonhos, dali também vêm as palavras. Elas que sempre vivem soltas nos mundos invisíveis além da imaginação. Num mar imenso de significados, nele elas nadam sem pressa, vivem, apaixonadas, misteriosas, quais bichos de outras esferas, doutras dimensões... Têm existência própria e são meio selvagens, às vezes, porque a elas pouco ou nada importa serem utilizadas ou não em qualquer canto... Mesmo assim, elas alimentam em todos nós o desejo forte de domá-las, acarinhá-las, animais caprichosos e livres, porém cheias de poder inigualável tais belas pérolas, relíquias, pedras preciosas que iluminam a noite da ignorância à medida que sejam utilizadas no tanto certo, na quantia ideal como instrumentos de libertação dos que as dominem e sejam a elas fieis. Muitas dessas espécies voam pelos céus, pelos universos, pela inexistência; tantas, inclusive, desconhecidas, jamais vistas e levadas em conta pelos possíveis gestos nobres de quem delas se aproxime. Afoitas como só elas podem ser, mergulham nas vestes e nos sonhos; desvendam segredos; machucam compreensões, até verem nascer novas florestas e outros mares. Pródigas, despejam sentimentos puros naqueles que acreditam na verdade do coração e multiplicam histórias, belas aventuras de epopeias nunca vistas; criam contos fantásticos ao sabor da infância de povos primitivos; nutrem filosofias as mais inigualáveis que abastecem bibliotecas inteiras espalhadas pelo mundo; chegam ao sacrário das religiões e transmitem prodigiosas profecias, que se cumprem no decorrer dos infinitos séculos; insistem nas conversações de paz quando nações querem destruir umas as outras; murmuram declarações maravilhosas entre os amantes verdadeiros; substituem cautelosas as esperanças perdidas; e criam novas oportunidades aos infelizes que aguardam consolação de seus atos insanos. Palavras, que nascem às profusões nas ribeiras menos promissoras, porém necessitadas do ânimo de sobreviver diante das intempéries e dos dramas que sofrem as humanidades aonde quer que exista algum senso de consciência e vontade firme dos sinceros autores de tempos ricos de poesia e festa. Chegam suaves e abraçam carinhosamente os seres que aceitem a paz e o sol da presença superior dos dias iluminados. Suas sementes que germinarão de tudo, quando houver a certeza da felicidade nas pessoas e nos seus pensamentos.

(Ilustração: Floresta do Congo, reprodução).

sexta-feira, 24 de junho de 2022

Vazios entre pensamentos e palavras

 


Todo eu sou qualquer força que me abandona. Fernando Pessoa

Isso de sermos entes que vagam pelas nuvens de si mesmos quais clareiras de inexistências a meio mastro do que fomos todo instante o que não mais houvesse, de ser matéria que alimenta lá longe os céus, enquanto isto sermos restos de pequeninos objetos ainda apegados ao rebanho de seus sonhos, daí formar pensamentos e palavras, anseios e liberdade, guardados no íntimo das almas famintas.

Exato nesse campo aberto das criaturas, árvores a pedras, gravetos servem de almoços de lama, objetos rudes que saem das linhas de produção nas fábricas escuras; aviões supersônicos de guerras inúteis; curativos usados e jogados na sarjeta onde habitam os bêbados esquecidos; portas lacradas de edifícios no isolamento das pestes; tradicionais aventuras de alpinistas descrentes dos gestos e das cores; aves de arribação que voaram pelo abismo da lonjura, tontos; equipamentos de mergulho abandonados ali assim na praia dos dilúvios universais; apartamentos largados fora em cidades poluídas, fechadas ao firmamento; nortes de bússolas enferrujadas; trastes arriscados em mãos mais delirantes; largas avenidas cobertas de lodo e pó; no entanto as telas dos cinemas de antigamente que insistem projetar os filmes amarelecidos nas salas escondidas dos mistérios que ora somos, neste chão de aço.

Fica, portanto, esse gesto apressado de formar a compreensão no silêncio que alimentamos de sorrir, viver, amar. Vemos, sentimos forte a presença das ondas monumentais que querem devorar as nossas entranhas todo tempo aos pinos da velocidade incontrolável  do que vai para sempre.

Um grito secreto dentro de todas as tais existências vira perguntas, quais sejam elas a que vêm?!. Ninguém que se preze deixará de lado a interrogação que pesa no horizonte. Meros sinais de prováveis respostas, nisso rasgam o interior dos livros, das flores, dos automóveis pelos corredores do inesperado, buscas, entre ritmos e melodias que vagam no sentimento dos gestos adormecidos.

(Ilustração; Hieronymus Bosch).

quarta-feira, 22 de junho de 2022

O senso do eterno agora



Ver de frente o movimento dos corpos pelo espaço sujeita isso de causar espécie na vertigem mórbida de assistir ao desaparecimento quase imediato das paisagens e seus elementos, dentre eles nós mesmos. O que quer significar senão um tipo de êxtase da ausência inevitável, perdidos que fossemos nas ondas insistentes do Tempo, ou do eterno vir a ser desse fluir constante. Tal desejo insano de imortalidade assim vivem os que pensem nisto ou não, porquanto há uma larga distância entre ser e ter consciência de ser. Eles, nós aceitamos este capricho dos acontecimentos de engolir as peças do tabuleiro do agora numa fração de segundos. Qual dentro da respiração intermitente, agônica, aflita, pulsa nos astros essa fome insaciável de reiniciar o parto dos objetos e seres, pois são eles os atores que caracterizam a paisagem e os humores do Tempo, na digestão de tudo sem outra indagação que fosse. Seria um fenômeno impossível, mas realimenta em si o firme prazer de tragar as criaturas que dera início, numa ação caprichosa de partir em mil pedaços o que eram suas mesmas partes, fontes semelhantes, nos laços invisíveis de amoladas presas. Nuvens que antes formara viram meras ausências do que pusera em prática. Nutre e devora; devora e se nutre, ao ritmo assustador do futuro sobre o presente e do presente sobre o passado, pulmão avassalador dos sóis que devoram as noites mais escuras do Universo e acendem os dias claros da aurora que irá devorar logo em seguida ao calor de outros sóis.

Outrossim, fervilha na alma das criaturas humanas o firme anseio da imortalidade, atitude adversa, no entanto, à razão do Tempo de alimentar seu abdômen pelas garras do fascínio de si em mergulhar no abismo das horas que passam. Suposto fole de ferreiro, avança numa peleja candente da função que executa, ele autor e senhor do que faz. Junto de nós, passo a passo, assiste intimorato o volteio das aves na sofreguidão dos ares que também se desmancham e que fomos nós, enquanto reproduzíamos as luas no declinar das gerações agora inexistentes. Todos, de olhos postos no infinito, quando assistem cordatos à inevitabilidade que revolve nas próprias entranhas, testemunhas da certeza desse próximo desaparecimento, porém fieis ao sentido de um encontro que lhes aguarda de braços abertos a saborear com incrível sofreguidão os entes luminosos que existirão para sempre. 


terça-feira, 21 de junho de 2022

Isso de ser assim tal e qual

 

Nem sei o porquê de tantos reclamarem de sentir saudade, pois tudo passa a todo instante numa velocidade própria. É vivendo e cruzando a linha do horizonte; nos dias, nas noites, nas horas, a todo momento, pois. O tempo, este some tal qual chegou, silencioso, escondido, e pronto, a quem reclamar, a quem pedir explicação daquilo que veio e foi sem deter os passos? Só gestos de tudo em tudo às nossas vistas, numa fração de segundo, e nós, aceitemos ou não, tem de ser assim. Vidas vividas, quais pedaços de nós mesmos largados às calçadas do Infinito. Nisso, tocamos em frente os fusos horários dessas histórias incríveis que o circular dos séculos nos impõe na maior serenidade, aceitemos ou não...

Conquanto venham as lendas, melodias, sagas, planejamos vaidades, ideias, sentimentos, nas trilhas dessa condição apenas, que aguarda os quadros seguintes que se desfarão na franqueza dos próximos dias que virão na sequência natural do firmamento. Fertilizamos a memória com os acontecimentos; produzimos objetos, jornadas; reproduzimos cenas anteriores; destruímos armários de ferramentas inúteis; acumulamos muafos; ferimos; lutamos; caminhamos; esperamos; e os dias desfolham suas pétalas aos nossos pés já machucados de quantas aventuras errantes pelo chão. Os séculos, os céus, os sóis... Largas listas de perdidas ilusões ao clarão dos novos tempos que virão sempre nas crinas do bicho razão desse universo onde habitamos e lá longe esquecemos o endereço de regressar à coerência das espécies. Nós, fagulhas insólitas nessa imensidão de eras e solidão cósmica, em meio ao mistério solene dos segredos guardados a sete capas dentro dos nossos corações que arfam e persistem.

Enquanto isto, sob as vistas do Ser Supremo, autor do que existe e senhor da perfeição, vagamos soltos nas vagas do vento, de almas postas numa certeza de que há nexo nos seus mínimos detalhes. Acalmamos os ânimos e pomo-nos determinados a encontrar as portas do Destino e nelas mergulhar o que fomos na forma de Esperança de uma dia chegar à plena realização. 


sexta-feira, 17 de junho de 2022

Os olhos de Deus


Nesse pestanejar da sorte à flor dos dias, tocamos em frente o silêncio de nós mesmos, filhos do Tempo, ele o senhor da Razão. Pisamos os pastos que nos permitem as conchas do mistério; às vezes sob as ações positivas; noutras, ao crivo das ilusões, porém em tudo dentro do que de real existe na humana liberdade. Assim, de acordo com circunstâncias e valores do quanto possamos ser. Isso aos sóis das determinações do que compreendemos. Todos despertos naquilo que a interpretação pode conceder, sempre presos nas normas do destino.

Aonde se quer chegar nos tais raciocínios?! Que argumentos cabem diante das leis nas quais navegamos ao mar deste mundo?! Um furor de tempestade determina o que ora somos mesmo fora do que desejamos. Há um poder bem maior do que as vontades individuais. Este equilíbrio em tudo vê e oferece os meios de ser. E a nós resta desvendar as existências do que fazemos parte, ou que nela habitamos à busca da perfeição. Afinar o instrumento da nossa alma ao diapasão do Universo eis o porquê de aqui andarmos, peças deste imenso tabuleiro em movimento, nas individualidades que determinam andar os acontecimentos.

Outro jeito de ver senão através dos olhos de Deus inexiste, pois. Isso de ritmar o quanto existe, inclusive no nosso interior, minerar o som do infinito na consciência, a isto aqui persistimos. Em cada segundo sua eternidade, a tanto desfiamos o novelo do firmamento, nas mínimas histórias, nos pendores, multicores e objetos. Um eco distante, que produz esperança e guardamos no coração a luz da certeza, nos sonhos inesquecíveis dos nossos próprios olhos.


quarta-feira, 15 de junho de 2022

A fragilidade e a Consciência

De tão pouco e estaremos próximos de responder aos mistérios nos quais existimos. Já reconhecemos as paredes que nos envolvem, tocamos pelos pensamentos as limitações que restringem nossos passos, estudamos a melhor forma de vencer os desafios e crescer, porém num peso que ainda transportamos quando prisioneiros do passado e ansiamos demasiadamente o futuro. Somos, portanto, parceiros de certeza frágil que nos alimenta diante dos blocos sob os quais aqui vivemos. Senhores de si, fustigamos a sorte tais aventureiros da solidão e autores dos laços que nos oprimem, contudo herdeiros da fortuna desse universo de que fazemos parte e queremos dominar ao iluminar a nossa consciência. Pedaços de um chão de dúvidas, transportamos em nós o barco das existências em mares de tormenta, fazedores de outras muralhas às quais prendemos nossos sonhos em meras fantasias de ilusão e quimeras dos pesadelos de mundo que se desfaz ao clarão dos dias.

Eis, pois, o quadro fiel de tudo quanto há em volta das criaturas humanas, tão prodigiosas na essência, porém vítimas da incompreensão delas próprias. E nisso arquitetam saídas mil desse embate consigo nas planícies da imensidão que lhes compõem, no entanto na pura ânsia de saber lá um dia o instante da transformação de um novo ser em nova presença. De quão frágeis, amarguram a incerteza da esperança quando padecem dos excessos da sua autoria, encandeados na luz que vive bem dentro no seu interior.

Vemos por demais esses aspectos da necessidade humana pelo ato do crescimento que lhe espera. Partos dolorosos de si, escolhem prolongar as angústias, contidos pelas ferragens desse mundo vão. E conhecer o espaço que nos distancia da libertação permitirá vencer a distância exata de tantos segredos imortais. O que resta significa, assim, conhecer e exercitar este voo de salvação.


quarta-feira, 8 de junho de 2022

Esfinges ambulantes


As esfinges manifestam presenças nas várias civilizações, mito por demais consagrado durante os milênios. Uma figura composta por vários animais em um só corpo, indaga qual animal de manhã anda de quatro patas, à tarde, com apenas duas, e à noite, com três patas. A resposta, o ser humano, que, quando criança, engatinha; ao crescer anda com dois pés; e na ancietude com o apoio de uma bengala. Isto grosso modo, porém sem ainda conhecer a sua verdade essencial, o sentido da existência. O ser de dentro de si, o Eu essencial, o ente interior mais profundo, a consciência além da mente, de sensações, pensamentos e emoções.

Este ser verdadeiro, de pura essência, a luz da Paz, da Consciência, vive latente em toda criatura humana, no entanto ainda submisso aos pendores dos instintos, de um eu menor, a mente, o ego, longe do domínio da quietude interna, soberana, ausente do Ser profundo que lhe habita as entranhas.

A isto todos aqui persistem nessa busca definitiva da sua real finalidade, à cata da iluminação, superação do enigma fundamental que nos põe a caminho da conquista da matéria, num estágio apenas provisório da evolução.

Tantos os nomes que resumem a aventura de todo humano e perpassam os fenômenos naturais e as ânsias incontidas do mistério a ser interpretado e resolvido pelo transcorrer das eras. Parceiros de si mesmos, negociam diante das contingências a que se veem submetidos perante a condição de meros aprendizes de um eterno Ser.

Filósofos, heróis, profetas, místicos, santos, vilões, todos, sem qualquer exceção, arrastam a tal contingência de resolver a questão fundamental do quanto existe e desvendar o segredo maior das existências. Nisso a verdadeira identidade carece da luz do Conhecimento a clarear os passos que conduzirão ao céu da Consciência, na tão sonhada paz de Deus.

(Ilustração: Esfinge de Gizé, Egito).


terça-feira, 7 de junho de 2022

Amar só se aprende amando


Amor que rompe enfim os laços crus do Ser; / 
Um tão singelo amor, que aumenta na ventura; / Um amor tão leal que aumenta no sofrer.  Fernando Pessoa

Enfim isso de amar... A descoberta da forma em volta da imaginação e suas aventuras nos mundos até então desconhecidos... Amar, enfim, disso que todos têm a contar, mas apenas restringem viver. Sobrevivem aos instintos de sustentar o destino com as próprias mãos, no entanto subjugados a dois numa fração distante do Universo.

Tantos foram os autores que percorreram o território do sonho no abismo de conhecer a tal função dos corações que, nem destarte vieram a compreender o senso das canduras que o amor transporta no bojo da sua sorte. Sobem às alturas e mergulham às profundezas do Ser, contudo quais fantasmas de si em voos imaginários que ao nada buscam e aceitam jamais conhecer aonde foram.

Nesse transe avançam os santos, os aventureiros da solidão, e aceitam de bom grado viver ao léu da sorte sem outra razão que não seja unicamente render reverência ao deus do impossível nas palmas do coração.

De quantos persistem na ânsia de encontrar nos sentimentos o real motivo de tudo o que existe, poucos, raros, desvendam o sentido absoluto do amor durante as histórias que aqui vivem. Saboreiam do fruto mágico da vida, porém logo esquecem, quase imediatamente, o sabor, vultos esquivos da salvação que fogem apressados de seus lábios invasores do mistério, largados que estão sob as bênçãos do definitivo que nunca haverão de esquecer, pois trazem agora preso à mesma essência dos que amam.

Depois de tudo a isto experimentar, os amantes santificam suas lendas e as transportam pelos mares do Infinito, missionários desse dom maior, prova definitiva dos segredos em forma de visões inesquecíveis. Passam a ser  relíquias de si mesmos e iluminam as horas mortas dos dias áridos. Aqueles que foram meros aprendizes, hoje mestres, revivem na alma o percurso das estrelas que rumaram à Eternidade.

segunda-feira, 6 de junho de 2022

As palavras dormem no silêncio e sonham na literatura


Tais seres vivos, elas habitam a dimensão das criaturas quais sombras de si mesmas, no entanto apenas jogadas pelos cantos das histórias que nunca cessam de acontecer no céu das existências. Nisso, as criaturas vagam soltas na busca de responder aos novos desafios de seus corações insaciáveis, encontrando, por vezes, o significado daquelas palavras antigas e juntando pedaços de seus sentimentos nos pensamentos, a formar conteúdos eternos pelas religiões dos povos. Nunca é tarde falar que elas também sofrem com isso, espécie de outros seres noutra dimensão talvez até mais profunda do que aquela em que vivem as criaturas humanas, e que delas se alimentam na formação dos seus valores e decisões.

Esses entes que vivem, pois, a percorrer o coração das criaturas chegam, nalgumas ocasiões, a dominá-las. Conquanto pouco senhoras de sua condição apenas menor, porquanto dependentes dos seus autores, impõem, nas horas mortas da consciência, planos de verdadeiros tumultos da ordem em volta, as fazendo vítimas delas mesmas, só que em consequências desses atos nefastos das palavras ditas inocentes, que tomam as rédeas do comando e produzem perdições, fazem guerras, cavam discórdias e geram arrependimento tardio no âmbito das humanas criaturas.

Assim, elas, aparentemente inofensivas, bichos quietos pelos cantos, viram armas de longo alcance e destroem reinos inteiros, cavilam malquerenças e suprem a necessidade humana de sofrer depois de ter errado, a fim de, lá um dia, evoluírem e se livrarem desse chão de matéria orgânica. Elas, nuvens dos céus das criaturas, de comum flores e frutos nos jardins do invisível, de hora a outra invadem o território do anonimato, dividem tribos, repartem botins de conflitos e saem caladamente à toca de outras aventuras nas ações do que puderem ser mas que não serão jamais. Isto sem esquecer, igualmente, que geram esperança, conciliam grupos adversos, reformam sociedades, libertam países submissos e alimentam a paz naquelas imediações. Tudo isso, porém, na razão das condições dos humanos, das falas, dos discursos enormes de calendários e sonhos, amores e vontade constante, que persistirão durante todo tempo na alma das criaturas e seus processos inesgotáveis de criação da pura Felicidade.

domingo, 5 de junho de 2022

Emoções desses dias frios


Dizem que as lembranças só querem um pretexto para mostrar a cara. E nesse tempo frio deste ano em nossa região, com madrugadas indo à faixa de 15, 16°, achei de lembrar uns dias que, em setembro de 2015, estivemos no Peru. Grupo de amigos, participamos de excursão aos Andes, 19 pessoas, das quais dez do Cariri. Viajamos de carro até Recife; daí, fomos de avião a São Paulo; de São Paulo a Lima; e de Lima a Cusco, aonde chegamos no final da tarde do dia seguinte à partida. Nem sei o que querem caboclos do sertão do Nordeste em realizar esses extremos opostos de frieza.

O tempo fechado daquela tarde trazia consigo temperatura de causar preocupação, principalmente a mim que sou friorento nato. Instalados devidamente, iniciamos o primeiro desafio, assim por volta de uns 5°. Vesti todo o equipamento que levara, a fim de sair nas primeiras incursões pela cidade. Até que deu certo, uma segunda pele, duas calças, pulôver, cachecol, gorro, etc.

Logo voltaríamos ao hotel para rever as camas, três edredons em cada uma, dois aquecedores de quarto e portas e janelas bem vedadas. Bom, tínhamos de encarar de algum jeito. Primeiro, o banho. Chuveiro quente de fumaçar, no entanto, ao sair, o primeiro grande espanto, pisar no chão frio e retornar ao quarto. Restava mergulhar debaixo dos edredons grossos, porém lá debaixo tínhamos de aquecê-los com o calor do próprio corpo, noite adentro. Quando veio a vontade de mijar, ihhhh, cadê coragem. Nunca tive tanta vontade de mijar na cama, a reviver os tempos do Tatu, quando menino, que, nos frios das madrugadas sertanejas, urinava na rede mesmo, com preguiça e sono, sem querer descer para, no escuro, usar o pinico. Mijava a camisola de menino, o fundo da rede, e acordava de manhã agarrado lá em cima no punho da rede para fugir da frieza.

Os aquecedores do quarto mal davam para secar as cuecas. Isso já a 2, 3° graus abaixo de zero, o que pegamos nalgumas das nove madrugradas. A gente ainda voltava para dentro dos lençóis grossos preocupados com a próxima vez de ir de novo ao banheiro. Um sufoco de temperatura.

Nisso, eu fico a imaginar o sacrifício desses alpinistas que gostam de subir aos picos mais elevados, Aconcágua, Everest, por vezes em perdidas aventuras de nunca mais regressar. Daí pensar o quanto de interesse teria em realizar tais aventuras. De 0 a 10, ficarei no 0 absoluto. Acho que nada disso me bate a passarinha, meio comodista e desconfiado dessas experiências desnecessárias.

quinta-feira, 2 de junho de 2022

Quem contará a nossa história?!

E reviverá os momentos que ainda quiseram fugir apressados quais suaves encantos de impossíveis traços, porém a isto jamais conseguirão... Assim tais saídos pelas mesmas ruas depois as de termos vivido nos filmes inesquecíveis do Cassino, Moderno, Educadora, a prolongar as histórias de outras terras e que hoje fazem parte de todos nós os que viveram de perto tudo aquilo, desde então até nunca mais, e seguem vivas... As noitadas na Praça Siqueira Campos aos domingos nos milhares de cores, nos sons das Lojas Stuart, entre horas de felicidade a olhos vistos... Os jogos do Campo do Esporte, nas tardes da mais pura emoção e movimento... As lides estudantis entre os grêmios; as maratonas; os desfiles de 7 de Setembro... A Praça da Sé, suas fontes e as bênçãos de Nossa Senhora de Penha, as quermesses, os jardins... As feiras livres e os visitantes das segundas-feiras, em multidão exótica, personagens inigualáveis, de muitas procedências, cheiros, artefatos, atividade intensa, uma festa de rua sem par no quanto de produtos e variedades, uma renovação de valores e artes populares... A Exposição Agropecuária, dos tantos enlevos e viagens sentimentais... Subidas à Cascata, Nascente, caminhos de terra a pé e alimento dos finais de semana... Os bares; as lojas do centro; as notícias; os boatos; os circos; parques de diversão de setembro; interrogações do tempo todo no furor das campanhas políticas; dos dramas encenados nos colégios; os clubes do pé de serra; as missas do domingo na Igreja de São Vicente, na Sé; o Seminário São José e os seminaristas que desciam nas festas maiores ou solenidades fúnebres; as chegadas e partidas do trem; os carnavais de rua; os corsos; as bancas de revistas e os jornais trazidos pelos voos da VARIG; os livros maravilhosos. lidos com fome e sede; o futebol de salão na Quadra Bi-Centenário; a paixão pelos times do Rio; as kombis quando iniciaram o percurso para Juazeiro, lá da Praça da Estação; as conversas intermináveis entre os amigos às noites da semana nos bancos da Siqueira Campos; os flertes e namoros; as notícias que percorriam fácil os ouvidos, numa velocidade estonteante; os tipos populares espalhados pelas calçadas a conviver espontaneamente na cidade, todos característicos e de hábitos constantes; as excursões aos lugares afastados; a União dos Estudantes e suas campanhas apaixonadas; o Clube de Cinema; o jornal A Ação; as exposições de arte; as rádios Araripe e Educadora e os programas consagrados; a Faculdade de Filosofia, que veio crescendo aos poucos até gerar a Universidade Regional do Cariri; as partidas emocionantes no Campo do Cariri; as tertúlias das sextas-feiras da AABB; as mudanças que se deram com o asfalto das ruas centrais; um Crato prenhe de memórias inextinguíveis, a reviver a alma de tantos que presenciaram tudo isso, eles que guardaram a ferro e fogo expectativas deste futuro nos quadrinhos fixados na consciência, espécie de fotogramas daquyeles filmes não desaparecem jamais. Quem, pois, contará a nossa história tão rica de beleza e sonhos?!.. Quem?!...

quarta-feira, 1 de junho de 2022

Hoje eu quero caminhar


Agora recente, sempre que não chove nos fins de tarde, me vem a vontade de caminhar pelas estradas desta encosta de serra em que vivo. Vontade de caminhar tal qual a vontade de beber água, de pensar, imaginar, sonhar, essa força que desce lá de não sei onde e vai até não sei onde. Um instinto puro de viver, eis o que assim me vem tudo isso, esses sintomas continuados que, menos espero, aparecem na forma das vontades, a preencher o momento ali mesmo no lugar em que me acho no espaço da presença. Um desejo de tocar em frente o barco em que habito durante todo tempo. Horas que vivem livres pelas planícies dentro da gente quais seres imprevisíveis de natureza que pelejo de, lá um instante, identificar em todas as suas qualidades, sinais que falam de ter paz, acalmar a consciência e ser com absoluta intensidade. Tais pedaços de sentimentos e pensamentos, vivemos, pois, juntando as amarras dos dias em outros dias; tocamos o itinerário de prosseguir na busca incessante de resolver as perguntas que transportamos, que somos, minutos adiante, espécies de tracejados de um bordado no mínimo instigante, revelador de uma revelação que, por vezes, parece demorar a vir, mas que cresce de algum ponto no Infinito que nós somos, durante longas noites e esplendorosos dias. Os passos nas estradas, por isso, contam dessas lendas que alimentamos de vir a ser no universo de nós mesmos, autores das razões que justificam existir. Desse modo, caminhar qual caminham as possibilidades de conversar, no íntimo, com a nossa real condição de seres andantes e, enquanto isso, escutar pássaros que trinam códigos pelas florestas em volta. Estes caminhares que nada mais significam além de avaliar o destino e recolher as sementes dos amanhãs de que seremos testemunhas em um mar de imensas interrogações. Isto, peças vivas do quebra-cabeça que compomos na paisagem dos sonhos, alguns personagens a continuar sem limites; daí a vontade de sair pelas tardes e poder usufruir das bênçãos constantes do inesperado em movimento.