Mas escrever tem dessas coisas. Ninguém se faça de besta a pensar que domina o ofício da escrita. Até quem sabe, cai nos barrancos, a pretender acertar, levado pela enxurrada de vez em quando, escreve bonito, contudo revela-se pessimista, niilista, ocasião de perda a quem lê ou escuta o que disser.
O jogo da redação pede humildade
aos que se sujeitam desperdiçar gol feito debaixo do travessão, perna-de-pau
dos jogos de subúrbio.
A gente chega no papel, ofuscado
nessa máquina acesa chamada computador, e repousa o espírito a contar o que lhe
desce no juízo. Há dias em que tudo parece fácil, as imagens afloram na tela da
memória, e tudo sai certinho. No entanto, outras horas, fecha-se o tempo,
branco total em tudo que é direção. E para não dar o braço a torcer, o autor
ajunta raia miúda e tome letra como vem.
O resultado, algumas vezes dá
nisso que deu naquela crônica. Cochilo que implica ausência de oportunidade
para ficar calado, pois, dizem os mais sabidos, palavra é de prata e silêncio,
de ouro. Num desses embarques, o instinto vence a pouca inspiração.
Por isso, que dizer mais? Que se
deve cuidar melhor dos ouvidos e dos olhos dos que param à frente dos textos,
em consideração aos raros que escrevem, nessa época de movimento febril e pouco
caso, quando jornais, revistas, transmitem, aos borbotões, pancadarias de
escândalos e falsetas.
O que mais angustia o autor é a
perspectiva do isolamento absoluto, nos cômodos escuros de mundos indiferentes,
aonde vive a maioria acomodada. O rádio, ao seu modo, supre essa carência.
Transmite, transmite, independente de saber quem sintoniza suas programações.
Ele, que persiste como importante meio de comunicação, tambor tribal nas
praças, desde as raças antigas. Já o jornal, perde atualidade no momento de
sair à rua. Cai no esquecimento, nos balcões de carne, nas mercearias e nos
açougues. Charmosa, a revista, cheia de cores, repercute duas, três semanas, e
só volta nos museus ou bibliotecas, seguindo adiante, nos registros da história.
A crônica intrusa se oferece, obstinada, bisbilhoteira,
comenta, critica, ou se critica, sem, entretanto, perder o senso da
informalidade, ao sabor das ondas de humor dos cronistas. Um dia, a tirania da
autocrítica acorda só meio-dia, olhos inchados, postos no horizonte da cara,
grogue, tonta da vertigem dos noticiários quentes, na busca de um álibi para
brincar de fazer comentário da própria cara. A propósito, há de se considerar
que tudo é perigoso e exige o preço de narrar qualquer história, seja de fora,
seja de dentro de cada um, motivo da crise de pouca lucidez por que passam os
autores, nestes dias atuais.
O gesto espontâneo de escrever se parece com as atitudes para
atender às exigências do momento. Vem a sede, busca-se água. O frio, cobertor.
A fome, alimento. Assim como querer responder a perguntas, no intuito de
satisfazer impulsos da pura necessidade. Livre de coação, busca erguer os olhos
dos afazeres. Sobrevoar o presente e formular um instantâneo relanceado daquilo
que se contorna, qual estando no centro de bolha infinita, cercada de feixes
invisíveis, correntes contínuas e alternadas. Recolhe-se que nem caramujo,
fruto de idéias em palavras, tópicos a pousar no papel, sujeitos visíveis por
vezes lidos por outros seres humanos.
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