terça-feira, 26 de agosto de 2025

Autocrítica severa


Mas escrever tem dessas coisas. Ninguém se faça de besta a pensar que domina o ofício da escrita. Até quem sabe, cai nos barrancos, a pretender acertar, levado pela enxurrada de vez em quando, escreve bonito, contudo revela-se pessimista, niilista, ocasião de perda a quem lê ou escuta o que disser.

O jogo da redação pede humildade aos que se sujeitam desperdiçar gol feito debaixo do travessão, perna-de-pau dos jogos de subúrbio.

A gente chega no papel, ofuscado nessa máquina acesa chamada computador, e repousa o espírito a contar o que lhe desce no juízo. Há dias em que tudo parece fácil, as imagens afloram na tela da memória, e tudo sai certinho. No entanto, outras horas, fecha-se o tempo, branco total em tudo que é direção. E para não dar o braço a torcer, o autor ajunta raia miúda e tome letra como vem.

O resultado, algumas vezes dá nisso que deu naquela crônica. Cochilo que implica ausência de oportunidade para ficar calado, pois, dizem os mais sabidos, palavra é de prata e silêncio, de ouro. Num desses embarques, o instinto vence a pouca inspiração.

Por isso, que dizer mais? Que se deve cuidar melhor dos ouvidos e dos olhos dos que param à frente dos textos, em consideração aos raros que escrevem, nessa época de movimento febril e pouco caso, quando jornais, revistas, transmitem, aos borbotões, pancadarias de escândalos e falsetas.

O que mais angustia o autor é a perspectiva do isolamento absoluto, nos cômodos escuros de mundos indiferentes, aonde vive a maioria acomodada. O rádio, ao seu modo, supre essa carência. Transmite, transmite, independente de saber quem sintoniza suas programações. Ele, que persiste como importante meio de comunicação, tambor tribal nas praças, desde as raças antigas. Já o jornal, perde atualidade no momento de sair à rua. Cai no esquecimento, nos balcões de carne, nas mercearias e nos açougues. Charmosa, a revista, cheia de cores, repercute duas, três semanas, e só volta nos museus ou bibliotecas, seguindo adiante, nos registros da história.

A crônica intrusa se oferece, obstinada, bisbilhoteira, comenta, critica, ou se critica, sem, entretanto, perder o senso da informalidade, ao sabor das ondas de humor dos cronistas. Um dia, a tirania da autocrítica acorda só meio-dia, olhos inchados, postos no horizonte da cara, grogue, tonta da vertigem dos noticiários quentes, na busca de um álibi para brincar de fazer comentário da própria cara. A propósito, há de se considerar que tudo é perigoso e exige o preço de narrar qualquer história, seja de fora, seja de dentro de cada um, motivo da crise de pouca lucidez por que passam os autores, nestes dias atuais.

O gesto espontâneo de escrever se parece com as atitudes para atender às exigências do momento. Vem a sede, busca-se água. O frio, cobertor. A fome, alimento. Assim como querer responder a perguntas, no intuito de satisfazer impulsos da pura necessidade. Livre de coação, busca erguer os olhos dos afazeres. Sobrevoar o presente e formular um instantâneo relanceado daquilo que se contorna, qual estando no centro de bolha infinita, cercada de feixes invisíveis, correntes contínuas e alternadas. Recolhe-se que nem caramujo, fruto de idéias em palavras, tópicos a pousar no papel, sujeitos visíveis por vezes lidos por outros seres humanos.

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