sábado, 4 de janeiro de 2025

Cracóvia (Tradição judaica)


No ano de 1363, o Rabi Yitschac transferiu-se de onde lhe perseguiam, na Alemanha, para a cidade de Cracóvia, na Polônia, a convite da comunidade judaica daquela nova localidade. Esses domínios pertenciam a um dos príncipes poloneses, cujos condados eram administrados pelo judeu alemão chamado de Shelemô Seligman.

Seligman, por sua vez, renunciando compromissos religiosos para com a tradição de seu povo, abandonara a Lei para viver vida dissoluta, irreverente e prazerosa, semelhante à dos outros camaradas poloneses com quem convivia, mudando inclusive o próprio nome para Sigmund.

No seguir dos acontecidos, de inopino, certa vez, Sigmund achou de se apaixonar por jovem judia divorciada que morava em Cracóvia na companhia dos pais. A fim de conquistar os familiares da moça, o nobre prometeu casar com ela de acordo com as leis de seu povo de origem, indo ao Rabi Yitschac no intuito de que ele oficiasse a cerimônia religiosa.

Sabedor das raízes israelitas do noivo, o rabino recusou o pedido, porquanto ao judeu inexiste a possibilidade de contrair matrimônio com mulher separada do marido.

Disposto afrontar o que desse e viesse, Sigmund propôs ao sacerdote abrir mão de seus privilégios, desde que merecesse a mulher que amava. A isso, no entanto recusou-se o fiel rabino, que apenas insistiu em preservar o livro santo do Torá, ao qual devia obediência, apelando retornasse o pretenso nubente ao estilo judeu de seus pais, em sacrifício das vaidades do mundo e modelo da salvação daquela gente.

Revoltado, Sigmund ameaçou Yitschac e retirou-se batendo a porta.

Daí, seguiram-se denúncias do rabino à família rica e influente da noiva e à comunidade judia quanto aos propósitos contraditórios de Sigmund. Enviou mensagens e advertiu do púlpito, em severas críticas, os envolvidos na trama, e considerou os efeitos perniciosos da atitude pecaminosa, caso levada a efeito, angariando assim os favores da comunidade.

Os parentes da moça, em resposta, escolheram insistir quanto naquilo, em apoio do noivo. Sigmund, então, correu ao príncipe na busca de prestígio. Formara-se larga contenda, porquanto o soberano também concordou no casamento.

Convidado ao palácio, o rabino manteve sua posição. Forçava príncipe a que o sacerdote judeu mudasse na decisão. Até um bispo católico viria aos debates, chamado a opinar, sem, contudo, lograr o êxito da desistência do rabino.

Com isso, o príncipe determinou a celebração do enlace matrimonial por Yitschac, em arrepio das leis da Tradição, bem no centro da praça do mercado, sob a força das armas e perante uma movimentada assembléia de judeus e não judeus.

Ciente de que não dissuadiria o casal da profanação, o rabino ergueria, no momento das núpcias, aos céus, profunda súplica, arrematando, em seguida: “Responda-me, oh, Deus, responda-me. Faça-o em prol de Seu santo, grande e temível Nome!"

Na praça lotada, só os lábios do ancião se moviam veementes, quando fenda enorme se abriu no chão sob os pés de Sigmund e sua noiva, engolindo-os num abrir e fechar de olhos.

Os gritos aterrorizados que em breve se ouviam restariam abafados no meio da multidão estarrecida. Logo depois, a terra se fechava, perante o testemunho de muitos olhos amedrontados.

Face ao fenômeno inédito, arrependido com as notícias, o príncipe ainda viria a atender o rabino, isolando de paredes o local em que os dois infelizes sucumbiram, por não ser dado aos judeus andar em locais que haja túmulos, segundo pedira Rabi Yitschac na ocasião.

(Ilustração: https://macielindex.com.br/judeus-sefarditas-historia-legado/).

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