sexta-feira, 15 de março de 2024

As coleções


Desde criança que houve em mim disposição para colecionar alguma coisa, talvez por influência de amigos, parentes, mas lembro dessa tendência de reunir e guardar, com especial apego, flâmulas, chaveiros, caixas de fósforo de propaganda, selos, quadros de fita de cinema, estampas do sabonete Eucalol, postais, até chegar nos livros e discos, as manias atuais e persistentes.

Imagino mesmo que por essa fase passaram muitos de minha geração; passaram ou nela permaneceram, chego a admitir.

As primeiras coleções que alimentei guardava escondidas debaixo de sete capas, na cômoda em que ficavam também minhas roupas. Representavam algo de secreto, tesouro precioso de acesso só individual. Esperava sempre, quais acontecimentos felizes, a surpresa de novas aquisições, que, de raro em raro, apareciam através de um amigo, um primo, de perto ou de longe.

Os quadros de fita de cinema mexeram forte com minha imaginação, pois representavam relíquias valiosas do que ocorria dentro das salas de projeção, retrato fiel de atores e cena. Em Crato, nesse tempo (primeira metade da década dos anos 60), existiam outras pessoas que também se dedicavam a reunir os pedaços de celulose que sobravam das quebras das fitas, nos cinemas que existiam à época (Cassino, Moderno e Educadora). Deles, lembro de Temóteo Bezerra e Chico do Moderno, que possuíam os melhores acervos de quadros de filmes famosos, os mais caros e procurados. 

O ímpeto colecionativo cresceu de intensidade quando divisei os selos, quadradinhos coloridos, viajados nas cartas, que traziam o magnetismo de outros e distantes lugares, mundos diferentes, misteriosos. Esse apego cresceu quando conheci os selos estrangeiros, dos quais formei coleção de quase um milhar, todos carimbados, sem mancha ou defeito. Estrangeiros, porque assim acrescentavam a certeza de virem de outras terras bem longínquas, outras línguas.

Demorava horas e horas a mergulhá-los em bacia de água limpa para lavar, em seguida repousando-os entre as páginas de dicionários para secarem, quais seres vivos, num verdadeiro ritual que justificava o sonho das coleções.

Somei o gosto pelos selos ao das estampas de Eucalol, do tamanho dos sabonetes que acompanhavam nas caixas de três unidades. Minha mãe fazia feira na mercearia de Antônio Primo, na rua Santos Dumont, e éramos atendidos por José Primo, seu irmão, que depois viria a ser meu colega, no Banco do Brasil. Zé Primo conseguia com outros fregueses as estampas, que eu colecionavam com zelo e possessividade.

Também formei um álbum de figurinhas de países, trajes típicos e bandeiras, tudo isso no segmento da coleção de selos, querendo desse modo aprofundar o conhecimento sobre povos.

Um dia abusei dos selos, quando comecei a namorar, aos treze, quatorze anos. Notei que eles viraram concorrentes das horas que rarearam no meio das obrigações da escola e das namoradas, porquanto pediam atenções próprias.

Belo dia, numa atitude radical, permutei toda a coleção por apenas um único vidro de perfume, investimento imprescindível às conquistas amorosas. Décadas, e os selos estrangeiros a mim retornariam, vindos de amigos de outros países, porém escolhi passá-los a meus filhos, querendo despertar neles a paixão pelas coleções que me colheram logo na primeira infância.

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