Desde criança que houve em mim disposição para colecionar alguma coisa, talvez por influência de amigos, parentes, mas lembro dessa tendência de reunir e guardar, com especial apego, flâmulas, chaveiros, caixas de fósforo de propaganda, selos, quadros de fita de cinema, estampas do sabonete Eucalol, postais, até chegar nos livros e discos, as manias atuais e persistentes.
Imagino mesmo que por essa fase
passaram muitos de minha geração; passaram ou nela permaneceram, chego a
admitir.
As primeiras coleções que
alimentei guardava escondidas debaixo de sete capas, na cômoda em que ficavam
também minhas roupas. Representavam algo de secreto, tesouro precioso de acesso
só individual. Esperava sempre, quais acontecimentos felizes, a surpresa de
novas aquisições, que, de raro em raro, apareciam através de um amigo, um
primo, de perto ou de longe.
Os quadros de fita de cinema
mexeram forte com minha imaginação, pois representavam relíquias valiosas do
que ocorria dentro das salas de projeção, retrato fiel de atores e cena. Em
Crato, nesse tempo (primeira metade da década dos anos 60), existiam outras
pessoas que também se dedicavam a reunir os pedaços de celulose que sobravam
das quebras das fitas, nos cinemas que existiam à época (Cassino, Moderno e
Educadora). Deles, lembro de Temóteo Bezerra e Chico do Moderno, que possuíam
os melhores acervos de quadros de filmes famosos, os mais caros e
procurados.
O ímpeto colecionativo cresceu de
intensidade quando divisei os selos, quadradinhos coloridos, viajados nas
cartas, que traziam o magnetismo de outros e distantes lugares, mundos
diferentes, misteriosos. Esse apego cresceu quando conheci os selos
estrangeiros, dos quais formei coleção de quase um milhar, todos carimbados, sem
mancha ou defeito. Estrangeiros, porque assim acrescentavam a certeza de virem
de outras terras bem longínquas, outras línguas.
Demorava horas e horas a
mergulhá-los em bacia de água limpa para lavar, em seguida repousando-os entre
as páginas de dicionários para secarem, quais seres vivos, num verdadeiro
ritual que justificava o sonho das coleções.
Somei o gosto pelos selos ao das
estampas de Eucalol, do tamanho dos sabonetes que acompanhavam nas caixas de
três unidades. Minha mãe fazia feira na mercearia de Antônio Primo, na rua
Santos Dumont, e éramos atendidos por José Primo, seu irmão, que depois viria a
ser meu colega, no Banco do Brasil. Zé Primo conseguia com outros fregueses as
estampas, que eu colecionavam com zelo e possessividade.
Também formei um álbum de
figurinhas de países, trajes típicos e bandeiras, tudo isso no segmento da
coleção de selos, querendo desse modo aprofundar o conhecimento sobre povos.
Um dia abusei dos selos, quando
comecei a namorar, aos treze, quatorze anos. Notei que eles viraram
concorrentes das horas que rarearam no meio das obrigações da escola e das
namoradas, porquanto pediam atenções próprias.
Belo dia, numa atitude radical,
permutei toda a coleção por apenas um único vidro de perfume, investimento
imprescindível às conquistas amorosas. Décadas, e os selos estrangeiros a mim
retornariam, vindos de amigos de outros países, porém escolhi passá-los a meus
filhos, querendo despertar neles a paixão pelas coleções que me colheram logo
na primeira infância.
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