segunda-feira, 11 de março de 2024

Lembranças domingueiras


Os domingos de manhã guardam comigo uma lembrança diferenciada dos outros dias de manhã. Às vezes, me pego querendo avaliar o que explicaria isso e descubro razões que deixam apenas pela metade possíveis justificativas, que encontro alojadas no passado, pois umas tantas sensações que vivencio as vejo ligadas ao tempo de eu menino. Essas dos domingos de manhã, porém, querem por si viajar mais longe, qual vindas de tempo ainda mais remoto, escondido em terras distantes de uma memória ancestral, do tipo das que fincam raízes nos reinos afastados, semelhante a quando se olha paisagens vistas do alto e o horizonte se desdobra em camadas superpostas de montanhas em vários subtons de azul

que se alongam até sumir dentro de outros azuis invisíveis, que mesmo as lentes das câmaras sofisticadas transformam só em ligeiros registros apagados.

Assim, afloram as emoções que se formam quando amanheço nos domingos, quase sempre fora da hora prisional dos outros dias.

Lembro diversas vezes quando descia da casa onde morávamos, no bairro Pinto Madeira, em Crato. Vinha acompanhado de meu pai para assistir a missa das nove na Igreja de São Vicente, com o Padre Frederico, um alemão avermelhado e autoritário, como outros alemães que até hoje conheci. Meu pai exercitava um modo próprio de participar da missa, ficando em frente de uma das portas laterais da igreja, que dava para a rua Senador Pompeu, ali junto de alguns amigos com quem chegava a estabelecer alguma prosa de meia voz. Na ocasião em que, lá dentro da igreja, tocava a sineta relativa ao momento da Elevação, quase apenas nessa hora subia os batentes ao interior imediato do templo e, então, se ajoelhava reverente, a voltar ao exterior logo em seguida, aguardando o final da cerimônia religiosa.

De fora, presenciava o movimento dos transeuntes e automóveis. Numa dessas missas, em que eu não compareci, ele e os amigos conseguiram prestar socorro a uma kombi que sofrera uma pane próximo deles; às pressas apagaram, com terra colhidas das imediações, incêndio que grassava no motor, em vias de consumir o carro todo. Sei por que ele chegou em casa de mãos e roupas enegrecidas de fuligem, narrando as peripécias com todos os seus detalhes.

Ao terminar a missa, nos deslocávamos pela rua João Pessoa até a praça Siqueira Campos, onde ficávamos instalados no Bar Glória, embaixo do Grande Hotel. Ele, ali, encontrava outros amigos e atualizava os assuntos da semana. Em frente, no leito da praça, havia movimento de gente arrumada em trajes de domingo, moças, rapazes, senhoras, senhores, a desfrutar do sol matinal e desfilar entre as árvores, jardins e bancos, numa hora animada e cheia de festejos e olhares afetuosos.

Em certa dessas manhãs, lembro disto como se fosse hoje, recebi de um dos amigos de meu pai, José Pinheiro, parente de minha mãe, o primeiro bombom Sonho de Valsa que experimentei, coisa de marcar a lembrança pelo apreciado sabor de várias gerações e que persiste no tempo, daqueles produtos definitivos devido às fórmulas especiais que possuem. A crônica tem dessas coisas. Quando se começa a tomar gosto em escrever, o território some dos pés e nos resta aguardar outras oportunidades de enfocar assuntos cotidianos da história remota ou atual.   

Nenhum comentário:

Postar um comentário