Quais luzes que acendem pelos grotões escuros do passado, assim são as lembranças que tendem a invadir o juízo da gente quando menos se espera. Horas sucessivas de trechos às vezes longos daquelas vivências que chegaram e desapareceram de um instante a outro, na maior sem cerimônia. Creio vem ser desse jeito quando, no outro lado da matéria, nos vejamos no espelho dos destinos e que não mais estivermos aqui a mergulhar na superfície da realidade aparente.
Isso ocorre aos viventes todos, eu sei. Reviram os trastes do que ficou na estrada, ao menor indício que identifique as marcas deixadas na memória. Talvez venham numa canção, num livro, nos lugares, nas pessoas, nomes, cores, vozes; daí o impulso de conspiração em querer sustentar o que já virou cinzas, tições apagados das dores, contradições, prazeres...
Digo desse jeito face aos espasmos de recordações que cumprem o papel de falar do que fomos lá um dia e precisamos lembrar, fazer as pazes, limpar as culpas através dos arrependimentos, do perdão, da conformação, sob o manto largado das horas adormecidas no mistério da existência. Um tanto enigmático, contudo parte de nós mesmos junto de quem somos agora.
Os livros nas estantes, as pastas dos arquivos, roupas, discos arranhados, fotografias amarelecidas, cartas, rabiscos, jornais, revistas, milhares de quantos significados a nos acompanhar feitos seres esquisitos a quem demos vida, fomos suas vidas, trechos impávidos de filmes, romances, aulas, viagens... Deste sótão por demais fantasmagórico dos dias nascem as rugas, os dialetos, as leis de continuar perante os céus anônimos, vultos que vagam no silêncio eterno das madrugadas.
Quantas músicas ecoam na memória dos indivíduos, trechos de espetáculos, espécie de herança do que ora contemplam e puderam haver sido, soma de pensamentos e sentimentos daquelas ocasiões onde construíram a história. Um pouco de tudo, e nada, olhos que agora resolvem os ver de perto e pedir explicação do que fizeram de si durante todo tempo.
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