Aqui perto de onde moro, na encosta da Serra do Araripe, em Crato, passa um riacho, afluente do Rio Grangeiro, que cruza o Cariri indo desaguar no Rio Salgado lá bem abaixo. Quando chove, as águas do pequeno rio ficam a murmurar horas inteiras, a falar com a mata numa linguagem decerto compreensível entre eles. Mesmo assim me aventuro querer interpretar alguns pedaços dessa conversa e aproveito a mergulhar dentro de mim, na busca de sentido naquilo do dizer das águas em movimento. Qual falou Olavo Bilac de quem escuta as estrelas (Ora (direis) ouvir estelas. Certo, perdeste o senso!...), ainda assim me arvoro da certeza de escutar um pouco que seja do que dizem as águas que descem da serra ao mar e compõem seus próprios versos.
Noto da fala o quanto, em volta desse universo dagora, nas tantas situações que mutilam de dor a raça humana, nestes tempos de notícias apressadas de violência pelo mundo, quase que, mais que vozes, as lembranças gritam de uma humanidade primitiva que guerreia por terra e pelos ares, numa fome deslavada de poder e de agruras, durante as eras que se sucedem e deixam a dever instantes de amizade e paz.
Ouço, no murmúrio das águas que fogem dos desencontros que tomam de conta da História e da ferrenha competição em busca dos lugares que lhes caberiam no Chão, não fosse a indústria das armas e os sinais de poderio econômico que prevalecem constantemente. A vontade que haveria de haver, numa outra direção do juízo, de unir os sonhos e realizar os sentidos bons da Criação aos nossos olhos.
Isto é, ouço a mim que ferve de notícias insistentes dos lamentos que dominam e tangem o rebanho ao pasto dos dias, quais meros valores de mercado em profusão. Aos poucos, no cessar da chuva e do transcorrer das horas, o riacho adormece, talvez na esperança de deixar nalgum canto avisos de coerência aos espíritos que, desavisados das ocupações mais insistentes, hajam sido ouvintes fieis de suas lágrimas que agora correm silenciosas.
(Ilustração: Reprodução da Web).
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