sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

As muralhas do abismo


Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você.  
Friedrich Nietzsche

Há em si que contemplar, de olhos abertos, o ilimitado. Isto resume quanto existir diante das noites, nesses tempos sombrios. Ensejar, cotejar, os segredos ao ponto de aceitar o Destino qual poder soberano, autor das sequências naturais, antes e só. Do quanto as palavras dizem, assim o mundo acontece. Sons de instrumentos de uma cena sucessiva, horas passam que acendem as luzes de palco imenso perante os espectadores da infinitude que o somos, repasto do Tempo no espaço, os mesmos fantasmas de antigamente, hoje dotados de cores estridentes vagando nas ondas elétricas.

Enquanto que deslizam na escuridão, os longos comboios de miragens, lá na distância onde o vento rasga as folhas do Infinito, a paisagem das horas observa os sóis. Eles ainda habitantes de uma viagem insólita, intrépida, seguem, pois, o trilho da dúvida e aceitam de bom grado defrontar o silêncio do absoluto. Quais apáticos seres de mundos subterrâneos, mergulham na superfície da própria alma, a dizer falas ininteligíveis, misto de dores e tédio. Isso tudo depois das jornadas impossíveis do desejo, famintos que foram na ilusão dos prazeres vãos.

Portanto, quase ninguém escuta essa voz da Consciência ao instante de revelar o motivo de ter vindo aqui e nem saber mais a que seja. A busca lhes percorre o ser e nutre o instinto de vencer o nada fugidio. Todos, em trajes domingueiros, avistam da carne a barca do mistério, assustados do que viram até então. Bem isto, agora. Visões doutras histórias, conquanto cientes da ausência incontida na tentação do vazio que acompanha saber, contudo autores de lendas dalgum modo em elaboração nas presenças gerais.

Nesta contemplação inevitável, sustentam, no entanto, passos incertos ao caminho do Sol e no íntimo imploram do futuro as promessas alimentadas desde sempre no vácuo da solidão. Sabem, porém, aceitar de tudo o que vier, após sobreviver um tanto.

Algo tal que isto seja viver e sustentar algum significado, percorrer as entranhas da alma e abrir os céus aos sonhos guardados.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

A Festa da Renovação II



Mantém-se viva, nos costumes da região do Cariri cearense, sobretudo junto às famílias simples e humildes da periferia das cidades maiores, das menores cidades e da zona rural, um rito de origem católica denominado Renovação ou Entronização do Coração de Jesus, costume popular do Nordeste brasileiro. 

Essa tradição diz respeito à casa. Ao constituir a residência, os seus moradores, de livre e espontânea disposição, estabelecem uma data para providenciar a entronização do Coração de Jesus e do Coração de Maria. Firmam, na parede da sala principal, a que fica defronte da porta de entrada do lar, um santuário, desse modo estabelecendo ali um espaço sagrado, dedicado aos santos da sua devoção. Torna-se esta a sala do Coração de Jesus. Eis o modo que se adota de também consagrar a Deus essa casa.

Na parede, juntos da imagem ou da estampa de Jesus e Maria, reúnem-se outras estampas e imagens de gesso ou madeira, também conhecidas na herança do Catolicismo, desde Santa Luzia, São José, São Jorge, Santa Bárbara, São Francisco, a Padre Cícero e Frei Damião, os santos populares dos nordestinos, dentre outros, postos em nichos ou molduras dos mais variados modelos. Uma decoração de flores artesanais de cores fortes, ao vermelho, rosa, azul, dourado, prateado, amarelo, envolve o lugar, apresentando painel intensa expressão visual, contornado de fitas e guirlandas feitas de papel crepom, papel de seda e aluminizados.

Após a anterior preparação da casa, através de limpeza geral dos cômodos, reboco e pintura, naquele dia escolhido, ao primeiro ato, tudo se volta ao andamento de uma festa social muito apreciada na região, oferecida a todos da comunidade. Dada a proximidade dos festejos do Natal, essa data quase sempre ocupa os meses finais do ano.  

No dia aprazado, de preferência no horário do meio-dia ou às 6h da tarde, aos acordes imprescindíveis de uma banda cabaçal e dos estampidos de bombas e foguetes, inicia-se a festa.

No seu livro O Folclore no Cariri, o prof. J. de Figueiredo Filho escreveu: As bandas-de-couro têm cerimonial especial para a louvação dos Santos. Podem homenageá-los, em época de novenário, em casas de senhor de engenho, do morador ou do pequeno proprietário. A mesma cerimônia executa na Entronização, Renovação do Sagrado Coração de Jesus, ou mesmo diante do Menino Deus, na lapinha. A banda executa, nesses casos, músicas correspondentes aos benditos populares da Igreja: QUEREMOS DEUS, NO CÉU, COM MINHA MÃE ESTAREI e outros. A cabaçal entra, formada, na sala e logo depois seus membros se destacam para a louvação e sem prejuízo da tocata que prossegue. Um a um faz a reverência com a cabeça, quase um salamaleque e logo após, em genuflexão, beija o altar ou os pés do santo homenageado. Quando chega a vez do zabumbeiro, reverencia o orago com a inclinação de cabeça e após isso, coloca a zabumba ao chão, ajoelha-se, apoiando a mão esquerda sobre o instrumento. Após a homenagem individual, há outra de dois em dois, o mesmo cerimonial, com a música sempre a vibrar, mais zoadenta ainda por ser no interior da casa. Em seguida ao ato de louvação, o conjunto aboleta-se no terreiro, onde executa verdadeiro concerto, com variado repertório.

Após as circunvoluções da banda cabaçal, restabelecido o silêncio, entra em cena a rezadeira, ou noveneira, e suas auxiliares, a desfiar jaculatórias adequadas à cerimônia. Diga-se que, de comum, as autoridades eclesiásticas não exercem a função de comparecer em tais ocasiões, de exclusiva determinação do próprio povo. Existem, nessas comunidades, pessoas afeitas ao ofício das celebrações. Em geral, senhoras conhecidas e admiradas nos grupos sociais onde vivem. Com distinção, cumprem sua parte no decorrer solenidade. Lêem novenas, palavras de consagração que nutrem o ritual, seguidas nas repetições reverentes dos fiéis, no tempo de duração aproximada de uma meia hora, o suficiente à inteira celebração.

Como se observa nas palavras de Figueiredo Filho, após completados todos os passos do rito formal desse tipo de novena, os presentes retornam à frente da casa, o que nos sítios corresponde ao terreiro, para, assim, poderem apreciar a dança e a música dos cabaçais.

Enquanto isso, na cozinha e a sala de jantar, os convidados são servidos de mungunzá, arroz, farofa de cuscuz, galinha caipira, bolos de puba, de milho, de farinha de trigo, biscoitos, pães, e de bebidas, aluá, feito de casca de abacaxi fermentada em potes de barro, sucos e refrigerantes. Esse instante demonstra boa vontade e a fartura da família.

Muitas dessas festas ocorrem, de hábito, no aniversário de casamento dos donos, ou no aniversário de nascimento de um dos seus moradores da casa, somando-se, em conseqüência, as duas comemorações.        

A partir dessa primeira entronização, a cada ano, na mesma data, a festa se repente em obediência a igual sistematização. Antes, com a limpeza e pintura da casa, dos quadros e imagens dos santos; e, no dia, com o espocar de bombas, fogos; a chegada do povo, da banda-de-couro; seguindo-se depois na distribuição de alimentos aos presentes, sob o clima puro da mais fiel religiosidade.  

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Na realização deste texto, entrevistamos Rosiane Limaverde e Alemberg Quindins, da Fundação do Homem Kariri, de Nova Olinda CE.

Noivos indecisos


Quem viveu em Crato nos anos 50 e 60 com certeza conheceu o padre Frederico Nierhoff, nascido na Alemanha e responsável, durante vários anos, pela paróquia de São Vicente Férrer, no centro da cidade. Dotado de senso empreendedor, fez a reforma da igreja e ampliou o salão paroquial, além de instalar um arrojado projeto comunitário no distrito de Ponta da Serra, na localidade denominada Mata, iniciativa exemplar, deixando marcas profundas de liderança religiosa em nosso município.

Homenzarrão de quase dois metros de altura, voz cheia, tonitruante, deitava sotaque a lhe denunciar a origem germânica, vindo morar no Brasil à época da Segunda Guerra, para trabalhar junto de sua ordem religiosa que construiu, no Sítio Recreio, o Seminário da Sagrada Família, em cujas instalações hoje funciona o Hospital Manuel de Abreu, na saída para a Batateira.

Demonstrações de sua personalidade forte deixaram marcas indeléveis na memória do povo cratense, também por conta de algumas vivências pitorescas, guardadas nas histórias locais. Sinceridade e bom humor caracterizavam-lhe as atitudes.

Dentre as histórias mais conhecidas que ponteou vale anotar o caso célebre de um casamento de noivos da zona rural que oficiou, certa feita. No instante em que as partes se aceitariam no definitivo do compromisso, a noiva manifestou a inesperada recusa. Desfez-se o cerimonial para só depois de alguns meses voltar a acontecer.

Da segunda vez, inverteram-se os papéis. Dessa vez (quem sabe se por revanche?), o noivo negou-se a receber a parceira, motivando novo constrangimento de familiares, convidados e celebrante, outra vez, não vendo concretizada a união que prepararam.

Até chegar a terceira data, as coisas exigiram um tanto mais de tempo; arrastaram-se, porém, mesmo assim a se verificar, na maior das expectativas.

Todos postos, silêncio apreensivo dominava o ritual, quando feitas as clássicas perguntas; suspiros de alívio percorreram o ambiente das núpcias, após os dois, felizes, responderem a palavra mágica do sim tão aguardado.

No entanto ainda restava o lance derradeiro daquele drama, quando algo de incompreensível sucedeu. O `Padre Frederico fez ecoar seu vozeirão pela nave da igreja a dizer:

- Pois agora quem não quer sou eu - contra-atacou o vigário. - Vão embora que eu não celebro mais esse casamento encruado - terminando desse modo com a solenidade, sem legitimar as bodas.

 

terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

Distensões filosóficas


É isso, tanto de conclusões a que se chega a todo instante no sentido de justificar os percalços das horas, sem, no entanto, definir de tudo o que bem sejam os reais motivos de estar aqui todo tempo. Muitos, quantos e quantos, sábios a esclarecer o fruto disso, de existir, defrontar, sobreviver, e ser feliz dalgum modo, nalgum momento. Razões não faltam, pois. Conquanto sejamos, nós conosco próprios, autores e leitores da existência, insistimos perguntar e responder às enquetes advindas nos blocos e nas ações do que acontece conosco e com os demais, séculos adiante. São inúmeros pensadores a dizer seus roteiros e métodos, a praticar, entretanto, à maneira de um a um compreender, e depois desaparecer nas brumas do Infinito.

Isso que faz a diferença das civilizações, gerações inteiras que padecem das carências e as administram ao sabor daquilo de poder aceitar e praticar até limites estreitos, e sumir de vez no passado. O resultado anda pelos livros, nos tratados, nas fronteiras; raças e credos. Esforço enorme dispendem a reverenciar ídolos e diferentes feitos, de exercitar os métodos até então desenvolvidos, a padecer do exercício da improvisação por meio das imperfeições acumuladas. Sempre haverá, todavia, largos divisores, nessas águas inevitáveis dos humanos.

As variações de tais práticas vivem soltas no lendário das eras, nas lendas, nos registros presos aos meios de comunicação, meras conjecturas do que poderia ter sido, depois revistas no que se sucedeu de verdade nas barcas dos destinos. Lá, perdidos nas noites seculares, os artistas, solitários, insistem dizer, quais bichos de florestas imaginárias; eles padecem da mesma fome de viver a realidade, contudo sejam pastos inúteis das fantasias invisíveis.

Nisto, as tradições percorrem os sonhos através de ausências inexplicáveis. Seres insólitos assim vagueiam no estranho universo das tradições e demonstram o poder inevitável da raça de continuar os dias afora, nessa busca de revelar a si mesma ainda que diante do vazio inanimado deste silêncio contundente.

(Ilustração: Arte peruana).

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Alcoólicos Anônimos


O grau de dependência das pessoas quanto aos hábitos nocivos está na razão direta de sua capacidade para exercer o controle da própria vontade. A força do querer, portanto, define o jeito de vida que pode significar queda ou realização dos ideais de cada uma pessoa, isto em função da qualidade com que dirigem esse possante agente da individualidade, a preferência na escolha daquilo a que se quer render e dedicar, bem ao modo da própria evolução pessoal.

Especialistas em tratamento de dependentes de produtos químicos esclarecem quanto a essa imensa valia de dominar o instinto do prazer até a libertação do que ocasiona tanto desassossego e dramas pessoais, familiares e coletivos.

Hoje em dia, no mundo inteiro, a dependência a drogas, e ao álcool em particular, tornou-se grave problema de saúde pública, daí surgindo instituições voltadas ao tratamento dos males perniciosos com isso acarretados.

Dessas instituições que formam o esforço de solução uma se destaca entre as mais eficientes, Alcoólicos Anônimos, de raízes nos Estados Unidos e espalhada pelos mais diversos lugares, iniciada em junho de 1935, na cidade de Akron, no estado americano de Ohio, fruto de uma conversa entre um corretor de seguros e um médico. Há seis meses, o corretor se libertara do álcool por uma experiência espiritual súbita, após haver encontrado um amigo também alcoólatra que estivera em contato com os Grupos Oxford, daquela época.

Embora não conseguisse aceitar todos os dogmas ali orientados, estava convicto da necessidade de um inventário moral, da reparação àqueles que foram prejudicados, de ajudar aos outros, e da necessidade de crer em Deus e depender dEle, segundo publicação da instituição.

O tratamento do alcoolismo de há muito tornou-se, motivo premente que reclama atitude dos que caem nas suas malhas. A princípio imaginando lidar com um instrumento de puro prazer lúdico, com o tempo seus usuários incorrem nas piores consequências de vício desagregador da personalidade, ocasionando comportamento irregular de indesejáveis resultados, entre familiares e nos grupos sociais, redundando em desajustes profissionais e desvios de danosos efeitos.

A formação dos grupos de AA ganhou corpo no Brasil, chegando também às cidades do Cariri, propiciando inúmeros casos de libertação através da frequência dos quantos sintam a importância de participar das suas atividades.

Dentre os meios exercidos pelos Alcoólicos Anônimos para possibilitar a cura da dependência, existem o que denominam as doze tradições, conceituação prática de reabilitação individual que representa instrumento essencial do tratamento.

Outro dos postulados fundamentais vincula o trabalho conjunto e a união entre todos que buscam vencer a dependência. Para ser membro de AA, o único requisito é o desejo de abandonar a bebida, esta a terceira das doze tradições.

Mais que nunca, os benefícios gerais produzidos em favor de tantos merecem louvores e o reconhecimento, face à vitoriosa missão dos Alcoólicos Anônimos.

 


domingo, 23 de fevereiro de 2025

O efeito borboleta


Dia desses, ao assistir a vídeo no Instagram, numa entrevista, o entrevistado, que não gravei o nome, indagava da entrevistadora se ela sabia a origem do termo efeito borboleta, adotado pela Ciência. Recebe resposta evasiva de que se referia à expressão natural do movimento das asas do inseto, o que, segundo a Teoria do Caos, poderiam gerar largas consequências futuras, motivo dos mínimos gestos da Natureza.

Então, o entrevistado reconsidera, historicamente, a fonte deste conceito, vinda de um conto de Ray Brudbury (O som do trovão), de 1952, onde o autor narra aventuras no tempo, de uma empresa de safaris no Tempo, quando os viajantes devessem jamais tocar no que viessem encontrar nessas excursões ao passado. Deviam permanecer de tudo afastado da superfície aonde fossem, podendo, contudo, até executar, se pretendessem, dinossauros que ali avistassem, os quais já iriam sumir na sequência das eras. Em nada tocariam, no entanto. De uma plataforma, a tudo assistiam.

Numa dessas experiências, porém, um dos aventureiros, sem intenção pisaria em uma borboleta, o que só seria notado ao regressarem, porquanto trouxera o pequeno ser grudado ao sapato. Nessa hora, ao voltar, em consequência, topariam um mundo totalmente diferente do que haviam deixado.  

... um dos personagens, Eckels, acidentalmente pisa em uma borboleta. Quando o grupo retorna ao presente, eles descobrem que o mundo mudou drasticamente: a linguagem escrita é diferente, a sociedade está alterada, e um ditador tirânico está no poder. Tudo isso devido ao simples fato de que uma borboleta foi morta no passado, desencadeando uma reação em cadeia de mudanças históricas. ChatGPT

O termo seria popularizado pelo meteorologista Edward Lorenz, na década de 1960, quando ele notou que mudanças aparentemente insignificantes nos dados iniciais de seu modelo de previsão do tempo ocasionavam em resultados totalmente diferentes do esperado. Daí correlacionar esse efeito aos acontecimentos narrados naquela ficção de Brudbury.

sábado, 22 de fevereiro de 2025

Nos dias a mais


Somatório de tudo quanto existe, um a um seguem todos vidas adiante. Vanglórias em movimento, tocam agora as margens do Destino, vislumbrando paraísos sem conta, tão só temporários, no entanto, que alimentam os mesmos sonhos e lustram iguais os trilhos do Infinito. Em cada criatura, esse vácuo da presença onde faz sua morada e adormece nas noites cheias das antigas ilusões. Enquanto isto, ao caudal do inelutável, se desfaz o firmamento sob o teto da visão, deixando recordações ali presas na alma.

Há que se desvendar, no entanto, o que de estar deste lado, de olhos fixos em um futuro inexistente pelo Chão. Aonde que buscar, tender o senso, e somar à consciência nexos dessa estrutura veraz, inesgotável. Normas existem. Horas inevitáveis. Luzes que acedem. Sons. Dimensões. Outras pessoas em volta. Pontos de equilíbrio espalhados no deserto da imensidão.

Parágrafo a parágrafo, cadência da História espalhada entre as criaturas, nessa floresta imensa de surpresas e vozes. Tanto dentro, quanto na distância, os versos de uma cantiga constante ecoam no coração e respondem às perguntas que nunca cessaram. São notícias de lutas, negócios, viagens, repastos de multidões na procura da sorte. Painéis incontáveis de jogos e dramas, circos armados no espaço das horas e, em seguida, desfeitos a outros lugares inexistentes, talvez.

Humanos seres à busca doutras ficções, outras doutrinas, ferozes seguidores da imaginação, lançados ao circuito da fama e do poder. Famílias. Luares. Construções. Nisto, a vontade exponencial de encontrar o véu da felicidade, visto de longe desde sempre, no gosto de estar e viver destes amores. Nas notícias, nos oásis dalgum mistério, nisso alimentar a fome de continuar, filhos da solidão que sejam e penhor dos desejos insaciados. Bem, ao gosto dos Céus, quando existirá, pois, a raiz dos tantos sóis no poder de prosseguir até chegar, na arquitetura deles, dos que vivem aqui, nesse misto de explosões e silêncio.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Vezes sem conta


O estirão do tempo a transcrever isto bem significa tudo quanto resiste da experiência desde então guardada. Fila imensa de acontecimentos e pessoas com quem as circunstâncias determinaram viver, conhecer, desfila no íntimo de uma memória que nunca para de trazer à tona novas histórias individuais, a bem dizer que arrastam nossas lembranças a tais sonhos acordados. Traumas. Surpresas. Empenhos. Elas chegam sorrateiramente feitos fantasmas talvez trazidos dalgum recanto misterioso a virar frutos do pensamento, a imaginar, de outros seres que resolvem regressar ao nosso campo mental de hoje. Fornecem detalhes daquilo que se deu e fomos autores, num objetivo de magoar, reviver, descontar, atualizar. Isso tanto repete o senso de antigamente que machuca lá por dentro o coração da pessoa. Quer-se fugir sem ter aonde. Esforço inútil. Outras horas vêm outra vez no ranço daquilo imaginado, esquecido, a querer que não houvesse existido mais.

Essas influências representam, pois, o empenho de vencer o passado, no entanto algo diz que devêssemos atualizar, prestar contas, resgatar; reconstituir doutro modo as chances jogadas fora naqueles idos, em balanço necessário das atitudes nefastas. Processo lento ocasiona, destarte, passar a limpo o que, por certo, assim necessário seja. E aprender com as dores, limpar a consciência, usufruir do aprendizado... Conquanto dedicados a evoluir, nem sempre exercitamos a contento o valor das oportunidades, face a fatores ainda precários do grau de hoje do espírito. Ser-se-á o começo e o fim de tudo na bolha da individualidade em movimento.

Isso vem pelas citações acumuladas no juízo, pelos espaços percorridos, pelas inimizades e amizades, vivências, atitudes. Laboratório vivo de quais recordações, tangemos os pendores de saber que fomos nós seus autores antigos. Restituições dos dias vividos, somos este fiel dessa balança constante no interior das existências.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

Percepções


Essa busca das razões de aceitar o invisível qual realidade bem significa o justo motivo de andar aqui. Sempre, sempre, o mesmo intento, de ver o outro lado desse tudo só aparente da realidade física, enquanto enxergar o momento de revelar a Consciência. A todo tempo, isto de encontrar a porta do Infinito onde se sabe já viver agora, porém revestidos de trastes ainda mudos daquilo a que seremos lá um dia. Tatear, tateamos pelas paredes dessa caverna por demais misteriosa do quanto nos envolve, então. Algumas vezes, mergulhamos no íntimo e ouvimos dali vozes. Outras, visões inexplicáveis, porém plausíveis, chegam aos nossos ouvidos em forma de música, lufadas de vento esquisito, vozes ausentes. Alguns adiantam nisto os sentidos e descobrem justificativas a que chamam percepções; daí nasce a fé, próximo da certeza absoluta.

Dalguns saberem o que todos ainda buscam gera acontecimentos mágicos, formações e grupos, aventuras místicas, inspirações, persistência. Longa estrada, todavia, abre o instinto de vivenciar, também na literatura, filosofias, doutrinas, pois, disso procede o trilho das horas, a ciência dos dias, o querer, quem sabe? as guerras, desafios e a disposição de continuar. A função das artes, com excelência, traz seus testemunhos doutras dimensões além do Chão. As religiões. A tecnologia. O dito progresso humano.

E se saber o centro do que existe, eis a maior das percepções. A certeza do aprimoramento da espécie a que pertencemos e que se espraia em todos os segredos aos nossos pés. Deixa margem ao deslumbramento e as cores da inexistência donde viemos a aonde voltaremos. Face a face conosco mesmos, distinguimos aos poucos o poder da Criação. A isto, viver refaz o desconhecido na forma do tempo ao redor, pondo-nos diante das dores do mundo e nos tornando senhores da própria cura, desde os começos.

(Ilustração: Castelo de Brennand, em Recife PE).

terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

A andorinha e o elefante


Incêndio na floresta. Grassa o fogo como o vento, na folhagem seca. Estalidos e berros ao longo da mata. Correria no mundo todo.

Enquanto isso, uma andorinha voa, sempre com pressa. Vai ao lago, molha-se e volta sobre o incêndio a sacudir, com esforço, as penas encharcadas. Regressa no mesmo instante, a repetir, incansável, a cena.

Nisto, passa ali por perto um elefante, com seu corpanzil pré-histórico, Ele, atento, só observava o movimento constante daquela andorinha.

E numa das viagens do pássaro, os dois se veem próximos na borda da água:

- Por que tanto empenho da senhora?, se vai dar em nada seu esforço - diz o paquiderme desencantado.

- Bom, eu estou fazendo a minha parte - responde imediatamente a andorinha. – Cuide que se cuide e faça também a sua – seguindo intermitente na dura peleja de querer apagar o fogo.

(Da tradição oriental).

 

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

A orquestra do Destino


Algo de eterno impera todo tempo ao sabor dos instantes, qual elixir de sabor inigualável. Isso ao poder de todos, livres que sejam de escolher antes e depois aqui nesta hora perene. Assim, folhas de calendário insólito esvoaçam de nossas mãos os instantes e marcam o definitivo dos caminhos que seguimos. Esse pulsar constante é o que significa tudo em volta. Bem isto as portas do firmamento, favos de alguma consciência até então desconhecida.

Na mais ligeira das ilusões, pautamos a existência num bloco perene, indivisível, ao dispor de um presente contínuo, autoritário. Tais fagulhas dessa fogueira imortal, reunimos em única fração o todo em movimento e disso vemos permanentemente o trilho da História através da janela do ser. Nós, pois, frutos naturais do Tempo; ele, o senhor do Absoluto. Claro que impressiona viver, conter em si a certeza da presença e sonhar dentro do mistério infinito do quanto existir para sempre.

Em consequência, as visões de tal essência nos desafia no íntimo a um foco de memórias intermitentes, cinema de mistérios, onde passam os dias, deixando largados, na visão e no pensamento, objetos e lugares. Ininterruptamente, transcrevem os vivos suas aventuras mentais em quebra-cabeças inexplicáveis. Só as ausências que permanecem. Elas, nos livros, nas melodias, nas lendas, ao furor sem fim de histórias mil. Enquanto que os mortais afinam seus instrumentos e executam réquins intermináveis, nos ouvidos da solidão.

Há um hoje perene diante dos sóis, fita crepe das tantas luas e suspirações de saudade enigmática. Vozes das noites. Claro dos dias. Face a face com o segredo, a população apenas observa o fluir dessas visões nascidas em contínua suposição de sobrevivência. Daí as notícias espalhadas do quanto acontece pelo mundo, nenhuma, no entanto, do mesmo jeito, porém passos de um ente soberano a coordenar a orquestra do Universo. E sermos, pois, aparentes senhores da nós, minúsculos indivíduos do império das horas inimagináveis que o somos.

Favas contadas


Caso estivéssemos no Antigo Egito à época de José, e a fase que vivemos poderia ser considerada como de vacas magras. Isto porque muito se gastou para a preservação de uma imagem de uso interno dos que mantêm poder.

E se fala em descrédito das instituições com voz generalizada, onde ninguém acredita mais em políticos, visto o excesso de promessa não cumprida. O descaramento beira um abismo sem fundo. As realidades sendo defrontadas nas ruas e os pobres diabos se acercam dos microfones para falar o contrário, como se fôssemos bando de avestruzes a coexistir com eles, habitantes dos castelos de fantasia.

Os países atrasados têm disso: Entra governo, sai governo e nunca se planeja para o futuro como um todo. Tais namorados de balneário, cada um enxerga apenas o imediato. Não existem programas plenos, abrangentes, para a sociedade. Assim, os cortesões provisórios vão e vêm, nos braços ingênuos das massas.

Quando coisas se agravam, parecendo que os dinheiros ficaram curtos (pois o comentário é geral), passamos a imaginar que o voto vale mais do que dentadura postiça, chinela japonesa, saco de cimento, camisa de meia e gota de colírio, ou até metro de pano.

Os senhores mandatários passam a propagar que as verbas se danificaram, fazendo coro de empresários e ministros, sacudindo um fantasma que até agora não tinha assombrado a freguesia, enquanto que, ao primeiro apito, correm antas e jaraguás na busca de um salvador da pátria, para fazer da novela a vida, e a agenda fica vazia.

Daqui a certos anos, seremos outras gerações, talvez um povo coeso, caso aceitemos a consciência do trabalho honesto e da boa ordenação das favas. Teremos, todos, de agir de conformidade com o bom-senso, desde cegos, aleijados, até barões e condes de papel-moeda.

Caso contrário, sem mudar o ponto de vista de passividade, que nos rendeu a lógica das jaulas, seremos feitos meros macacos em zoológicos de metrópoles. Que assim nunca venha a ocorrer.

domingo, 16 de fevereiro de 2025

Os exilados da Capela


Os Exilados da Capela é uma teoria espírita que explica a origem de algumas civilizações antigas da Terra com base na ideia de exílio planetário. Segundo essa visão, espíritos que não acompanharam a evolução moral de seu planeta de origem foram enviados à Terra para recomeçar sua jornada evolutiva.

O que é Capela?

 Capela seria um sistema estelar na constelação de Cocheiro (Auriga), a aproximadamente 42 anos-luz da Terra. Lá, uma civilização avançada espiritualmente passou por uma grande transição, semelhante ao que a Terra estaria vivendo atualmente. Os espíritos que não acompanharam esse avanço foram exilados para a Terra, ainda em estágio primitivo.

A Chegada na Terra

Ao chegarem aqui, esses espíritos reencarnaram em corpos humanos primitivos, ajudando a impulsionar o desenvolvimento das civilizações antigas. Essa teoria é frequentemente associada ao surgimento de sociedades avançadas como:

Egípcios

Sumérios

Hindus

Povos da América pré-colombiana

A ideia é que esses espíritos trouxeram conhecimento, como arquitetura e astronomia, mas carregavam também seus conflitos e dificuldades morais.

Ligação com o Futuro da Terra

Muitos espíritas acreditam que a Terra está passando por um momento semelhante ao de Capela, onde espíritos que não se ajustarem à evolução moral serão exilados para outros mundos primitivos, enquanto o planeta entrará em uma era de regeneração. Essa visão está alinhada com obras como "A Caminho da Luz", de Chico Xavier, e com os ensinamentos de Allan Kardec sobre mundos habitados.

Se quiser aprofundar mais em algum ponto, posso detalhar melhor!

(Pesquisa: CHATGPT, em 160225).

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Outras colagens


Painéis de toda cor viverão soltos pelo ar desses tempos prenhes de mil sóis. Fachadas antigas de construções abandonadas desertos afora. Luzes incandescentes circulam nas noites silenciosas. Dias sem sol, envoltos na bruma de manhãs distantes. Eles, os viajantes das estrelas a passar no firmamento cercados de sonhos em movimento contínuo. Horas e horas tantas no bater dos corações enamorados. Música insistente de violinos dolentes. Enquanto isto, milhões de seres até então desconhecidos percorrem praias cobertas de moluscos impacientes. Nisso, as mesmas interrogações que percorrem o cérebro dos primeiros habitantes de mundos desconhecidos são flores de suave perfume, o que resta do quanto trouxeram os conquistadores. Ruínas de engenhos enegrecidos pelo tempo gasto, no entanto seguem o instinto de sobreviver a qualquer custo. Animais agora adormecidos enchem de respiração acelerada o véu cinzento do abismo de onde chegaram tangidos de si próprios. Um querer onipotente assim percorre os ares e trazem de volta as lembranças guardadas no desejo de todos. Feiras. Jornais. Igrejas monumentais. Filas imensas de pequenos livros deixados na calçada das residências azuis. Crianças impacientes. Sacerdotes de religiões imaginárias. Trânsito intenso pelas várzeas cobertas de ramas verdejantes. As cenas dos filmes de ficção cientifica que ainda permanecem fixas na memória. Naves das mais variadas cores a circular pelo espaço sideral. Todas as lembranças do passado inteiro, intactas no universo das criaturas humanas, servirão ao invisível. Formas diversas transitando no sonho constante das nuvens cinzas. Quais que fossem, porém, ali estabelecem a fronteira entre o instante e o mistério inevitável que os aguarda logo adiante. Sombras. Possíveis seres não identificados. Através dos olhos, chegam intensas as imagens de antes só existentes nas palavras. Ideias. Sensações. Impressões. Dúvidas. Vontade que sobrevive aos segredos da visão traçada de códigos secretos agora circulam no palco das histórias, a formar novos motivos de estar aqui e mover a todo custo a roda do Destino.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

Para além de mudanças


Contradições exigiram que diversidades cumprissem papel importante de ordenar as funções sociais, por meio dos partidos, uma sequência nos fatos políticos. E mesmo assim persistem opiniões nostálgicas quanto à efetiva atuação dos elementos em grupo, nas organizações de base, indiferentes às gerais perspectivas das estruturas, idênticos a passageiros retardados que vagam nos rios das crises profundas, rotineiros nas mesmas estradas de um aprimoramento fatal das ladeiras, acima e abaixo.

Equivaleriam ao fastígio das torres estremecidas nos castelos decadentes, refúgios montanhosos de infectas elites, que nada mais oferecem, enquanto o mar de lama pega fogo e uma fedentina nauseante invade comitês em luta.

Todos os níveis populacionais se defrontam com problemas peculiares, desde abastecimentos diversos às carências de infraestrutura; higiene, trabalho, serviços, saúde, educação, transporte, justiça, lazer, até pesquisa, segurança, produção. Espalhados pelas encostas e mangues, favelados despejam mirrados detritos nas pontas de rua do outro lado da cidade.

Dessa maneira, o refluxo pela vida em grupo deixa transparecer segundas intenções, blefes, simulação, para desvio dos reais objetivos, atitude sagaz de quem quer comer escondido. O egoísmo (palavra camaleônica) supre a falta de pressupostos, ganância clínica, monstro de asas e opção maquiavélica dos que dominam o amplo salão nacional.

Representatividade popular se farta, desde o fastio à luta multiforme que alimenta desintegração, declínio, pouco ou nada alcançando, a não ser com o recurso de instrumentos coletivos. Chance democrática pelo poder do voto (hoje matéria de comércio), a política trouxe para o campo social o contraditório, misturando fracos e fortes no caldeirão livre das alternativas da mídia. Os que mais podem ainda ficam sendo quem mais desfruta da riqueza (indiscutível), todavia união gera incapacidade democrática.

A oportunidade persiste, no mínimo em tese, para ser utilizada, porque democracia significa renovo de esperanças universais, solicitações autênticas, ordem restabelecida pelo trabalho, no choque das marés de denúncias e posterior acomodação.

Os índices de produção, a cada dia vêm declinando, o que se pode dizer também da qualidade moral e do controle no déficit público, e nada parece demostrar que tenhamos adquirido quaisquer dispositivos para vencer a correnteza dos enganos.

Resta-nos, agora, confiar no peso das engrenagens que nasçam do povo, para as novas pugnas exercitar seus componentes; atuação firme, universal; vitais trilhos das funções comuns. Qualquer movimento reivindicatório exige presença de quem padece e sabe indicar sintomas, cabendo-nos, desde logo, a opção certa, pois tempo levanta poeira sem intervalos. Enquanto o verbo participar reclama uso interno de quem aspira felicidade, alcançamos o clímax da mania, que virou febre, de se falar em mudança, cantilena velhaca dos mascates modernos.

(Ilustração: Jean-Jacques Rousseau https://www.todamateria.com.br/filosofia-politica/).

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

As paisagens humanas


Todos, sem exceção, preenchem de existências e falas o mundo em volta. São figuras típicas humanas largadas nessa imensidão. Seres semelhantes a seres que o somos. Nenhum menor, nem maior, estaturas cotidianas a vagar entre sonhos e imaginação. A se pensar, inclusive, seremos qualquer deles quem fosse, invés de ser o que somos agora. Marcas definitivas dos destinos em movimento, trazem consigo uma história, quiçá vontades em movimento, família, desejos, aspirações de felicidade, e tocam em frente os inúmeros papeis disformes, a representar o senso de todas as buscas. Às vezes, silenciosos, esperançosos, dispersos nas telas do instante, autores de si no mistério que transportam pelos dias, pelas ruas, estradas, vastidões.

Nisto, quais espelhos de nós mesmos, apresentam o disfarce de personagens desconhecidos até deles próprios. Vivem o tempo na alma, nos pensamentos, sentimentos, contradições, interrogações... Enigmas exclusivos do sentido, sustentam idênticos propósitos dalgum universo aonde divisem as respostas que lhes atendam de tudo a ânsia de estar aqui e significar algo pleno e maravilhoso.

Quando me deparo, pois, nessa leitura constante das inscrições humanas vivas deste chão, leio um pouco dos prospectos místicos das tantas religiões, das filosofias, livros abertos na consciência deles todos. Ensaios perfeitos do que virá, lá um dia, desde então deixam claro o penhor da exatidão do que nos traz a cada momento. E ainda não saber de tudo a caligrafia exata desse mistério assustador justificaria no suficiente a razão das existências.

Uma viagem sagrada é o que transportamos conosco pelos passos, nessa missão de compreender o real princípio de, nalgum esteio, havermos nascido e o dever de interpretar a que estamos sujeitos. Peças exclusivas, sem duas iguais, e todas iguais, impõem direitos e compromissos inadiáveis, mormente nas fases menos harmoniosas desta idade a que pertencemos, nisto quero crer.

 

terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Os céus da Consciência


A medida do amor é amar sem medidas. Santo Agostinho

No início do que seja, há nisto uma clareza absoluta. Desde sempre sendo assim, outra alternativa não basta senão a entrega ao que virá, fruto das certezas definitivas. Mesmo porquê, correr sem ter aonde ir?! ser-se-ia no mínimo imprudente, um bater nas portas do Destino desconhecendo o código, o andamento das circunstâncias.

Quais, com isto, face aos parapeitos do Infinito, cá nos vemos perante um tudo proposital dalguma ordem que seja dalgum firmamento perfeito. Tais formigas de formigueiros imensos, transportamos as folhas do próximo seguimento, dos próximos capítulos desta série interminável de ocorrências. Houvesse constrangimento, a quem recorrer, então? Eis o roteiro do inacabado de que somos parte.

Bom, nessa conversar de consciências, nos achamos  diante das definições de um programa perfeito de todos algoritmos da História, de antes e depois. E nem de longe a poder fugir às ausências do inesperado. Mínimos disfarces talvez até impeçam dos transes de acontecer, pelas normas da ilusão. Esse desconversar impede, por certo, de conhecer mais próximas as aventuras do valioso processo e dos abismos em volta.

Todos estão envolvidos nos dramas que os perseguem, dramas e alegrias. Armam suas próprias arapucas de nelas cair, fora quaisquer constrangimentos. Códigos arquitetados demonstram que deve ser mudada a todo instante essa visão arcaica que de si sucede, e logo adormece debaixo dos lençóis de multidões enfurecidas e armadas até os dentes. Estilhaços as perseguem vidas adiante, desconhecidas que estavam doutras possibilidades novas, nascidas no invisível das criaturas humanas.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Resta o silêncio


Invés tão só de estender pelos céus a pano das palavras, tempos impõem aguardar, espreitar, sob o Sol a leveza dos acontecimentos. Saber-se menor, apenas uma ligeira partícula de um todo imaginário a transcorrer nas vidas, o que na verdade somos. Isto diante dos séculos e das surpresas várias. Um desfilar perene das muitas versões do Infinito de que significamos, isto indica conhecer o mínimo desse mover intermitente das gerações, testemunhas desse quadro inesperado, fixo nos seres individuais a perlustrar.

Isto são visões por demais desconhecidas, repastos do tempo próximo, desconhecido, no entanto. Pessoas, sensações, percepções... Pelos vastos campos dos deslumbramentos, bem ali nos vemos, um ser sempre em mutação, olhos fixos nalgum lugar, nos objetos, nas cores disformes, superpostas na alma adormecida. Nisso, a vontade extrema de conhecer, dizer daquilo que encerram os dramas individuais, as buscas, os valetes escorregadios e sujeitos ao sabor das infinitas contradições.

Conquanto, de tudo a experiência, a claridade que persiste, no entanto mesmo depois do que houver. Longas distâncias de procura, por isso, revelam o gosto doutras histórias trazidas, então, pelas melodias que chegam ao coração dagente. Suavidade extrema circunscreve todos os sons deste mundo e mergulha nas ausências dos tais mistérios inalcançáveis. Bem ali consiste no quanto existir nalgum universo além deste de pura matéria. Disto contar as infinitas planícies de paz, na medida dos sonhos.

Ainda que quiséssemos revelar o sentido dessas percepções, algo restaria incólume à luz da razão. Gotas imensas de emoção subscreveriam a paisagem constante das noites dentro de toda criatura. Nessa hora, o senso de dualidade some através abismo da inexistência, a demonstrar o poder da unidade na paz das consciências vivas.

(Ilustração: A dança camponesa, de Pieter Bruegel, o Jovem).

domingo, 9 de fevereiro de 2025

Em busca do que achar


Circunstâncias variadas norteiam avaliações mais do que oportunas para época de muito acontecimento e raros intérpretes fiéis. A massa noticiosa enverniza mentes, criando viciados, homens ou números, a transportarem canga cotidiana, quais bois de carro; paisagem onde o Estado virou mandatário plenipotente e irresponsável, amargo signo de aço tecnológico, entre filas, decretos, conferências de cúpula...

Nestes tempos denominados modernos, o patrocínio dos instintos achou sua moeda de troca. As próprias locadoras de vídeo, para não falar nos programas de tevê, jornais e outras publicações sensacionalistas, mostram fácil o que quero contar. Filmes mais procurados: pornográficos, violentos, de horror, crime, guerras e mistérios, sintomas expostos destes dias de ira, onde loucos se entregam sequiosos às mãos calosas dos carrascos de plantão.

Valores morais tiveram de ser adaptados às necessidades momentâneas. Detalhes minoritários pesam pouco ou inexistem, nessa democracia conveniente dos regimes produtivos, qual terrorismo de poder.

Ideias, só se digestivas, no adeus da igualdade.

Enquanto que ainda se ouve falar nos golpes militares quais soluções viáveis para a falta de saída (como saídas sendo). Uma conversa nos recorda propaladas esperanças de paz, com a transformação soviética, no cardápio da grande imprensa do Ocidente.                                                           

Tem-se comentado que tudo mudou, e que as armas serão destruídas. Que verbas destinar-se-ão, dagora em diante, a financiar bens de sobrevivência e progresso (como arrependimento tardio de consciência inusitada, para não dizer impossível. Soa assim).

Nisto, o grande sistema (Moloc, máquina enlouquecida) desembala histérico no rumo do poente, largando carcaças abaixo da ribanceira, fogo e carvão, céus cinzentos, explosões, desertos.

A propósito e com sua permissão, quero encaixar aqui famosa lenda, imortalizada num dos monumentos do Egito, o da Esfinge de Gizé. Certo guerreiro, que procurava o pomo da felicidade, depois de vencer os obstáculos mais intransponíveis (o Indiana Jones daqueles primórdios), afronta monstro de aspecto feroz, corpo de animal e cabeça de gente, que se apresentar com um enigma (decifra-me ou te devoro):

- Quem, de manhã, caminha de quatro pés, de tarde, de dois, e, de noite, de três?

A resposta, que não poderia ser diferente:

- O homem, pois engatinha na infância; cresce a se desenvolve nas duas pernas; vindo a carecer, na velhice, de um apoio para equilibrar-lhe os passos.

Daí, vencendo o desafio do monstro, alcançou seu objetivo e deixou para trás, imobilizado em pedra, no vale dos Reis, o mais belo símbolo das perquirições humanas de que se tem conhecimento.

Nós outros é que ainda não conseguímos vencer o nosso enigma desta época, tanto individual, quanto coletivo, a fim de podermos conquistar os anelos da raça. Enquanto se fala numa "nova ordem mundial", ficamos atentos em descobrir donde virá a próxima tramóia, durante o que pagaremos as contas de festa que não desfrutamos, nem soubemos onde se deu, em que reino maravilhoso, esfera ou lugar desconhecido.

Esse motivo requer seriedade, e não tem merecido, a nos parecer falta do senso tão requisitado pelos intelectuais, sobretudo em quem coordena o baile, podendo nos valer susto catastrófico, fazendo-me repetir por conclusão de assunto palavras de Paulo de Tarso, no capítulo 5, da Primeira Carta aos Tessalonicenses:

- Mas, irmãos, acerca dos tempos e das estações, não necessitais de que se vos escreva; porque vós sabeis muito bem que o dia do Senhor virá como o ladrão de noite. Pois que, quando disserem: Há paz e segurança, então lhes sobrevirá repentina destruição, como as dores de parto àquela que está grávida, e de modo nenhum escaparão.

(Ilustração: Hindu Trinity, Davis imagen).

 


sábado, 8 de fevereiro de 2025

Arquivos da memória


Os místicos falam disto, de existirem, nalgum segmento do Tempo, registros definitivos de tudo quanto houve, sem qualquer perda de detalhes. Denominam os registros akáshicos (que) são um conjunto de informações sobre todos os eventos, pensamentos, emoções e intenções que já aconteceram, estão acontecendo ou acontecerão. 

A palavra "akáshico" vem do sânscrito akasha, que significa éter. Na Teosofia e na Antroposofia, os registros akáshicos são considerados um compêndio de tudo o que já aconteceu, está acontecendo ou acontecerá no universo. Wikipédia

Horas e horas, sinto isso, de regressarem as lembranças sem que as reclame que sejam. Vêm, se instalam à frente doutros pensamentos e querem, por fina força, imperar tais momentos atuais, numa determinação que, por vezes, surpreendem. Vejo as cenas, as emoções, os medos, sustos, presenças, até, pessoas, multidões, lugares, quase a dominar de frente o palco da mente, insistência de mesmo tomar as rédeas e dirigir o comboio das ideias e sensações imediatas atuais.

Digo de mim, porém acredito ser parecido nos demais. Desse modo, revivo épocas inteiras, restabelecidas à própria iniciativa delas, quero crer. Momentos vários, desde as primeiras recordações da infância, no Tatu, sítio onde nasci, em Lavras da Mangabeira, ao sequenciado posterior em Crato, também noutra fase da infância e na adolescência. Em Brejo Santo, onde iniciei a vida profissional. Salvador, na década de 70. Depois, Crato outra vez, em vários instantes, até os dias mais recentes, quando aqui permaneço. E de onde andei nas viagens afora.

Acho valioso, no ofício de escrever, isso de poder recordar, trazer de novo as horas mil que se foram, em seus mínimos aspectos, tudo preservado a causar espanto. No que restar, as palavras cumprem seu papel e preenchem de formas e cores aquilo então lá fixado, nesse algum lugar, a tintas fortes pelas trilhas desse mistério precioso, razão de tantas saudades, tanto gosto e vontade, quiçá, de poder acessar, tal tesouro, nalgum dia do firmamento, que seja.

Algumas noites na Bahia


Havia sempre o que agitar nas noites de Salvador, no tempo em que lá vivi e posso contar, anos da década de 70. Eram ocasiões plenas dos chamamentos de uma cidade maior e cheia das diversões e alternativas mais diversas. Visitei pessoas, lugares; assisti a espetáculos teatrais, musicais, folclóricos; percorri festas de largo, exposições artísticas, palestras, festivais de música, cursos, museus, filmes, gama de permanentes novidades inesgotáveis. Em movimentos contínuos, sobremodo aos finais de semana, jamais reclamaria de rotina ou monotonia, caso avaliasse o período, considerando, no entanto, a saudade que mexia comigo, por dentro, na ausência que sentia de minha família, dos amigos caririenses e das belezas que aqui deixara, o que marcava as lembranças, quisesse ou não. Agora isso acontece no sentido contrário, ao rever pela memória aqueles tempos de tantas presenças marcantes e alegres, súbito deixadas para trás no turbilhão das circunstâncias, ao regressar e aqui permanecer.

Enumerar os principais argumentos das histórias passadas chega como instrumento de analisar algumas delas. Uma noite, no Teatro Castro Alves, por exemplo, assisti ao Balé da China, mostra de música e dança que, de tão longe, veio ao Brasil com grupo formado por mais de 200 figurantes, festa de cores e movimentos que preservo nos arquivos das maiores emoções. Enormes figuras mitológicas chinesas e evoluções impressionantes envolveram a platéia entusiasmada, numa apresentação sem termos comparativos.

Por volta dessa mesma oportunidade, chegaria também o Balé do Senegal, que utilizou as dependências do ginásio de esportes Antônio Balbino, trazendo danças típicas africanas, executadas por centenas de homens e mulheres, em trajes, ritmos autênticos e quadros sucessivos, superlotando e sacudindo o público feliz, turnê que viajaria o mundo inteiro naquela ocasião.

Outras dessas gratas reminiscências ficam por conta de peças e shows musicais montados no Teatro Vila Velha, sempre palco de apreciados eventos, onde se encontravam os amigos e conhecidos da época, pessoas que se relacionavam através dos interesses artísticos e culturais, quando pude admirar grandes valores da nossa música popular, quais Milton Nascimento, Gal Costa, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Ivan Lins, Jorge Mautner, Gonzaguinha, dentre outros.

Visto gostar de cinema, usufrui ao máximo as chances de ver filmes raros, no Cine Clube da Bahia, no Instituto Brasil - Alemanha e no circuito comercial, comparecendo a exibições, festivais e seminários.

Então, nestas pinceladas rápidas, quis resumir a rica gama do que experimentei de um turno baiano e suas situações, o que preservo com afeto no íntimo depósito da memória, resultado de caminhadas vividas, e bem vividas, da existência.

(Ilustração: Lagoa do Abaeté).

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Choque de meteoritos


Querer exatamente foi por querer muito que as dores cresceram dentro de si, numa firme vontade de descobrir, intenso e real, o amor entre os seres.

Ela chegara no instante mais ideal, de que um coração não pode esperar maior mérito; somente viver febricitante a expectativa de união entre corpos felizes.

A barra da madrugada cercou a ambos de aura luminosa, que os olhos ardentes lambiam como à manteiga no pão do café, à margem da estrada.

Os dois, aflitos de felicidade, a se entregarem à brisa jogada às faces pelo quebra-vento da direita; enquanto o sol crescia de amarelo-ouro as ondas fogosas do mar.

A presença de Deus no horizonte, onde nuvens brancas e cremes repassavam ao cenário azul dourado algo que se fez moldura de uma fração tão bela das existências daqueles imortalizados no sonho.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

Esse outro eu


É que insisto conversar comigo, ainda que face aos dramas disso provenientes. A gente para assim diante de si e busca a todo custo estabelecer esse diálogo sem fim, no arrastar de pés pelos caminhos das horas. Quer-se a tanto que nem e nunca pare de acontecer. Juntar palavras soltas e configurá-las na imensidão em volta quais vendedores ambulantes da sorte, no quanto de elaborar consciências, longe que seja das revisões periódicas de textos enigmáticos. Eles, sendo tal e qual duas criaturas numa só correnteza e atravessando o vazio dos hemisférios, veem a própria existência e única emaranhada entre os dois.

Bem isto, esse patamar de criaturas cruzando as barreiras do Tempo e largando de volta o instinto de sobreviver, desfeitas as nuances de seres quiçá distantes e de novo a reencontrar o cilício aqui deixado nessa ambiguidade esquisita de dois ilustrar a casa dos contentes e abandonar o senso da procura, numa espécie de fingimento aceito de ambos. E conversar e passar a conter a causa de estar durante décadas nos momentos mais inacessíveis. Habitantes de lugares remotos, vez em quando ali regressam a estabelecer o mesmo diálogo, a intenção de transformar o que jamais soube o que seja.

Por vezes, de angústias se faz o motivo desta aventura esquisita nas crostas encaracoladas do firmamento, vindo lá de longe nas ondas de um mar encapelado. Personagens, pois, de peças fantasmagóricas, conhecem tão pouco das possibilidades do instante e desfazem na impiedade o valor essencial de viver. Porém sabem que significam preencher a vastidão do Infinito dos novos serviçais do mistério, pequeninos atores de películas intermináveis. Deles, dos senhores desta memória constante há falas de ídolos do passado, detidos, entretanto, na memória acesa que os transporta pelos corredores da alegria, e seguem a contar velhos sonhos de esperança na força viva dos delírios surreais.

Nessa viagem contínua de um a outro ser, traços são estabelecidos desde séculos; de certeza, jamais saberão aonde chegar, porquanto lá, então, de novo esquecerão o que foram antes e dormirão despidos nas folhas das outras histórias.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

No crivo das emoções


Em face das incertezas, nesse turbilhão incontrolável do quanto existe, desliza o rio do Tempo nas mesmas humanas criaturas. Feixes de lembranças várias, transportam ao mar do Infinito as circunstâncias e os sonhos, isso através do deserto das existências, talvez ao bel-prazer de sentimentos até então desconhecidos deles, de todos. Deles, visões só agora postas no horizonte das horas, característica de vidas indomadas, expectativas dos amores desfeitos e da fome cruel de um encontro dalguma certeza no correr dos mistérios de que ora fazem parte involuntária.

Nisto, são as emoções que os sustentam passo a passo e os fazem obedientes ao inesperado, quais protagonistas de aventuras errantes, na face do mesmo planeta aonde chegaram lá num momento e calcaram, estanques, astutos, a ânsia voraz de dominar os sentidos, no entanto somente feitos meros aprendizes da sorte a todo instante. Viventes assustados de si próprios, observam destarte as luzes do horizonte, seres primitivos de outros lugares afora.

Conquanto busquem esquecer o transcorrer dos olhos na crosta do firmamento, tão só avaliam a ocasião disso vencer, à sombra de dominar dentro da alma a consciência, ao instinto de aceitar com humildade o transe da ignorância dagora, amargura dos segredos guardados sob a pele, o que os afligem desde sempre e amargamente.

Porém sabem, sim, alimentar os animais de que somos o sabor nos pensamentos mais inesperados. Ladinos, famélicos, seguem pelas estradas dos dias; percorrem as velhas trilhas no tanto que aqui largaram vestimentas e posses, ao rastro da fama e do poder. Um feixe impaciente, pois, de quantos dramas viverem, a isto significam todos esses que vadeiam sórdidos e impacientes pelos caldeirões do desejo.

Longo intervalo a isto oferece suas leis desconhecidas e aceita conter as marcas ali deixadas pelas emoções no íntimo das gentes, tais visões imaginárias que transcorrem a lhes revestir de esperança o sentido de tudo, quem sabe o quê?!

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Sem título IX


Entre as paisagens mentais ali é que correm livres as palavras. Trazem de volta lugares distantes, memórias antigas; refazem as histórias ouvidas naqueles pousos de antanho e reclamam atualidade constante dos pensamentos, à busca de compreender razões perdidas nalgum momento qualquer. Persistem tais donatários de espaços definidos, nesse rateio do passado lá de dentro que sobrevive ao transcorrer dos dias. Quais pedaços lançados ao vento das lembranças, seguem soltos, à cata dos motivos de vir à tona e dizer aquilo de antes, no desejo de dominar a todo custo. Conquanto deixassem de existir em realidade, ainda assim perseguem o instinto de ocupar todos os lugares do pensamento e nisso contar as lendas fincadas nas emoções ausentes. Saudades. Dores. Paixões. A gente quase caminha só a servi-las, espécies de animais de transporte das gerações sucessivas.

Por mais pretendam redefinir essas recordações e trazê-las a contextos de situações diferentes, amenas, no entanto perdem-se facilmente sob as garras daquelas imagens vividas, fixadas nas marés de um juízo acostumado aos detalhes já entranhados no íntimo. Destarte, exigem-se encontrar outras visões e resistir com ênfase ao poder de outros encontros, mas as palavras tratam logo de esquecer os novos argumentos e sucumbem contrafeitas. São milhões de vidas numa única delas, cordel interminável de narrativas desfeitas à medida dos esforços inúteis.

Talvez seja parecido também nas outras pessoas esse querer fugir das velhas repetições dessas ilusões ritmadas pelo tempo, todavia detidas no furor das lembranças tão só saboreadas naquilo que sumiu nas encostas de antigamente, restos mórbidos e sem vida dos cascalhos.

Depois disso, feitos fantasmas escondidos em si mesmos, percorrem as cavernas do Infinito às apalpadelas nas paredes da própria alma, visagens errantes aos sóis, pois, de uma herança individual tão poderosa, ficaram as vilas e florestas do ser que ora seja, sombras insistentes da consciência agora inevitável do que fora. Nessa hora, então, luta inglória, os animais sombrios farejam o senso da existência e adormecem nos braços indomáveis da imaginação.

domingo, 2 de fevereiro de 2025

Ciganos


Avistei o primeiro bando de ciganos quando ainda vivia na fazenda do meu avô, em Lavras da Mangabeira. Um universo de bichos e tralhas com eles viajava mundos afora. Paravam onde lhes dessem arrancho, o mínimo de confiança a que pudessem montar acampamento.

Ali no Tatu permaneceriam algum tempo, semanas, na bagaceira do engenho defronte à casa grande, vasto pátio que dominava o centro dos acontecimentos da propriedade. Cumpririam à risca as intransigentes determinações do meu avô de não bulir na roças, nem nos terreiros das casas, à procura de roubar bichos ou objetos, pois sua fama era essa, de exímios espertos com as coisas alheias. Uma raça bizarra, cheia de costumes exóticos, a partir da linguagem utilizada, dotada de termos desconhecidos, entonação cantada; as mulheres, de longos vestidos de panos estampados e cores berrantes; os homens, com calças folgadas e camisas de cortes e desenhos noutros moldes, diferentes do uso sertanejo. Tipos humanos de características nórdicas, alvos alourados, olhos claros. As mulheres adotavam cabelos longos e pentes, laços e tranças nos cabelos.

Arrastavam consigo animais de carga e montaria, caprinos, ovinos, tachos, malas, baús, peças decorativas, adereços, múltiplos produtos para negócios que insistiam efetivar juntos dos que deles se aproximassem. Compra, venda, troca; o que melhor lhes rendesse.

A origem dos ciganos remonta o infinito das eras. Conhecidos por senhores das estradas, procederiam do Antigo Egito, da Índia, ou da Mesopotâmia, sem merecerem, da pesquisa histórica distante, a precisão exata de onde surgiram. Devido à língua que adotam, entretanto, prevalece a versão de que provêm das populações do noroeste do subcontinente indiano, regiões do Punjab e do Rajastão. Obrigados a emigrar, buscariam o Ocidente; África e Europa. No século XV, diante das perseguições contra judeus e muçulmanos, também foram discriminados. Chegaram a considerá-los malditos filhos de Caim.

Em Crato, acompanhei de perto, nos finais da década de 60, a agitação de um acampamento cigano instalado próximo à Estação Ferroviária, quando demorariam alguns meses sob os olhares cautelosos das autoridades locais. Moradores em barracas de pano ao estilo dos circos, exercitavam dia e noite a arte de fabricar tachos de cobre polidos com fórmulas químicas desconhecidas, em tamanhos variados, os quais vendiam aos circunstantes, numa profusão de outras atividades, leituras de mão, baralhos estranhos, rezas, sortilégios, simpatias, danças, cantigas, conversas misteriosas e falas cifradas que praticavam no grupo. Aquele panorama dava ares das feiras esquisitas do que se assiste nos filmes das histórias orientais e suas praças e mercados persas.

Depois, nas minhas andanças pelo interior da Bahia, notei presenças ciganas em regiões próximas a Salvador e pelo sertão de Jequié. Porém, nos últimos dez anos, quase nunca mais soube notícias desse povo nômade e aventureiro que marcou legendas durante os séculos da colonização na América, contudo senhores individuais de uma cultura sólida e peculiar.

(Illustração: https://brasilescola.uol.com.br/historiag/ciganos.htm).