quarta-feira, 5 de junho de 2024

Lembranças infantis


Guardo algumas lembranças da infância no sitio onde nasci, o Tatu, dentre elas recordo de mim sentado no chão da varanda que suplementava a casa na frente e nos lados, com um prato de pinha entre as pernas, talvez entre um e dois anos de idade, a chorar desconsolado, sem saber explicar direito o que se dava. Vejo ainda, espalhados pela memória, fragmentos outros, também na mesma varanda, quando observava minha mãe trabalhando na máquina de costura, a entoar canções da moda, a exemplo de Segredo, de Dalva de Oliveira. Sentado ao lado, eu recebia no rosto a brisa gostosa da manhã sertaneja, que amenizava o calor, enquanto, no céu, no nascente, se formavam torreões de nuvens claras.

Após a quadra chuvosa, catada a safra do feijão, posta ao sol para secar ainda mais, lá numa noite, reunidos moradores e pessoas da casa na varanda de calçada alta, efetuavam a debulha dos grãos sobre alvos lençóis, ao lusco-fusco da luz de lampiões a querosene.

Tinha por volta de dois anos. Metido no meio da função, ia pegando as cascas que restavam e oferecia aos animais espalhados no escuro próximo daquela festa coletiva, no terreiro defronte. Era minha diversão ver os bichos lamberem de minhas mãos o alimento improvisado.

No auge dessa afoiteza, não sei como, pois de nada lembro senão do que me narraram, fui arrebatado por uma das reses, que meteu a cabeça entre minhas pernas e me jogou para trás. Rolei pelas suas costas e cai no barro vermelho preenchido de seixos de pedras afiadas.

Hoje possuo a cicatriz do acidente. Pedra de ponta feriu o lado da minha cabeça, contusão profunda no intervalo situado perto do osso que vem da maça do rosto e a orelha esquerda. Minha mãe disse que foi questão de uns poucos milímetros para sair vivo, naquela hora, vez se tratar de região de vasos e veias importantes.

Curativo de urgência foi feito ali no sítio, a duas léguas de Lavras da Mangabeira. Meus pais dispunham dos remédios necessários. Depois disso, de imediato busquei conforto só nos braços de Lourdes, a cabocla que ajudava minha mãe a criar os filhos. Era com quem eu achava jeito de aquietar o corpo e adormecer.

Mas com o passar dos dias os adultos da família notaram que mais coisa acontecera além apenas da perfuração na cabeça, porquanto reclamava quando me pegavam e reagia esquisito, a mostrar sensibilidade excessiva nos braços e ombros. Apareceu mancha roxa e ligeiro afundamento na parte superior do tórax. Nisso descobriram que também quebrara a clavícula esquerda.

Daí meu pai me conduziu, na lua da sela de um cavalo, até a cidade, onde não encontrou médico e, como alternativa imediata, buscou o farmacêutico José Linhares, que enfaixou a lesão e remediou o problema. Era época difícil para locomoção e a geração lutava na formação das bases do que ora desfrutamos do conforto nem sempre reconhecido pelos filhos e netos.

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