segunda-feira, 3 de junho de 2024

As palavras

 

Dada a incerteza de saber o que pensam de uns aos outros, disto nasceu o instinto de falar de algum jeito o que lhes vem no juízo, a fim de que nunca perdessem a razão de estar aqui. Esforço desmedido, contam de si mesmas as pessoas antes desconhecidas, em blocos de ideias adrede pensadas e jogadas ao vento. Vieram das letras, dos algarismos, que, agregados, viraram isso que agora percorre o mundo na forma vaga de intenções, no esforço de contar de si uns aos demais. Ninguém sabe, ainda, o que guardam as relíquias do Tempo perdidas ao léu nas camadas deste chão. Há sempre pessoas que ali estiveram e respiraram, deixando largadas suas margens de sonhos na forma de pensamentos ocasionais. Vez em quando descobrem, nos subsolos, cidades desaparecidas, recheadas dos rabiscos feitos daquelas gentes a dizer do que viviam, sofriam, imaginavam; pedras, livros, bibliotecas daí largados pelos monturos que, bem depois, ninguém saberá porque. De trás, elas, as palavras percorriam as memórias e feriam o desejo de continuar. Seríamos quais meros algozes de nós próprios, na fome de sobreviver a todo custo ao furor ostensivo do Tempo audaz.

Nisso, avistamos sinais perdidos daquelas escavações abandonadas de outras histórias, sociedades arcaicas presas ao passado nas cavernas, no entanto existentes vidas afora em forma das gentes que vieram morar aqui na força das palavras que permanecem; elas e seus significados enigmáticos. As invenções que, somadas, significam isto que ora somos, cacos de cerâmicas raras, equações e símbolos das virtudes que aí estão e determinam, a todo custo, o quanto existirá de nós diante das próximas revelações, talvez.

Fôssemos arrecadar do tanto que restou de tudo que houve, seríamos uma espécie de memória do Universo que conta do que se deu e esquecemos, atributos de muitas jornadas das criaturas históricas em movimento nos céus. E as palavras percorrem as nossas entranhas na forma de pulsação e circuitos elétricos, fôlego de inúmeras vivências desfeitas nas asas do mistério. No mínimo isto, seremos estruturas quase livres, porém detentoras dos segredos de quem descobriu, lá certa feita, o sentido do que pensamos e queremos dizer nesse  Infinito do além.

(Ilustração: Reprodução (National Geografic).

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