domingo, 30 de junho de 2024

As versões e a realidade

 

Todas as coisas estão na mente. A liberdade e a escravidão estão na mente. Podeis tingir a mente da cor que quiserdes. Ela é como um pano branco e limpo. Ramakrishna

 Depois de algum tempo vem a descoberta de ser assim, relativo e absoluto que se confunde com extrema facilidade. Daí, tanto fazer estar dormindo, acordado; sonhando, esquecendo; vendo, pensando; lendo, ouvindo, assistindo; correr pelo mundo a fora e desfaz contas e valores... Simples de existir, afinal. Uma circulação permanente de ideias, palavras, conceitos, num jogo informe dos seres em constante movimento, espalhados na face de tudo que preenche o vazio, ou ainda possa inexistir até na imaginação dos viventes. As ânsias de concretizar isto bem que significa os traços vadios de pintores e escultores a descrever a essência do que ante lhes ocupava a mente, folhas em branco da consciência.

E nisso deixa de valer a pena distinguir o que seja dagora e da eternidade individual. A origem nasce de igual necessidade, na existência propriamente dita. Os místicos louvam deuses que personificam tais diversos fenômenos da natureza em volta. Todos de origem única, universal, sob o crivo de iguais determinações. Apenas partes representativas dos diversos estados de sentimento, a depender tão só da urgência de todos em suas próprias funções atualizadas. Enquanto isto, o ser ciente exercita sua real necessidade daquela ocasião, em vista do estado em que se encontre no processo evolutivo de tudo interligado. Tal qual as palavras, que demonstram conteúdos significantes a cada finalidade, suprindo o quanto exige o que dizer naquele momento.

Sobrevir a tudo e encontrar a semente original vem ter este derivativo de satisfazer às existências na medida de suas carências individuais, gesto puro dos valores inevitáveis. Ser e existir; existir e ser; portanto, eis a missão.

(Ilustração: The Illusion of Reality Maya in Hindu Philosophy, reprodução).

Senhores de si


Quais vendilhões do próprio templo, muitos saem jornadas afora na negociação sistemática da consciência, a matriz da libertação, pelos balcões dos mercados abertos da vileza internacional. Epopeia longa desde sempre lá estarão. Dos tempos largados, escravos do passado agora inexistente a não ser pelas serventias inúteis dos quartos de despejo. Isso bem um tanto da gente daqui do chão faz assim e nisso descobre motivo de alimentar as glândulas da espécie que carregam consigo, escravos da alienação.

Todavia acham-se no senso de responder às mínimas questões de sabedoria, desvendar o segredo guardado nas sete capas do destino, lá dentro da alma quiçá infeliz. Pessoas iguais, tantos seres em movimento nas praças, estradas, ruas e becos. Cândidos pastores da esperança, no entanto agem, por vezes, em contradição dos sonhos nascidos deles mesmos e alimentam as feras da ilusão, os vícios, manias, desleixos; fixam metas imaginárias, contudo fictícias aonde quer que sejam.

Nisto, a chance das respostas úteis, sustentam desejos e padecem à toa. Meios de enxergar o quanto de paz nos horizontes em volta deixam escorrer nas abas dos céus. São vidas e vidas, lembranças aflitas que ainda persistem, visto a insistência como norteiam as horas que sumiram perdidas.

Há isto, porém, alternativas do encontro nas profundezas de si, portas abertas ao instante presente, ao ponto em que estejam. Sustentar a tese da certeza no coração de alguns que decidem rever as normas em torno de uma sociedade agonizante. Somos, pois, os autores desta caligrafia dos sóis em movimento; protagonistas e senhores das cenas onde firmarmos os pés nas rotas claras do Infinito.

sábado, 29 de junho de 2024

O cenário dos sonhos


Li nalgum lugar de considerarem não haver cores nos sonhos. Daí, então, passei a observar com atenção essa particularidade. Assim, vez em quando me pego a considerar melhor as locações do que esteja sonhando, e posso assegurar, de mim, claro!, que as cenas dos sonhos têm cores. Qual num filme colorido, são os mais variados seus tons. Depois, desperto, lembro com relativa facilidade o que avisto nas situações oníricas, buscando, até, algum significado interno, já que se atribuí uma razão de ser às cores nesta vida daqui de fora.

De comum, sou aficionado em sonhar, o que ocorre, a bem dizer, constantemente nos meus dias. Nessas ocasiões, executo tarefas, encontro pessoas, viajo, trabalho em ofícios que nem consigo lembrar depois a que motivo, porém que possuem algo a ver com meus momentos espirituais. Duvido, não, de exercitar funções lá específicas numa outra dimensão. Por mais que leia quanto ao assunto, só na prática obtenho algum êxito em saber aquilo que enriquece o tema em meus conhecimentos.

Noutras horas, recebo notícias de quem menos esperava, no entanto longe que seja de qualquer plano ou intenção. Além de misterioso, o sonho carrega consigo uma independência a toda prova. Sei, de ouvir contar, se tratar de comunicação direta com o Inconsciente, isso li e escuto várias vezes. E que nossa destinação de existir significa mergulhar nessa área do Ser e desvendar os mistérios que nela sucedem, quando, então, ao inteirar o exercício disto, ver-nos-emos face a face conosco próprios e seremos instrumentos de libertação daquilo que trazemos guardado na essência de Si.

Parte, pois, das maravilhas da Natureza, que toquemos em frente o sentido da autodescoberta, fator principal da tão sonhada Felicidade. Eles, os sonhos, compõem o quadro desta música magnífica que exercitamos na busca de plena realização.

Os rumores da guerra


Nada mais deprimente, a um ser dito pensante, do que isso de parar ao largo dessas caixas de plástico preto fosco, animadas e sonoras engenhocas modernas chamadas televisor, e se permitir a intérminas horas de vistas secas assistindo aos ataques sucessivos de bombas milionárias jogadas de graça contra a cidade de Bagdad, no Iraque, a pretexto de varrer do mapa um ditador de fancaria e seus filhos debilóides, ricaços feitos no rastro escuro do petróleo, que conseguiram escravizar povo de raízes fincadas na tradição e na cultura mesopotâmica, de onde nasceu a história da raça, tudo sob os olhos enfastiados da nossa humanidade hoje sem comando sério e afeita quase tão só a gestos mecânicos de comprar e vender, comer, dormir, coabitar, procriar e consumir substratos das mais vazias ilusões.

Como dói, naqueles que sentem a dor dos outros, conceber guerras em tempos de grave carência dos tantos países paupérrimos, a pretexto de vender armas produzidas a custos elevadíssimos, no soldo imperialista dos juros da agiotagem internacional.

A tal demência aponta para os limites inúteis a que se chegou nas fronteiras. A única diferença de anos anteriores são essas manifestações de alguns lugares, em longas marchas pacifistas românticas de protesto contra as imbecilidades persistentes de governos espúrios, portanto ilegítimos e pouco genuínos.

As lições históricas decerto não restaram bem guardadas, no correr das gerações. Povos no passado vítimas de cruéis tormentas, quais judeus, japoneses, poloneses, se unem, nesta hora, aos norte-americanos, esquecidos, pois, das catástrofes coletivas que viveram na própria carne, idos da Segunda Guerra Mundial, e fomentam a tragédia de novos confrontos coletivos. Quem observou, mesmo de longe, aqueles idos de injustiça, estima o transe de alemães invadirem a Polônia e exterminarem, durante anos, heróicos resistentes do Gueto de Varsóvia; dos americanos explodirem, em dois dias de agosto de 1945, Hiroshima e Nagasaki, onde fulminaram sem apelação 150 mil pessoas, entre crianças, jovens e adultos da população civil; e dos campos de concentração nazistas lotados de infelizes cidadãos morrendo à míngua, na sanha perversa de Adolfo Hitler e seus sequazes.

A memória, que deveria ser instrumento prioritário, tornou-se músculo em desuso da espécie imprevidente, sobretudo quando, na guerra do plantão que vitima o bravo povo iraquiano, joga-se no monturo a instituição nobre dos direitos coletivos, com sede em Nova York, a Organização das Nações Unidas – ONU, destinada a impedir consequências afins, doutras vezes.

De certo, dada a perfeição original do Universo, esses falsos líderes, responsáveis dessas atitudes insanas, amargarão de volta o remorso do genocídio que ora perpetram sob a égide do cinismo e da impunidade aparente.

Viva a Paz! Viva o Amor!   

(Ilustração: Quadrinhos e Vingadores: Guerra Infinita (reprodução).

sexta-feira, 28 de junho de 2024

Ao sabor das palavras soltas


Quando se escreve para satisfação pessoal o texto flui do modo mais espontâneo possível, livre da obrigação dos gabinetes de quem teria de cumprir um compromisso, dar de conta de recado profissional, aos rigores do dever e sob condições quiçá adversas, conquanto cumpre o mister de apresentar resultado nas palavras que voam livres pelo ar, escorrem nas paredes da memória feitas resina de pensamentos e sentimentos, à razão intermitente das horas. Caem aos borbotões, que levam tantas vezes ao instinto avassalador de alguns deixarem brotar a rodo páginas e muitas páginas, excessos talvez, qualquer compulsão desenfreada dos que falam para acalmar a ansiedade interna, neuroses, questionamentos matemáticos de dominar o absoluto, pássaros de peitos doridos, movidos a saudade fervilhante, zumbis assustados nas meias noites do sertão, furor dos vendavais da natureza indômita. Escrever. Produzir. Gerar frutos. Parir. Guardar em forma de expressão particular aquilo que recorre ao sair de dentro das cavernas da alma ao sabor das batidas de corações apaixonados pelo pulsar do tempo nas caminhadas eternas dos bichos assustados. Filosofar no assunto, nos assuntos demasiados, o custo apenas do infinito vicejar nas veias, sem, contudo, garantir chegar a pouso certo, definitivo. Temas que não gastariam, em todos os quadrantes, o lugar da nostalgia, alegria, felicidade, afeição, bem ao sabor da vontade acelerada nos gosto de falar, febril alento derradeiro dos condenados, ou concatenando frases de puro efeito formal, ou pipocar de gestos sem nexo, só no prumo das pontes necessárias ao prazer das criaturas humanas se acharem nos seus postos individuais, testemunhas privilegiadas e variadas chances do ato de viver, permutar inevitável de fichas nascidas no útero largo das entranhas existenciais. Frases. Blocos. Botões. Piões que giram na civilização formada ao preço de transformações constantes, moendas e trituração da paz em nações, desde que gente é gente e descobre o poder do verbo partilhado, no meio de praças e mercados. Flanar entre palavras e emoções. Voar perto ou longe das verdades exercitadas nos grupos sociais, ou mergulhar nas cinzas de passados remotos desconhecidos, histórias dormidas de gretas e penhascos distantes, reticências e parágrafos, relevos e tradições da geografia abstrata do ser em floração nos pousos das solitudes nobres exclusivas. Tocar temas atuais, transmitir receitas prontas de comportamentos, coisa fácil de promover quanto significa mandar alguém exercitar o que o bom senso indica, além até do exercício inicial particular dos autores da lição. As dissertações inacabadas dos livros da moda, viagens ao mar desconhecido da teoria acadêmica, enquanto a vida desliza leve solta consistente no íntimo de todos, professores e discípulos, ao fio das oportunidades do moinho. Contar histórias, atitude boa enquanto paciência de organizar os quadros, ritmos e melodia, no humor justo dos andamentos costumeiros da compreensão. E as descrições do palco, onde o transcorrer dos dramas e das comédias alimenta o firmamento aberto dos holofotes intermitentes e suas centenas de detalhes repartidos no convés das circunstâncias. Querer conhecer a base do dizer das palavras, trocar mistérios antes guardados para si. Passar adiante versões comuns, dotadas do brilho único do jamais, convites à atenção dos presságios e nuvens calmas, vindas no vento, trazidas ao poente pelo tempo. Luzes, lápides, canções. Saber assim, nestas épocas mecânicas de versos em profusão. Escrafunchar as gavetas dos papéis desarrumados e trazer ao sol das estradas matinais flores escondidas nas estantes abandonadas dos porões. Fábricas de sonhos, máquinas de plenitude em elaboração. 

quinta-feira, 27 de junho de 2024

Construir o Eterno


Somos nós essa matéria-prima do sentido de estar onde estejamos, nós e o tempo em combustão; artesões do inevitável, aprende-se longamente o roteiro da Salvação. Aventureiros da sorte, pois, viajamos pelos milênios até encontrar o real sentido de tudo. Isto, à pauta dos sóis e os viajantes do Cosmos.

Bom motivo de estar neste lugar face a face com o destino, às portas do Infinito e senhores de nossas atitudes por vezes arrevesadas; mas que outro motivo não existirá perante os braços do impossível. O resumo de todos os fenômenos, a raiz do quanto acontece nas gerações, impera no coração das pessoas, ao que cabe mergulhar e desvendar nas fibras da Consciência.

Isto de querer algo além que supere o decorrer das horas e em que deixamos de lado a possibilidade que significamos. Permite que desfrutemos da síndrome de eternidade; nós, uma pura aparência que se esvai feito miragem no deserto fabuloso das crenças e das cores, aos apetites cálidos desse mistério que transportamos vidas afora. Bem isto, qual solidão e responsabilidade, um misto de saudades e alegrias. Nuvens de cores intensas no céu em movimento. Luzes que buscam a Luz.

Que tanto seja o sonho, maiores os segredos guardamos na humana presença, aos olhos do princípio que nos norteia os andamentos e certezas. Reunimos, assim, no âmago da visão interior, a plenitude desses seres aparentemente ocasionais em queda livre nas quebradas do abismo.

Daí, nasce a beleza, os desejos, apegos, velocidades, instintos, apreensões, circunstâncias, caudal imenso de ausências em choque que se desfaz na busca inevitável de habitar o que sejamos de verdade, mundos informes de talvezes incertos e senhores das próprias determinações, porém imagens que imprecisas, ora projetadas no painel de uma criação inigualável. Ser e existir a um só momento, no íntimo valioso do quanto possamos realizar nalgum desses dias inesquecíveis.

segunda-feira, 24 de junho de 2024

Dias de sonhar acordado


Tempo de tudo, face ao movimento dos astros pelos céus. Quantos acontecidos em forma de realidade, porém meros desencargos de consciência das gentes de se livrar e nem querer jamais. Esses feéricos  feixes de histórias que significam esgotamento de fase, também indicam o início de novas previsões e profecias. Parto de novas dores, diante do desencanto em elaboração contemplamos os astros. Desde mínimos detalhes, o que tinha de ser assim foi. Espécie de largos recursos em fim de era, os humanos viajaram em multidões e agora vem de volta aos limites das experiências conhecidas.

Lembro de quando falaram em aldeia global, face aos meios de comunicação em crescimento. Disso, previu-se estabelecer até onde pudessem avançar. Algo semelhante a descobertas anteriores, do mais pesado que o ar, por exemplo, matriz da aviação. Lá de antes, a invenção dos automóveis, do rádio; telefone, imprensa, roda, agricultura, etc. Enquanto habitávamos um limbo em formação, milhões de vozes organizaram o destino que hoje impera.

Agora, ouvimos falar em Inteligência Artificial, qual possível fosse que não viesse de nós mesmos, dos seres ditos  pensantes. Graças ao poder de invenção da raça, estamos aqui; ainda que maquinassem as armas, o poder destrutivo fez seu fogo. Bom, de conformidade aos instintos. Querer dominar, sujeitar os demais aos caprichos de indivíduos selvagens. Todavia, a braços com a necessidade mais urgente dos valores, das gerações, animais racionais definem essa fome de viver ao sabor do desejo, bem que importa a todo momento.

São as extremidades do imponderável que sustentam a caravana de tantos rumo ao que vier, uns contentes, outros à espera disso. Com isto, avizinhamo-nos do território da Fé, aonde viver-se-á os frutos da evolução do tanto que aprendemos, seguimentos claros das leis que determinam o instante desta hora.

domingo, 23 de junho de 2024

Alheamento


Os dois sacerdotes inspecionavam as imediações do santuário localizado na torridez semi-árida de montes sertanejos, quando, subindo, observaram rolando escada abaixo uma senhora humilde, magérrima, sem tato nos músculos a fim de segurar o corpo na descida, e que passa pelos clérigos feita bala, desfazendo-se em pirueta no mínimo fora de propósito. Então, o padre mais jovem, junto de quem percorreu a escadaria, tudo que fez foi sair do meio da trajetória da penitente, que vai se esborrachar de todo num dos intervalos da longa trajetória.         

De novo a caminho, logo ouviram alarido que provinha da multidão embaixo. No meio de correria incomum, alguém chamava os vigários. No ponto crítico donde lhe reclamavam a presença, junto das outras pessoas que se juntava, encontraram deitada no solo, aflita, esfalfada, a anciã que avistaram há pouco rolando na escada.

O sacerdote mais idoso corre em seu socorro, lançando mão do auxílio de outros circunstantes que lhe trazem água, ungüentos e faixas, um deus-nos-acuda, cena vista como surpresa pelo outro padre.

Depois de tudo isso, acalmados os ânimos, restabelecida a boa ordem, eles continuaram a inspeção da localidade. Passaram pelo altar e cumprimentaram vários dos devotos, uns, a rezar, outros afeitos à beleza da paisagem em volta.

Chegavam no alto dos degraus, onde gastariam algum tempo considerando o movimento do santuário, quando puderam estabelecer diálogo a respeito do que assistiram na subida, o desastre da fiel que presenciaram girando o corpo frágil batente a batente, na velocidade acelerada de causar espanto.

O padre velho, de semblante carregado, fixou olhos críticos no outro vigário e destampou reprimenda fora de prazo e quis saber o motivo de o colega não aviar um apoio providencial para impedir o seguimento da queda.

- Mas, padre, dava para segurar e deter o acidente, pois a senhora lhe passou raspando os braços.

- Ah, sim! - lembrou-se o parceiro. - Nada fiz para não atrapalhar, padre, pois pensava que fosse aquele o jeito adotado de pagar a promessa feita, que bem poderia incluir os modos de rolar pelas escadas até o lugar aonde conseguiu chegar. Em suma, não quis atrapalhar o mistério.

De faces preocupadas com tamanha ausência de sensibilidade agora vista no colega de batina, o sacerdote enfeixou-se num mutismo que solene falava para além de todas as alocuções que pudesse montar nesse instante. E sozinho afastou-se, insinuando passos acelerados nos batentes do santuário.

sábado, 22 de junho de 2024

De vez em quando

 

Tais em ondas sucessivas, me regressam as cenas antes presenciadas. Quais peças de um jogo intermitente, sob a batuta de alguém lá de universo misterioso, de alguma cabine nalgum cinema imaginário, vejo de novo lugares, pessoas, episódios iguais aos que vivera, convivera, numa exatidão matemática e sem deixar nada a dever ao que sumiu na trilha do tempo. E o que mais impressiona é trazer junto as emoções que ali ficaram gravadas, num misto de saudade e impossibilidade, conquanto quero tanto poder reviver tantas alegrias, sensações, apegos, longe de quaisquer possibilidades.

Digo de vez em quando, mas que acontecem qual em outro lado de mim e a todo momento; eu e o tempo, dois atores de um jogo persistente de tocar adiante o senso de tudo em volta para sempre. Assim, o que existiu aqui de junto continuará existindo, agora inscrito na minha pele, integrados e idênticos a imagens fixadas em definitivo, semelhantes às tatuagens tão em voga nos dias atuais. Isto bem no próprio corpo, implantados chips do que conhecia e a memória fez questão de guardar, independente que fosse de minha opinião ou preferência, pois também regressam doutras ocasiões menos agradáveis, em que a dor se fez valer e cicatrizou, e permanece de junto.

Ali pelas ruas e praças de Crato, na minha adolescência; as situações incertas doutros tempos no Tatu, a fazenda em que nasci e morei na primeira infância; período de Salvador, de marcas indeléveis; os colégios; os cursos de universidade; jornais; viagens; namoros; festas; noitadas de farra; os amigos; a política; as agências do Banco e os colegas; livros; filmes; músicas; os relacionamentos familiares; os filhos; as coleções; as casas onde morei; os automóveis que possuí; a fotografia; exposições; tudo, enfim, caleidoscópio pertinente do meu mundo em volta, que grudou na minha consciência, uma espécie de somatório do quanto adquiri de experiências e sonhos.

Esses fatores reunidos, pois, são imagens definitivas de uma história viva; falam de forma tão intensa que reclamam a que eu possa contar nas letras e palavras, de significado pessoal que busco partilhar com os demais seres iguais, parceiros da condição de saborear esse gosto inesquecível da existência daqui.

sexta-feira, 21 de junho de 2024

Um mundo só transitório


Minha Mãe, a Energia Divina Primitiva, está dentro e fora deste mundo fenomenal. Havendo dado conhecimento ao mundo, Ela vive nele.
Râmakrishna

 ... Enquanto nós aqui flutuamos às margens desse destino. Desatentos por vezes, notamos gestos, ao longe, das miragens de que são feitos os limites e a liberdade. Ao Infinito, os olhos, as luas, os sóis e um azul imenso, percorrem as normas talvez inevitáveis que circulam nossos passos quais vigilantes incansáveis das noites insones. Nisto, o pulsar do Tempo, senhor absoluto de tudo nesse palco sideral.

Impomos, sim, condições a nós mesmos. Determinamos hiatos enormes de circunstâncias a que obedecemos de dentes cerrados. Tratamos o nexo dos sentidos feitos quem jamais avistou os palmos íntimos do mistério de que somos feitos. Quedamo-nos, porém, seres diversos à busca da Unidade que dorme perene junto ao coração de todos. Tão inesgotáveis as visões em volta reúnem os esquadrões destruidores das guerras, lobos vorazes famintos, ao faiscar das vidas em gestos definitivos.

Desde sempre, as pequenas flores vivem ao furor das tempestades; seguem os pássaros, atrozes vigilantes da beleza, que percorrem livres o firmamento. Às portas de tantas histórias, no entanto, aguardam o momento exato de percorrer o trilho dos sentimentos e chegar a Deus.

Ainda que sozinhos, habitamos esse lago dos contentes. Há que continuar horas a fio, fragmentos ansiosos face do futuro insistente. Tradicionais perseguidores da sorte na correnteza das almas, esses segmentos alimentam seus sonhos inesquecíveis a todo instante; sobrevoam o espaço adormecido e deixam rastros nas pedras do passado inexistente.

Bem isto, longas viagens ao mar desconhecido resume a existência e sussurram aos nossos ouvidos páginas inteiras de solidão. Blocos definitivos de palavras, eis o quanto significa saber do que, até hoje, trouxemos conosco, então.

(Ilustração: Kali (https://stock.adobe.com/br/search?k=kali+goddess).

terça-feira, 18 de junho de 2024

Fugitivos do Tempo


Instantâneos, eram assim chamadas as fotografias de uma época recente. Em preto e branco, revelávamos em negativos e copiávamos no papel. Hoje, face aos celulares, são quase que pedaços de tempo somados na mesma velocidade com que passam os momentos à nossa frente. Uma febre, digamos, aquilo em que virou a fotografia, ao ponto de encher as memórias dos equipamentos e nunca mais serem vistas, quem sabe?, perdidas nos relances eletrônicos de registros esquecidos. Isso no que tange à memória visual. Quanto às publicações, textos, filmes, tornam-se festivais de bibliotecas enormes aparelhadas em edifícios grandiosos, museus, talvez. Mais uma relíquia do que acervo de conteúdo.   

Valem, porém, a título de defesa do desparecimento, o que impõe a voragem do Tempo. Há gente que se agarra ao filamento das horas, numa sede extrema de permanecer a todo custo. Buscar reunir forças e vencer as ilusões do que desaparece, eis profissão por demais que acompanha os heróis na multidão. Registrar a título de fixar pontos de apoio no rosto do desconhecido. Persistir, desvendar esse mistério atroz que sempre vence todos campeonatos da sorte. Ele, altivo, imaginário, consistente, que poreja o senso das criaturas e aguarda lá adiante o desejo de existir de todos.

Mesmo que tal, vemo-nos destinatários de um tanto dessa consciência que habita o íntimo e sustenta as individualidades. Só querer, no entanto, ainda pouco ou nada significa. Convém descobrir a que estamos onde estejamos. Palmilhar todas as direções de ser e sorrir à certeza de continuar, ad eterno, a Missão descomunal de interpretar o enigma das histórias individuais, quanta solidão em volta e a vertigem dos elementos que nos deixam de lado a todo instante. Isto, bem isto, a jornada bizarra de vencer o Tempo e conhecer a Felicidade.

domingo, 16 de junho de 2024

Realidades paralelas


Mundos dagora. Cercas de arame farpado em volta dos rios secos e seus automóveis em movimento. As noites. As festas. Os ritos. Multidões inteiras envoltas nos sons esquisitos das chamadas eletrônicas. Notícias vagas do que acontece do outro lado deste chão e determinam o motivo de tudo isto. Músicas de antigamente insistem tocar nos gramofones enferrujados que ilustram o quadro assim dantesco; porém o que resta mostrar aos deuses da raça
. Nas horas adormecidas, a população aceita de bom grado o almoço dos dias servido nas nuvens raras que debrunham um céu distante do que antes imaginávamos. E seguimos com nossos ídolos que também desaparecem. Senhoras si, contudo, as massas percorrem praças e ruas na busca de novos amanheceres, talvez inesperados quais os que chegam a todo momento. De dentro de nós mesmos, a versão de mil histórias pelas dobras dos blusões. Nítidos sinais do que nos contavam e que sumiu ao nascer do Sol. Elas, que tanto prometeram, aceitam ser assim os passos do dragão. Nisso, imensa ficção parece conter o nível da compreenão dos instrumentos que nos controlam.

Cá fora, no entanto, tocamos adiante o que foram os sonhos. Ninguém há que aceite de bom grado que o barco não tivesse um destino. Nem face a tanto, deixamos de sonhar e sustentar vínculos imensos com a outra realidade tal que seja que mora no coração da gente. O sabor dos dias vive face a face isto às margens dos tempos prósperos, amáveis, e disto nos alimenta de horas e séculos.

(Ilustração: The Garden of Earthly Delights X, de Raqib Shaw).

sábado, 15 de junho de 2024

(Im)possibilidade

 

A permanência das coisas
impermanentes, ligeiras,
que surgem, se mostram,
perpassam e se desfazem,
me toca em doce limitação:
fazê-las do outro visíveis;
isso talvez a mim mesmo.
O que avalio, no entanto;
as aceito quais turmalinas
que riscam acesas o trilho
inconstante dos espaços,
rumo ao abismo do nada.
Busco, então, interpretar
o tropel ansioso da cena,
e passo aos olhos cá fora
a minha angústia de ser
largo estreito no Infinito.
Em só única providência,
construo castelos de forma,
palavras reunidas, suaves,
rendado de verde, arbustos,
santos em prece ajoelhados
aos pés perfeitos do Eterno,
ébrios de esperança e amor,
bibelôs de sonhos e saudade,
pomos dourados, solitários,
os monges fiéis e dedicados
ao mistério do Altíssimo.

quinta-feira, 13 de junho de 2024

Perquirições


Quando possível seja, há um esforço inaudito que busco exercer de escrever de um jeito o mais leve, algo assim que ficaria entre teoria e prática, entre ficção e realidade. Contudo a intenção sujeita também deixar à margem, em um tempo de tanta retórica e pouca prática, o gosto dos contos, das histórias curtas, algo que facilite um entendimento direto, mesmo que tenha suas limitações imediatas. A literatura vive disso, de querer sustentar o leitor e tocar adiante o custo de se fazer compreendida. As frases contêm a força de transmitir, no entanto quase sempre ocorrem situações, contações e enredos que não o permitem, sobremodo em um tempo de mil versões, a oferecer o quadro da condição humana, em si mesma a própria contradição.

São tantos os detalhes de um todo inexplicável, que pelejamos a todo custo encontrar uma resposta dos quantos segredos, desde os nossos sentidos físicos, em número de cinco, a bem dizer independentes uns dos outros. Fôssemos, pois, apurar e teríamos variações distintas do saber ao gosto de cada preço. A música, por exemplo, demonstra isso com facilidade. Seus autores apresentam estilos, cadências, distinções pessoais, e os executantes aprimoram as páginas, suscitando peças sempre diferentes e dotadas de objetivos estéticos inigualáveis quando na audição.

Isto a deixar de lado as quantas versões que formam o todo no tempo, as cores, as formas, o ritmo do que fazem os fenômenos, os outros humanos, os animais, os astros, a luz, as forças da Natureza, os segredos infinitos do que desconhecemos por demais; as idades, a História, as imprevisões, as dez mil coisas, no dizer dos místicos. Num empenho sobre-humano, passam faceiras as multidões rumo ao desconhecido que ignoram. Somos quais meras sombras que circulam nas existências, via do desaparecimento. Em mergulhos sucessivos, desenvolvem-se a Ciência e as técnicas de sobreviver e as urgências de continuar. Depois do que presenciamos, outras realidades persistirão, somatório dessa fornalha imortal em movimento, que tritura os céus em volta.

quarta-feira, 12 de junho de 2024

Os sonhos


Venho estudando a obra de Carl Jung, o que me motivou a compreender e começar a anotar meus sonhos. Ao lado disso, li, há pouco, Livro dos Sonhos, obra de Jorge Luis Borges, a quem admiro desde algum tempo. Nisto, busco agora desenvolver a possibilidade que temos de nos conhecer através dos sonhos, no que diz respeito aos entremeios da consciência.

Ao que vejo, os sonhos perfazem o todo que resume pensamentos e sentimentos. Uma fronteira por demais movimentada, dos sentimentos a nos envolver até seus limites a percepção, e os pensamentos nós é quem os envolvemos até o ilimitado da razão intelectual. Um entrechoque de duas qualidades humanas que nos conduz vidas adiante. Nem sempre, porém, possuímos a força suficiente de saber interpretar o que dizem os sonhos, ou de controlar os pensamentos que administramos na vigília. São misteriosos os sonhos, haja vista o tanto de situações históricas em que pelejam de desvendar os seus segredos, isto nas ocasiões mais diversas, contudo importantes ao destino de reinos e populações; ao seu jeito, eles vagam soltos através de todos nós, espécie de naves na intenção de dominar o mistério que há dentro de todos ainda desconhecido. Quanto aos pensamentos, os mestres orientais, ao seu modo, persistem na instrução de que os podemos trabalhar pelo silêncio e fazê-los menos danosos a esse controle da mente a serviço do ego, que impera no mundo da matéria.

Quando são nítidos os sonhos, trazem histórias completas a serem narradas, o que já fiz nalgumas horas. Segundo os estudiosos, existem dois tipos de sonhos, os mentais e os espirituais. Dos mentais fazemos um apurado daquilo que seja ligado ao dia-a-dia, aos problemas imediatos, aos afazeres cotidianos. Quanto aos espirituais, esses veem através da intuição e trazem consigo mensagens valiosas a nos favorecer nos embates da existência e no desenvolvimento psicológico.

Essas cogitações propiciam meios de nos auto conhecer e evoluir sempre, uma vez comporem o ente que somos nas estradas que seguimos.

(Ilustração: Sonhos, de Akira Kurosawa).

terça-feira, 11 de junho de 2024

Uma onda de imprevisões


Neste momento, em volta do mundo, quer-se perceber a sonhada paz, no entanto é apenas relativa a calma da realidade entre as nações e os povos. Na ânsia de consertar o futuro, esquece-se do presente. O que seria progresso há que ser reavaliado, contudo isso que cabe a quem ninguém ainda descobriu. Tudo desenvolve no campo tecnológico. De teoria a Humanidade dispõe das heranças, na espera de que as letras virem, dalgum modo, uma panaceia que enche estantes e resolve quase nada. Fôssemos viver dos discursos, talvez restasse pouco tempo a continuar, pois.

Existe o senso diferenciado que permeia tudo. A outra face da moeda. Os meios a saber de revelar novos alentos, praticar as fórmulas de novos aprendizados que sejam de o Ser Humano revelar a si mesmo e transformar a experiência em um mar de tranquilidade. Isso, porém, exige dedicação pessoal, além do respeito pelas coletividades. Sem perder o interesse na sobrevivência material é necessário que avistemos territórios possíveis de fraternidade, livre de armas e destruição. Nisto quero crer persistir a grande busca de todo tempo. Espécie de qualidade, invés de tão só quantidade.

Um simples mergulho na História deixa margem a ter de mobilizar a nós mesmos no sentido de encontrar esse modo que cabe nas expectativas. Durante eras sucessivas, nas civilizações que preenchem as diversas fases, essa intenção permanecer guardada qual mera ficção, por certo em face dos valores que predominam. Poder, riqueza, fama. Isso que pede outras alternativas de simplicidade e significado. Que as ciências permitem o progresso, não restam dúvidas. Porém a indagação essencial será que qualidade de progresso, sem paz, harmonia e consciência espiritual?

Eis o retrato dos dias de hoje, depois de tantos dedicarem esforços de mostrar meios outros de que não sejam sofrimento. Olhemos doutro modo o sonho de descobrir a que viemos, já que a isto é que viemos.

domingo, 9 de junho de 2024

Uma nova chance

Bem que aquela manhã de domingo poderia ser igual a outras manhãs de domingo em Lábrea, no Amazonas, não houvesse a procissão sinistra, que apontava dolente na esquina, acelerando os corações dos moradores da rua calma, que saiam à porta, sacudidos de chofre no meio da rotina ensolarada, em espasmo sensacionalista para as brenhas remotas das cidades pequenas.

À frente, retido com vigor pelas de dois guardas fardados de caqui, um meliante e protagonista de contravenções, bares, drogas e luares escondidos nas matas do lugar, recebia no corpo, em ritmo tenaz, pêndulo infamante de cassetete escuro de um terceiro guarda, a contundir-lhe as costas sangradas e suarentas de prisioneiro perdido nos caminhos da delegacia.

Os gritos carregados rompiam entre as casas feitos lâminas de facão enferrujado rasgando os cipós da sensibilidade rude das pessoas, mistura de gente e animais daquelas selvas adormecidas, no clima sedento do Norte úmido.

Quando o tropel violento chegava mais perto de sua casa, Ednelza viu romperem-se as comportas do coração de jovem de 15 anos e, decidida, interpôs-se no caminho da turba fantasmagórica. Em confronto àquelas pessoas hipnotizadas a tanger indiferentes a cena, pôs-se de joelhos num susto, ergueu os braços em desespero e gritou aos céus, na propulsão de reclamar em nome dos milhares de pulmões injustiçados:

- Por amor de Deus, eu peço, por amor de Deus, parem com isso! – clamou com vontade, cheia da indignação de que carecem tanto abandonados de justiça neste mundo.

Surpresos, quais contidos por mãos procedentes de outra dimensão, os policiais contiveram o passo e levantaram olhos frios à moça alva, franzina, de cabelos longos, que lhes impunha respeito na força da atitude que detivera os seus instintos brutais. Refeitos do impacto inesperado, deixaram de moer o lombo do infeliz, andando a levá-lo quase desfalecido à cadeia pública.

Os populares, acompanhantes frustrados da estranha cerimônia às custas da dor alheia, se dispersaram nos becos, aos poucos restabelecendo a paz. Tão só Ednelza ainda manteve o tremor e as lágrimas, lembrança da judiação, mercê de quem aplaude os perversos em nome da Lei, nesses rincões afastados.

...

Tempo transcorrido, torno de mais de década após aquilo, perante apressados transeuntes no centro de Manaus, o ex-detento de Lábrea encontrou um dos irmãos de Ednelza, reconhecido seu, e testemunhou o quanto lhe fora importante para o resto da vida o grito de compaixão que sustara os guardas, naquela manhã de domingo, no interior do Amazonas.

Em consequência disso, cientificara-se do valor que possui cada um ser, defendido a troco de tudo, ao preço da comoção de pessoa dele desconhecida, distante, porquanto a coragem de Ednelza lhe salvara a vida. Na cadeia, pesara os desmandos praticados na existência que levava e estudou as chances de mudança através de modos e compromissos, sempre acreditando na firmeza autêntica de quem punira em seu favor.

Depois, reconstruíra sua história noutros termos, cônscio das reais possibilidades de que dispõem as criaturas e tratou de mudar para melhor, apressando-se a contar o efeito do gesto da jovem, que hoje é mãe de família e reside em Juazeiro do Norte, no Ceará.

Vertigem

                        

O sonho é o grão de trigo que sonha com a espiga, o antropoide que sonha com o homem, o homem que sonha com o que virá. Raymond de Becker

Sonhei, certa vez, que hoje sou apenas um sonho de alguém que dorme nalgum lugar do Paraíso, e que só despertará quando de minha volta e no nosso reencontro, e eu largar os apegos que me sustentam nesta visão do firmamento. Qual prisioneiro em mim mesmo, enquanto vago solto diante do Infinito, ele, ali, adormecido, apenas se contém na longa espera, nas mesmas horas, mesmos dias que vou vivendo.

...

Vislumbre, pois, de circunstâncias vagas faz de mim ser isto, assim, de que tenho esse compromisso imortal. Cercado das tantas limitações da pequenez que carrego, virei, no entanto, de cumprir o dever de tal função, à medida do tempo que arrasta seres e objetos pelos mundos transitórios. A vastidão do quanto existe significaria essa jornada rumo às estrelas, ao Eterno. Sairei daqui lá qualquer dia. Arrodeado nas sensações que o corpo impõe, ora vejo os desafios, prazeres e oportunidades quais correntes que me sustentam. Desfar-me-ei feito quem desconhece o ser de que sou parte, ainda, vez em quando, que seja avisado, também nos sonhos, de realizar essa missão.

Qual perante uma responsabilidade, vou vivendo. Tal detentor dos instrumentos de libertação, apreendo pouco a pouco os meios de revelar a consciência no declive das sombras onde estou. Do sonho guardei isto, de poder, decerto, encontrar a saída de todas as indagações. São muitos empecilhos, vaidades e desejos de aqui permanecer, todavia sob o crivo da improvisação. Pequenos achaques falam disso, do quanto de provisória é a vida neste chão que se desfaz.


(Ilustração: Primeiro contato, de Pieter Bruguel, o Velho).

sexta-feira, 7 de junho de 2024

O silêncio dos fins de tarde


Isso de quando o Sol já sumiu nos declives do horizonte e deixa apenas um rastro luminoso de cores acesas em tons avermelhados. Bem nessa hora, algo acontece a meio dos sentimentos, das lembranças vagas de saudades em turbilhão, que advêm nas derradeiras visões de todo dia. Um som de silêncio perfaz, então, tudo em volta, numa solenidade de causar espanto. Marcas ficaram da mais profunda singeleza que invade o senso e faz regressar insistentes versões doutros finais de tarde, quais sucessivos cenários das vezes quando o coração vislumbrou momentos semelhantes e viveu igual solidão do ser, o que conta de histórias guardadas nos refolhos da alma.

A natureza, então, se acalma pouco a pouco, esquecendo a claridade intensa do amanhecer e persiste na fome de prosseguir através do firmamento a visão de quem deixará de lado, durante tantas horas, o furor da claridade que trazia consigo desde cedo. Virão, decerto, quantas e quantas jornadas. Muitos povos até padecem ao ver o Sol seguir ao longe, temerosos de jamais voltar a vê-lo, e sustentam no íntimo os anseios ainda não resolvidos que ficarão ao desalento na escuridão porvindoura. Acendem luzes nas entranhas das gentes, no empenho de lembrar a luz que some às vésperas dos sonhos. Mergulham nos desalentos da Sombra e adormecem com o tempo em movimento.

As lembranças se entremeiam de quantas histórias que ficaram pelo caminho, relíquias de pessoas, recantos, amores... Bem assim tais nunca sumirão de tudo e regressarão horas sem conta, agora partes definitivas do ser de que somos cicatrizes, recordações, vivências. Traços fortes dos crepúsculos que jazem nisto para sempre, rescaldos da aflição de nunca reviver, porém, o que antes aconteceu.

Essas ocasiões melancólicas dizem disso, da força de sentir e continuar, nas existências que perdurarão fixas nas dobras da consciência que as vê e traduz o desejo de eternizá-las. Numa criação constante, pois, cabe sentir e guardar o alento de sustentá-las nas curvas desta viagem inesquecível.

Fugas da realidade


As condições da existência humana impõem alternativas diversas, forçando posições por vezes fora de nexo. Quer-se agir na procura dos meios justos de viver, porém leis, que superam o entendimento atual das pessoas, exigem qualquer grandeza de alma. Vêm daí preços elevados a que muitos se negam pagar. Com isso, respostas nos períodos de restrições pecam pela falta de sensatez ou de domínio individual sobre os acontecimentos.

Quais seriam tais respostas limitadas? Elas são, sobretudo, aquelas motivadas por caprichos ou acomodação a situações, fruto amargo do menor esforço, ou do esforço incorreto.

Diz a voz comum que viver não é fácil. Outros, contudo, asseveram que “a vida é dura para quem é mole”. Fugir, no entanto, que é a resposta de muitos às dificuldades, se torna saída menos onerosa, dado o volume dos resultados impróprios que ainda prevalecem neste mundo torto.

Essas atitudes deficientes seriam aquilo que representa fugas da realidade. O indivíduo defronta aspectos trabalhosos e se rebaixa nas reações, invés de buscar saídas ideais. Rende-se à contradição de valores, numa ação vulgar, desperdiçando chances de aprimorar as conseqüências dos atos pessoais.

Num exemplo que fica bem nessa argumentação, o cidadão enfrentaria época de vacas magras no orçamento doméstico e observa de perto o sofrimento, seu e da família. Haveria respostas dignas, produto de trabalho, união de pais e filhos, no objetivo de descobrir meios de retrabalhar os elementos disponíveis do caminho. Todavia, nessas ocasiões críticas, afloram riscos de várias ordens, naquilo considerado como palpites equivocados. Filhos se rebelam e saem de casa para aventuras errantes. Surgem vícios, casamentos apressados, gestos ilícitos de apropriação do alheio, etc. O casal se arrisca nas discussões sem base e relaxa a manutenção do lar. Fraquezas mortais parecem tomar conta de quase tudo. A ordem corre perigo, na organização dos instrumentos da luta. Isso confirma dizer que “em casa que falta pão todos brigam e ninguém tem razão”.

Assim, são as fugas da realidade, o que, noutras manifestações, quando advêm fases escuras, não raro abalam até as defesas físicas dos protagonistas envolvidos, e males orgânicos mostram a feia cara. Viroses, depressões, ciúmes, espreitam as portas, bichos inconvenientes e assustadores.

Lamentar, chorar, arrancar os cabelos, escandalizar, por si só demonstram o pouco espaço dentro das almas em choque, no exercício da firmeza necessária às respostas. Desaparecem, então, como num passe de mágica, os méritos que trouxeram até aqui pendores humanos naturais de batalhar e progredir com honra, coragem, saúde.

Perante a limitação de semelhantes quadros, soluções invisíveis, espirituais, quase nunca representam seu papel precioso. Porque o mínimo de bom senso exige sempre concentração de forças, dose de otimismo e paciência, dentre outras qualidades imprescindíveis a esses momentos. De certeza, nalgum lugar da gente, também na véspera das fugas inúteis, existe a luz do fim dos túneis, remédio infalível contra todos os males do desespero.

Só afirmar, pois, que viver não é fácil jamais justificará o descaso de muitos para responder com acerto às fases penosas da existência. Obstruções representam, sim, desafios à criatividade, fundamento maior para o sucesso, no transcorrer das tantas gerações que viajam no tempo.

quinta-feira, 6 de junho de 2024

Sinais em tudo


Deus não castiga ninguém sem ter avisado antes.
Orígenes

Quando em lutas com os filisteus, após descartar a presença de David junto dele, Saul buscava a todo custo orientação de Deus do que deveria cumprir, o que, no entanto, de nada acontecia. No auge do desespero, se dirigiu a uma vidente que havia num monte chamado Endor e pediu que ela entrasse em contato espiritual com seus guias, a fim de trazer do Alto as necessárias notícias de que tanto o Rei precisava no auge das batalhas contra um povo inimigo dos hebreus.

Nisto, a médium recusou fazê-lo, posto que exista proibição estrita de alguém receber entidades, ou com elas se comunicar, sob pena de perder a vida, isso proveniente das próprias ordens do soberano. Quando, porém, Saul resolveu se identificar e ordenar à vidente que lhe atendesse, esta daria passagem a Samuel, anterior juiz dos judeus.

- O que queres, Saul, por que não nos deixa em paz no reino dos espíritos – respondeu Samuel através da incorporação da médium. Quando, então, o Rei implorou a Samuel que trouxesse palavras de conforto e apoio na grande batalha que dar-se-ia no logo dia seguinte.

Samuel, de pronto, disse que aquela guerra estava perdida, que cuidasse de fazer acordo de paz, que ainda estaria em tempo. Se não, o que resultaria, no dia seguinte o Rei e seus filhos seriam mortos em combate, ocasionando fortes danos ao povo com os frutos da derrota que iriam sofrer.

Saul desmaiou, nessa hora, em face da fraqueza que vivenciava por conta dos sucessivos jejuns que praticara na intenção de receber os sinais que tanto esperava da parte do Senhor. Naquela hora, seus auxiliares matariam um bovino e alimentariam Saul, o que lhe restabeleceu as forças.

No dia seguinte, em desobediência ao que recomendara Samuel, ele entrou em luta, sendo morto, juntamente com os seus três filhos.

Os filisteus foram atrás de Saul e dos seus três filhos e mataram Jônatas, Abinadabe e Malquisua. I Samuel 31

(Ilustração: Reprodução (https://www.gospelprime.com.br/a-rebeldia-de-saul-e-a-rejeicao-de-deus/3/).

quarta-feira, 5 de junho de 2024

Lembranças infantis


Guardo algumas lembranças da infância no sitio onde nasci, o Tatu, dentre elas recordo de mim sentado no chão da varanda que suplementava a casa na frente e nos lados, com um prato de pinha entre as pernas, talvez entre um e dois anos de idade, a chorar desconsolado, sem saber explicar direito o que se dava. Vejo ainda, espalhados pela memória, fragmentos outros, também na mesma varanda, quando observava minha mãe trabalhando na máquina de costura, a entoar canções da moda, a exemplo de Segredo, de Dalva de Oliveira. Sentado ao lado, eu recebia no rosto a brisa gostosa da manhã sertaneja, que amenizava o calor, enquanto, no céu, no nascente, se formavam torreões de nuvens claras.

Após a quadra chuvosa, catada a safra do feijão, posta ao sol para secar ainda mais, lá numa noite, reunidos moradores e pessoas da casa na varanda de calçada alta, efetuavam a debulha dos grãos sobre alvos lençóis, ao lusco-fusco da luz de lampiões a querosene.

Tinha por volta de dois anos. Metido no meio da função, ia pegando as cascas que restavam e oferecia aos animais espalhados no escuro próximo daquela festa coletiva, no terreiro defronte. Era minha diversão ver os bichos lamberem de minhas mãos o alimento improvisado.

No auge dessa afoiteza, não sei como, pois de nada lembro senão do que me narraram, fui arrebatado por uma das reses, que meteu a cabeça entre minhas pernas e me jogou para trás. Rolei pelas suas costas e cai no barro vermelho preenchido de seixos de pedras afiadas.

Hoje possuo a cicatriz do acidente. Pedra de ponta feriu o lado da minha cabeça, contusão profunda no intervalo situado perto do osso que vem da maça do rosto e a orelha esquerda. Minha mãe disse que foi questão de uns poucos milímetros para sair vivo, naquela hora, vez se tratar de região de vasos e veias importantes.

Curativo de urgência foi feito ali no sítio, a duas léguas de Lavras da Mangabeira. Meus pais dispunham dos remédios necessários. Depois disso, de imediato busquei conforto só nos braços de Lourdes, a cabocla que ajudava minha mãe a criar os filhos. Era com quem eu achava jeito de aquietar o corpo e adormecer.

Mas com o passar dos dias os adultos da família notaram que mais coisa acontecera além apenas da perfuração na cabeça, porquanto reclamava quando me pegavam e reagia esquisito, a mostrar sensibilidade excessiva nos braços e ombros. Apareceu mancha roxa e ligeiro afundamento na parte superior do tórax. Nisso descobriram que também quebrara a clavícula esquerda.

Daí meu pai me conduziu, na lua da sela de um cavalo, até a cidade, onde não encontrou médico e, como alternativa imediata, buscou o farmacêutico José Linhares, que enfaixou a lesão e remediou o problema. Era época difícil para locomoção e a geração lutava na formação das bases do que ora desfrutamos do conforto nem sempre reconhecido pelos filhos e netos.

segunda-feira, 3 de junho de 2024

As palavras

 

Dada a incerteza de saber o que pensam de uns aos outros, disto nasceu o instinto de falar de algum jeito o que lhes vem no juízo, a fim de que nunca perdessem a razão de estar aqui. Esforço desmedido, contam de si mesmas as pessoas antes desconhecidas, em blocos de ideias adrede pensadas e jogadas ao vento. Vieram das letras, dos algarismos, que, agregados, viraram isso que agora percorre o mundo na forma vaga de intenções, no esforço de contar de si uns aos demais. Ninguém sabe, ainda, o que guardam as relíquias do Tempo perdidas ao léu nas camadas deste chão. Há sempre pessoas que ali estiveram e respiraram, deixando largadas suas margens de sonhos na forma de pensamentos ocasionais. Vez em quando descobrem, nos subsolos, cidades desaparecidas, recheadas dos rabiscos feitos daquelas gentes a dizer do que viviam, sofriam, imaginavam; pedras, livros, bibliotecas daí largados pelos monturos que, bem depois, ninguém saberá porque. De trás, elas, as palavras percorriam as memórias e feriam o desejo de continuar. Seríamos quais meros algozes de nós próprios, na fome de sobreviver a todo custo ao furor ostensivo do Tempo audaz.

Nisso, avistamos sinais perdidos daquelas escavações abandonadas de outras histórias, sociedades arcaicas presas ao passado nas cavernas, no entanto existentes vidas afora em forma das gentes que vieram morar aqui na força das palavras que permanecem; elas e seus significados enigmáticos. As invenções que, somadas, significam isto que ora somos, cacos de cerâmicas raras, equações e símbolos das virtudes que aí estão e determinam, a todo custo, o quanto existirá de nós diante das próximas revelações, talvez.

Fôssemos arrecadar do tanto que restou de tudo que houve, seríamos uma espécie de memória do Universo que conta do que se deu e esquecemos, atributos de muitas jornadas das criaturas históricas em movimento nos céus. E as palavras percorrem as nossas entranhas na forma de pulsação e circuitos elétricos, fôlego de inúmeras vivências desfeitas nas asas do mistério. No mínimo isto, seremos estruturas quase livres, porém detentoras dos segredos de quem descobriu, lá certa feita, o sentido do que pensamos e queremos dizer nesse  Infinito do além.

(Ilustração: Reprodução (National Geografic).

Sexo e amor


Antes de tudo, cabia-lhe aceitar aquela condição necessária de viver em paz consigo mesmo e com os outros, parceiros influentes da jornada rumo a tantas cidades e a lugar algum. Depois, o corrosivo da certeza absoluta de saber ao certo para onde caminhar, no comboio das estrelas. Enquanto que a nave deslizava pelo pântano da história sem fim dos imprevistos, gosto de noite ainda na boca, travo provisório de sabê-la deitada, linda, descoberta, sonolenta, e uma vontade insistente de querer sempre, entre os dedos e palma da mão, suas curvas macias... Ser vivo, nascente... Marcas de suor cheiroso nas frestas da janela fechada diante do esplendor da manhã e sua paisagem com pássaros festivos nos ramos agitados da folhagem.

Porém a questão prosseguia dentro dos olhos queimados, sexo ou amor, temas constantes das ondas a quebrarem nas praias cobertas de sargaços da véspera, noite de lua bela no céu, perfeição, jeito claro de mostrar quanta pureza de luz límpida, perfumada, ao sabor das árvores em movimento.

À mesa posta do sonho, lembranças de atividades através de troncos calcinados. Chamas avermelhadas avançavam aos céus, desde fendas abertas na superfície do parque da cidade. Calor não existia. Passos certos de quem conduz grupo de pessoas a lugar garantido. Sem medo. Encostas de inúmeros vulcões, surpresas previstas de território escarpado e misterioso.

No peito, as passadas ao ritmo das batidas dolentes de corações extremados.

Fortes vontades presentes, nos raios de sol que penetram e chegam aos dois corpos adormecidos, em meio a lençóis com o cheiro de gente que se ama, odor de flores silvestres recém abertas ao frio da serra, testemunha silenciosa ali de perto.

Doce pergunta nas páginas lentas dos dias que se sucedem, viver, insistir no livro da vida, amor consistente de pássaros felizes, impávidos.

Quantas vezes balbuciar a antiga oração de fechar corpo e guarnecer a continuidade harmoniosa dos barcos além do mar de cada sonho? E a resposta na franqueza do vazio das horas que invadem o foco, nas esquinas dos minutos incansáveis, refeitos noutras chances de viagem.

Por isso, é preciso continuar, preço da alegria, no desenho da evolução em transe, perante o desespero da dúvida sem argumentos, conquanto a beleza insiste nas curvas do caminho, nexo de todo instante, pouso interno das almas penadas em atividade. Houvesse só batida cadente, monótona, não fossem as variações da pulsação cardíaca, e poder-se-ia defender teses de nulidade para a fugaz esperança fagueira dos segundos exatos, insistentes.

Eles dois, olhos calmos fixos na crença do amor, rasgam a carne em partes simétricas, sensuais, espalhando carícias pela praça... Bichos no cio, cores diversas, combinadas em leque... Nisso, lavas de líquido quente escorre-lhes ao chão...  Cabelos soltos, agitados, sacodem na brisa matinal o acorde invisível de viola imortal, sorriso aberto, lábios e seiva de plantas pisadas espalham pelos corpos dolentes o valor provisório da vida.

Saber-se agradável e prosseguir a trilha da estrada longa, eterna estrada, caberá ao gosto de amar sem medo, o respeito do prazer de existir a cada momento, malhas harmoniosas do tempo; dormir e acordar quem ama em si.

(Ilustração: Reprodução (https://stock.adobe.com/br/search?k=yin-yang).

domingo, 2 de junho de 2024

A floresta dos sonhos


Bem aqui ao nosso lado, a um passo da realidade, quando existirá outro universo, talvez o mesmo em que vivêssemos dias e noites. Assim qual seja a um passo do dia à noite. E entramos, cautelosos, resistentes, no entanto, pelo país dos sonhos. Algo típico, tal sair da terra ao mar. Aos primeiros sinais, ocorrem-nos. Trazem de lá histórias, situações, imprevisões. Descem tal a empanada de outra dimensão, isto, porém, de tão perto, e neles habitamos num definitivamente além das imagens desta realidade desfeita entre laços e armações, conteúdos e visagens.

Mundos que dizem esquisitos, dotados de todos os mistérios da Criação, deixam entrever enredos completos, prenhes de artifícios. Isto, entretanto fruto de vontade própria, artes em movimento dalguma origem. Chegam ao sabor de razões desconhecidas que superam a firme razão do presente, e trazem de longe, no bojo, notas raras de jogos, avisos, segredos guardados, viagens, revelações musicais, profecias, mudanças; os sonhos e a vastidão de todas as galáxias, matrizes da ignara imprevisão e dos sóis adormecidos na alma da gente.

Algo semelhante aos albores do nascer do dia, nos levam a imaginar o inimaginável de dentro das criaturas, pródigos textos das peças de um teatro fabuloso. A tradição conta deles, nos momentos raros das transformações humanas, de quando mais precisaram, e vieram os fios que conduziram sentidos, salvaçóes e mudanças raras.

O que conta deveras é sabê-los dotados de qualidades jamais vistas até então, barcos que avisam do inesperado, às vezes ainda em tempo de preservar os desejos e salvar das feras. Não carregam consigo a dureza irreversível da fria condição que impõe o que seria real. Permitem jogos outros que ultrapassam a dureza da matéria e mostram a consciência livre do que deles seríamos os autores involuntários. Tudo na superfície do impossível de ser, não fosse a pura condição de estarmos no íntimo deles sem direito sequer de sermos mesmos senhores, a denotar camadas profundas de mundos a se dizer inalcançáveis, a nos abrir as portas de novas visões.

sábado, 1 de junho de 2024

Universos pessoais


Quanta distância de um a outro entre as pessoas. Os mesmos desafios, no entanto. Antigas desavenças, saudades incontidas, dramas em movimento. Indivíduos, criaturas humanas à busca de paz; nisto, se dá a aventura de existir. Produções de conteúdo a todo momento. O painel dos desencontros que demonstra a atualidade de onde quer-se ver. Quadro assim no mínimo assustador das histórias, nos diversos continentes. A gente pretende achar uma calma; escafrunchar nos livros, nos filmes, nas profecias; contudo apenas em um compasso de espera diante dos resultados de muitos séculos e civilizações. Desejo não falta de interpretar sinais de harmonia, solidariedade, porém quais pura imaginação. Nem sempre seria o melhor rever tudo isto. A intenção persistiria limitada pelos próprios sintomas do quadro imenso das horas, das pessoas, o que demonstra fome de fraternidade à custa só de dependências e desassossegos.

E esconder a cabeça nas areias de nada significa, portanto. Juntar os trens e sumir, não tem destino algum. Revirar o passado e descobrir os motivos. de nada representa, a esta altura. Do ponto de vista coletivo, experimentou-se muitas teses, que na prática redundam noutros resultados obscuros. Um quadro e tanto hoje vivemos, porquanto sumiram as dimensões e o mundo ficou menor, pequeno demais à estupidez da ganância dos que enganam a todos. A política viu-se reduzida a meras cogitações de grupos, nada mais.

Bom, quero ser sincero comigo e com os outros. Invés de fantasiar os mistérios em volta, procuro contar do que me vem e revelar o mínimo de coerência. Sei que somos partes de um único todo, regidos pelas determinações de um poder soberano. Daí, virá de certeza os meios das respostas que aguardamos desde sempre. Essa compreensão exigirá virtudes que agora precisamos desenvolver e somar ao infinito das práticas. Ninguém que possa sentir dono de privilégios isentos e avaliar não ser consigo também. Outrossim, há um coração no peito que alimenta a esperança a todo instante.