quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Memórias apagadas

Vou contar uma narrativa de Seu Chico Ferreira da Silva, amigo meu que mora em Juazeiro do Norte, Ceará, de quando viajava pelo sertão pernambucano vendendo miçangas, ele e outros camaradas. Lá um dia, ao pegar o ônibus de Araripina ao Crato, sentou ao lado de um senhor de modos calmos e educados. Logo entre os dois estabeleceu-se diálogo cordial, o que duraria o itinerário suficiente ao surgimento dalgumas histórias.

Numa delas o dito senhor começaria a falar que sua vida daria um romance. Que vivera com a família numa pequena propriedade no interior do Rio Grande do Norte. Ganhava o suficiente a manter a todos sem grandes dificuldades ou sacrifícios, até o dia quando cruzou problema sério na saúde da esposa, companheira de 35 anos de casamento harmonioso. A grave situação chegaria aos limites da medicina da época. Nenhuma esperança mais de curar assim presenciava.

Nisso, naquelas horas, mediante o desengano da mulher, seria convidado a escutar dela revelação estonteante. Em desencargo de consciência diante do final que esperava, algo causava amargura bem profunda. Ela disse com todas as letras que lhe havia traído quando fizeram cinco anos de casados, o que ele jamais imaginava tamanho absurdo.

Independente de tudo o que ouvira, seguiu a lutar pela cura da companheira, investindo recursos possíveis e impossíveis, até que obteve sucesso. Para alegria de todos, viu a saúde regressar à família. Então, na vitória sobre a moléstia, presenciou com gosto a normalidade de novo tornar do lar.  

Ali depois de pouco tempo, numa madrugada escura, organizou o que pode, selou um cavalo e recolheu poucos pertences, saindo mundo afora, deixando atrás o passado, o sítio, a casa, a mulher e os filhos, a nunca mais regressar. 

Viera habitar essa região do outro lado da Serra do Araripe, imediações donde viajavam para o Crato naquela noite. Agora negociava queijos e produtos da pecuária nos comércios do Cariri e proximidades. Era a história que contou a Seu Chico, de olhos baixos e silenciosos. 

2 comentários:

  1. Interessante narrativa, muito comum quando as pessoas se vêm sem chão por haver chegado ao final da caminhada na terra, vem a mente os erros pecados cometidos, e bate o arrependimento, ainda mais pesado, quando se trata de haver cometido injustiça. Quando houve um motivo plausível para tal procedimento, por certo ameniza a culpa.

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  2. Sua narrativa é bem peculiar quando se aproxima o final da caminhada, e vem a culpa é só necessidade de expiar os pecados. Mas nem sempre tal fato acontece por acontecer, de certo.deve haver uma causa plausível para tal proced8mento. Sabedouras somos de que um erro não justifica o outro, mas nem sempre a tela é como se pinta.

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