quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Favela

Diversos personagens deixam suas histórias cheias de verve pitoresca na vida dos lugares, que as propagam mundo afora, estabelecendo rico manancial de tradições populares. O temperamento de cada núcleo social permanece registrado nessas características dos habitantes, nos modos deles responderem aos desafios, situações, oportunidades.

Contaremos, neste texto, duas tiradas espirituosas de Manoel Favela, figura típica de Crato, meio urbano onde cumpriu, na segunda metade do século anterior, o papel de homem simples, gente do povo, devotado à música através da secular Banda Municipal, assíduo frequentador das rodas alegres nas noites boêmias, possuidor do senso aguçado de humor inigualável, restando, na memória do tempo, momentos raros de sábia convivência.

Bem cedo, certa manhã, enquanto mordia com gosto um desses pães quentinhos, saborosos, recém-saídos do forno das padarias, se viu perante as  exigências de uma amiga, que lhe disse em tom reprovativo:

- Mas, Favela, você comendo pão no meio da rua?!

O músico nem pensou direito e, à queima-roupa, sentencioso respondeu:

- A senhora quer bem que eu vá alugar uma casa só para comer esse pão?!

A propósito, segundo me contou Mazim, noutra ocasião, também ao encontrar antiga conhecida, Favela se sujeitou a ouvir um tanto de coisas a respeito da influência dos corpos celestes no dia a dia das pessoas, o que há pouco ela descobrira entusiasmada.

Nesse papo, a mulher, estendeu o quanto pôde aquele conversa no encontro com o amigo. Falava na Lua e suas diferentes fases. Explicava os efeitos magnéticos do astro nos partos, marés, colheitas; na determinação do sexo das crianças; no equilíbrio emocional; fluxo das mulheres; corte de madeira; na força do clima, chuvas, estações; etc. 

Depois, olhando para o céu escurecendo no final da tarde, recortado as formas sinuosas da Serra do Araripe, que viajava nas nuvens quarto estreito de lua, perguntou:

- Favela, sabe me dizer se essa lua é nova?

Perdidos nos pensamentos de outras preocupações, colhido na interrogação, sem identificar de todo o que acabava de escutar, Favela calculou na idéia o jeito melhor de não decepcionar, e se saiu com essa:

- Comadre, nova, essa lua? Uh! Pelo que sei, não é muito nova, não, pois desde menino que avisto ela no céu. A não ser que a senhora ache que sou novo. Vai precisar de boa vontade, mas... – depois, tranquilo, seguiu em frente.

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