terça-feira, 6 de janeiro de 2015

A balança da sorte

Conta Heródoto, em História, que Ciro, rei da Pérsia, convencido de sua liderança e fiando-se no sucesso de muitas e inquestionáveis vitórias, após dominar os Babilônios, decidiu guerrear contra os Masságetas, povo respeitado pela bravura, que ocupava a maior parte da vasta planície além do rio Araxo, a leste do mar Cáspio.

Depois de recusar proposta de casamento do emérito comandante, Tómiris, soberana do país, lhe negou acesso nos seus territórios. Ciro, então, mandou erguer uma ponte e fazer torres nos batéis com que pretendia dar acesso à outra margem do rio, revelando propósitos firmes de imediatas ações de conquista.

Ainda buscando manter a paz, a rainha enviou emissários ao rei pretendendo negociações. No entanto, caso houvesse tanta insistência para lutar, que ele desmanchasse a ponte que construíra, e os dois povos se defrontariam a uma distância de três dias do leito do rio. Ou que Ciro recuasse suas tropas três dias para além da outra margem, aguardando carga dentro dos próprios domínios.

Ouvidos assessores, avaliadas cogitações, em obediência às recomendações de Creso, conselheiro principal, estabeleceram os Persas que cruzariam as águas e usaria um ardil; deixariam no campo de batalha, a olhos vistos do inimigo, suculento banquete de carne, vinho e outros quitutes, prazeres ignorados pelos Masságetas, população pouco afeita ao luxo e ao conforto da rica Pérsia.

Desse modo realizou-se. À frente de exércitos vitoriosos, Ciro atravessou o Rio Araxo e avançou um dia no território pretendido, montando acampamento, e, nesse ponto, deixando as piores tropas que dispunha, em seguida voltando à retaguarda.

O filho da rainha Tómiris, Espargapiso, e um terço dos guerreiros masságetas vieram ao combate dos efetivos ali abandonados, os quais venceram com relativa facilidade. Depois disso, refestelaram com sofreguidão nos suculentos partos e na bebida adrede expostos nas barracas do campo, depois do que tombaram caídos pelo vapor traiçoeiro do álcool. Naquela hora, de surpresa, chegaram os outros persas e dominaram esses inimigos, prendendo o príncipe no meio deles.  

Ciente das trágicas ocorrências, a rainha indignou-se com aquilo e conclamou que Ciro devolvesse-lhe o filho, logo se retirando do reino: Se não o fizeres, juro-te pelo Sol, senhor dos Masságetas, que te saciarei de sangue, por mais sedento que dele estejas, vistas as palavras de Heródoto.

O rei, porém, ignorou a determinação. O príncipe, refeito da embriaguez, vendo-se cativo dos Persas, pediu que lhe tirassem as algemas. Ao ver-se livre, com uma espada, pôs fim na existência, perante todos.

Sabedora dos sucedidos, Tómiris reuniu seus soldados e confrontou as forças invasoras na mais famosa (batalha) até hoje travada entre bárbaros, segundo o Pai da História.

Durante horas extremas, os dois clãs opositores pelejaram de igual para igual, sem qualquer esmorecimento de ambos os lados.

Afinal, prevaleceram os Masságetas... Quase a totalidade dos persas sucumbira, inclusive Ciro, abatido no auge de vinte e nove anos do resplendente triunfo que obtivera no poder.

Cessada a luta, Tómiris mandou trazer da praça de guerra o que sobrara do corpo do rei, mergulhando-lhe a cabeça em um balde cheio de sangue, dizendo:



- Embora eu esteja viva e vitoriosa, tu me desgraçaste, fazendo meu filho perecer por um cobarde estratagema; mas eu te saciarei de sangue, como te prometi! – afirma o clássico grego.

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