quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

A andorinha e o elefante

As histórias tornaram-se recorrentes, a exemplo desta lenda hindu. Ouvem-se (leem-se) daqui, dali, dacolá, os contos tradicionais que passam de mão em mão, transmitidos quais sementes replantadas de frutos saborosos, na multiplicação efetiva das coisas boas. A narração que ora urdiremos possui esse valor característico, razão de suas tantas divulgações, tornando-a patrimônio coletivo noutros lugares além da cultura indiana donde provém:

Certa vez, incêndio de proporções monumentais grassava na mais distante das florestas do reino. O fogo lambia, com ventos rápidos, árvores seculares imensas, a espantar o silêncio e calcinar verdes vegetações. Labaredas de proporções descomunais seguiam as trilhas das ramagens vivas pelas folhas secas acumuladas no tempo. Estalidos. Berros. Desolação. E as lonjuras do manto indefeso distorciam-se na aflição dos bichos alucinados, sem pouso, sem norte, quais lentes de horror, presas frágeis, para escapar da fogueira instalada no mundo selvagem antes apenas calmo, contínuo.

Meio exótico de cenas febris, o império da miserável destruição parecia querer a todos dominar, crivando de cinza e dor as coisas fugidias, tão neutralizadas pelas tintas azuis, derramadas do teto infinito do céu, na tarde circunstante.     

Enquanto isso, uma andorinha voava que voava, indo e voltando no igual percurso das asas incansáveis, a obedecer velocidades trepidantes. Descia em mergulhos pontiagudos ao fundo lago e se molhava demorado, sobrevoando, em seguida, vezes e vezes. Nessas voltas, chegava bem no prumo do fogaréu, sacudia as penas em esforço descomunal para qualquer animalzinho minúsculo. Ao secar, reencetava a mesma jornada rumo das águas, de nova a encharcar o corpo franzino que repetia...  

Nesse ínterim, de longe, instalado na ravina confortável das imediações, elefante adulto, pré-histórico, reparara na atividade frenética da pequena ave e suas repetidas viagens. Então, aproxima-se corpulento, e refletido pergunta:

- Por que tanto empenho, dona Andorinha? Por quê? Diga só! – insiste o gigantesco animal. - Para nada o que fazes, pois vi, noutras ocasiões, iniciativas semelhantes. A senhora sabe, tanto quanto eu, que essas míseras gotículas do seu trabalho inútil jamais irão conseguir apagar tanta fornalha; por isso, as matas tornam-se impróprias, perdidas.

- Sei, sim, camarada Elefante. Sei, sei – quieta respondeu a andorinha. – Porém não me conformo diante das limitadas condições. Ajo de acordo com minha dimensão reduzida. Faço a parte que me cabe. Cada um dos senhores bichos que trate urgente de, também, fazer a sua parte. Daí, decerto, um dia melhorarão as condições e diminuiremos os incêndios desse tipo. Venha, vamos juntos, vamos!...

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