quarta-feira, 29 de maio de 2024

No labirinto das palavras


Cercados de desertos imensos, escaldantes, eles atravessam a estrada dos destinos na ânsia dos sonhos. Farnéis dos mais pesados sentimentos às costas, contemplam ao longe o itinerário que vive dentro si e mergulham feitos senhores da ilusão nos mares do depois. São eles certas vezes; noutras, meros fazedores de motivos a seguir, olhos fixos nas certezas vagas. Mesmo assim continuam jornada adentro, operários da imaginação que os alimenta. Lá seguem eles sempre, caravanas e caravanas sucessivas dos habitantes do mistério dagora.

A todo momento, quedemo-nos, pois, a contemplar os acontecimentos e bem ali estão de braços fixos nos afazeres da sorte. Entre eles e nós existe apenas o senso das palavras, seus sentidos, detalhes de absolutas interpretações que movimentam as telas em volta na circulação dos automóveis ruas e ruas, sombras e luzes das madrugadas perenes. Olhamo-nos interrogativos, enquanto escutamos o som cavo das estrelas distantes pelo céu.

Mesmo qual, os argumentos têm de continuar mundos em formação que sejam. Derivamos dos segredos guardados, das regras de um jogo em ação de quantos buscam desvendar os dotes da Natureza que nos transporta. Sabem, sim, porém apenas dos aspectos às vezes menos valiosos. Nisto, elaboram lances prodigiosos a serem avaliados lá adiante, no abrir dos firmamentos, que isto aguardam ansiosos perante o inevitável.

Fortes dramas significariam, não fosse tão só variáveis adequadas aos parceiros em ação. As emoções fervem por dentro das armaduras. Surpresas que constam dos roteiros fervilhantes. Novos inventos, novas dimensões, tudo sob os auspícios de um Mago fervoroso que lhes visita a cada era durante colheitas e plantios, de inverno a inverno. Sabem disso, talvez, contudo blefam, não deixando entrever nas suas falas o momento exato quando acordarão dias e dias transcorridos.

A realidade, ao seu modo, virá da certeza guardada, porquanto inexistem saídas além da que avistam, ainda que parcialmente. Na verdade, visões da própria consciência que trazem consigo no Amor, na paciência e no desejo da esperança. Abrem nas manhãs os céus da presença e esquecem dos sóis que deixam atrás em todo momento, das luzes que já brilham forte na aurora que virá em um instante exato.

O gosto de ser assim


Essa mão que me passa pelos cabelos leva para dentro de mim perguntas insistentes que não querem se acalmar diante do estágio dos acontecimentos. Um frêmito de ansiedade retém o andar das coisas. Passos lentos de surdos fantasmas calam nas paredes da noite. Insistência de reconhecer os limites da consciência. Portas que se abram e mostram formas adversas de estágios antigos. Mesmas interrogações pouco ou nunca respondidas, repetidas quais batidas prolongadas de sino sobre a cabeça adormecida, claros alongamentos de questões arcaicas por vultos cinzentos. Sombras a lutar consigo mesmas, na procura das respostas esperadas. E um ritmo lerdo nas nuvens de pó que sobrevoam velhas arcadas de convento carcomido, eco estridente no velho casarão das almas em desfile monótono. Turnos disformes, tropel de poeira esfumaçada, névoa densa contra cores luminosas. Pisoteio de manadas em fúria. Novas experiências de arrancar disfarces interpostos nos ombros suados de massas dominadas por ventos adversos. Gritos alarmados. Soldados perdidos em florestas agressivas. Sonhos de promessas estrangeiras. Lúgubres pelotões exangues, abandonados em estradas lamacentas. Turnos vagos de pássaros em fúria. Aves migratórias que voam no verão pleno, em volteios alongados, melancólicos. Seres apressados  descem os véus escuros da noite coberta de estrelas luzidias. Ausência de saudades, na calma e no frio. Hordas bárbaras retomam o firmamento da memória e indagam detalhes antes esquecidos. Existissem rios que corressem no ar e práticos atores avançariam com seus instrumentos de busca e decerto recolheriam as cordas soltas dos helicópteros de resgate. Nada disso, contudo, importa mais, em face das previsões incertas que esqueceram nos corpos os animais, perante a feira de sofridos elementos enviesados e inúteis. Patrões, operários, indústrias, efetivos militares. Notícias débeis. Conflitos abismados. Sonata suave esfarela notas de encontro aos paredões da serra. Mostras externas de sagrados corações. Folhas secas. Desertos aquecidos. Água a escorrer dos tetos escuros, pontes e flandres amassados nas bordas, a deixar entrever as cicatrizes quase imperceptíveis de batalhas registradas nos calendários das borracharias, nas estradas cobertas de húmus e telhas desenhadas de lodo. Alfabetos misteriosos, fórmulas mágicas, ritos insistentes, sacerdotes embriagados. Naves aceleradas em alta velocidade. Panos jogados nas correntes em movimento. Sentimento exigente. Cândidos sinais de melhores dias. Multidões que se arrastam, na pista quente escura. Óculos, silvos, postos de combustíveis, iluminados, tambores cadenciados... Chances de amanhã, imagens que se sucedem a deslizar pelos dentes. Surpresas de sal e açúcar, açúcar e sal. Surpresas... Cálidos campos silenciosos em noites de lua clara. Mantos esverdeados no imenso do horizonte, mas que dançam feitos bandeiras de longos pelotões em marcha. Janelas fechadas. Rostos alertas. Olhos que, vivos, se abrem,

terça-feira, 28 de maio de 2024

Hora de sonhar acordado


Tempo de tudo, face ao movimento dos astros pelos céus. Quantos acontecidos em forma de realidade, porém meros desencargos de consciência das gentes de se livrar e nem querer jamais. Esses feéricos  feixes de histórias que significam esgotamento de fase, também indicam o início de novas previsões e profecias. Parto de novas dores, diante do desencanto em elaboração contemplamos os céus. Desde mínimos detalhes, o que tinha de ser assim foi. Espécie de largos recursos em fim de era, os humanos viajaram em multidões e agora vem de volta aos limites das experiências conhecidas.

Lembro de quando falaram em aldeia global, face aos meios de comunicação em crescimento. Disso, previu-se estabelecer até onde pudessem avançar. Algo semelhante a descobertas anteriores, do mais pesado que o ar, por exemplo, matriz da aviação. Lá de antes, a invenção do automóvel, do rádio; telefone, imprensa, roda, agricultura, etc. Enquanto habitávamos um limbo em formação, milhões de vozes organizaram o destino que hoje impera.

Agora, ouvimos falar em Inteligência Artificial, qual possível fosse que não viesse de nós mesmos, dos seres ditos  pensantes. Graças ao poder de invenção da raça, estamos aqui; ainda que maquinassem as armas, o poder destrutivo fez seu fogo. Bom, de conformidade aos instintos. Querer dominar, sujeitar os demais aos caprichos de indivíduos selvagens. Todavia, a braços com a necessidade mais urgente dos valores, das gerações, animais racionais definem essa fome de viver ao sabor do desejo, bem que importa a todo momento.

São as extremidades do imponderável que sustentam a caravana de tantos rumo ao que vier, uns contentes, outros à espera disso. Com isto, avizinhamo-nos do território da Fé, aonde viver-se-á os frutos da evolução do tanto que aprendemos, seguimentos claros das leis que determinam o instante desta hora.

segunda-feira, 27 de maio de 2024

Era uma vez

 

Isto de querer contar histórias bem significa vontade extrema de preservar o que se foi... e nunca mais. Chega quase sempre no escuro das noites essa fome incontida que existe de continuar o tempo em si qual fator de sobrevivência da espécie; um desejo enorme de ouvir pela primeira vez os contos orientais, as mil e uma noites, Aladim e a lâmpada maravilhosa, O tapete mágico, Ali-ba-bá e os quarenta ladrões, etc. Sonhos assim tais sumiram na voragem, feitos bichos ariscos nas florestas ausentes.

Certa ocasião, participei de uma oficina de contos e quis iniciar as histórias sem usar o Era uma vez, no que contestou a professora, a defender com força a ideia de que as histórias só devem começar a ser contadas desse jeito único, se não deixariam de transportar a pureza dos entes originais que as fizeram da primeira vez. Sei que me rendi àquele argumento, porém imaginando um modo de abrir espaço a outras criatividades naqueles inícios de contos.

São tantas as vivências que dariam quantas e quantas noitadas e filmes. Depois é que vieram os contos clássicos dos autores que admiro, Kafka, Tchecov, Maupassant, Machado de Assis, Alphonse Daudet, Luís Borges, Cortázar, O. Henry, Hemingway, a espalhar movimentos que ficariam eternos na literatura; longas viagens a marés desconhecidos. Com os volteios na imaginação, ali fixaram permanência pelas paredes da memória, e volta e meia, na mesma intensidade dos argumentos dos filmes, alimentam estados de alma dali adiante.

As palavras vivem disso, do desejo aflito de continuar a qualquer custo pelas veredas que nos levam a sonhados destinos. Inexistisse a arte nem saberia dizer a que viemos, pois, face a face dos sumidouros e das rochas cinzentas deixadas ao acaso. Tudo, então, pedaços guardados entre as dobras dos roupões amarelecidos, largados fora nas ruínas. Essa busca constante de um sentido a tudo ocasiona os gestos humanos e alimenta o mistério vivo de que somos parte. Mais seremos do que fomos um dia. Era uma outra vez... os instantes esquecidos.

domingo, 26 de maio de 2024

Os senhores da guerra


Quer-se comentar aqui uma notícia que repugna e clama justiça, por demonstrar a deficiência que caracteriza as ações coletivas de povos seguidos, desde tempos de passado mais remoto, quando se conhecia quase nada do que ora se conhece. E ainda hoje governantes de países ditos civilizados insistem na destruição do semelhante, sobretudo menos aquinhoado, sob pretexto frio de domínio econômico, na mistificação de paz que nunca chega.

Queres a paz, prepara-te para a guerra, diziam os romanos. Enquanto tais atitudes ganharam foro de regularidade as cartas imbecis dos dominadores, o Planeta sofre e se arrasta, às vistas inúteis da grande população alienada.

A essa comédia de erros em que se transformou a sobrevivência do ser humano na Terra somem-se as recentes providências quanto à indústria das armas atingir proporções jamais registradas na História. O poder de fogo e destruição das formigas humanas ameaça até as futuras gerações, nas marcas deixadas com a guerra. Nesse passo, qualquer leigo sabe da fragilidade de sua opinião particular tímida, que perdeu determinação nos resultados.

A multidão, quando se reúne para comemorar em largas euforias, nas praças, nos estádios, comemora o quê, ninguém sabe, nem pára, querendo responder, porquanto virou só um número financeiro nas vendas, nos mercados bêbados da farra homérica que parece a tudo envolver e destruir.

Chega de guerra, pois ainda existem chances de viver. Há que se aguardar o mínimo de sensatez para reverter o quadro dantesco em que se transformou a segurança entre as pessoas. Já que a resposta não nasce da multiplicidade e dos líderes mundiais, que possa aflore de cada um de nós, na luz da transformação individual.

(Ilustração: Segunda Guerra Mundial).

sábado, 25 de maio de 2024

Só o amor é eterno

 

Às vezes lembro de quando entrávamos nas sessões das 16h dos domingos do Cine Moderno, em Crato, à busca de ver os filmes de sucesso, na maioria norte-americanos ou europeus, que chegavam antes nos cartazes apostos nas vitrines, a nos deixar de água na boca. Uma emoção forte nos levava a isto, querer saber o que vem depois. De almas em punho, na sala escolhíamos orgulhosamente as cadeiras e aguardávamos o toque característico da sereia ao instante de iniciar a função cinematográfica.

Daí viajávamos mundos afora, na ânsia de obter o tão sonhado prêmio que aclamasse o desejo do novo, do belo, do real, nas virtudes cênicas. Sempre era isto, ao final saíamos assim meio tontos aos primeiros claros da noite, caminhando de volta à casa. Íamos digerindo as histórias, por vezes dramas sem solução, aventuras errantes, epopeias intermináveis, tudo no sabor daquele tempo das produções que circulavam o mundo em latas vazias de maiores sentimentos, motivos de dúvidas e apegos. Eram os ídolos de outras terras, doutros valores; quase a transpor as barreiras do mistério e tocar as nossas faces arredias e distantes, noutras terras.

Tentas esperas foram ali desfeitas; quantos romances inacabados rebobinados em fitas; expectativas de novos sonhos, amores derramados pelas luas grudadas na memória. Ora vejo, então, o quanto de ocasiões as transportamos no ser, dias afora; acontecimentos fortuitos que vêm e vão ao sabor de nossos passos vacilantes, expectadores fieis dos destinos individuais. Os mil recomeços de belas quermesses, agora feitos tão de uma única história sem fim. As músicas, os romances, contos, lembranças acesas de nunca mais apagar, no coração da gente.

Fortes instintos de encontrar conosco próprios numa dessas esquinas dos séculos que nos carregam em seus braços perenes, metálicos. As pessoas, inúmeras fisionomias a contemplar o longo trecho do caminho pelos céus. Isso dos reinícios continuados, dias e dias, cada vez de horas intermitentes, magnéticas, imaginárias, febris. Enquanto que apenas forcejamos de leve as portas do Infinito, qual quem virá em seguida logo termine a exibição dos roteiros da dúvida e habitemos o território dos felizes eternos.

(Ilustração: Casablanca, sucesso de Hollywood).

sexta-feira, 24 de maio de 2024

Restos de ontem


Isso de escrever impacta semelhante a vícios, mania dos dependentes compulsivos. No ar, um chamado qual das vezes em que chega o desejo de comer um doce de leite caseiro, uma goiabada, pensando no prazer do copo d’água a lhe sequenciar. Ou mesmo de uma fruta tirada do pé, uma manga jasmim, um caju, cedo, de madrugada. E nisso o ímpeto de transmitir palavras impacientes, às vezes desobedientes, ânsia de lançar esporos ao vento das moções saboreadas e suaves.

Quase um release da função da psiquiatria, na vida de quem a pratica como instrumento de libertação, há que se conhecer de tudo, ou fazer espécie de esforço continuado de virar folhas secas das estradas e olhar o que se esconde embaixo, na busca constante dos "porquês" infinitos; há que se...

Nada vejo de oposto ao gesto puro e simples de virar essas páginas dos livros da vida, da história, no dia, a cada novo tempo. A propensão incontrolável de conhecer e apreciar o âmbito multiforme dos caminhos, nessa jornada em linha reta do berço ao túmulo, tantas vezes percorrida quantas necessárias, a formular os conceitos definidos da real libertação aos padrões além da dimensão gelada dos passos conhecidos.

Saber, saber e saber mais um pouco, até entornar o copo da seiva vital dos conexos... A revelação de todos os diademas do mistério e suas esferas longitudinais, ficcionais, imaginárias... Esgotar o possível nas malhas do indizível.

Saber jamais ofenderá. E saber de si próprio, nos divãs ou nos estádios, ou mesas de bar, cheiro a flores metálicas, trilha luminosa das matas do Inconsciente em chamas. O perfume apaixonado da mulher amada e seu hálito silvestre, permissivo, fagueiro..

Existe mais coisa que só se saberá no contato do diálogo. O atrito das humanas relações fala do silêncio que pode sorrir em gesto de matéria prima do definitivo querer. Quer-se, no entanto, extremar quando impõe nas costas de dois ou três pensadores o peso das respostas às perguntas que insistem rasgar a cada momento o tempo e a máscara da dor de toda gente, perante as interrogatórios da vida, nas paixões, nos desenlaces, tragédias, dramas, religiões, hecatombes, transmissões de pensamento, esculturas abandonadas nos campos destruídos pelas guerras sucessivas dessa velha humanidade de boca machucada aos urros da tortura e impulsos de vítimas e convulsões.

O mistério dorme nas teias da noite longa, em forma de espectros e monstros agressivos, nos frutos azedos da aventura inacabada. Caberão sempre outros dramas, no palco sumeriano, remelento, do paleolítico atualizado nas resenhas de hoje. Poucos desvelam suas mesmas faces das próprias limitações, contudo serão esses tais que romperão os laços derradeiros da Eternidade, nas luzes da alvorada festiva do depois.

Quero crer aqui vislumbrarmos as disciplinas válidas de quem pode nutrir de calma o ouvir das estrelas e seus representantes, até quando pacificarem o entendimento das luzes na ciência verdadeira.

quinta-feira, 23 de maio de 2024

O senso do Absoluto


Ainda que a largas penas sejamos isto, aprendizes de algo do definitivo absoluto, mesmo assim arriscamos criar insistentes conclusões e teorias e espalhá-las ao vento. Elas, que preenchem de solidão este lugar de exílio onde habitamos. Parcas vezes aceitamos com plenitude no sentido que buscamos. Ligamo-nos demasiado aos prazeres fugidios, apegos, às aventuras fantasiosas, aos espetáculos que varejam o picadeiro das horas. Dormimos e acordamos sob o manto das variadas estrelas a corrermos atrás, conquanto as mistificações e os supérfluos, quais ideias insistentes daquilo que pudesse vir a ser, e gastamos multidões inteiras deixadas às margens do rio que passa distante.

Nisso, algo se superpõe ao nexo das causas e dos efeitos, e esquecemos da velocidade com que o Tempo administra os princípios em volta. Tais soberanos de uma suposta liberdade, viajamos ao sabor das atitudes e, logo ali adiante, nos submetemos ao desaparecimento sistemático. Simples quais frutos em amadurecimento, fazemo-nos intitulados e vaquejamos admiradores.

Bem isto, buscadores de significados, dotamos a existência de balangandãs e fitas ao sabor do impossível. Meros rastreadores de meizinhas, lustramos as estradas com nossos passos e deixamos rastros de saudade que somem nas próximas curvas. Porém pesam as penas do que se deixou de fazer ou do que fora feito ao frescor dos instintos animais que cortam a carne dos seres.

Outros de nós, no entanto, sustentam as raízes de novos sonhos, mergulham a perder o fôlego nas águas do futuro e somem das vistas, largando soltos pensamentos e lendas, histórias e filosofias, que alimentam o desejo da certeza impaciente. Somos cada um dotados dessa fome das cores e quedamo-nos sobre as raízes secas do passado. Enquanto isto, sabe-se à frente o Ser soberano que enxerga além do enigmático e aguarda o instante solene do quanto ora acontece antes e depois dos invernos e das gerações. Quer-se, pois, chegar a ver o Senhor da Razão e abraçá-lo de uma vez por todas, certa manhã de qualquer dia destes.

segunda-feira, 20 de maio de 2024

O que ser de tão pequeno


O homem de Deus é um ser coberto de andrajos, / o homem de Deus é um tesouro em meio às ruínas.
Rumi

Nalgumas vezes, quando cessam as canções lá de antes, algo cresce diante do silêncio e quer saber o que virá logo em seguida. Talvez meros sinais ainda em processo de elaboração, que deixam entrever presenças esquisitas e fantasmagóricas pelas nuvens cinzas, de quem busca aproximação, no entanto ciente, talvez, do quanto ainda resta do momento exato de serem abertas as comportas do Paraíso.

Espécies advindas de nem se sabe onde desenvolvem, pois, estratégias necessárias ao cumprimento de finalidade adredemente preparada nos autos celestes. Chegar-se-ão lentas, assustadas consigo, mesmo perante os céus que lhes contemplam desde os primeiros raios que previram o instante exato dessa compreensão.

Nisto, face a face com o movimento das pulsações, outros significados já demonstram o empenho da própria Natureza em cumprir as contrições ungidas no Tempo até aqui. Às portas de expectativas ensurdecedoras, contingentes numerosos de transeuntes fazem morada junto de cabanas e acendem fogueiras, à espera do quão aguardado há milênios e vasculham os ares. Doutro modo que ocorreria invés de extremas providências que crescem e depois somem qual num passe mágico.

Portanto, os habitantes do Chão inconscientemente sabem disso, das horas fixas da Criação, e sustentam práticas quaisquer, no intento dos sonhos que somem no nascer do Sol. Mas pressupõem largos intervalos nas trilhas que os sustentam, passadas infinitas gerações. Isto vez que nada de novo ocorre ao sabor das horas e do transcorrer dos acontecimentos rotineiros de então..

Assim, de olhos entreabertos ao inesperado, palavras deixam supor desejos e sortes bem aos sabor dos prazeres imediatos e das surpresas que ora advêm pouco a pouco.

Algumas noites da Bahia


Havia sempre o que agitar nas noites de Salvador, no tempo em que lá vivi e posso contar, anos da década de 70. Eram ocasiões plenas dos chamamentos de uma cidade maior e cheia das diversões e alternativas mais diversas. Visitei pessoas, lugares; assisti a espetáculos teatrais, musicais, folclóricos; percorri festas de largo, exposições artísticas, palestras, festivais de música, cursos, museus, filmes, gama de permanentes novidades inesgotáveis. Em movimentos contínuos, sobremodo aos finais de semana, jamais reclamaria de rotina ou monotonia, caso avaliasse o período, considerando, no entanto, a saudade que mexia comigo, por dentro, na ausência que sentia de minha família, dos amigos caririenses e das belezas que aqui deixara, o que marcava as lembranças, quisesse ou não. Agora isso acontece no sentido contrário, ao rever pela memória aqueles tempos de tantas presenças marcantes e alegres, súbito deixadas para trás no turbilhão das circunstâncias, ao regressar e aqui permanecer.

Enumerar os principais argumentos das histórias passadas chega como instrumento de analisar algumas delas. Uma noite, no Teatro Castro Alves, por exemplo, assisti ao Balé da China, mostra de música e dança que, de tão longe, veio ao Brasil com grupo formado por mais de 200 figurantes, festa de cores e movimentos que preservo nos arquivos das maiores emoções. Enormes figuras mitológicas chinesas e evoluções impressionantes envolveram a platéia entusiasmada, numa apresentação sem termos comparativos.

Por volta dessa mesma oportunidade, chegaria também o Balé do Senegal, que utilizou as dependências do ginásio de esportes Antônio Balbino, trazendo danças típicas africanas, executadas por centenas de homens e mulheres, em trajes, ritmos autênticos e quadros sucessivos, superlotando e sacudindo o público feliz, turnê que viajaria o mundo inteiro naquela ocasião.

Outras dessas gratas reminiscências ficam por conta de peças e shows musicais montados no Teatro Vila Velha, sempre palco de apreciados eventos, onde se encontravam os amigos e conhecidos da época, pessoas que se relacionavam através dos interesses artísticos e culturais, quando pude admirar grandes valores da nossa música popular, quais Milton Nascimento, Gal Costa, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Ivan Lins, Jorge Mautner, Gonzaguinha, dentre outros.

Visto gostar de cinema, usufrui ao máximo as chances de ver filmes raros, no Cine Clube da Bahia, no Instituto Brasil - Alemanha e no circuito comercial, comparecendo a exibições, festivais e seminários.

Então, nestas pinceladas rápidas, quis resumir a rica gama do que experimentei de um turno baiano e suas situações, o que preservo com afeto no íntimo depósito da memória, resultado de caminhadas vividas, e bem vividas, da existência.

domingo, 19 de maio de 2024

O cantar do coração


A literatura dos interiores distantes traz em si um charme especial de quem sofre sozinho em meio às coisas que acontecem longe, no dia-a-dia do código interno da vida sob sete chaves, na alma calada, indagadora, febril, viajante nas encostas dos relevos imaginários, em sobrevoos de largas praias, no seio do coração, paixão crua de viver isolado e amar ainda assim sozinho.

E nisso o poeta vira doutor de ciência inatingível pelos dedos da fria realidade. Peregrino de estradas desertas, examina cada urze e cada pedra às margens. Mergulha nos prados da alma, abre portas de castelos infinitos, abraça o próprio peito e consigo as multidões, mártir da mesma ausência que confronta barreiras e o tempo, suas brisas abissais de madrugadas insondáveis.

Criar do nada, sentir o pulsar das veias e decodificar palavras guardadas em gavetas bolorentas, atirar às futuras gerações punhados de sementes douradas. O poeta e o território dos homens, missionário das grandes navegações do furor dos indivíduos tempestuosos, espécie de cobaia no seu estado mais puro de ausências.

Raimundo Elesbão de Oliveira nos conta tudo isso em versos dotados de afirmações interrogativas de momentos agitados do ser. Suas aventuras espirituais as deixou gravadas em forma de notícia-tradução aos pósteros que só hoje revelam passos que deu na memória de uma época que se foi, a outras gerações, em formato de livro.

Artistas sonham. Amam. Artistas nutrem ideias, utopias, realidades tangíveis. Não lhes cabe produzir bombas, metralhadoras, aviões de combate, tanques, fome, divisões.

Hoje, ao seu tempo, a literatura propicia trabalhar a ciência nos seus níveis tantos, rumo ao potencial da infinita criação, transformando-os em seres válidos, amigos, irmãos entre humanos, a fim de construir sociedade nova, sem ganância ou competição exacerbada, livre dos atuais derramamentos inúteis de sangue. Tudo perpassa o senso do estético e disponibiliza constante mudanças de inspiração. E sentar e transferir ao papel valores dignos, naturais, democráticos, das possibilidades em partilhar o amor com as outras criaturas, dando exemplo de clareza no que pese a luta insana cotidiana. A arte qual mágica de sonhos realizáveis pela força vital, a pleno dispor da fértil natureza, meios efetivos, abertos ao público em profusão de cores, distribuições, suportes.

Seus filhos e netos sentem a responsabilidade disso para com alguém inspirado, que foi o avô e pai consciente, a registrar contrito os refolhos grandiosos da paisagem íntima em palavras, gestos de interpretação, testemunhos inalienáveis do que presenciou no dedilhar das eras contínuas. Transferem com isso o compromisso de personalidade eminente para o seu meio, a cidade de Araripe, no Cariri cearense, com atitudes clássicas e visão avançada, chance única dos que viveram naquele contexto e não mais existem a não ser nas descrições esmeradas de Raimundo Elesbão, a deter a escritura de seu posto de observação, a corrosão da imperenidade dos séculos impacientes.

Falassem as pedras e restariam semelhante angústia de autores e suas palavras prenhes de poemas e extrema verdade.

Eis por tudo isso o que este livro (“A vida e o verso”, lançado no dia 24 de outubro de 2009, em Araripe CE) quer guardar, o melhor perfume notado de um senhor a um só tempo mestre, tabelião, conselheiro, filho, esposo, pai, avô, amigo, autor, em comunidade interiorana do sertão do Nordeste, escondida nos socavões da Serra do Araripe, cheia de tipos inesquecíveis, dignidade provinciana e inspiração à flor da pele, nos tantos mistérios de realidade multiforme. Estes versos lhes falarão disso com carinho e continuidade, esperança de que outros reavaliem o penhor do sonho de tempos ricos em paz e solidariedade brejeira. 

sábado, 18 de maio de 2024

O sabor do inexistente


De vez em quando me vêm essas considerações, de ficar escafruchando os mistérios dos mistérios à busca de sonhar dentro do sonho, qual se possível. Isso de vagar pela imensidade e saber que algo persiste além de tudo às nossas vistas. A força viva da imaginação, de esquecer o passado e vasculhar o futuro. O senso de si na vaga de um mar que transcende o fugir das visões e desvendar no Infinito o bem aqui perto, no mesmo instante de mergulhar nas ausências e guardá-las no coração da gente.

Dessa procura informe é que nascem conceitos, ideias mil, religiões, filosofias, lendas e crenças. Uns que contam daquilo que percorre a si e decodifica à sua própria concepção, partejando certezas coletivas de tantos na cata de si entre letras e palavras; nas relíquias, nos achados arqueológicos, nas florestas petrificadas.

Todos sabem disso um pouco e o trazem consigo debaixo das vestes cerimoniais. Dizer e querer que ouçam, independente do que seja. Só no falar que outros compreendam e alimentem os próximos e os dias. Bem no mundo das avaliações internas. A força do pensamento, das energias que circulam tudo quanto há. Raras percepções individuais fazem isto; suprem as carências de um poder que lhes sustentam as ilusões adormecidas.

Conquanto disto conhecedores, ainda insistem nas aparências imediatas e sobrevivem a todo custo no imaginário popular. Senhores do abstrato das existências, acreditam na carne e nos seus devoradores. Quer-se pernoitar nessa urgência de viver, eis função dos que compõem o quadro das dúvidas que sustém as gerações. São tantos gestos de mergulhar nesse universo da Consciência que muitos necessitam voltar tantas vezes ao palco e refazer cenas esquecidas que ficaram aos pedaços. Agarrados aos estilos antes aceitos naqueles antigos personagens, no entanto. Bom, vir e revelar a essência que trazem no íntimo, porém que ouçam o vento no fervor da Eternidade, a cada passo.

sexta-feira, 17 de maio de 2024

A longa espera de um náufrago


Que inigualável o pensamento!... De um momento a outro, formam-se nuvens de imagens e apontam no horizonte as palavras, quadro nítido a contar o que isso quer dizer, no trânsito filosófico de conceitos, à pulsação de significados. Existência quer falar, neste mar sem fim. Os endereços das mensagens abrem portas, pedindo clemência, num fervilhar de ancas, dançarinas fogosas de lábios convidativos, e descem pelas veias do instante a seiva de persistir, diferente de quando o barco afundou, largou tripulantes no alto mar, ou em meio aos rochedos afiados de continentes escuros, ou areias escaldantes de ilhas desertas, indiferentes projetos ilusórios que antes alimentavam sonhos fantasmagóricos, perdas largadas nas ondas por náufrago agarrado a vida incógnita qual derradeira esperança irresponsável.

Vem o Sol, vem a Lua, as Estrelas, dias e noites pontuais... Popas distantes de outros barcos passam ao largo inalcançáveis... Chuva... Vento... Uma lâmina impaciente de vagas brilhantes cobre de espumas cinzentas narinas ofegantes.

Boiar sobre escombros, agarrado aos laços de cordas rotas, língua seca e lábios tostados, marcas purulentas de esverdeadas escamas lhe cobrem a pele. Nisso, luz intensa perfura-lhe os olhos, enquanto a pulsação das águas fustiga o flanco do destino à deriva, ritmo de canção entranhada na memória sem qualquer sentido, que persiste no oceano de inconsciente sonâmbulo, vadio marulhar forte na caverna dos ouvidos.

Lento esperar por quem nunca avisou que chegaria aos comboios próximos das circunstâncias possíveis... Porém mandara subscrito inevitável demonstrando a obrigação de viver enquanto no peito sacudir o tambor do coração...

Ao apagar das luzes do verão absurdo, fogo-fátuo indiferente crepita o infinito da planura e saltam mechas derradeiras de poente, cenário próprio ao delírio da sede que lhe corrói as entranhas, aviso pegajoso do trilho comum a todos os seres vivos.

Retornam, através da sensação, espasmos frios de gotas saltitantes, desejo apreensivo de rever a família reunida em torno do pão, à mesa do jantar, quando filhos se divertem com menores assuntos. Ouvir o futuro, abandonar asas ao crepitar sereno das tardes simples, solenes, espaço das certezas que fogem, fagulhas amolecendo na brisa de ausências que apenas aguardam outras combinações de letras e argumentos, exemplos eternos da cena seguir em frente, maior do que meros organismos que se dissolvam.

Essa espera também domina o Universo; aves resvalam terras douradas, às vezes bem aqui, outras distantes, reforços do instinto de sobreviver, contenção da indesejável solidão do cérebro tostado no calor das tempestades da alma. Dormir bem que acalmaria por algum tempo o impulso de levar aos outros aquela aventura vivida, e ver outra vez nascer o dia.

quinta-feira, 16 de maio de 2024

Marcas do tempo II


Os ídolos de cada geração falam de perto disso, do quanto deixaram de sinais na nossa pele no decorrer daquilo que vivemos até hoje. Quais voltássemos a transitar naquelas horas que sumiram, com isto regressam emoções, as lembranças, aulas inteiras do visto e do vivido. Lá nalgum lugar da gente permanecem acondicionadas em fardos indeléveis, tais troncos retorcidos de árvores petrificadas, o que seremos nas memórias. Civilização de um a um, naufragamos pelos becos do tempo que passou feitos fantasmas na busca de sentido. Muitos, quantos, tantos.

São imagens, sons, melodias, cores, sustos, contradições, lembranças profundas do que gestou a nós mesmos, essas esculturas talhadas no mármore do Eterno, depois largadas no chão das almas que o compomos.

Daí vêm saudades, anseios de, quem sabe?, sonhar no vazio que ficou após sumir de tudo no mundo dos objetos. Reconhecer pessoas, entes silenciosos que preenchem as ruas, de cabelos esbranquiçados, vozes roucas, olhos vagos, interrogações fartas de tanto caminhar. Restam, às vezes, pedaços informes nos derradeiros filamentos de jornada que varejam o Destino e logo adiante apagam no seio dos mistérios.

As manhãs, tardes, noites, falam das lendas de antigamente no ciciar das matas, nos animais que gritam pelas encostas da Serra, isso que deixa sintomas das vivências nos céus e nos corações. A reviver, dorme tão só nas aparências e nos desejos. Perante o teto das consciências ainda passeiam todos que conosco estiveram a qualquer momento. nessa estrada longa, infinita, tal seja, o calabouço das visões.

Contanto sejamos, pois, meros autores da nossa história, ali construímos um quanto de aventuras lavradas fora nesse dizer das indagações que o seremos desde sempre. Das heranças de que fazemos parte, moram nas criaturas humanas o princípio universal da perplexidade, e senhores do ser que ora somos, tocamos levemente os braços desta infinitude e adormecemos outra vez.

terça-feira, 14 de maio de 2024

O perfume das flores


A gente para um pouco de escrever e lá qualquer hora vem de novo a velha disposição de juntar nas palavras querer dizer algo que nem eu sei o que seja. Antes imagino qualquer título, As raízes do inesperado, Leis que vagam pelo Universo, Lugares comuns, etc. E nisso a estranha vontade que fala de dentro, querendo contar dalguns sonhos, dalgumas ideias soltas das emoções dos dias, tais assim. Impulsos de trazer de volta o passado que, rápido, circulara e arrastara tudo em volta. Mesmo desse jeito, o vento faz de novo com a disposição de embelezar o mundo face ao perfume agradável das flores, e por si só conta de tudo aquilo que existe vivendo na alma do Tempo. Longas revelações do mistério de sorrir que persiste, independente do que acontece nas horas lá de onde venham, que demonstra a existência de histórias ou de alguém maior que os próprios acontecimentos.

Com isto chegam as razões que explicam, o poder que também temos de construir nossa história no presente. Refazer as expectativas antes assustadoras e agora possíveis, diante das sementes que lançarmos ao chão dos instantes. Construir, pelas mãos individuais, o direito de ser feliz, de obter amor doutros corações, de reviver os tão falados dias melhores que ainda hão de vir lá numa ocasião adequada, desde que obtenhamos o justo mérito de receber em retribuição.

Houve, certes vezes, no transcorrer da minha história, momentos de dor e dúvidas, porém as vertentes de fazer diferente do que fizera e dera naquilo que dera agora vejo de um modo do quanto poderemos estabelecer, na atualidade, o que pretendemos de nossas escolhas. A sorte de revelar a si o grande lance de produzir resultados auspiciosos, longe dos frutos amargos daquelas ocasiões deixadas à toa  que voltaram em forma de cicatrizes. Saber disto bem perto das nossas alternativas oferece meios raros de transformar pesadelos em alegria e sustos em flores.

domingo, 12 de maio de 2024

A voz do Inconsciente


É que mesmo quando as palavras nada digam, elas querem dizer, sim. Falar dos impossíveis de alguém que nem sequer ainda existe, pois vive adormecido sob os trastes de tanto ouvir dizer nalgum dos hemisférios deste ser que arrasta a cauda pelos desertos das vidas de onde dormem. Ele, este albergue das noites em claro, mora consigo durante existências inteiras e dele tão só escutamos, longe, os balbucios. Conquanto cercados de mil detalhes de um todo, colhemos apenas rápidos lampejos daquilo que queremos contar e de que quase nada ouvimos. As pegadas ficam, pois, gravadas nas paredes do coração e sempre despertamos de um nada que conhecemos daquilo que ele, o Inconsciente, nos havia dito a pano solto, no entardecer das gerações, o que, no entanto, de ninguém que fosse a fala doutro universo. Dois que calam o que querer narrar, porém numa linguagem difícil, truncada, face a face com os rochedos em volta.

Nessa procura desencontrada, seguem todos, ou alguns que fossem. Vultos fantasmagóricos de lendas absurdas, sobem ao teto das ausências e de lá mandam seus recados aflitos. São sonhos, impressões de viagem, revivescências de tempos inexistentes, meros aspectos em forma da herança que chega todo momento; sussurros da outra margem da gente mesma. Olhos que nos veem lá de dentro e fogem na pressa rumo ao desconhecido imediato. Ao final, resta a fome de sentir que fere e de novo aguarda melhores dias de poder, quem sabe?, descrever aquele país imaginário que habitara as condições humanas.

Assim tem sido perante os céus. Vontade intensa de, afinal, rever o coro dos contentes, outrossim dotada de pouca ou nenhuma disposição de fugir da realidade imediata. Há qual o que um ente amorfo em formação no ventre dessas horas que passam. Ali estariam levas inteiras de fantoches na forme de conhecedores embriagados de destinos informes. Somos isto, perseguidores da Luz no jeito de viajantes esquisitos, assustados da própria consciência neles em formação. A barreira dos ouvidos calados, incólume, se abe aos poucos peregrinos à margem do Infinito.

sábado, 11 de maio de 2024

Cores mais fortes


Surpreendentes e livres, feitas chapéu voando arrancado pelo vento das madrugadas impacientes, palavras disparam no ar pedidos fervorosos de socorro, busca súbita de outras cabeças onde repousem pensamentos clandestinos. Aliás, pensamentos talvez digam pouco para expressar o ímpeto do coração, nessa indefinição entre as trilhas do desejo e a matéria elaborada no forno da cabeça, para chegar à boca mecânica, indiferente, sensória. Isso justifica, pois, que esteja mais para sentimento, invés de pensamento. 

Daí, na intenção original de querer falar, espécie de exanguidade em lua de mel, quando, por mais se insiste conter o desejo permanece, o coração anda cauteloso, sem querer abrir asas de liberdade após experimentar emoções contraditórias de velhos desencontros. A presença dela, no entanto, encheu de oxigênio puro o peito; as fibras dos pulmões atrofiados, na limitação oficial da rotina, voltaram a folegar com gosto. Compactados nos fios de pedra dos cânones, apenas seguiam sonhos nas doses permitidas em rodas familiares, beijos de mão e leves afagos, nos braços descobertos da etiqueta. Nada que ultrapassasse a censura das impressões alheias comprometidas.

Nisso, ela invade faceira o salão de baile das noites dimensionais e rasga com gosto as fibras da cor de jambo dos tecidos cardíacos, rompendo no gesto o império bizantino do medo casto dos regimes ditatoriais.

A primeira imagem que ressurge depois no minadouro das ideias seria, qual movimentos da penetração solar na fímbria virginal do horizonte, fala de albores e lindas manhãs de luz; intensas paixões desarvoradas. Laivos vermelhos, com riscas alaranjadas e pomos de amarelo brilhante, cercados de brancos e precisos limites metálicos.

Ela, um dia de manhã, agora beleza sem precedente dos gestos inevitáveis da alvorada. Havendo guerra, convenções, incertezas humanas, ela explosão de suavidade gravada profunda por dentro das paredes internas do infinito. Divina gazela no jardim do Paraíso, andar macio no meio de cactos, boninas, luares, marmeleiros, zumbido solto de linguagem cifrada, cumplicidade sideral de abelhas, riscos e desenhos magistrais das perfumadas flores, nas vestes esvoaçantes dos corpos esculturais.

Existem, sim, os refolhos do mistério que abrem suas portas caprichosamente. Espécie de ser que desperta enovelado em líquido amniótico dos partos recentes, mexerem de corpos no exercício da existência e acostumar em si o primor das possibilidades. Distende a silhueta enigmática no gesto único harmonioso de incertos passos e ombros que se erguem à certeza.

O coração, por sua vez, amacia o impacto dos primeiros raios sobre a superfície de cores vivas, quais pétalas azuis de largos beijos; deixa encrespar suas águas serenas aquecendo a pele na lúcida imagem do céu que contorna de ramagens verdes o nascer bem devagar; e desperta feliz no dia de sol intenso.

sexta-feira, 10 de maio de 2024

A ouvir a si mesmo


Às vezes saio correndo atrás das ideias quais se viessem a desaparecer logo ali na próxima esquina, e mesmo assim elas desaparecem furtivamente quais nunca houvessem existido. Espécie esquisita de seres que dão de cara comigo, ficando assustados quando quero romper as cascas que os envolvem, e somem tais vagalumes largados à imensidão das noites. Isso já remonta as cordas invisíveis de tudo que ocorre aos meus momentos; e parecem fluir das máquinas de um poder impossível que existe nalgum lugar aonde quero chegar um dia. Mas que existem, existem, sendo só saber disto insuficiente a provar do quanto fico aguardando resolver a qualquer ocasião. Nisso, nós, aqui, seus meros expectadores, efetivamos diferentes oferendas mil, fascículos do que vêm e vão, serviçais do Destino sob o manto das miragens sucessivas. Andamos entre dois espaços, também agora inexistentes, o passado e o futuro; pelejamos conosco próprios, à busca das portas que venham sustentar de vez o fio invisível das horas que passam bruscamente e, na voragem, nos esquecem.

Tudo, porém, diante de nossos mesmos olhos acesos, que apenas fitam as garras do espaço, instrumentos do aparelho digestivo dos instantes ora cativos; pessoas, laços de sonhos em forma de minúsculos autores de histórias inesperadas, furtivas, fugidias. Contamos os únicos trocados do soldo que recebemos, pisamos cascalhos inextrincáveis dos ontens ausentes e adormecemos aos acordes das melodias que tocam no silêncio da alma, entre o céu e a terra; duendes nas florestas do mistério, dedilhamos leves harpas imaginárias e solfejamos as notas do Infinito ao nosso ver e resistir.

Quantas vezes aguardamos supremas revelações que fossem, no entanto reviramos nos lençóis as horas de madrugadas inteiras, nos desejos que sustêm a fome dos apegos e da saudade. São gritos fortes, distantes, que ecoam pelas quebradas do firmamento. Vultos silenciosos tecem ali segredos, na crosta da consciência, e somem feitos quem desde longe ainda sobrevivesse aos caprichos da sorte. Semideuses doutras dimensões, chegam e saem pelas mesmas frestas de onde vieram; criaturas lendárias, símbolos das lembranças do que consigo sumirá na mais pura inexistência, e ainda assim permanecem afeitos à memória dos que viverem outro tanto. Afinal só o Tempo nasce, sendo ele o motivo de tudo quanto haverá de absoluto hoje e sempre.

quinta-feira, 9 de maio de 2024

Abrir a cortina do Eu


Venha comigo. Vamos juntos erguer a barra do horizonte e vislumbrar algumas imagens resistentes a esquecer. Parei, ouvi ruídos e flagrei circulando sorrateiras nesse espaço que habita a fronteira de mim com a memória, algumas ideias do mundo divisório, transcendental, filhas infinitas do ativo das horas e do ritmo trepidante lá no sótão pegajoso das pausas que pulsam sem parar, limite de coisas e inexistências.

Essas nuvens tradicionais de palavras conhecidas, sentimentos às vezes impetuosos, impacientes poças d’água espalhadas ao longo do caminho, deslizavam ligeiras em propulsão acelerada sob pés indecisos desta sombra que passa numa velocidade selvagem, cativa de atitudes ferinas, a conduzir fragmentos ao final de vários dias, causando reviravoltas no céu, algazarra festiva de andorinhas alegres, inconsequente bando afogueado de colegiais no intervalo das vidas.

Formas de juventude eterna, momentânea. Tudo possibilidades juvenis, sonhos afinados com o vento, feira livre de escorregadias ilusões, lógica perene de turmas de formação e contextos impostos por saltimbancos autoritários, na cena que se abre ao expectador sequioso de nós próprios, riscos, papéis, recordações, arquivos jogados fora, lama fermentada de velhos aniversários e alucinada comemoração.

Com isso, a vontade farejava encontros novos, cruzamento genético de letras e sentido, forçando com bravura o pulmão do parágrafo e gerando blocos consistentes de valores, na alma dos calendários, marcas doridas, atos contidos de luzes, cicatrizes, aventuras, pontos assustados no azul do firmamento, corpos suados de notas musicais e pinceladas agressivas, sonhos absurdos, sementes plantadas em outra dimensão, calada, quieta de querer, dentro das dobras dos corações celerados. Energia que circulava toda a pele do momento, tatuagem de cascas de árvore estóica, vítima do imprevisível carrasco pontiagudo, fagulhado, passado de folhas secas na cascata das eras, tintas e sons assoberbados de dúvida ao impacto da emoção cristalina.

Com passos calculados, cuidadosos, de fera na busca do alimento, ações sincopadas, o espectro arrisca estender mãos no oco do imediato e lota de influência cada aspecto no seguinte do imaginário, e avança clandestino pela greta entre as moléculas da ânsia, corredor vazio diante da sequência dos acontecimentos, película dirigida autor genial, mestre do inesquecível e sábio todo imortal.

De pronto, cresce nos olhos clínicos um tato suficiente a florir de esperança fumegante o desejo, na areia da permissão, ainda que, consigo, traga germes de interdição, todavia, consistente qual meteoro enlavecido na farra vertiginosa da transformação dos impulsos em matéria prima, metamorfose de açúcar em sal, mel em pólen.

Houvesse circunstância favorável, abrir-se-ia a cortina num volteio de brisa, aos acordes do silêncio adormecido na leveza do mistério. Então, luvas crispadas, nervosas, romperiam a vitrine da memória, e poemas e prosas jorrariam em traços e sílabas, silvos e gemidos, inundando a antessala do furor, lívidos atores do espetáculo do alvorecer, e pediriam à orquestra que jugulasse a noite com fanfarras maravilhosas. Entretanto, o pano só se renderia aos metais, largando desenhos conclusivos no ar platinado, sonoro, carrancudo, da presença do senhor e soberano do inevitável tudo Isso.

terça-feira, 7 de maio de 2024

Quando nasce a fé


Diante da ausência total das condições de seguir, a bem dizer face aos limites da condição humana, subjugados a todas as impossibilidades com que se defronte, nesse momento exato dali advém um despertar verdadeiro que tranquiliza e sublima, pondo-nos a braços com potencialidades até então desconhecidas. Tantos que falam disto e demonstram este valor universal, presente em quantas civilizações, tocam o coração e despertam à nova chance de oferecer o alimento à alma e renovar as forças de existir que desconhecíamos. Qual fronteira talvez intransponível do caminho, prova extrema da imaginação e da continuidade, forças vivas entram em cena, assim revigorando a vontade e o sonho de tocar adiante e achar de vez a felicidade do presente procurada há tempos.

Esgotadas as perspectivas de seguir, algo sobrevive e revolve valores espirituais na consciência, além das bases comuns do pensamento. Com isto, virá à tona novo ser, propiciando superação dos obstáculos e oferecendo alternativas até então inatingíveis. Os filósofos, místicos, profetas, falam disso com frequência, da perseverança da alegria e dos meios de vencer fardos e fardos que compõem histórias de dor. Uma luz acenderá, pois, aos olhos da presença viva.

Enquanto que larga margem de pessoas apenas desistem de caminhar, alguns atravessam abismos profundos e constituem outras estruturas que os levam a reanimar a ânsia de domar as restrições e encontram o ímpeto de prosseguir, e convivem noutro universo, a superar os desafios e as provas.

Quiséssemos observar os exemplos dos que reconstroem suas jornadas de uma forma sublime, conhecer-se-á demonstração indiscutível do Poder maior que a tudo domina. Busquemos, portanto, tais derivações e a Salvação habitará o ser que ora somos, num refazimento inefável da certeza de um Pai e Criador que nos aguarda a cada instante no exercício pleno da razão de estarmos aqui, e desvendará conosco o segredo essencial do que existe. Eis a certeza de Deus.

Alimentação de qualidade


A base da saúde guarda estreita ligação com aquilo que as pessoas ingerem às refeições, numa afirmação óbvia por excelência, contudo por demais ignorada, esquecida todo tempo, haja vista a grave patologia clínica dos dias que passam, nestes turnos contemporâneos.

Houvesse cuidado necessário no que tange aos alimentos e a qualidade da vida chegaria próxima dos valores da natureza, que o costume denomina felicidade, a pedra de toque de todos os instantes da história humana. Reduzir-se-iam os custos governamentais com a saúde pública, o consumo deslavado de substâncias de duvidosas finalidades minguaria ao mínimo, a aparência das pessoas reclamaria gastos desnecessários em beleza artificial e o humor do cotidiano exigiria menor esforço de contemporização e paciência.

Portanto, saber se alimentar, o que parecer até paradoxal dizer isso, tornar-se-á a cada tempo fator de sobrevivência e saúde, sem o descaso dagora, quando excessos de açúcar, sal, acidulantes, corantes, conservantes, tinturantes, frituras, anabolizantes, invadem os lares e o drama do mal-estar da civilização faz contraponto nos corredores dos hospitais superlotados e das ruas abarrotadas de insegurança coletiva.

Saber se alimentar, também, é gênero de primeira necessidade, assim cremos pela observação.

segunda-feira, 6 de maio de 2024

Tempo certo de viver (Conto zen)

Ainda pequenos e eles revelaram igual vocação para a vida religiosa.


Filhos de pais pobres, os dois irmãos venceriam com ardor a oposição firme da família e buscariam o convívio dos monges, nas encostas íngremes em que se destacava dos penhascos, de acesso quase impossível, o secular monastério da província chinesa onde habitavam.

Empenhados que chegaram, prosseguiram afeitos ao serviço contemplativo, ora ordenhando as cabras, cumprindo tarefas na lavoura, nos jardins, na limpeza das celas, petição de esmolas, viagens, cuidando de canteiros, videiras, orações, meditação, cozinha, banheiros, etc.

Exímios instrumentistas, cantavam e tocavam nas cerimônias fúnebres e nos dias de festa; sempre alegres, dispostos, amigos.

Naquele lugar de tradições, conservadas sob sete chaves em armário vetusto, existiam algumas peças de rara porcelana, patrimônio só entregues ao zelo dos noviços de maior confiança.

Lá um dia, o mestre superior houve de empreender distante missão, largando por algumas semanas a rotina comunitária.

Ao irmão mais moço coube, nesse período, a manutenção das louças, quando, pesados seus esforços, escapuliu-lhe dos dedos fina tigela originária de perdidas  dinastias e presente do Imperador aos primeiros devotos.

Gelado, sem cor, arrastando magoados temores, o discípulo correr à procura do irmão mais velho e contou-lhe aos prantos o infausto sucedido. Este levou o caso ao chefe do templo, que debulhou extensas admoestações e ameaças.

Passados alguns dias, o superior retorna ao mosteiro. Logo no dia seguinte, antes mesmo de entrevistá-lo o chefe do tempo, compareceu à sua presença o irmão do noviço que quebrara a preciosa tigela, para indagar:

- Mestre, toda pessoa que vem a este mundo passa, ou não, pelo fenômeno da morte?

- Morre, sim, qualquer de nós. O próprio Buda vivo cumpriu dita experiência – respondeu.

- Certo, compreendo – seguiu o noviço: - E as coisas, mestre, entes esses que habitam as outras existências, animais, vegetais, minerais, objetos inanimados, também descrevem o itinerário da morte?

O mestre, percuciente, fixou os olhos absortos no vazio distante e, depois de poucos momentos, definitivo retornou:

- Sim, sim! Toda existência temporal cumpre as três fases limites de nascer, viver e, um dia, desaparecer nas sombras inescrutáveis da ausência de qualquer forma.

- Por isso, diante do desaparecimento das gentes, bichos ou coisas, cabe-nos, sem revolta ou constrangimento, aceitar o que acontece nas surpresas desta vida, assim podemos concluir? – prosseguiu.

- É a pura verdade pensar do jeito que disseste.  

Bem nessa hora adrede preparada pelo futuro monge, sorrindo maroto, ele abriu as bordas do hábito e apresentou ao superior os cacos desfalecidos da antiga tigela que transportava às escondidas junto do corpo, daí afastando-se reverencioso.

sábado, 4 de maio de 2024

Infinitas dimensões da saudade

E quando menos se esperava, fenômenos meteorológicos de forte sofreguidão arregaçavam janelas e invadiam a sala da frente da calma e lá nos víamos escolhidos pelos cantos, em trajes menores, fastio a dominar o sentimento, frio esquisito na boca do estômago ao menor sinal da presença do invasor matreiro, atualidade e voz embargadas, quando ouvia um som tremendo dentro, nagente, sede e fome devorando as próprias entranhas, isso de assistir filmes de amor, ler romances largos, de aventuras secretas, marcas feridas no seio em brasa do coração irresponsável...
Vendaval infinito de possibilidades desses que sacolejam as bases da realidade, ritmo febricitante desnorteando passos do por si só já vacilante, redemoinhos varrendo terreiros, arrancando árvores e roupas de varais coloridos, nas telas do Cine Moderno às 4h da tarde, em sábados divinais... Claros movimentos semelhantes a tumultos planetárias de finais de era, consequências inimagináveis das histórias guardadas no íntimo, suadas, escondidas na inocência original.
Bom, esses espasmos imprevisíveis do misterioso sentimento sujeitam pessoas e coisas, livres das previsões, a consultar peregrinos do motivos que provocam-lhes tamanhas alterações de pulsações em tão diminutos territórios, sob o impacto ambiental de inúmeras envergaduras, a permitir perguntas insistentes, libertas e escravas e avassaladoras de circunstâncias, na audácia que se estabelecem nas praças de guerras bem defronte da porta principal – comandantes em chefe do regimentos a indicar dedo acusadores de encontro a peitos doloridos de prisioneiros, quais inquisidores nas salas de tortura, com a frases recorrentes na ponta da língua, no velho remorso embalsamado em forma de ameaça:
- Até onde chega o direito humano de amar e viver todas as contradições da paixão, contudo evitando pagar os tributos além da sobrevivência do ser na saudade?
Em poucas e noutras palavras, quais as fronteiras da emoção? Em que estação fatal depositaram os humanoides seus trastes guardados no baú das boas lembranças e que não pretendem sofrem com isso as sobretaxas do desespero, nas barreiras alfandegárias do percurso vida? Quantos laços de amabilidade caberão em um único tórax?
Resumindo, caro leitor, e, por favor, me espere só mais um pouco, responda comigo: É possível amar sem limite, ainda que se acha o benefício da dúvida, eximindo-se da culpa atroz de seguir adiante com a trilha rumo à eternidade?

Quantas normas imperam fatídicas no arcabouço dos tempos que, em certas horas, apresentam nítida confusão entre querer e poder, dentro do berro cardíaco das animosidades em luta ciumentas?... Amar com gesto simples, palavra doce e versos acetinados, gritados aos quatro ventos nas amplificadoras da mágoa dorida nos murmúrios de antigamente, inconsolados murmúrios de Maysa em letras de Dolores Duran? Quantas, meu amigo e minha amiga?... Quantas?... 

 


sexta-feira, 3 de maio de 2024

As fronteiras do ilimitado


Mormente seja assim, entretanto persistimos indefinidamente no instinto do absoluto que perpassa tudo quanto há. Ver. Sentir. Continuar. Missão por demais estonteante, porém cheia da imensidão que nos arrasta mares adentro, portos sem conta, aos nossos olhos da imortalidade. Existir. Coexistir. Imaginar. Duendes das florestas virgens, cá todos tocam adiante o anseio inigualável de revelar o Universo e habitar em volta de lagos calmos, silenciosos, abismados nas almas em movimento.

Bem isto este ser que o somos dotados de dúvidas, contudo alquebrados caminheiros das jornadas à frente, que seguem as eras perante códigos inscritos nas cavernas do Cosmos. Lá longe, essa fila imensa de personagens que ainda não marcaram de luz as consciências, dentre elas a própria. Vultos aferradoa aos conflitos da carne, outrossim afeitos aos sentidos, presos à fragilidade e aos sonhos. Fôssemos rever os arquivos das memórias e sentiríamos de novo o sabor da Eternidade no apego dos sinais que trocamos conosco às margens desse rio que corre pelas nossas veias.

Este ser que nos compõe, arcabouço do destino, pisa lento as areias do mistério e alimenta o gosto, certo dia, de superar seus limites. Descobrir o ritmo que lhe traduz e construir paz dentro de si, conquanto apenas isto trará a felicidade plena. Semente de perfeição portanto mora consigo durante todos os filmes, livros e séculos.
Tais senhores da realização do Sagredo, adia, na trilha do Tempo, a ocasião disto inteirar nos planos que desde sempre carrega no íntimo. Quais autores da Luz, tão só espera que presencie o instante da certeza, a superar toda dor e as aparências, e avistar o Amor definitivo.

quinta-feira, 2 de maio de 2024

Jesus na Sinagoga


A existência de Jesus nas terras palestinas demonstra, através de passos objetivos, a finalidade a que viera sob planejamento superior bem definido, pautando-se nos livros preservados pela tradição de Israel. 

Em um episódio acontecido na cidade de Nazaré da Galileia, isso após ser batizado por João Batista nas água do rio Jordão e vencido as tentações dos quarenta dias no deserto, certa feita Jesus revelou aos judeus, no templo, a sua missão salvadora.

Era dia de sábado. Retornava à cidade em que fora criado. Dirigiu-se à sinagoga, aonde pessoas compareciam para adorar a Deus e ouvir as escrituras. Segundo o costume, alguém se levantariam para ler. A si fazê-lo, e passaram-lhe às mãos o livro do profeta Isaías.

O trecho que coube dizer continha a seguinte afirmação: O Espírito do Senhor está sobre mim,/porque me ungiu,/para anunciar a Boa Nova aos pobres./Enviou-me a proclamar a libertação aos cativos,/e, aos cegos, o recobrar a vista;/a mandar em liberdade os oprimidos,/a proclamar um ano de graça do Senhor, (Isaías, 61, 1-2).

Enrolou de volta o pergaminho sagrado, devolveu-o e sentou no seu lugar.

Conta Lucas que os presentes à assistência fixaram nele os olhares, ouvindo-o acrescentar que naquela hora se cumprira o que acabavam de ouvir.

Tomados de admiração, testificaram emoções benfazejas ante as palavras que ouviam de sua boca. Lembraram, então, das suas origens de filho de José, anterior vivente da localidade.

Enquanto Jesus, por sua vez, buscava reconhecer as naturais dificuldades em admitirem nele um profeta na sua terra, avaliava que alimentavam indagações do porquê de não praticar iguais e espantosos fenômenos havidos na cidade de Cafarnaum, sabidos deles todos, de autoria de Jesus.

Nas suas palavras, Jesus considerou a destinação de cada coisa na ordem circunstancial das ocorrências divinas, citando dois momentos, na vida do profeta Elias, conduzido à casa de uma viúva em Serepta de Sidônia, invés de noutra direção, e na do profeta Eliseu, a curar o leproso Naamã, e não quem quer que fosse, justificando o merecimento de cada um para receber o quinhão correspondente das maravilhas verificadas noutros lugares.

As afirmativas coerentes causaram constrangimento na multidão. Tomados de furor, arremeteram-se contra ele, levando-o de roldão para fora da cidade, ao cimo do monte sobre o qual se achava ela edificada, dispostos a lançá-lo de encontro ao precipício.

O Divino Mestre deixou-se conduzir pela turba insana só até o instante determinado. Mas, passando por meio deles, Jesus seguiu o seu caminho, conclui o evangelista.

quarta-feira, 1 de maio de 2024

Sideral


Alguns dos filmes que me aparecem mais recentemente trazem com insistência o tema de final dos tempos, de viagens interplanetárias, naves a céu aberto à procura de estações espaciais, cidades abandonadas, solidão, isolamento, qual quisessem prever o que plantaram no meio deste mundo. Isso porque, enquanto as carências de existir pedem socorro, os maiores apenas fabricam bombas, sofisticam os instrumentos de destruição, dos maiores lucros, de juntar troços a qualquer custo, numa descarada ação gananciosa, tal se vivessem em planetas diferentes daquele que amarguram nas consequências disso.

Numa repetição imbecil, os ditos governantes das superpotências avançam no bolo da Natureza feitos gaviões famintos à busca das presas. As notícias tão só multiplicam as duras ocorrências sertões afora, deixando margem de avaliar limite tal seja dalguma era semelhante ao que falavam os profetas nas suas litanias. Um arcabouço nada abençoado vive pendente no ar. Lucros. Alucinações políticas. Desvarios. Farras. Perversões. Isto ao sabor das limitações humanas vidas e vidas.

Fôssemos tangenciar apenas o quanto ainda padecer das próprias sandices e ver-nos-íamos, sim, nas garras do abismo, porém quero me ver, incontinenti, diante das leis poderosos de uma plena Justiça que a tudo conduz. De acordo ao que mereçam os humanos, assim será, pois. Há um nível coletivo e o nível individual. Quem tiver compromisso haverá de receber seu preço, no devido momento.

Vejo nisto o curso invariável dos acontecimentos. Perante dramas ora devassados, virão os frutos do que seja real e definitivo, sem máscara ou perjúrio. Em nenhum momento fugir-se-á do que escrevemos no transcorrer dos séculos. Eis em que resumo a presença dos dias face a face com as escrituras. Até hoje inexistem meios outros que não sejam de aqui permanecermos e desvendar os mistérios de encontrar os marcos da perfeição através da consciência que todos, sem exceção, trazemos conosco.