segunda-feira, 19 de maio de 2014

Minha mãe

Quando casou, em 1944, ela deixou a casa de sua avó, em Crato, e foi morar com meu pai em Lavras da Mangabeira, no sítio do sogro, meu avô Amâncio Lacerda Leite, numa fazenda típica do sertão cearense. Lugar dotado de açudes, a casa grande dos ancestrais da família, engenho movido a vapor, situações de cana, algodão, feijão, milho e arroz. E casas de taipa dos moradores espalhadas em mais de 1.500 tarefas de carrasco e baixio. Curral. Gado. Chiqueiro de criação. Uma capelinha próxima da casa que meu pai construiu em outeiro defronte da antiga estrada Crato - Fortaleza, que cortava as terras.

Nesse pouso, permaneceria por dez anos, tempo em que vieram os quatro dos cinco filhos do casal.

Quando engravidara do terceiro filho, nos afazeres de ensolarada manhã, varria o terreiro da casa e se surpreendeu com a presença, nas imediações, de tio Edson, irmão mais novo de meu pai, que sofria de epilepsia. Vivia na fazenda coberto dos mimos de minha avó, a dar trabalho aos pais pelos caprichos que lhes impunha. Andava por volta dos 18 anos de idade esse tio, que dispunha do físico desenvolvido das pessoas adultas; olhos espantados, rosto bochechudo, roliço, cabelos escuros, aparados, conforme os registros fotográficos que existem.

No meio das suas manias, antipatizava minha mãe, causa da apreensão nas suas aproximações furtivas, cheias de surpresas e gestos agressivos, pois pouca reserva de tolerância demonstrava para com as pessoas. Perante mínimas contrariedades, se excedia nas proporções da reação. Existe a notícia de haver sustentado uma marrã de cabra pelas patas traseiras e matado batendo com ela de encontro ao chão.  

Desta vez, ao avistar minha mãe no terreiro da casa, lá de longe atirou banda de tijolo na sua direção, projétil que só pararia quase lhe chegando aos pés. Surpresa com o gesto descabido, ainda que recobrasse a tranquilidade seria vítima do susto e perderia o filho que carregava no ventre; abortou sem maiores apelações.

Um ano depois, em 1949, grávida de novo, na fase da gestação do sétimo para o oitavo mês, seguiu de montaria até a cidade de Lavras para, acompanhada de minha avó paterna e de uma cunhada, ir de trem a Aurora comprar tecido para o enxoval da criança a nascer.

Na casa de tia Nildes antes de viajar, nesse dia chegou o tio Edson já aborrecido por motivo de que seu cavalo de estimação haver torcido uma das patas. Exigia de imediato do cunhado, tio Expedito, outro animal. Aos gritos, adentrou o quarto onde viu minha mãe e outras pessoas reunidas. Incontinenti, aproximou-se e desferiu-lhe soco violento do lado da cabeça, jogando-a no solo.

Acalma daqui, acalma dali, chamaram uma parteira, por ausência de médico, que indicou chá de gergelim tostado como antídoto às possíveis consequências do abalo sofrido. Mesmo perdendo líquido, o que esconderia dos demais, fora na viagem programada. Ao regressar, se houve do jeito que pode também para retornar à fazenda, e se restabeleceu no suficiente de controlar a gravidez. Teria o filho no período certo.

Não demorou muito além desses acontecimentos e tio Edson morreria dormindo. Dentre as suas condenáveis peripécias, cegara um dos olhos da própria mãe, munido de canivete, nas atitudes desvairadas com que exteriorizava os instintos celerados.

Em 1953, a família fixaria residência em Crato, onde minha mãe, pessoa inteligente e aplicada, exerceu o ofício de professora da rede pública estadual, partilhando com dedicação seus conhecimentos na formação da juventude daquela época.

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