domingo, 18 de maio de 2014

He-Man

Surgido nas páginas dos quadrinhos norte-americanos, esse herói remonta os tempos dos castelos e lutas da mitologia nórdica. Porém o tipo circense, que passou pelas noites de Crato, na década de 90, nascera no Paraguai, filho de uma índia guarani com um pai cigano de origem soviética, de nome Lenine Alves Baptista. 

Avistei-o de primeira vez quando ele, sentado no capuz de um velho Opala, circulava pelo Conjunto Novo Crato, onde morei dez anos, anunciando as sessões noturnas do circo que levava o seu nome, montado na área da RFFSA. 

Louro, meio calvo no início da cabeleira, deixava os cabelos grandes escorrerem para trás e cair aos ombros musculosos. Rosto anguloso e avermelhado, guardava no semblante algo da ingenuidade infantil, num ar que se somava a corpanzil bruto, longo, 1,80m de altura, 95kg, 57 anos de idade. Ali se escondia o lutador experiente e bravateiro dos sopapos da noite.

Em trajes exíguos, calção de pele de animal, pés descalços, desfilava pelos bairros e centro da cidade à frente do séqüito de atores, convidando a população para o espetáculo onde desafiaria, num enfrentamento coletivo, turmas inteiras de adversários, todos de cada vez. Grupos de lutadores de academias e bairros periféricos aceitavam o confronto e punham-se no rinque, em prova de habilidade e força, no gênero de luta livre, vale tudo aos moldes das feiras medievais e arenas greco-romanas.

De comum, saíam diversos carretos aos hospitais, a cada apresentação. Eram adversários de ossos quebrados, machucados, cheios de escoriações, hematomas, luxações... Segundo consta, no que restou da memória desse tempo, ambulância até permanecia lá fora, de plantão para atender à demanda em consequência das pegadas do gigante louro das Américas; é pau, é porrada, é madeira de dar em doido, bradado aos quatro ventos no som do carro votante, nos fins de tarde, diante dos olhos atentos de crianças e adultos.

Nesse período, eu colaborava com Sérgio e Josane Ribeiro na revista Ceará New, vinda daí a idéia de entrevistarmos irmos entrevistá-lo, o que se publicou na edição dos meses de março/abril de 1997. Aquele artista mambembe que demoraria semanas com o Circo do He-Man em terras do Cariri, nos receberia com natural interesse. E soubemos detalhes da sua história e investigamos aspectos da sua personalidade. 

O que causou maior impressão naquela figura, fruto da mitologia pop do He-Man dos anos 90, redivivo no mundo interiorano, foi a coragem de afrontar pelotões e mais pelotões de oponentes num tempo só, sem, contudo, sofrer qualquer revés durante o período em que permanecera nos ringues.

As lutas eram acompanhadas por bom público entusiasmado e fiel, cujos gritos de longe se ouviam, das casas cheias, e não faltava quem registrasse em vídeo o desenrolar das cenas, para oferecer, em fitas VHS, através dos vendedores ambulantes nas calçadas do comércio central, no dia seguinte. 

Eis, portanto, instantâneo social de Crato da década passada, estabelecido por personagem itinerante e ligado às raízes do imaginário dos meios de massa do século XX, a merecer esta consignação. 

...

Lá adiante, alguns anos passados, soubemos da morte do herói na cidade de Ouricuri, Pernambuco, em circunstâncias adversas.



5 comentários:

  1. Muito show. Sempre quis saber um pouco mais da história desse grande personagem que muito abrilhantou nossa região com seu espetáculo de luta.

    ResponderExcluir
  2. Respostas
    1. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

      Excluir
  3. O crime aconteceu na cidade de Ouricuri, no sertão pernambucano, há 623 km de da capital, Recife. A vítima chegou à cidade no dia 26 de dezembro de 2008 para visitar os filhos que residem com a mãe, Aparecida (Cida). O assassino de He-Man, segundo relatos, é seu sogro Manoel Lacerda da Silva, que deu 5 tiros, todos pelas costas. Após o primeiro disparo, que atingiu a cabeça, He-Man ainda tentou fugir, mas levou outros quatro. Forte, como todos os grandes lutadores, o gigante ainda correu até o lote vizinho e caiu. Foi levado consciente ao hospital do município e logo depois foi transferido para Petrolina, onde ficou hospitalizado até o dia 08 de janeiro de 2009, quando veio à óbito.

    ResponderExcluir
  4. Alguem sabe me dizer sobre Fábio Michael que trabalhava nesse circo? segundo informações ele era o "homem aranha)

    ResponderExcluir