segunda-feira, 26 de maio de 2014

O Pasquim

Houve um tempo no Brasil, anos 60 e 70, em que as gerações concederam-se no direito de ir, vir e pensar. O País inteiro virara espécie de campo de concentração a sol aberto, diante de forças de direita arvoradas na tutela da sociedade. Então, as pessoas notaram que a realidade era excêntrica e nela predominavam os interesses mecânicos de aceitar aquilo imposto por sabidas influências com bases no combate sistematizado ao chamado Comunismo internacional, idos totalitários da Guerra Fria.

Nesse período difícil da história recente, se destacava, a meio do fogo cruzado de subversivos e aparelhos repressores, um jornal nanico que marcou época a servir de oráculo aos tantos que se perdiam pelas estradas existenciais do medo e da noite obscura dessa fase: O Pasquim. Seu primeiro número chegria às bancas em 26 de junho de 1969.   

Aqueles que vivenciaram tais contradições recordam nomes quais: Ziraldo, Jaguar, Luiz Carlos Maciel, Paulo Francis, Henfil, Ferreira Gullar, Sérgio Cabral, Flávio Rangel, Ivan Lessa, Tarso de Castro, Millôr Fernandes, Fortuna, Juarez, Zélio, dentre outros, time de profissionais que, inclusive, alguns deles, passariam pelas grades do regime, no auge dos enquadramentos oficiais daquela hora.

O Pasquim reuniria nas páginas de tabloide médio a fina flor da intelectualidade engajada na luta pelas liberdades civis, no decorrer do processo ditatorial. Ainda em finais da década de 60, após participar da Passeata dos Cem Mil, astros da Música Popular Brasileira (Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Geraldo Vandré e Edu Lobo, para citar os mais conhecidos), ver-se-iam na condição de exilados políticos no continente europeu, o que motivaria maior crescimento do jornal, dado o espaço que ele abriria a esses ídolos, em artigos e correspondências, a servir de desaguadouro das vanguardas culturais e da oposição política sobrevivente.

Através de O Pasquim circularam as modas inovadoras que dominavam os países desenvolvidos, trazidas pelos aventureiros sem pátria, que saíam a vagar pelo mundo, os denominados hippies, vagabundos românticos em voga, frutos das idéias resistentes do Existencialismo europeu, da Geração Beat americana e do crescimento do uso de drogas alucinógenas e de novos ventos que varreram o mundo em resposta ao desespero das guerras e ao agravamento da corrida armamentista entre os impérios. 

No seu bojo viriam também os conceitos do psicodelismo, das religiões orientais (Zen, Taoísmo, Sufismo), alimentação natural, em maior intensidade do que antes, quando só chegavam em formato acadêmico e das escolas lítero-filosóficas da segunda metade do século.

Memoráveis entrevistas, elaboradas de modo informal, evidenciaram o conteúdo de personalidades da cultura de massa vicejante e dos meios artísticos dos momentos críticos vividos, permitindo abordagens e interpretações na linguagem popular, ao gosto da grande população, o que transformou o jornaleco de aparências irresponsáveis no ícone de uma classe média vilipendiada, sem ideias próprias e destituída da autodeterminação, submetida que fora ao crivo do modelo político praticado naquele instante.

Após vinte e dois anos de oposição a quatro presidentes militares e dois civis, em 1991 O Pasquim deixaria de circular, ainda retornando, depois, com outras feições, em 2001, sem, contudo, lograr o sucesso da primeira vez, editando 117 números e fechando suas páginas em definitivo. 

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