sexta-feira, 16 de maio de 2014

A medicina da selva

No mês de junho daquele ano, Manu e Galvão, um mateiro que com ele abria a estrada de seringa do Guaribal, no meio de muita mata virgem e longe das outras todas colocações; ali ainda não tinham colocação certa. Distante do lugar deslizava o rio Jurupari, questão de um dia, ou pouco mais, de viagem.

Eles passavam o tempo no eito. De madrugada, saíam do barraco e só de manhã chegariam no lugar do trabalho. 

Naquele dia, deixaram de molho umas espigas de milho para quando, no fim da tarde, voltassem. Durante a noite, na véspera, haviam cozinhado jabuti caçado no caminho. Ficara, pois, mais ou menos encaminhado o comer de quando regressassem.

À tardinha, isto aconteceu. Manu ralou o milho e pôs em fogo brando na cuscuzeira. 

Produziram muito o dia todo. Com tudo pronto, arrumaram os trens do rancho e comeram jabuti e pão de milho na largura da boca, no custo da fome. Depois do jantar, resolveram dormir dando pouco espaço na digestão do alimento. Pegaram no sono solto.

Lá pelas tantas da noite, Manu acordou ouvindo gemido forte e repetido. O colega emitia sons esquisitos dentro do mosquiteiro, na rede. Gemia de fazer dó. 

Horas se passavam e nada de o homem respirar melhor, nem falava; mal gemer conseguia. Desaparecera o espaço de entrar ar nos pulmões. Empachado, se via, na luz escura do candeeiro, o bucho do homem que subia e descia, mais parecendo prestes a estourar. 

Ele, naquela aflição enquanto Manu, que na época começara a fumar e carregava fumo brabo numa bolsa de seringa, o chame da moda, dispunha de pedaço enorme de fumo de rolo. Vendo a situação do parceiro, lembrou de certa história que seu pai lhe contara, e perguntou:

 - Galvão, se eu fizer um remédio, tu bebe? – acrescentando: - Só vou fazer se você beber. Se não, eu também não faço, não.

 - Faça – ouviu resposta sair das entranhas do homem quase moribundo, lá longe da civilização.

 - Vou fazer chá de fumo – disse. Foi ao interior do barraco e reativou o fogo. Era algo em torno de uma hora da madrugada. Desfiou algumas peias de fumo e botou na chaleira em boa quantidade d’água. A beberagem log fervia. Ferveu bem. Pronta, com ela encheu até a risca um copo desses maiores e estendeu ao doente dizendo:
-
 Agora beba sem tomar fôlego ou querer saber o gosto. Daqui a dez minutos vem o resultado – porém já sabia que demorava menos.

Era sua única chance de sobreviver. O mateiro se achava nas últimas e engoliu o cozimento do jeito que pode. Nem procurou tomar fôlego. 

Ao bateu no estômago, a reação viria rápido, que embriagou na hora; demorou nada além de dois minutos. Não deu dele sair da rede. Bateu dentro e desonerou o estômago. Tanto vomitava, quanto defecava a um só tempo. Poucos instantes do movimento, a barriga murchou qual houvesse passado três dias sem comer nada. 

Na manhã seguinte, Manu iria longe buscar alimento mais fino, manteiga, queijo, coisa assim, no trato do paciente. Eis o recurso da cura que, na noite longínqua, dispunha a gente heróica nos seringais da Amazônia. 

(Episódio ouvido de Manoel Ferreira da Silva - Manu).

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