segunda-feira, 23 de setembro de 2024

O violeiro esperto

Sem mudar qualquer corda de sua viola nem quebrar um pé de verso, o violeiro sustentou por duas semanas, de rima e cantoria, toda aquela redondeza, na região dos Inhamuns. Larga maratona de intenso trabalho. Afinal vivia disso. Instalado na varanda de dona Tonica da Pitombeira, noites seguidas deslocara-se no jipe velho pelos terreiros dos sítios próximos e tome repente. A cada viagem, mais ajuntava em objetos, dinheiro ou mantimento. 

Bem que a garganta resistia suficiente aos gorjeios do poeta. De quando em vez outro parceiro dava o ar da graça, com ele dividindo as funções e a festa raiava no outro dia. Animação de ninguém achar defeito.

Na hora da cota, o custo das emoções, tudo quer era de economia dos matutos impressionados vinha nas tiradas do feliz violeiro. Sabia como poucos extrair pagamento. Qualquer coisa lhe agradava, desde imagens antigas de santo até lençóis fora de uso. 

Desse jeito, cevado nos confortos e quitutes da viúva e seu galinheiro afamado, dormindo as tarde mormacentas do estio, para, depois de um banho na represa do açude, o cantador reunir boa feira nas quebradas daquele sertão. Sua fama ia longe. Poucos rouxinóis de lenda juntaram tanta riqueza num espaço de tempo tão curto.

Na segunda semana, quando as prendas começaram a rarear, certo manhã, o homem deu-se por satisfeito e resolveu bater asas. Organizou o que arrecadara em queijos, licores, roçadeiras, cordas, pavios de algodão, jóias, garrunchas, gibão de couro, mel de abelha, esporas, adereços, munição, perfumes, chocalhos, o escambau a quatro, no dizer do povo. Arrumou a mala, ensacou a viola e decidiu voltar às terras do Cariri, onde iniciara o percurso.

Da porta do jipe, com o motor funcionando, falava despedidas melosas à dona da casa, em pé na calçada, quando porca magra, seguida de vários bacorins achou de cruzar o terreiro. As vistas do cantador se alumiaram.

- Dona Tonica, a senhora nunca teve vontade de me dar um bacorim dessa ninhada?  – assuntou cuidadoso.

A bondosa senhora, meio escaldada com os interesses do malazarte, generosa no entanto, por sua vez respondeu:

- Sim, senhor, meu poeta, não seja por isso. Se quer um, pode levar.

Corre daqui e dali, arrancaram da mãe o filhote que, posto na traseira do carro, grunia de causar dó.

Saiu desse jeito na estrada. Rodou pouco o violeiro, cem braças talvez. Botou macha-ré no veículo. Chegou igual com a casa da fazenda e buzinou:

- Dona Tonica, quanto vale mesmo esse bacorim que ganhei da senhora? – quis saber da paciente viúva.

Ao ouvir o valor que ela dizia, esse preço pediu pelo bicho e fechou o negócio. No lugar do animal escolhia levar o dinheiro, que a viagem ia demorar algum tempo. Enquanto isso, esperava achar algum trabalho por onde passasse. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário